Ao que se lê no Público, um enfermeiro que se sentiu
obrigado a emigrar por ausência de futuro em Portugal, escreveu a Cavaco Silva
uma carta de despedida. Sabemos todos que sempre fomos um país de emigrantes
pelo que a situação não é estranha e deve, apesar de tudo, ser encarada com
alguma serenidade.
O que é inquietante, é que durante muitos anos a
emigração se realizava na busca de melhores condições de vida, a agora a
emigração realiza-se à procura da própria vida, muitos dos jovens não têm condições de
vida, têm nada e partem à procura, não de melhor, mas de qualquer coisa.
Este vazio que aqui se sente é angustiante,
sobretudo para quem está começar, se sente qualificado e com o desejo de
construção de um projecto de vida viável e bem sucedido.
Há uns tempos foi divulgado um trabalho realizado
pela Federação Académica do Porto junto de estudantes do ensino superior de
diferentes instituições em que se concluiu que 69 % dos inquiridos admite
emigrar em busca de melhores condições de realização pessoal e profissional.
Apesar da cautela sobre as conclusões que o trabalho merece, o número é elevado
e demonstrativo das baixas expectativas sobre o seu futuro próximo que muitos
estudantes revelam o que me parece preocupante. Em todo o caso, cerca de 85 %
dos inquiridos que admitem sair, afirma querer voltar a Portugal.
Lembramo-nos ainda da intervenção do Ministro
Miguel Relvas, que certamente não teria tempo para responder a um inquérito
deste tipo durante a sua licenciatura, aliás, também não pensaria em partir,
porque o seu futuro estava garantido dentro de portas por efeitos do alpinismo
partidário. Disse então Miguel Relvas dirigindo-se aos jovens mais
qualificados, "ide procurar fora de portas o vosso futuro”.
Parece-me relativamente claro que a questão
central nesta matéria não é o movimento que desde há muito os portugueses
realizam de procurar trabalho fora do país. Como é óbvio as pessoas, cada
pessoa, procurará dentro das suas disponibilidades, capacidades e motivações
construir um projecto de vida em que se realize e esse projecto de vida pode,
evidentemente, passar por emigrar. Sabemos e isso é desejável em diferentes
perspectivas, que estes fluxos se realizem, mas esta não é a questão central.
O que me parece fortemente significativo é o que
representa de descrença de tanta gente, de que seja possível desenvolver um
projecto de vida viável e com potencial de realização pessoal e profissional no
nosso país.
Nesto contexto, como tenho referido, as
declarações dos responsáveis políticos assumem particular importância. Não podem
assumir que a solução para os problemas das pessoas, por exemplo o desemprego,
é abandonar o país, particularmente um país, Portugal, com sérias necessidades
de mão-de-obra qualificada, um dos mais baixos níveis de qualificação da Europa
e um dos grandes obstáculos ao nosso desenvolvimento, não pode acenar com a “sugestão”
de emigração exactamente para a franja mais qualificada da nossa população.
Trata-se uma visão absolutamente inaceitável.
Estes discursos vindos de quem lidera e de quem a
comunidade espera, é a sua função, um contributo decisivo para atenuar ou, em
tese, resolver os problemas do país, transmite incompetência, impotência e
finalmente desistência face a esses problemas que se repercutem na forma como
os mais novos encaram o futuro. Provavelmente, os dados do inquérito também se
inscrevem nesta repercussão, o pessimismo e a falta de confiança.
Admito que face à intenção expressa por tantos
estudantes surjam, como sempre, as vozes que referem o realismo destes
discursos, das efectivas poucas oportunidades de trabalho para muitos jovens
qualificados, mas, insisto no que disse há tempos, “mandar” essa gente embora
de um país como o nosso é delinquência política. Lamentavelmente, não estranho.
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