sexta-feira, 30 de março de 2007

A CRISE DA UNIVERSIDADE INDEPENDENTE

A universidade tem sido, por natureza e responsabilidade social, a alavanca do desenvolvimento das sociedades tendo estado desde sempre associada à formação das elites científicas, económicas, culturais e políticas. No final do século XX com a progressiva exigência de qualificação de sociedades mais desenvolvidas e da democratização dessas sociedades, começou a verificar-se uma progressiva acessibilidade de grupos sociais mais alargados a este nível de formação. Em Portugal e com algum atraso histórico, anos 80, este movimento também se traduziu por uma exponencial procura de formação universitária que não encontrou resposta nas universidades então existentes. A saída foi a apressada constituição de estabelecimentos de ensino superior, públicos e privados, com base num frágil enquadramento normativo e com dispositivos de regulação praticamente inexistentes.

Não parece pois de estranhar que, com a estabilização (em queda) da procura, as instituições com projectos científicos e pedagógicos menos consistentes e/ou modelos de organização e funcionamento menos capazes começassem a mostrar sinais de degradação. A tutela, Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tem assistido a estes sinais de forma, creio, excessivamente distante.

A crise agora instalada na Universidade Independente retrata com dramática evidência este quadro. É publicada informação que permite entender que os problemas não são de agora. E as questões fundamentais nem se esgotam no apuramento de eventuais ilícitos criminais cometidos por um qualquer grupo de pessoas.

As questões centrais remetem para o efeito devastador sobre os alunos da Universidade Independente, para a representação menos positiva sobre cursos já obtidos por muitas pessoas, para a dúvida sobre a qualidade do corpo docente, global e injustamente apreciado, para a dúvida sobre a credibilidade e qualidade do nosso ensino universitário, sobretudo do subsistema privado. Estes efeitos eram previsíveis. Porque não ocorreu uma intervenção mais cedo? A autonomia das instituições não justifica tudo.
Senhor Ministro Mariano Gago, com o devido respeito e como o povo diz: “tarde piaste!”

quinta-feira, 29 de março de 2007

AGORA OS IMIGRANTES, A SEGUIR...

Em declarações à imprensa, o Sr. José Pinto Coelho revela que o seu grupo, o Partido Nacional Renovador, está a iniciar uma campanha contra a imigração na qual se inscreve a afixação em Lisboa de um cartaz contendo mensagens de uma clara natureza xenófoba.

O (re)surgimento destes discursos constitui um dos mais sólidos testes à maturidade ética dos regimes democráticos, questionando dois dos seus pilares fundamentais, a tolerância e o acolhimento da diferença. Estes senhores, quando e sempre que atingem a liderança ou visibilidade políticas procuram instalar regimes totalitários, intolerantes e discriminatórios. Noutras circunstâncias, reclamam e usam as virtudes da democracia para a difusão das suas ideias e modelos, e mobilizam discursos populistas e demagógicos mais ou menos disfarçados de democratas, como é o caso. Nada que não seja conhecido. O Sr. Le Pen e a sua Frente Nacional, em França, são um bom exemplo, bem como a natureza dos regimes políticos implantados em alguns países.

Neste sentido, creio que, fundamentalmente, se torna necessário estar atento ao respeito pelos limites definidos constitucionalmente e, isso sim, promover debates e discursos lúcidos, não retóricos ou “politicamente correctos” sobre as diferentes questões das sociedades abertas e democráticas. É justamente por serem abertas e democráticas que se confrontam com problemas como o da imigração.

Com estes senhores não é necessário argumentar com a situação de 4,5 milhões de portugueses fora de Portugal e, assim, eles próprios imigrantes. Com estes senhores não é necessário argumentar com o impacto económico positivo da imigração. Com estes senhores não é necessário desmontar a demagogia da sua abordagem aos números do desemprego e a sua ligação com os imigrantes. Com estes senhores não é necessário referir que as causas da criminalidade e insegurança têm uma complexidade enorme e nenhuma relação de causa efeito com a imigração enquanto processo, embora possam, naturalmente, envolver imigrantes. Com estes senhores não é necessário sublinhar que a essência ética da democracia reside justamente no respeito pela diferença. Não vale a pena. Com estes senhores há só que fazer cumprir a lei de um estado de direito e democrático, algo em que manifestamente não acreditam e, portanto, não entendem nem querem entender.

No entanto, importa que as políticas sociais, assentes em princípios de equidade e de discriminação positiva destinadas, designadamente, aos grupos mais vulneráveis, sejam eficazes, oportunas e protectoras dos direitos das pessoas, de todas as pessoas. A falência de políticas ajustadas contribui, em muito, para criar as condições favoráveis ao aparecimento de discursos como o do Sr. José Pinto Coelho sendo, assim, o nosso fracasso o seu maior aliado. E isso é responsabilidade nossa.
(Foto de Luís Vieira)

quarta-feira, 28 de março de 2007

UMA NOTA SOBRE A OTA

A construção do novo aeroporto custará uma nOTA muito grande. Há que pensar bem, pois a decisão não pode transformar-se numa lOTAria. Não nos tomem por idiOTAs ou OTÁrios, informem-nos, não forneçam dados gOTA a gOTA conforme sopra o vento político.

Até os nossos mais cOTAdos engenheiros têm diferenças de opinião. Dizem-me que existe um problema de cOTAs e que também se coloca um problema de rOTAs aéreas. Outro problema parece ser o risco de contaminação dos aquíferos de água pOTÁvel.

É curioso observar a quantas cambalhOTAs já assistimos neste processo todo. De tantas opiniões, às vezes parece-me que a bOTA não bate com a perdigOTA e algumas afirmações já parecem anedOTAs que provocam risOTAs

Última nOTA que queria bem anOTAda. Que a discussão, decisão e futura construção se processem sem batOTA.

PORTUGAL, um retrato social

A RTP iniciou hoje a apresentação do trabalho “Portugal, um retrato social” da autoria do Professor António Barreto. Gostei francamente deste primeiro retrato que acompanha e reflecte de forma interessante a história das pessoas da minha geração. Achei que o escrutínio de tópicos abordados, imagens e testemunhos apresentados e a música de Rodrigo Leão compuseram um excelente trabalho que constitui um óptimo exemplo de serviço público.

Não posso deixar de sublinhar a lucidez, equilíbrio e beleza (por vezes cruel) da abordagem aos problemas dos agora chamados seniores e antes “terceira idade”. Já aqui me referi à forma como, nos últimos tempos e por razões diversas, temos vindo a lidar com os mais velhos (em O direito aos avós, O direito aos netos) e continuo a pensar que, para a dignidade da nossa cidadania, é fundamental combater o silêncio que envolve o isolamento e a luta pela sobrevivência com um mínimo de qualidade de vida de cerca de um milhão de portugueses que “usufruem” de pensões abaixo de 300 euros!!

Deve ser coincidência, mas este Retrato social surge um dia depois de um programa, também da RTP, ter promovido uma “votação” que definiu Oliveira Salazar” como o Grande Português, afinal só o homem que preparou durante 40 anos o país para o Retrato que António Barreto foi procurar há 40 anos atrás.

domingo, 25 de março de 2007

SERÁ QUE É GRANDE QUEM NOS QUIS PEQUENOS?

A história tem circunstâncias curiosas.

Hoje, 25 de Março de 2007, comemora-se a assinatura do Tratado de Roma instituindo a Comunidade Económica Europeia, um momento fundador da União Europeia.
Hoje, 25 de Março de 2007, Portugal, por iniciativa de um desastrado programa televisivo, prepara-se para, muito provável e (ao que consta) habilidosamente, ver votado como “o maior” de entre os Grandes Portugueses alguém, Oliveira Salazar, que assumiu como um dos paradigmas da sua governação o isolamento político e cultural traduzido num “orgulhosamente sós”, de que ainda não nos libertámos passados 864 anos do nosso reconhecimento como nação independente.
Sempre no espaço geográfico a que chamamos Europa. Naturalmente.

sexta-feira, 23 de março de 2007

NÃO É ASSIM QUE SE DESENHA UMA FLOR!

No último texto mostrei um desenho de uma gaiata de seis anos, e hoje, ao tentar alinhar uma ideia, olhava para o desenho e lembrei-me de como, por vezes, se trata o que as crianças produzem. Para ilustrar o pensamento recorri uma vez mais a Almada.

“Pede-se a uma criança. Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase que não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!
Contudo a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!

José de Almada Negreiros
Obras Completas, 4, Poesia

quinta-feira, 22 de março de 2007

DUAS FAMÍLIAS

A família, enquanto instituição, tem passado nos últimos anos por alterações em diferentes aspectos designadamente nos modelos de organização e prevalência desses modelos e, sobretudo, nas dinâmicas de funcionamento em consequência dos ajustamentos nos estilos de vida a que as sociedades modernas obrigam. Creio que ainda não é possível entender e gerir todo o alcance e implicações destas alterações, embora seja possível perceber a dificuldade que muitas famílias expressam no sentido de responder em circunstâncias diferentes, e em mudança, às exigências e funções que se acreditam continuar centradas na(s) família(s) independentemente dos seus modelos de organização.

Neste contexto, é frequente a referência ao número crescente de crianças e jovens que, por diferentes circunstâncias, se encontram “entre” famílias”, isto é, permanecem numa situação familiar com um dos progenitores e, em tempos variáveis, integram uma outra situação familiar com o outro progenitor. O volume de opiniões sobre estas situações é extenso, oscilando entre considerações de natureza moral e/ou ética e um entendimento científico sobre a forma como as famílias e sobretudo as crianças e jovens lidam com as circunstâncias. Por mim creio “apenas” que o(s) ambiente(s) familiar(es) deve ser suficientemente saudável para que a criança se organize também saudavelmente e faça o seu caminho.

Neste universo gostava de partilhar algo convosco. À solicitação de desenhar a sua família, esta criança de seis anos desenha as suas duas famílias. Sinais dos tempos dirão uns.


É BONITO A CRIANÇA TER UM SOL EM CADA FAMÍLIA, diria eu.

quarta-feira, 21 de março de 2007

21 DE MARÇO - O meu dia do OPTIMISMO

DIA 21 DE MARÇO

Dia do início da Primavera, dia mundial da Poesia, dia mundial da Árvore e da Floresta, dia universal do Teatro, dia mundial da Infância, dia internacional para a Eliminação da Discriminação Racial.

Que dia bonito! Vamos à vida.

Continua a elegante confusão no PP com a pedagógica e cívica discussão de pontos de vista diferentes, “normal e saudável nos partidos democratas” introduzindo uma interessante inovação estética relativa aos tons de pele mais claros ou mais escuros em uso no partido;

O debate mensal na Assembleia da Republica decorre com a profundidade, seriedade e empatia sempre presentes no diálogo entre Governo e Oposição;

As grandes questões nacionais, como por exemplo o novo aeroporto na Ota, continuam a ser debatidas com toda a informação disponível, abertura e participação exaustiva dos técnicos;

A Universidade Independente proporciona um inovador modelo de alternância democrática na sua gestão;
O mar enrola na areia e ninguém parece entender o que ele diz;

Ainda um autarca constituído arguido e novos silvos do Apito Dourado.

Finalmente, Jorge Coelho na Quadratura do Círculo evidencia a sua habitual e formativa atitude de lucidez e distância crítica, sublinhando a dificuldade que “os meus caros amigos” têm em entender a perfeição e virtuosa estatura do Governo do Engenheiro Sócrates.

Enfim, um dia estimulante a marcar a florida estação.

Bom, é verdade. Hoje decidi que teria o DIA DO OPTIMISMO. Vou dormir tranquilo.

terça-feira, 20 de março de 2007

RENDIMENTO SOCIAL DE INSERÇÃO. INSERÇÃO?!

Há uns anos atrás, numa das minhas primeiras idas a Moçambique, realizada pouco tempo depois de assinados os acordos de Roma que puseram fim à guerra civil, tive oportunidade de estar duas semanas a trabalhar em Inhambane, terra da boa gente. Durante esse tempo e realizando habitualmente o mesmo trajecto, cruzava-me com pessoas que, acocoradas e encostadas a uma parede, me davam a sensação de aí permanecerem todo o tempo, todas as horas, evidenciando uma expressão ausente, dormente e triste como que expressando o nada que lhes acontecia, o nada que lhes iria acontecer e o tudo que lhes tinha acontecido. Numa noite de conversa com o velho Carlos Bata, um velho de vida comprida e cheia, ele explicava que a atitude visível nessas pessoas se devia a que a vida os tornou tão pobres, que acham que nem um sonho podem comprar. Esta memória também me aproxima dos homens do largo das aldeias alentejanas, de que fala Vitorino, que, com um banco baixinho, vão atrás do sol no inverno e atrás da sombra no verão e já não esperam nada nem dão danos a ninguém.
Tudo isto me lembrou porque, de acordo com o Instituto de Informática e Estatística da Segurança Social, em Janeiro de 2007 existem 107 207 famílias que recebem o Rendimento Social de Inserção correspondendo a mais de 260 000 pessoas, das quais cerca de 120 000 são menores e idosos. Deste universo, apenas 48,7% das famílias têm acordos de inserção assinados e em 2006 apenas 16,3% das acções de inserção passaram pelo emprego (Público de 18/03/07). Será que muitas das pessoas envolvidas nesta teia de exclusão alguma vez terão acesso a uma conta-poupança que lhes permita comprar um sonho? Inserção?!
(Foto de Gonçalo Romeiras)

segunda-feira, 19 de março de 2007

DIA DO PAI - DIA DO FILHO

Conheci uma vez em Inglaterra um rapazinho que perguntou ao pai: “Os pais sabem sempre mais que os filhos?”, e o pai respondeu: “Sim.” A pergunta seguinte foi: “Pai, quem inventou a máquina a vapor?”, e o pai disse: “James Watt.” Então o filho respondeu: “Mas então porque é que não foi o pai dele que a inventou?”
Metadiálogos de Gregory Bateson, Gradiva, 1989
(Foto de Artur Franco)

sexta-feira, 16 de março de 2007

NÃO QUERO ESTAR FECHADO


(Foto de Jorge Carvalho)

Embora não simpatize com o título da fotografia de Jorge Carvalho, “o pobre puto”, considero que a excelente imagem nos fornece matéria para pensar.

Como já referi em textos anteriores, a observação das sociedades actuais permite a paradoxal constatação de que, simultaneamente ao desenvolvimento de sociedades mais abertas, assistimos ao desenvolvimento de pessoas mais fechadas na comunicação e relação pessoal. Por vezes, ao verificar a acessibilidade a informação, conhecimento e factos, de natureza pessoal ou institucional, característica de sociedades abertas e da informação, pode confundir-se a vida mais exposta (frequentemente em demasia) e as trocas virtuais, com um maior e melhor relacionamento pessoal. Este movimento de fechamento é global pelo que muitas crianças e jovens acabam, também elas, por ser envolvidas. Alguns fecham-se num ecrã sós ou, em diálogos virtuais com companheiros tão sós quanto eles. Outros fecham-se em escolas que não alcançam e acreditam estar bem ao lado dos colegas que alcançam e que vivem da mesma maneira. Ainda outros habitam em famílias fechadas onde se não fala para evitar a implosão. Há também quem se feche por dentro, assustado com o que está por fora. Existem também alguns que, mesmo fechados, insistem em abrir uma janela para espreitar. Se assim for, talvez não seja um pobre puto.

Ah! Já me esquecia. Existem ainda muitos putos que vão ser gente, com os outros e não ao lado ou independentemente dos outros. Tenho a certeza.

quinta-feira, 15 de março de 2007

RÁDIO CLUBE PORTUGUÊS - ficou diferente para mim

Embora não seja um ouvinte particularmente assíduo e, sobretudo, demorado, sintonizo com alguma regularidade a Rádio Clube Português. Aguardei, por isso, com alguma expectativa a mudança significativa que se verificou há algum tempo. Tal como Miguel Sousa Tavares, também eu fiquei decepcionado. É impossível e esgotante aguentar a verborreia, algumas vezes informativa mas, nas mais das vezes, opinativa, a que a qualquer hora se tem acesso. Provavelmente é azar meu, mas encontro sempre alguém (vários) a opinar sobre não importa o quê. Os que opinam e a matéria de opinião variam a uma velocidade estonteante. Creio que, a prazo, ouvirão a toda a plateia sobre o tudo que a imaginação permita, o que será coerente com o “diferente por si”.
Como não gosto de ser apanhado desprevenido, pedi ajuda a uns amigos e, com o recurso a modelos matemáticos e estatísticos, verificámos que tenho a forte probabilidade de, com um nível de confiança de 95%, ser ouvido no intervalo correspondente à terceira semana de Setembro de 2012. Quanto ao tema sobre o qual serei chamado a opinar, os estudos apontam para a influência que o aumento da altura média dos portugueses poderá ter na indústria têxtil, considerando ainda que as tendências em moda sugerem roupa mais apertada e curta e ponderando, por fim, os prováveis efeitos das campanhas de combate à obesidade. Espero estar à altura e, se não se importam, vou começar umas pesquisas. Até lá lamento, mas acho que não sou capaz de continuar a ouvir a estação.

quarta-feira, 14 de março de 2007

TENHA PACIÊNCIA

Hoje, a propósito de uma conversa sobre indicadores de exclusão e pobreza, lembrei-me de alguns episódios da minha infância que ainda agora me causam alguma perplexidade. Na zona onde na altura habitava, era relativamente frequente aparecerem pessoas a bater à porta para, numa humilhante circunstância, pedir esmola, o mais degradante dos pedidos. Nessa altura, sem a actual paranóia securitária, ainda eram as crianças que acudiam a ver quem era. Eu assim fazia. E depois de verificar que era “um pobrezinho” (o tal tranquilizante diminutivo a que já me referi noutro texto) avisava a minha mãe. Sem eu nunca conseguir entender com critérios, ela decidia dar ou não dar esmola, em dinheiro ou géneros. Mas a minha grande perplexidade, que se mantém até hoje, tem a ver com o facto de que, quando decidia não ser caridosa, a minha mãe mandava-me de volta para dizer ao pobrezinho “tenha paciência”. Devo dizer que ainda hoje esta memória me deixa embaraçado. Então o homem, ou mulher, não tem que comer, não tem trabalho, não leva ajuda ou apoio e ainda tem que ter paciência. É extraordinário como até como caridade se oferecia conformismo. E o que hoje me fez lembrar esta história foi exactamente isso, O CONFORMISMO QUE POR AÍ ANDA MASCARADO DE PACIÊNCIA.

terça-feira, 13 de março de 2007

SOU O MANEL E TENHO SEIS ANOS

Olá, sou o Manel, tenho seis anos e ando no 1º ano numa escola nova. Não sei ainda escrever muito bem e pedi ajuda para dizer isto. Quando andava no Jardim de Infância que se chamava O Paraíso da Criança, a educadora Fifi e a outra ai… a Beca diziam que esta escola ia ser boa e ia aprender muita coisa, até a ler e a fazer contas e problemas. Também disseram que podia brincar à mesma mas eu não acreditei porque o meu pai disse que umas pessoas que escrevem no jornal dizem que não se pode brincar na escola. Tem que se trabalhar a sério e se calhar ainda mais que os grandes porque os jornais também dizem que eles, os grandes, não têm ai…isso, produtividade. Mas vim para a escola e até estava animado. Havia uns meninos e umas meninas que eu já conhecia. Outras não, mas são fixes. A professora Maria também é fixe. Às vezes zanga-se e grita. É melhor porque a gente assim ouve-a. Umas vezes fala com as outras professoras e ficam zangadas com uma senhora que se chama Ministra. Dizem que essa senhora é que devia ensinar a gente. Não sei bem porquê mas eu não quero outra professora. Gosto da minha. Ela também gosta de mim. Ela disse-me e eu acredito. O que eu não gosto muito é da escola ser tão comprida. Muito comprida. Só para saberem vou dizer como é a segunda-feira.

Levanto-me às sete e meia e a minha mãe primeiro larga o meu irmão no Jardim de Infância e depois deixa-me na escola quase às nove e é assim:

Das 9 às 9 e 45 temos Matemática. Fazemos umas fichas do livro e professora explica coisas. Às vezes não percebo e ela diz que já vem mas os outros também não percebem e temos que esperar. Não se pode falar mas a gente fala e é quando a professora grita.

Das 9 e 45 às 10 e 30 é a mesma coisa mas com mais barulho.

Das 10 e 30 às 11 temos um intervalo para brincarmos à bola e ao wrestling.

Das 11 às 12 temos Língua Portuguesa. É o que eu gosto mais e já quase sei ler mas também temos barulho. Eu não me importo com isso porque quero aprender a escrever histórias e a ler livros. O meu avô não sabe ler e fica triste quando diz que não sabe. E fica contente quando leio coisas que já sei. Eu também fico.

Depois de almoçar no refeitório da escola com os alunos todos e com mais barulho ainda, vamos ter Estudo do Meio das 13 e 15 às 14. A Professora disse que a gente ia estudar o que estava à nossa volta mas ainda não saímos da escola. Se calhar temos que estudar primeiro para depois ir ao Meio.

Das 14 às 15 e 15 temos Expressões. Também é giro. O que eu gosto mais é de pintar mas a Professora diz que eu nunca escolho bem as cores e os desenhos ficam feios. Mas eu gosto deles e a Rita que é minha amiga, também.

Às 15 e 30 e até às 16 e 15 temos Educação Física. Também gosto mas fico muito cansado de correr e jogar e fico transpirado.

Às 16 e 30 vamos para Inglês. A professora está sempre aborrecida, diz que não percebe miúdos pequenos. Diz que não estamos calados e quietos a fazer as fichas como uns alunos que ela tem noutra escola e que já andam no 12º ano. O inglês é giro mas só aprendi os números e as cores. Não sei falar inglês e ainda fico mais cansado.

Das 17 e 15 às 18 temos Música. O professor é engraçado, tem um piercing e o cabelo atado. Toca um violino e anda numa escola chamada Conservatório e só estuda música. Ele gosta. Mas acho que não gosta muito de estar com a gente. Diz que precisa de ganhar dinheiro e que lhe pagam pouco e que a gente não tem jeito para a música. Eu gostava de experimentar o violino mas a gente só tem pífaros.

O meu pai vem buscar-me às 18 e 30 e vou para casa e aproveito para brincar um bocadinho com o meu irmão. Às vezes digo que estou cansado mas a minha mãe diz que é para eu aprender como é a vida dos grandes. Eu acho que eles têm uma vida grande porque são grandes e eu… EU SOU PEQUENO. AINDA NÃO PERCEBERAM?

(Foto de José Mónica)

OS DIMINUTIVOS QUE NOS DESCANSAM

Existe algo que na utilização da Língua Portuguesa desde há muito me desperta curiosidade. Refiro-me a uma certa forma de utilizar o diminutivo. Se bem repararmos, é frequente a utilização desta fórmula quando aplicada a algo ou alguém a que, ou a quem, imputamos características ou atributos menos positivos. Vejamos alguns exemplos. Falamos dos que têm menos como os “pobrezinhos”, dos menos dotados como “poucochinhos” ou “tolinhos”, dos infelizes como “coitadinhos”, de algumas pessoas como “ceguinhos”, “maluquinhos” ou “aleijadinhos” e sempre “coitadinhos”, de elementos de minorias como “ciganitos” ou “pretinhos”, dos mais velhos como “velhinhos”, etc.

A eventual explicação (não é que seja fundamental mas gosto de procurar respostas para os muitos porquês em que tropeço) pode remeter para o embaraço ou culpa, em versão mais pesada, que sentimos pela percepção menos positiva que sentimos e que parece atenuar-se pelo “diminuição” do atributo, ou seja, o indivíduo é cigano mas não muito, é só “ciganito” e, no fundo, os diminutivos também contêm uma conotação de carinho e protecção que nos permite sossegar a consciência. Ou será que não? Acho que vou ter que recomeçar.
(Foto de Paulo Patoleia)

segunda-feira, 12 de março de 2007

LEITURAS DO FIM-DE-SEMANA

Considerando que o fim-de-semana se apresentou solarengo e quentinho como há muito não tínhamos, imaginei que parte do meu desencanto e cepticismo relativamente ao nosso quotidiano se aquietariam. Com esta convicção senti-me melhor, pois isto significava algum ânimo o que poderia indiciar uma recuperação cada vez mais duvidosa. Mas não, as leituras de fim-de-semana fizeram implodir o meu baixo optimismo de tal maneira que nem as convictas, positivas, reconfortantes e, essas sim, verdadeiramente optimistas crónicas de Vasco Pulido Valente no Público me ajudaram. Fiquei verdadeiramente preocupado. Se não vejam.

O Dr. Portas confirma que vem para ficar, O Dr. Ribeiro e Castro diz que fica para não ir, o Dr. Santana Lopes cansou-se de andar por aí e parece querer voltar para aqui, o Major quer ser julgado na Televisão pois parece que “os tribunais não o levam a sério”, o Dr. Manuel Monteiro em mais uma prova de vida ameaça, pela enésima vez, fundar qualquer coisa, o Eng. Sócrates não abdica da ideia de que nasceu para nos salvar, o Dr. Marques Mendes ainda continua à procura de uma posição para a oposição, enquanto muitos dos seus colegas de partido se acotovelam para o amparar… na queda, o Dr. Louçã acredita que as mais-valias da especulação imobiliária devem reverter para o Estado, o Sr. Jerónimo acredita que o mundo parou, O Dr. Júdice acha que seria um bom presidente da república mas… não lhe apetece, o Dr. Cavaco não pára de dar conselhos e fazer avisos, etc. E sabem o que me deixa mais embaraçado e inquieto? Eles estão convencidos que nós os levamos a sério e … às vezes é verdade.

sexta-feira, 9 de março de 2007

O INFERNO EXISTE

A leitura regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos, e o interesse pelo mundo da educação suscitaram-me a realização de um pequeno exercício inventariando a terminologia mais empregue na esmagadora maioria dos trabalhos publicados. Aqui se deixa o interessante resultado.

Abandono escolar, absentismo, falta de assiduidade, alunos desmotivados
Agressão a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”, violência escolar, humilhações
Assaltos, roubos, delinquência
Falta de autoridade dos professores, imagem social degradada dos professores, professores desmotivados
Famílias incompetentes, pais negligentes, demissão familiar
Indisciplina, incivilidade, mau comportamento, protestos, recusa, contestação
Insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados
Insegurança, medo, receio
RECUSO-ME A CONTINUAR

Depois deste retrato temos duas alternativas a considerar. Ou a escola é exactamente isto, e todos os dias cerca de 1 500 000 de crianças, adolescentes e jovens e 160 000 professores e funcionários vão lutar pela sobrevivência neste inferno ou, por outro lado, a escola tendo isto, não é só isto.
Como acredito na segunda hipótese, parece-me urgente que, mantendo um realismo lúcido, se procure e mostre o TUDO e não apenas o mau da escola. A insistência exclusiva neste discurso terá um efeito devastador na confiança e expectativas de alunos, famílias e professores face ao presente e ao futuro.

quarta-feira, 7 de março de 2007

A INTERVENÇÃO PRIORITÁRIA E A INTERVENÇÃO POSSÍVEL

Em 1996, com o objectivo de melhorar a qualidade da educação em Portugal, foram criados os TERRITÓRIOS EDUCATIVOS DE INTERVENÇÃO PRIORITÁRIA (TEIP). Passados onze anos, com a prestimosa colaboração e empenho de sucessivas equipas ministeriais das quais é justo salientar o contributo inexcedível dos actuais gestores da Educação que retomam o conceito, a sociedade portuguesa vê alargado a todo o território o modelo dos TEIP embora com uma pequena modernização, isto é, estamos organizados cada vez mais em TERRITÓRIOS EDUCATIVOS onde se faz a INTERVENÇÃO POSSÍVEL. E toda a intervenção que for possível, é ainda prioritária.

terça-feira, 6 de março de 2007

A PROPÓSITO DA AGRESSÃO A PROFESSORES

Nos últimos tempos têm-se avolumado na comunicação social os relatos de episódios de violência dirigida a professores, quer da parte de alunos, por vezes bem novos, quer de pais e, espanto, avós. Nas mais das vezes e para além da óbvia condenação, emergem referências à falta de autoridade dos professores, à degradação da sua imagem social, à falta de qualidade da educação familiar, etc. Naturalmente que estas questões merecem atenção e análise, isoladamente ou em conjunto, mas não é esse o objectivo desta nota. Pretendo reflectir sobre a mudança que se vem processando na percepção de autoridade, na percepção das figuras socialmente investidas de autoridade e na percepção dos atributos dessas figuras. Esta apreciação, ainda que partindo do caso dos professores, tem um âmbito bem mais alargado pois também sabemos que têm vindo a aumentar significativamente os casos de agressão (de diferentes tipos) a agentes policiais, médicos e outros técnicos de saúde, a funcionários de serviços públicos, etc.

Se bem repararmos, qualquer destes grupos, considerando a sua função social, sempre foram (e são) percebidos, por razões diferentes, como figuras com autoridade. E é esta percepção que está em mudança. De facto, estas figuras eram percebidas com um conjunto de atributos que, só por si, inibiam comportamentos mais agressivos a si dirigidos. Esta percepção traduzia-se na velha e conservadora expressão popular “só a farda, mete respeito”. Actualmente, e de forma repetida, o facto de se ser professor, agente, médico ou funcionário, etc. já não parece suficiente para que, numa qualquer situação mais tensa, se evite ser vítima de comportamentos agressivos, ou seja, o efeito regulador dos atributos, esbate-se pois estes não são percebidos da mesma forma. Em minha opinião, isto representa uma mudança muito significativa, que coloca problemas novos e para os quais as velhas e imediatas “soluções” como reforço da autoridade (o que será que isto quer dizer?) parecem estar condenadas ao fracasso pois, em sociedades abertas e democráticas, a autoridade percebida em qualquer função decorre, não só dos atributos de que essa função está investida, mas, sobretudo, da competência no seu exercício e da regulação ética, cívica e moral que conseguirmos imprimir nos nossos processos de educação e formação. É este o grande desafio que enfrentamos.

UMA BOA IDEIA DE ANTÓNIO BARRETO - uma inquietação minha

O Professor António Barreto na sua habitual peça de Domingo no Público, 04/03/07, apresenta o que considera Duas Boas Ideias. Nesta nota refiro-me à “entrega do ensino básico e secundário às comunidades locais”.
Antes de um pequeno comentário, duas afirmações de princípio. Defendo de há muito que a descentralização e a autonomia são dois movimentos imprescindíveis ao desenvolvimento qualitativo dos sistemas educativos, a experiência internacional e a investigação comprovam-no. Entendo, também de acordo com o Professor A. Barreto (entrevista no Público de 25/02/07), que o poder autárquico se constitui como um dos mais significativos avanços da nossa história política mais recente.
Apesar destas minhas convicções, devo dizer que a Boa Ideia do Professor A. Barreto me inquietou um pouco. Em primeiro lugar porque, ao explicitá-la um pouco mais, reduziu “as comunidades locais” às autarquias, esquecendo todos os outros parceiros comunitários. Citou aliás o Dr. Fernando Ruas, Presidente da Associação Nacional de Municípios como interessado em “assumir todas as competências, incluindo as de recrutamento e colocação de professores, de gestão, de investimento e até de disciplina”. É obra. Parece-me interessante referir que este ilustre representante do poder autárquico em reunião da Assembleia Municipal de Viseu, 26/06/06, incitou os munícipes a “correr à pedrada” os fiscais do Ministério do Ambiente devido a eventual excesso de zelo na sua acção inspectiva.
Em segundo lugar inquieto-me porque, contrariamente a conhecidas teses contra a ditadura do Relativismo, entendo que a circunstância deve ser considerada. Neste caso creio que deve ser considerada a distorção, enviesamento, caciquismo, nepotismo e corrupção, clientelismo partidário, etc. que se constituem como “normais” atributos de uma parte significativa da nossa vida autárquica, também reconhecidos por A. Barreto na já citada entrevista. Face a tal quadro, assusta-me um pouco a ideia de entregar a “este” poder autárquico a educação, designadamente nos Ensinos Básico e Secundário onde se ganha a batalha da qualidade. Isto não significa, insisto, contrariar o imprescindível movimento de descentralização e autonomia. Significa, sobretudo, a necessidade urgente de um saneamento ético e cívico que nos permita entender o poder autárquico como a expressão mais nobre da acção política e a mais próxima do cidadão e das suas necessidades. Quanto à reacção dos Sindicatos, meu caro Professor António Barreto é… isso mesmo, reacção.

segunda-feira, 5 de março de 2007

FIM-DE-SEMANA NO MEU ALENTEJO

O fim-de-semana levou-me, como sempre, ao meu Alentejo, que já conhecem, o meu Alentejo. Se calhar deveria dizer a minha semana traz-me para Almada uma vez que, como diz cantiga, já deixei o Alentejo, o meu.
Depois de tantos dias cabaneiros, soube bem apanhar um dia de sábado bem criador. Deu para fabricar a terra do pomar que já estava tapada de erva. Este ano, com tanta água, a erva vê-se crescer. O mestre Zé Marrafa pôde também arrendar as ervilhas e colher os “ortigões” dos criadores dos tomateiros. Fabricou-se um bocado de terra para plantar umas couves e os tomateiros que estão quase no tamanho certo. A batata já está a nascer e o solzinho que esteve até a puxa mais depressa para fora da terra. Ainda não conseguimos acabar de desmoitar as romaneiras nem tronchar a azinheira grande, mas os alecrins e alfazemas que faltavam ficaram postos. Nunca mais chega sexta feira para voltar ao meu Alentejo.

quinta-feira, 1 de março de 2007

A PERCENTAGEM QUE A SONDAGEM NUNCA MOSTRA


De uma forma cada vez mais insistente ao longo dos últimos anos, a comunicação social faz-se eco de inúmeros estudos de opinião acerca dos mais variados temas e questões. Esta presença assume especial nitidez sempre que algum processo de decisão está em causa, eleitorais ou referendários por exemplo, ou, de forma menos explícita, quando parece relevante conhecer a “sensibilidade” do cidadão relativamente a alguma matéria sobre a qual importa tomar decisões políticas de maior ou menor popularidade previsível.

Não está obviamente em causa o rigor científico e a fiabilidade metodológica da generalidade desses estudos, mas sabendo, como também se sabe, o peso que a opinião publicada tem na construção da opinião pública, creio que é de estar atento ao que “não dizem” algumas franjas sociais que habitam a periferia da vivência, a sobrevivência.

A este respeito, cito Sam the Kid que, num processo interessante, integra uma área do hip hop que parece estar a ocupar o espaço da que há 40 anos chamávamos música de intervenção e que sem raízes musicais portuguesas (essa a grande diferença) assume um discurso lúcido, atento, crítico e não integrado.

Eu sou a percentagem que a sondagem nunca mostra
Eu sou a mente exausta da miragem mal composta
Eu sou a indiferença e a insatisfação
Eu sou a anti-comparência, eu sou a abstenção
(Foto de Paulo Cesar)

LICENCIADOS NO DESEMPREGO - Um tiro no pé

Uma das temáticas mais presentes, jutificadamente, na comunicação social é o desemprego assistindo-se a uma esgrima em torno da interpretação e validade dos indicadores, polarizada basicamente entre Governo e maioria, Oposições e Estruturas Sindicais. As posições oscilam entre um optimismo militante, um hiper-realismo quase catastrófico e uma retórica esgotada e impotente, tudo temperado com uma boa dose de demagogia.
Centro esta nota numa dimensão que vem sistematicamente à colação, isto é, o desemprego entre jovens licenciados. Trata-se naturalmente de um problema extremamente sério e que, do meu ponto de vista, requer uma abordagem que nem sempre está presente. Vejamos alguns indicadores. Em Portugal, o desemprego entre licenciados é superior ao que se verifica noutros países da Europa para o mesmo grupo social. Segundo dados oficiais, em termos comparativos, a taxa de desemprego entre licenciados é mais baixa que a taxa global e um licenciado no desemprego demora, em média, cerca de metade do tempo a encontrar emprego face ao grupo global.
Dito isto, sublinho um primeiro aspecto. Em minha opinião, quando alguma imprensa, considerada “de referência”, titula em primeira página “jovens licenciados no desemprego” e não analisa de forma um pouco mais aprofundada a situação, está implicitamente a enviar uma mensagem “estudar para quê se me espera o desemprego”. Se considerarmos que os jovens adultos portugueses são possuidores de uma das mais baixas taxas de escolarização da UE a 25, logo no ensino secundário, aquela mensagem é verdadeiramente suicida.
Em segundo lugar, o facto de em Portugal a taxa de desemprego entre licenciados ser superior à de outros países remete, naturalmente, para os nossos níveis de desenvolvimento que, em muitos sectores, não absorvem mão-de-obra qualificada, pelo que o discurso não pode sugerir “licenciados a mais” mas sim, e sempre, “desenvolvimento a menos”.
Finalmente, embora o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tenha anunciado a futura disponibilização de dados neste âmbito, importa que se proceda a uma análise das áreas de formação dos licenciados no desemprego. Por óbvia demissão da tutela, ao abrigo de uma obesa autonomia do ensino superior, nunca existiu uma regulação eficaz da oferta e organização da formação de nível superior. Tal situação, que se arrasta desde a década de 80, tem provocado distorções e enviesamentos fortíssimos que conduzem, também, à situação que conhecemos.
Assim, creio que andaremos melhor se insistirmos na imprescindível necessidade de qualificação dos nossos jovens, se a tutela do ensino superior assumir, de facto, uma atitude reguladora e verdadeiramente promotora de I&D, se as instituições de ensino superior procurarem em diferentes campos uma maior aproximação ao Mercado sem hipotecarem o seu papel insubstituível de inovação e desenvolvimento científico e se, finalmente, a comunicação social tratar esta questão de uma forma mais cautelosa evitando, pelo impacto que tem, uma atitude menos investida e empenhada na qualificação dos jovens e nas perspectivas das famílias.