quinta-feira, 31 de outubro de 2019

O INFERNO NA ESCOLA, O DIREITO AO OPTIMISMO


Nos últimos tempos a educação, a escola, tem sido fonte permanente de referências na imprensa na sua maioria de natureza negativa.
Apesar de como aqui tantas vezes tenho referido considerar urgente a reflexão e intervenção adequada relativamente aos problemas dos alunos, aprendizagens e comportamentos, às questões sérias que envolvem os professores incluindo as de natureza profissional, às relações interpessoais e clima social ou de organização, ao funcionamento e governação das escolas, não simpatizo com a alimentação da ideia de que todos os que diariamente chegam às escolas entram no inferno.
Apesar de todos os constrangimentos e dificuldades e do que ainda está por fazer, o trabalho desenvolvido por professores e alunos é bem-sucedida na maioria das situações e isso deve ser sublinhado. De uma forma geral, professores e alunos, quase todos, fazem a sua parte.
Reconheço que o universo da educação tem vindo durante décadas a funcionar de forma associada à deriva política em que os caminhos da educação se transformaram. Na verdade, a educação tem sido um terreno privilegiado do funcionamento da partidocracia ao sabor de agendas que, frequentemente, não coincidem com o bem-estar comum e operadas por equipas que, nas mais das vezes, produzem catadupas de legislação e mudanças sucessivas, sem avaliação que as sustente e sem coerência ou competência, a que os fortíssimos interesses corporativos presentes no universo da educação reagem positiva ou negativamente conforme os seus interesses são, ou não, contemplados.
Neste cenário têm-se desenvolvido políticas públicas que não cumprem de forma suficiente o direito constitucional de uma educação de qualidade para todos os indivíduos em idade escolar com consequências devastadoras no clima e funcionamento das escolas.
Sabemos e compreendemos a necessidade de combater o desperdício e conter gastos.
Por outro lado, boa parte dos discursos produzidos pelos representantes dos professores ou dos funcionários, são quase que exclusivamente centrados numa visão corporativa de questões profissionais, o que não se estranha, naturalmente, é a sua vocação. No entanto, esses discursos surgem, excessivas vezes, capturados pelos interesses das agendas dos interesses da partidocracia subjacente, ficando pouco clara a preocupação com a qualidade dos processos educativos.
Num país em que a literacia e a maturidade cívica que sustentam a solidez e a força de posições de crítica e exigência são deficitárias, a maioria dos pais está demitida do envolvimento nos movimentos representativos dos pais pelo que as minorias mais activas assumiram essa posição que sendo legítima não é eficaz e representativa obedecendo, por vezes nitidamente, a agendas outras. Os outros pais, a maioria e, sobretudo, os mais preocupados com os seus miúdos relacionam-se com a escola em função, obviamente, das particularidades individuais dos seus educandos.
Finalmente e no que respeita aos alunos, parece-me importante sublinhar que o quadro que descrevi anteriormente, as consequências dos modelos de desenvolvimento que têm sido seguidos, os sistemas de valores que temos vindo a definir, não podem deixar de se reflectir na relação que estabelecem com a escola, ou, melhor dizendo com parte da vida da escola.
É por esta ordem de razões que, a não alterarmos modelos e valores de participação cívica, discursos e práticas políticas, mais centradas no bem comum e menos centradas nos interesses da luta pelo poder, dificilmente imagino que tenhamos, mesmo, um Ministério da Educação centrado no que é essencial, orientação e regulação, com um aparelho leve e eficaz, e o trabalho educativo centrado em escolas autónomas, responsáveis e responsabilizadas perante as comunidades locais.
No entanto, não posso deixar de registar uma palavra de optimismo. Apesar deste "caos organizado", professores e alunos têm conseguido produzir um trabalho notável de recuperação de resultados e competências que os estudos internacionais sublinham.
O meu filho fez toda a formação escolar, do pré-escolar ao superior, no sistema público, com os sobressaltos próprios destes processos, mas também com o sucesso que o trabalho dele e dos professores mereceu.
Quero acreditar que os meus netos, o mais velho no primeiro ano de uma escola pública, possam seguir o mesmo caminho, frequentar uma escola pública em que confiamos e acreditamos que o leve ao futuro.

Nota - Hoje de manhã passei a pé, com tempo para olhar e pensar, junto da Escola onde fiz a primária, como se chamava. Apesar de lá me ter sentido bem naqueles tempos e porventura a escola ser mais tranquila, definitivamente, eu não quero "aquela" escola para os meus netos. É verdade que a escola de hoje recuperou a quase esquecida radição portuguesa do Halloween e hoje foi simpático ver ao ir levar o meu neto inúmeras crianças com as máscaras mais horríveis, com camisolas tingidas de "sangue" a passear por entre esqueletos e zombies. Anda assim, prefiro a escola de hoje

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

PSICÓLOGOS, PSICOLOGIA E ESCOLA


Ontem participei num encontro com algumas dezenas de colegas psicólogos a desempenhar funções nos Serviços de Psicologia e Orientação. Foi simpático reencontrar tantos colegas que se cruzaram comigo durante a sua formação inicial e perceber como, de facto, o tempo passa.
Na intervenção procurei reflectir como a partir das orientações estabelecidas em diferentes documentos orientadores, do estado da arte em matéria de psicologia da educação e de contextos de intervenção carregados de constrangimentos, o empenhamento e a competência dos profissionais pode dar um contributo sólido para a qualidade dos processos educativos de todos os alunos. Para além do trabalho com alunos importa considerar a colaboração com professores, funcionários, direcções e pais e encarregados de educação.
É verdade que nos últimos anos tem emergido uma mais nítida afirmação da importância da colaboração dos psicólogos nas comunidades educativas e do enquadramento por parte do ME da sua intervenção.
No entanto, o grande problema é que para além da definição de orientações e da afirmação da importância do seu contributo é necessário que … existam psicólogos. Como é óbvio existem, mas o seu efectivo está longe de corresponder às necessidades.
De facto, a presença dos psicólogos em contextos educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores, incluindo a tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão, insuficiência e precariedade no sentido da sua concretização.
Recordo que no V Seminário de Psicologia e Orientação em Contexto Escolar o Secretário de Estado da Educação, João Costa, reafirmou a “indispensabilidade de ter psicólogos nas escolas" sublinhando o seu contributo essencial para o sucesso académico e bem-estar dos alunos.
É de facto recorrente a afirmação por parte do ME da prioridade em promover o alargamento do número de técnicos e a estabilidade da sua presença nas comunidades educativas. Não é um discurso novo, é apenas algo que tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui escritas e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, tenho formação em psicologia da educação.
O ME tem definido o objectivo de atingir um rácio nas escolas que passe dos actuais 1/1700 para um psicólogo para cada 1100 alunos.
De acordo com dados da Ordem dos Psicólogos Portugueses que presumo estarem ainda actuais, o sistema educativo público terá em falta cerca 500 psicólogos. Acresce que a maioria destes técnicos é contratada anualmente e, frequentemente, com atrasos no início de cada ano com consequências negativas. Acontece ainda uma enorme precariedade que a partir deste ano se procurou minimizar e a ausência de uma carreira aberta, estruturada e valorizada.
Também segundo dados da OPP, no ensino privado o rácio é de 1/785 alunos o que, evidentemente, não significará que as instituições de ensino privado suportem recursos humanos desnecessários.
Existem situações, no encontro estavam vários colegas, em que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo com mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que não serve adequadamente os destinatários como também, evidentemente, compromete os próprios profissionais.
Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um técnico de psicologia.
O quadro orientador da intervenção dos psicólogos nos contextos escolares definido pelo ME, sendo um documento positivo é evidentemente incoerente com a falta de recursos, é inaplicável em muitas situações face ao alargado espectro de funções e actividades previstas associado ao universo de destinatários.
Neste cenário, a intervenção dos profissionais, apesar do esforço e competência, tem um potencial de impacto aquém do desejável e necessário. Áreas de intervenção como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais, trabalho ao nível da prevenção de problemas, etc., exigem recursos e tempo que não estão habitualmente disponíveis.
Acresce que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos.
Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?
Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são necessários.
Este último entendimento contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de outros países aconselham e o discurso que o ME subscreve. Aliás, Cor Meijer, director da Agência Europeia para a Educação Inclusiva e Necessidades Especiais, afirmou no encontro que referi, “Os psicólogos escolares são essenciais para a educação inclusiva".
A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme equívoco, que, além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
Estando já perto do final da carreira profissional ainda aguardo que a importância e prioridade sempre atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos se concretizem de forma suficiente e estável.
No entanto, fiquei satisfeito com a mobilização e empenho dos colegas presentes no sentido de que o pouco que se consiga fazer pode sempre ser um muito para com quem se faz.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

PROGRAMA DO GOVERNO PARA A EDUCAÇÃO (2). PLANO DE NÃO RETENÇÃO NO ENSINO BÁSICO


Voltemos então ao Programa do Governo para a Educação. No meio de inúmeras referências a projectos, planos, iniciativas, algumas até me parecem com alguma redundância caso do que a seguir abordo encontra-se como intenção programática (pg 141):
(…)
• Criar um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e
diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades;
(…)
Era previsível uma referência ao abaixamento da retenção, é um desígnio de há décadas e apesar disso ainda é um problema significativo. Algumas notas.
Deixem-me recordar que em 2018, o CNE no âmbito do Projecto aQeduto em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos divulgou um Relatório “Estado da Educação, 2017” em que se analisava a questão da retenção incluindo do ponto de vista económico.
Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identificou o grau de eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a retenção tem o custo mais elevado (6000€) e a eficiência é negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.
De facto, definitivamente, não adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram.
Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários às notícias sobre estas questões é elucidativa.
Nesta conformidade e repetindo-me a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Este discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção resolve o problema do insucesso.
É essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPC e explicações, dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico. É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes modelos curriculares e carga lectiva finalizando sempre com algum tipo formação profissional. Esta diferenciação não deve acontecer em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que tarda em acontecer de forma consistente em Portugal e julgo que talvez mais uns planos ou estratégias ou iniciativas todas elas certamente inovadoras e associadas a novos paradigmas não sejam o melhor caminho
Como diria Almada Negreiros a que tantas vezes volto, as frases que hão-de salvar a humanidade já estão todas escritas, só falta mesmo salvar a humanidade.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

DIA BONITO, DIA FEIO. UM DESABAFO

O dia está bonito, está de chuva e mesmo quem como eu já hoje andou de mota agradece a vinda da água. No entanto, o dia também está feio, leio tantas coisas sobre educação que não respeitam a educação, a educação de qualidade para todos os miúdos. Leio e oiço vozes também da área da educação que dizem coisas que de educação têm pouco e isto não tem obviamente a ver com a normal e desejável divergência de ideias. Que se passa gente? 
Um velho companheiro de viagem, Mário Sénico, dizia, "ai de mim se não for eu". É gente, se não formos nós quem mais?

domingo, 27 de outubro de 2019

O PROGRAMA DO GOVERNO PARA A EDUCAÇÃO (1)

Agora que o Governo entrou em funções acedi ao Programa ainda que, como sabemos de há muito, nem sempre exista uma relação sólida entre o que consta no Programa e o que constará na obra.
No que respeita à educação, encontram-se aspectos positivos, detecção precoce de dificuldades dos alunos, por exemplo, e vários pontos no programa que justificam alguma reflexão e também alguma preocupação. Continua o modelo assente no fazer chegar às escolas uma onda enorme de planos, projectos, estratégias dirigidas a várias dimensões ou constrangimentos, (pg 41). As áreas enunciadas são de facto pertinentes mas temo mais uma vaga de acções voluntaristas, avulsas e desintegradas vindas sobretudo de fora das escolas e que consumirão esforços e recursos e, com demasiada frequência, acompanhados de uma forte carga burocrática. Anuncia-se, por exemplo, a enésima ”estratégia integrada para o ensino da matemática”.
Nesta primeira abordagem e face a um dos maiores desafios actuais, a renovação da classe docente, lê-se no Programa do Governo que pretende (pg 23)
“• Elaborar um diagnóstico de necessidades docentes de curto e médio prazo (5 a 10 anos) e um plano de recrutamento que tenha em conta as mudanças em curso e as tendências da evolução na estrutura etária da sociedade e, em particular, o envelhecimento da classe docente;
• Sem contrariar a convergência dos regimes de idade da reforma, encontrar a forma adequada de dar a possibilidade aos professores em monodocência de desempenhar outras actividades que garantam o pleno aproveitamento das suas capacidades profissionais;”
Em termos concretos e para os próximos quatro anos isto … é nada ou pouco menos que isso.
Em termos mais concretos talvez fosse interessante considerar o seguinte.
No Programa do Governo não existe qualquer referência ao reforço do Programa de Apoio Tutorial Específico que está em desenvolvimento e ao que as avaliações sugerem com impacto positivo. Aliás, importa sublinhar algo que as boas práticas já existentes em muitas escolas e os estudos nacionais e internacionais sustentam, os programas de natureza tutorial são ferramentas sólidas e eficazes para acomodar e responder a dificuldades de alunos e professores nos processos de ensino e aprendizagem.
Como se sabe este programa estabelece quatro horas semanais por professor tutor para 10 alunos o que considerando os objectivos do Programa e o perfil de intervenção definido é manifestamente insuficiente. Talvez o empenho, a competência e profissionalismo da generalidade dos professores envolvidos minimizem insuficiências e sustentem resultados.
Não será certamente por acaso que um dos Projectos da Iniciativa Educação apresentada na semana que passou e coordenada por Nuno Crato destinado à área da literacia tem como estratégia privilegiada o apoio tutorial mas cada professor tutor terá um máximo de 3 alunos e estes terão entre 3 e 5 sessões semanais de 30 a 45m. A diferença para o Programa em curso da responsabilidade do ME é enorme.
Talvez por aqui tivéssemos uma excelente oportunidade de lançar um programa de renovação da classe docente. As escolas e agrupamentos conhecem muito bem os docentes que nelas desempenham funções. Poder-se-ia considerar recorrer aos professores mais experientes, mais em fim de carreira, para o desenvolvimento de programas de tutoria com mais tempo e menos alunos ao mesmo que tempo que se procedia à renovação com novos docentes no sistema
Também o recurso a modelos de coadjuvação seria uma outra hipótese pois também é reconhecido que a presença de dois docentes em sala de aula constitui uma medida com impacto significativo nas aprendizagens, sobretudo em algumas disciplinas identificadas, e nos comportamentos dos alunos que constitui, aliás um dos problemas mais sentidos nas comunidades escolares. A coadjuvação é ainda uma excelente ferramenta de promoção de uma educação verdadeiramente inclusiva
Neste cenário teríamos como professores coadjuvantes os professores mais experientes abrindo espaço à renovação uma exigência de curto e médio prazo.
Os potenciais resultados certamente compensariam o investimento para além do que poderia resultar em economia face a projectos de natureza exterior à escola.

sábado, 26 de outubro de 2019

OS DIAS DO ALENTEJO


Está a escurecer, amanhã será mais cedo, e acabou a lida. Foi comprida, preparar os panos para a apanha da azeitona, o Mestre Zé Marrafa já sabe que o lagar abre na próxima semana e temos que a colher. É preciso verificar as varas para bater a azeitona, colocá-las algum tempo na água para não ficarem quebradiças, preparar as sacas para as carregar e … estamos preparados. Espero que o Mestre Marrafa, do alto dos seus 78 não volte a propor-me trabalhar com uma vara mais leve que a dele para me proteger, dá-me cabo da auto-estima, ainda tenho um bom par de anos menos que ele. A verdade é que a capacidade de trabalho do Mestre Zé é impressionante.
A expectativa é baixa, o ano foi demasiado seco e a azeitona não está nas condições ideais embora já tivéssemos apanhados algumas em melhores condições para conserva e outras que se podem comer já daqui a pouco tempo pois foram “pisadas.
Ainda mondámos alfaces e couves o que ao mesmo tempo deu para apanhar umas beldroegas que vão dar uma sopa mais do que “gourmet”.
Trabalho mais pesado foi aparar os espargueiros para facilitar a colheita dos espargos que se vier alguma chuva, esperemos mesmo que venha, não tardarão a aparecer.
Depois de carregar o que se cortou a lida acaba com um cansaço “manso” que apesar de ser cansaço … sabe bem.
Depois da janta, muda a tipologia da lida. Vou continuar a preparar a arguência de uma tese de que estou a gostar o que torna a tarefa mais branda. Um bocadinho diferente do trabalho feito durante o dia mas igualmente estimulante.
E são também assim os dias do Alentejo.

ROTINAS


Como muitas vezes aqui tenho referido preocupa-me que em muitos contextos familiares as crianças cresçam com alguma dificuldade de regulação e, sobretudo, auto-regulação dos seus comportamentos. Esta situação traduz-se na forma como se comportam nos diferentes espaços pelos quais distribuem o seu dia.
Como também regularmente refiro nos muitos diálogos com pais transparece alguma dificuldade por várias razões na definição de regras e limites que com bom senso e flexibilidade são imprescindíveis como organizadores do comportamento dos miúdos.
Para além disso, de há uns tempos para cá começou a registar-se em muitos pais um discurso crítico das rotinas que, naturalmente, é decorrente da forma como como olham para a sua vida e das suas crenças e representações. Começaram a ouvir-se afirmações no sentido de combater a instalação de rotinas por oposição à importância da criatividade, da inovação, da não repetição sistemática de comportamentos ou procedimentos, etc.
A questão é que, do meu ponto de vista este entendimento, assenta no enorme equívoco de entender que dimensões que estes pais e, creio, a maioria de nós, considera importantes como criatividade e inovação, por exemplo, seriam incompatíveis com a instalação de rotinas, elas próprias também essenciais ao desenvolvimento e funcionamento das crianças devido, fundamentalmente, à sua função reguladora e organizativa. O resultado em muitas circunstâncias e contextos educativos, familiares ou mais formais era, é, um funcionamento desregulado, desorganizado e sem regras.
Entre os adultos o equívoco está ainda presente de forma mais nítida. Ouve-se com alguma frequência a afirmação de se ser contra as rotinas como forma de emancipação intelectual e social pelo que, “são contra” as rotinas.
Tal como nos miúdos, as rotinas cumprem funções fundamentais na nossa organização e funcionamento. A sua existência organiza-nos e, curiosamente, até acontece com frequência que é sua existência que nos permite “libertar” disponibilidade para outras direcções. Como é óbvio, nada desta conversa contraria a importância que na nossa vida tem o lado do imprevisto, da mudança, da criatividade ou da quebra das rotinas. Também não tem a ver com a defesa de um funcionamento obsessivamente estruturado, que corre o sério risco de se desorganizar quando algum pormenor de rotina se altera.
Mas é preciso insistir, as crianças precisam de ter o seu dia a dia com rotinas estabilizadas e reguladoras como, sono, refeições, banho, comunicação/relação com os pais, etc.
São um bem de primeira necessidade.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

SÍNDROME PÓS-MINISTERIAL


Um olhar pela imprensa nestes últimos dias fez lembrar-me algo a que já tenho feito referência, Síndrome Pós-ministerial.
Não acompanho suficientemente de perto a situação noutros países para ter uma perspectiva comparativa, mas existe uma espécie de síndrome em Portugal que afecta a classe política com experiência de poder. Esta síndrome, a que poderemos chamar "pós-ministerial" ou, dito de outra maneira, depois de saírem de funções sabem muito bem o que deve ser feito na área de que foram responsáveis, é patente em muitíssimos ex-governantes oriundos dos partidos que já assumiram responsabilidades de governo em diferentes áreas. O que me parece curioso nestas circunstâncias é procurarem apresentar uma visão clara sobre os males e constrangimentos de diferentes áreas sectoriais, incluindo aquela em que desempenharam funções políticas, bem como propostas de desenvolvimento e correcção visando a desejável qualidade e o progresso.
Na área que melhor conheço, a educação, os exemplos são múltiplos e elucidativos e bem recentes.
A pergunta, certamente estúpida e demasiado óbvia, que me ocorre face a este tipo de discursos é “então porque não fez, porque não defendeu assertivamente as ideias agora expressas, muitas a merecer concordância, quando teve poder para tal?” Podemos, com alguma habilidade, tentar encontrar respostas. Acabaremos, creio por definir, inevitavelmente, duas hipóteses básicas, não puderam ou não souberam, qual delas a mais animadora.
Na primeira, não puderam, implica questionar qual o poder que efectivamente o ministro detém relativamente às políticas do sector que tutela ou do governo que integra, ou seja, qual o verdadeiro nível de responsabilidade de quem assume o poder e as dificuldades para ultrapassar e gerir as corporações de interesses ameaçadas pelas mudanças. Na segunda, não souberam, sugere que a competência não abundará o que não me parece menos inquietante.
Em todo o caso, algum pudor e a humildade de nos explicarem porque não executaram as políticas que posteriormente defendem, seriam esclarecedoras e um bom serviço prestado à causa pública.
A questão é que muitos destes discursos que se apresentam agora como parte da solução, na verdade, escondem políticas que são ou foram parte do problema.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

VIOLÊNCIA DIRIGIDA A PROFESSORES. OUTRA VEZ


Continua na agenda a divulgação de episódios de agressão a professores. Face às notícias o ME vem a terreiro informar que os dados disponíveis no Grupo Coordenador do Programa Escola Segura que envolve ME e MAI apontam para que em 2019 se verifiquem menos episódios.
Esta informação acrescenta pouco ao que é central nesta questão. Em primeiro lugar porque se sabe que os episódios reportados não correspondem às reais ocorrências, longe disso, tal como se passa com os fenómenos de bullying. Aliás, foi extinto em 2012 o Observatório de Segurança em Meio Escolar que trabalhava directamente com a escola. Por outro lado, é importante não esquecer os episódios de agressão dirigidos a funcionários que cuja prevalência está subvalorizada.
A questão é que um episódio de agressão é grave só por si e a sua prevalência embora importante evidentemente não diminui a gravidade de cada episódio..
Ainda há poucos dias aqui escrevi sobre esta questão e desculpem a insistência.
Insisto na necessidade de valorizar esta questão que é complexa, difícil mas de enorme impacto social.
Como tenho dito proponho uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.
Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que também é uma forma de agressão que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos.
Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.
Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou médicos, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais. Ainda há pouco foi notícia a subida de incidentes de agressão a pessoal da saúde, médicos e enfermeiros.
Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.
Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.
Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos melhor considerados.
É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento, e a punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

INICIATIVA EDUCAÇÃO


Foi apresentada uma Iniciativa Educação com o apoio económico da família Soares dos Santos, cerca de 20 milhões de euros nesta fase, coordenada por Nuno Crato e que envolverá um conjunto de agrupamentos e escolas públicas.
A Iniciativa Educação desenvolverá duas dimensões, a literacia através do Projecto A a Z e o ensino profissional com o Projecto Ser Pro. Existe também e já acessível um site, Ed_On que disponibiliza informação de natureza estatística sobre educação bem como literatura científica.
Por princípio julgo que em sociedades abertas a cooperação de natureza privada com os serviços públicos é positiva desde que regulada e ao serviço das políticas públicas desse sector. Do meu ponto de vista, seria estranho que assim não fosse.
No caso da Iniciativa Educação sabemos que tem a coordenação de Nuno Crato o que, conhecendo o seu pensamento e visão sobre educação e as políticas que defendeu e promoveu enquanto Ministro não deixa de causar algumas reservas sobre a orientação dos projectos.  A ver vamos.
Por outro lado, iniciativas deste âmbito e não é possível ser de outra forma, envolvem um uma parte restrita do universo de escolas e agrupamentos. Assim, mais recursos, melhores condições e apoios terão provavelmente impacto positivo embora seja de perceber melhor os objectivos.
No entanto, de tudo isto resulta a ideia de que, muito bem, vamos ver em que se traduz a Iniciativa Educação e acredito que se poderão atingir resultados positivos, mas a grande questão é o que está por fazer em todas as escolas e agrupamentos da rede pública considerando as suas especificidades de contexto, dimensão, população abrangida, recursos disponíveis, dispositivos de apoio suficientes e competentes, etc., etc.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

O MUNDO ÀS AVESSAS


As coisas nem sempre são o que parecem, o que pensamos que são ou mesmo o que gostávamos que fossem.
Na verdade, há pais que fazem mal aos filhos.
Na verdade, há filhos que fazem mal aos pais.
Na verdade, há professores que fazem mal aos alunos.
Na verdade, há alunos que fazem mal aos professores.
Na verdade, há velhos que fazem mal aos novos.
Na verdade, há novos que fazem mal aos velhos.
Na verdade, ...
Na verdade, há pessoas que fazem mal a pessoas.
Na verdade, ... o mundo é um lugar estranho e ... às vezes ... muito feio.
Parece que anda às avessas.
Apesar de tudo e sempre, talvez seja de recordar Mandela reafirmando que a educação e o ensino são as mais poderosas armas para mudar o mundo.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

ESTÓRIAS DA AVOZICE. OLHA QUE PODES MAGOAR-TE


Ao portão da escola aguardando pela saída dos gaiatos assisto a este diálogo.
Simão toma cuidado, olha que podes magoar-te”, diz a auxiliar atenta para o menino que experimenta empoleirar-se num murinho da escola.
Não posso magoar-me, estou a aprender a ler”, responde o Simão a equilibrar-se no muro, nos seis anos e no seu primeiro ano de escolaridade.
É Simão, e ainda vais aprender que aprender a ler também ajuda a subir muros.
São também assim as estórias dessa experiência mágica, a bênção da avozice.

domingo, 20 de outubro de 2019

PROJECTOS, PLANOS, EXPERIÊNCIAS INOVADORAS, PROGRAMAS E OUTRAS COISAS QUE TAIS


Passa hoje o Dia Mundial de Combate ao Bullying. Sabemos todos que a prevalência e tipologia dos problemas relacionados com universo do bullying são fonte de grande sofrimento para muitas crianças e adolescente, bem mais do que os episódios conhecidos.  
Neste contexto foi divulgado há dias que o ME está a preparar um Plano de Combate ao Bullyin associado à campanha “Escola Sem Bullying. Escola Sem Violência”.
Como é evidente registo todas as iniciativas que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.
Para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas e pelas escolas e com regularidade, aparece vindo de fora ou gerido de fora, um Plano, um Projecto, um Programa, uma Iniciativa, as combinações são múltiplas, destinado a essa problemática.
Durante as últimas décadas, perco a conta a planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegaram às escolas para combater o insucesso ou, pela positiva, promover o sucesso, promover a leitura e escrita, promover a matemática, promover a educação científica, promover a educação inclusiva, a relação entre escola e pais e encarregados de educação, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira, promover a inovação e as novas tecnologias, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa. 
Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.
Com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam umas uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.
Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.
Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.
Ponto.
Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.
Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.
Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados sobre sinais que podem indiciar episódios de bullying, seria muito importante para além do mais auxiliares poderiam fazer relativamente a outras matérias.
Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.
Psicólogo e outros técnicos em número mais adequado, o que verifica é inaceitável, poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.
Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escoa, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.
São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.
Ainda este propósito, ficar embaraçado, uma experiência pessoal.
Há largos anos estava no Ensino Básico e foi-me pedido que apresentasse numa escola do 1º ciclo um Projecto em desenvolvimento pela Direcção-Geral destinado ao ensino de português a crianças de famílias oriundas dos PALOP que aprendiam em português na escola e falavam crioulo em casa. Apresentei o Projecto melhor que fui capaz aos professores da escola e no fim alguém me disse de uma forma muito simpática, “Colega, o Projecto é muito interessante, mas sabe, já temos 24 Projectos na escola, não podemos fazer mais.”
Na verdade, a Projectite, sobretudo vinda de fora, é uma opção com pouco potencial apesar, insisto, das boas experiências que também conheço.

sábado, 19 de outubro de 2019

UMA TARDE CABANEIRA


As manhãs de sábado aqui no Alentejo começam por uma ida cedinho à vila. Caía uma chuva branda que antecipava a chegada da chuva mais grada que a meteorologia anunciava para a tarde. Está a chegar, o vento forte assobia nas telhas do monte, as hélices do catavento não páram e o barulho que fazem também não.
Na vila toda a gente estava contente com a chuva, as lérias foram sob o signo da água. Não era intensa, já veio alguma água mas toda a que vier será bem recebida. A Maria Antónia proclamava, "não tenho horta mas a água também me faz falta". É isso mesmo a azeitona ainda vai engrossar e pasto aparece a pintar a terra.
Ainda tive tempo de fabricar um bocado de terra que bem molhada e ao ser remexida pelo escarificador do tractor vai libertando o aroma reconfortante de que falava Almada Negreiros.
Agora a chuva está a cair forte e o vento é áspero. Estou contente mas desejo que não faça estragos.
Está, como dizemos por aqui, uma tarde cabaneira, boa para estar na cabana. Vou encostar-me à leitura com a banda sonora da chuva a cair.
São também assim os dias do Alentejo.

DOS AUXILIARES DE EDUCAÇÃO E DA SUA FALTA

Escolas fechadas por falta de auxiliares de educação, agrupamentos com escolas a funcionar em regime de rotatividade pelo mesmo motivo não pode ser uma questão de finanças é mesmo uma questão de incompetência e insensibilidade em matéria de políticas públicas. Tiago Rodrigues não tem porta-moedas e Mário Centeno não consegue perceber que um Excel com contas certas não garante qualidade na educação o que, prazo, … compromete as contas certas por comprometer o desenvolvimento e António Costa não lida com pormenores irritantes. A falta de auxiliares resultabda insuficiência de recursos e da elevada taxa de baixas médicas decorrente (também)  das exigências acrescidas pela ... falta de recursos
Vou repetir-me, mas nunca é demais enfatizar o papel essencial que estes profissionais desempenham nas escolas e a necessidade de rácios adequados, qualificação, segurança e carreira que minimizem problemas que têm vindo a ser regularmente colocados por pais, professores e directores.
Seria desejável que a gestão desta matéria considerasse as especificidades das comunidades educativas e não se seguissem critérios cegos de natureza administrativa que são parte do problema e não parte da solução.
Para além da variável óbvia, número de alunos, é necessário que se contemplem critérios como tipologia das escolas, ou seja, o número de pavilhões, a existência de cantinas, bares e bibliotecas e a extensão dos recreios ou a frequência de alunos com necessidades especiais.
Mais uma vez, os auxiliares de educação, insisto na designação, desempenham e devem desempenhar um importante papel educativo para além das funções de outra natureza que também assumem e que exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento. No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais e em algumas situações serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são efectivamente auxiliares de acção educativa.
A excessiva concentração de alunos em centros educativos ou escolas de maiores dimensões não tem sido acompanhada pelo ajustamento adequado do número de auxiliares de educação. Aliás, é justamente, também por isto, poupança nos recursos humanos, que a reorganização da rede, ainda que necessária, tem sido feita com sobressaltos e com a criação de problemas.
Os auxiliares educativos cumprem por várias razões um papel fundamental nas comunidades educativas que nem sempre é valorizado incluindo na estabilidade da sua contratação e formação.
Com frequência são elementos da comunidade próxima das escolas o que lhes permite o desempenho informal de mediação entre famílias e escola, têm uma informação útil nos processos educativos e uma proximidade com os alunos que pode ser capitalizada importando que a sua acção seja orientada, recebam formação e orientação e que se sintam úteis, valorizados e respeitados.
Os estudos mostram também que é nos recreios e noutros espaços fora da sala de aula que se regista um número muito significativo de episódios de bullying e de outros comportamentos socialmente desadequados. Neste contexto, a existência de recursos suficientes para que a supervisão e vigilância destes espaços seja presente e eficaz. Recordo que com muita frequência temos a coexistir nos mesmos espaços educativos alunos com idades bem diferentes o que pode constituir um factor de risco que a proximidade de auxiliares de educação minimizará.
Considerando tudo isto parece essencial e um contributo para a qualidade dos processos educativos a presença em número suficiente de auxiliares de educação que se mantenham nas escolas com estabilidade e que sejam orientados e valorizados na sua importante acção educativa.
Qual será a parte que não se compreende?
A falta de auxiliares de educação, evidentemente.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

ESTÃO AÍ AS SALAS DO FUTURO, LABORATÓRIOS INOVADORES DE APRENDIZAGEM

No JN de ontem vi uma peça com o título “Valongo quer ter Salas do Futuro em todas as escolas até ao fim do ano lectivo” que me chamou a atenção. A Câmara de Valongo propõe-se instalar em todas as escolas públicas do concelho Salas do Futuro, definidas como “laboratórios inovadores de aprendizagem que terão painéis interativos, impressoras 3D, kits robóticos, tablets e outras novas tecnologias”.
Mais um capítulo da revolução educativa, agora em modo “high-tech”.  Parece claro que a escola deve promover o acesso a dispositivos que fazem parte do nosso quotidiano e integrá-los no quotidiano das escolas. Em termos pedagógicos isto não tem nada de inovador, é defendido há muito tempo que a escola não deve funcionar “fora” do mundo em que as crianças vivem.
No entanto, antes de criar “salas do futuro” talvez seja sensato olhar para o presente.
Recordo o relatório "Educação em Números 2019", da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência no que respeita às novas tecnologias. Para além das queixas recorrentes sobre as dificuldades no acesso à net e a idade “sénior” de boa parte dos equipamentos o número tem sido revisto em baixa.
Quando foi distribuído o famoso (por boas e más razões) Magalhães, ano 2008/2009 conseguiu-se um rácio de um computador por aluno. A partir de 2011 começou a subir e em 17/18 é de 6.6.
Este quadro que é recorrentemente referido por docentes e direcções não surpreende.
Um trabalho da OCDE, “Measuring Innovation in Education”, divulgado já em 2019 mostrava que contrariamente ao que se passa com a generalidade dos países, em Portugal verificou-se um decréscimo do acesso dos alunos a computadores na escola.
Considerando o intervalo entre 2009 e 2015 o indicador de acesso dos alunos a portáteis subiu na generalidade dos países. Apenas o Japão e Portugal baixaram a percentagem, 5% no Japão e de 55% para 43% em Portugal.
No entanto, mais significativo e preocupante pois trata-se do período inicial da escolaridade, no 4º ano a percentagem de alunos com acesso a computadores ou portáteis nas aulas de leitura desceu de 47% em 2011 para 14% em 2016. A queda parece associada a ter terminado em 2011 o programa de distribuição dos “famosos” Magalhães.
O relatório da OCDE também sublinhava a importância deste recurso por parte das escolas públicas e o risco da falta de acesso poder associar-se ao agravamento das desigualdades em função da origem socioeconómica dos alunos que podem não compensar nos contextos familiares o acesso ao mundo digital. Os programas do ME de distribuição de computadores constituíram para muitas crianças a única forma de acederem a estes dispositivos, conheço várias situações.
Parece claro que as novas tecnologias, que já são velhas apesar da insistência na designação, não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula não promovem sucesso só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é que potencia a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de aprendizagem.
No entanto, não podemos esquecer que múltiplos estudos e experiências valorizam este recurso nos processos de ensino e aprendizagem pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos.
Neste contexto e como já tenho afirmado, considerando o que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando aparentemente contraditórios, creio que:
1 – O contacto precoce com as novas tecnologias é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos, para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática.
2 – O computador/tablet, kits robóticos, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são A ferramenta, não substitui a escrita manual, não substitui a aprendizagem do cálculo, não substitui coisa nenhuma, é “apenas” mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento.
3 - O que dá qualidade e eficácia aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.
4 - Para alguns alunos com necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente ferramenta e apoio para acesso ao currículo.
5 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais é fundamental disponibilizar a formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o material possa ser rentabilizado.
6 – Finalmente, como em todo o trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do trabalho de alunos e professores.
7 – Tudo isto considerado a escola pública deve promover até ao limite a universalidade do acesso a estes dispositivos. Sim tem custos, mas a exclusão sai mais onerosa.
Como referi acima não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixem que o fascínio deslumbrado pelas "salas do Futuro" faça esquecer os problemas do presente.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

EDUCAÇÃO FAMILIAR E SUPERPROTECÇÃO


Há já uns dias li no Público uma interessante entrevista de Bárbara Wong a Javier Urra. Javier Urra é psicólogo e autor de dois livros que tiveram alguma divulgação em Portugal, “O Pequeno ditador” e o “O Pequeno Ditador Cresceu”: Publicou mais recente “Deixe-o Crescer” o que justificou a entrevista.
Como felizmente é cada vez mais acentuado relativamente à educação familiar, Javier Urra volta a sublinhar algo de que aqui tantas vezes também tenho falado, a importância da autonomia na educação de crianças e adolescentes. Neste livro é dado particular ênfase à designada “superprotecção” que por diversas razões informa a acção parental em muitas famílias e pode comprometer a promoção da autonomia e auto-regulação centrais no crescimento e desenvolvimento saudável de todas as crianças.
Num texto que aqui coloquei em 2018 sobre a questão da superprotecção referi um trabalho divulgado na Developmental Psychology que acompanhou durante oito anos um grupo de 422 crianças, entre os 2 e os 10 anos, e respectivas mães. Os dados sugerem que excesso de controlo, superprotecção, parece promover comportamentos e emoções menos reguladas nas crianças, ter impacto no ajustamento escolar e nas estratégias de auto-regulação à entrada na pré-adolescência.
O estudo, cuja metodologia sugeria alguma reserva no estabelecimento de relações de causa-efeito justificava, no entanto, alguma reflexão.
Os que por aqui vão passando reconhecem a frequência com que abordo a importância da promoção da autonomia das crianças como um dos princípios fundadores da educação familiar. O mesmo discurso e a forma de intervir neste sentido nos contextos familiares preenchem também boa parte do trabalho que realizo com pais e com futuros profissionais meus colegas a propósito de educação familiar.
De facto, um processo educativo terá com eixo estruturante a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função, actividade ou contexto em que se encontra. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios" necessitando menos que "tomem conta de si". Sabemos que que também nos contextos escolares os professores gastam um tempo muito significativo a "tomar conta dos alunos" subatraído ao tempo para ensinar com implicações óbvias.
Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens que, evidentemente, não se pode confundir com "autogestão", estar entregues a si próprios fazendo o que lhes pode passar pela cabeça. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia e auto-regulação apesar das inúmeras habilidades e competências que desde muito cedo revelam. Aliás, a observação dos comportamentos de muitas crianças em sala de aula e em contextos familiares ou de outra natureza mostra isso mesmo.
A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança ou adolescente pode ou não fazer só.
Por outro lado, os miúdos são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo, são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à sua volta, companheiros ou adultos.
Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma idade. Numa sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só miúdos autónomos, autodeterminados, informados e orientados sobre os riscos e as escolhas serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar em diferentes situações do seu quotidiano. Este entendimento sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a autonomia dos miúdos.
Creio que este entendimento está pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, miúdos e adultos.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

DA SAÚDE MENTAL INFANTIL


Creio que passou relativamente despercebido o alerta lançado por Cristina Marques e Miguel Xavier, Pedopsiquiatra, assessora do Programa Nacional para a Saúde Mental e Psiquiatra, director do Programa Nacional para a Saúde Mental, respectivamente, sobre o universo da saúde mental infantil em Portugal num texto no Público, “Saúde mental infantil – uma quase indiferença de décadas”.
Não se estranha a preocupação expressa pelos autores. A saúde mental é habitualmente o parente pobre das políticas de saúde e os mais novos são ainda mais vulneráveis. Conforme o texto, a “OMS estima que 20% das crianças e adolescentes apresentam pelo menos uma perturbação mental antes de atingir os 18 anos e que, mesmo em países desenvolvidos, apenas 1/3 das crianças com problemas significativos recebem tratamento”.
Algumas notas repescadas relativas á situação de crianças e adolescentes.
Dados do European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs de 2016 sugerem que 13% os jovens portugueses até aos 16 anos consome antidepressivos e tranquilizantes. O estudo envolveu 96043 jovens de 35 países, 3456 portugueses alunos de escolas públicas. O valor é impressionante, a média do estudo é de 8%.
Como escrevia acima a questão grave da saúde mental de crianças e adolescentes portugueses, do meu ponto de vista, tem sido uma área desvalorizada, aliás, a saúde mental tem sido um parente pobre das políticas de saúde pública.
Um estudo divulgado em 2015 realizado pela Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade de Coimbra em colaboração com entidades estrangeiras apontava para que 8% por cento dos adolescentes portugueses que frequentam o 8.º e o 9 º ano apresentam sintomatologia depressiva e 19% estarão em risco de desenvolver a doença. O estudo contemplava também um programa de prevenção a promover em meio escolar, com a participação dos pais, que pareceu indiciar bons resultados.
Em Maio de 2014, o Expresso relatava que em 2013 se tinham registado cerca de 20 000 novas consultas de pedopsiquiatria, mais 30% que em 2011. Era um indicador preocupante e ainda mais preocupante pela inexistência de resposta adequada e acessível para muitas crianças e adolescentes.
Recordo também que em 2014 foi noticiada a interrupção dos apoios a crianças e adolescentes da região do Algarve pois o programa de que beneficiavam, Grupos de Apoio à Saúde Mental Infantil, que já tinha merecido prémios de boas práticas, foi suspenso em vez de ser generalizado. Esta suspensão foi obviamente sentida com grande inquietação por famílias e profissionais.
Em 2012 esteve em Portugal um especialista nesta área, Peter Wilson, que, naturalmente, referia a necessidade de que nas escolas e na comunidade próxima existam apoios aos professores, às famílias e às crianças com dificuldades emocionais, a única forma, entende, apoiado na sua experiência, de minimizar e ajudar neste tipo de problemas que, não sendo acautelados, têm quase sempre efeitos devastadores em termos pessoais e sociais. Segundo Peter Wilson, os estudos em Inglaterra sugerem a existência de três crianças com problemas do foro emocional em cada sala de aula pelo que o apoio é muito mais eficaz e económico prestado na escola ou na comunidade próxima a alunos, famílias e professores. Este entendimento é partilhado, creio, pela generalidade dos profissionais e famílias, também em Portugal e os dados conhecidos apontam nesse sentido.
Sabe-se da insuficiência de camas nos serviços de pedopsiquiatria que possam acomodar adolescentes em tratamento o que leva a que em muitas circunstâncias adolescentes sejam internados em serviços de adultos o que na opinião dos especialistas pode ser uma experiência "traumatizante" sendo, aliás, contrárias às boas práticas de qualquer país civilizado em matéria de saúde mental.
Está nos livros e nas experiências que em situação de crise os mais vulneráveis, crianças e adolescentes, por exemplo, são, justamente, os mais sofredores com as dificuldades. Acresce que, actualmente, se verifica em muitos agregados familiares e em contextos escolares a emergência de discursos que pressionam os mais novos no sentido de atingirem a excelência nos resultados escolares ou em qualquer actividade “importante” pois será, dizem, a “única” forma de atingir um patamar de sucesso futuro.
Como se sabe e a experiência mostra, muitas crianças e adolescentes não suportam com tranquilidade esta pressão o que se repercute no seu bem-estar e na sua saúde mental. Para complicar um pouco mais, ainda se verifica que algumas pessoas desvalorizam estes fenómenos, entendendo que é preciso ser exigente e bem-sucedido e não entendendo o sofrimento de algumas crianças e jovens.
Por outro lado, é também conhecida a enorme dificuldade que muitas instituições que acolhem menores estão a passar dificultando a resposta com a qualidade bem como a possibilidade de responder a novas situações.
Os miúdos, nas famílias preferencialmente, ou nas instituições, necessitam de um aconchego, um ninho, uma qualidade de vida que os cuidadores, por diversas razões, não sabem, não querem, não podem ou não são capazes de providenciar. Tal cenário implica riscos fortíssimos de compromisso do seu futuro pelo que os apoios e resposta são fundamentais mas não podem passar apenas por medicar.
Como o povo diz, é de pequenino que se torce o … destino.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

DAS AGRESSÕES A PROFESSORES. MAIS UMA VEZ


Andam negros os tempos para os professores. Sempre que escrevo sobre esta questão, agressões a professores, e lamentavelmente faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, daí a insistência repetitiva.
As notícias sobre agressões a professores, cometidas por alunos ou encarregados de educação, vão chegando com demasiada frequência à comunicação social embora, provavelmente, nem todos os episódios sejam divulgados. O JN tem uma peça com relatos perturbadores deepisódios de agressão vividos por vários docentes. Os testemunhos são de facto muito pesados e exigem atenção e intervenção.
Cada um dos recorrentes episódios é, obviamente, um caso de polícia mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, mais do que ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.
Apesar da repetição é preciso insistir dada a frequência e gravidade das situações de agressão a docentes. Esta questão, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza.
Começo por uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.
Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos.
Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.
Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou médicos, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais. Ainda há pouco foi notícia a subida de incidentes de agressão a pessoal da saúde, médicos e enfermeiros.
Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.
Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.
Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos melhor considerados.
É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento, e a punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

ENSINO SUPERIOR E EDUCAÇÃO INCLUSIVA


No Público encontram-se referências a uma matéria que me parece relevante e sobre a qual muitas vezes aqui tenho escrito e referido na intervenção profissional, o acesso e frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais. É divulgado o trabalho desenvolvimento na Universidade de Aveiro recebendo em cursos na área da educação alunos com necessidades especiais ajustando, naturalmente o currículo e não conferindo grau mas certificando aquisições. Depois do trabalho iniciado neste âmbito pela Escola Superior de Educação de Santarém com um Curso de Formação em Literacia Digital, regista-se e divulga-se o trabalho da Universidade de Aveiro acompanhado pela Professora Paula Santos, companheira de estrada nestas lidas há já muitos anos.
Como há pouco tempo escrevi este ano um aumento significativo de alunos com necessidades especiais matriculados no ensino superior. Após a segunda fase de colocação o número de alunos inscritos é de 310, um aumento de 34% relativamente ao ano passado e superior em 158% ao que se verificava em 2015.
Sendo de registar a subida importa, no entanto, considerar que em 2017/2018 frequentavam o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior o que evidencia o que está por fazer em matéria de equidade e inclusão. Considerando as vagas do contingente especial para estes estudantes registe-se que apenas 14% foram ocupadas.
Estamos, pois, muito longe ainda do que seria desejável.
De acordo com a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência no ano lectivo 2016/2017 havia 87.039 alunos com necessidades especiais inscritos nas escolas portuguesas. Muitos destes alunos têm passado passam por experiências de sucesso independentemente do seu perfil de competências, felizmente que assim é.
No entanto, para muitos o período que se segue é um enorme túnel no qual poucas vezes se vislumbra uma luz, sobretudo em situações com problemáticas mais severas designadamente quando existem dificuldades de natureza cognitiva, a situação dos jovens a participar nos trabalhos em curso na Univ. de Aveiro ou na ESE de Santarém e daí, também, a sua relevância.
Desculpem a insistência e a repetição ... mas é necessário.
Como tantas vezes tenho dito, aqui e nos espaços de contextos da lida profissional, a questão da presença dos alunos começa no que é feito no ensino básico e secundário, e existe muita matéria para reflectir e sobre as mudanças necessárias como milhares de famílias sentem de forma dramática.
Por outro lado, é fundamental que com clareza, sem ambiguidades ou equívocos se entenda que após a escolaridade obrigatória os jovens, todos os jovens, têm três vias disponíveis compatamares diferenciados e até com possibilidade de integração entre elas, formação profissional, formação escolar (ensino superior) ou mercado de trabalho (trabalho na comunidade que pode ter uma dimensão ocupacional).
A realidade mostra que os jovens com necessidades especiais estão significativamente arredados destas vias e, voltamos ao mesmo, em muitas circunstâncias ao abrigo de práticas e modelos de resposta sob a capa da … inclusão. De facto, muitos deles, ficam entregados (não integrados) às famílias ou encaminham-se para instituições onde, apesar de algumas experiências muito positivas interessantes, se recicla a exclusão. Mas mesmo o acesso a instituições é extraordinariamente difícil dadas as listas de espera que regularmente são referidas.
Esta dificuldade de acesso envolve quer a resposta no âmbito da formação profissional, quer no apoio a situações com problemáticas mais severas.
Desculpem a enésima referência mas um processo de inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com NEE de diferente natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer até aos contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão. As instituições especializadas ou voltar para a família serão sempre um recurso e nunca uma via.
É também claro que no âmbito do ensino superior importa que se proceda a ajustamentos de natureza diversa, atitudes, representações e expectativas, oferta formativa, custos, acessibilidades e apoios ou, aspecto fundamental, promover melhor articulação com o ensino secundário.
As questões mais complexas decorrem, os estudos e a experiência sugerem-no, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante comunidade, incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário e de "educação especial", técnicos, os alunos com necessidades especiais e famílias.
Também é minha convicção de que as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que manterão as capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela existe. Estou a referir-me, evidentemente, aos alunos que não têm “diagnóstico” de problemas de natureza cognitiva. Estas situações são ainda mais representadas como … difíceis de responder.
No entanto, como tantas vezes digo, esta preocupação deveria ser mais alargada, estamos a falar de inclusão. Sim, frequentar o ensino superior onde estão jovens da sua idade e em que a oferta formativa se for repensada e a experiência de vida proporcionada podem ser importantes.
Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens mas também por cá mostram que não é utopia como é o caso do que acontece em Santarém com, tanto quanto conheço, resultados positivos e do trabalho da Universidade de Aveiro agora divulgado.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.
Eu já disse e escrevi isto várias vezes e em múltiplos contextos e ocasiões. Peço desculpa mas continuarei a fazê-lo. Os velhos são teimosos.

PS – Esta teimosia justifica-se por várias razões. Na caixa de comentários do Público a esta notícia lia-se no único comentário existente quando a visitei, “O que não fazem as universidades para ter alunos, qualquer dia em vez de ensinarem limitam-se a atribuir diplomas”. Não é um caminho fácil.

domingo, 13 de outubro de 2019

DA FALTA DE PROFESSORES. OUTRA VEZ


No Expresso e no JN encontram-se trabalhos sobre a dificuldades crescente na escola que resulta da falta de docentes já significativa em alguns grupos e níveis de ensino agravadas pela tempestade perfeita associada a horários incompletos, a necessidade de deslocação e rendas incomportáveis para o salário disponível.
Talvez comecemos a perceber que a narrativa tão “vendida” dos professores a mais talvez não fosse tão evidente e que, como sempre em educação, também as contas sobre o número de professores necessários ao sistema nunca dão certo.
As dificuldades de “recrutamento” reportadas pelos directores referem também as condições de precariedade e de carreira ou da falta de docentes em algumas áreas disciplinares e o número significativo de docentes em situações de baixa médica.
Em Dezembro de 2018 escrevi aqui um texto sobre esta questão que de há muito se anuncia a que chamei “Mayday, Mayday” tendo retirado o título de um artigo histórico de um dos meus Mestres, o Professor Joaquim Bairrão Ruivo que também o usou com o sentido que tem na aviação. A situação é mesmo grave.
Recordo um trabalho já  aqui referido e divulgado no final de 2018 pela OCDE, “Reviews of School Resources: Portugal 2018” retoma-se algo que tem vindo ser questionado nos últimos anos, designadamente nos dados divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e em estudos do CNE, o envelhecimento brutal da classe docente e as potenciais consequências negativas e que se agrava a cada ano que passa. Como escrevi várias vezes a este propósito, num país preocupado com o futuro o cenário existente faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade.
Ao perfil dos docentes em termos de idade acresce que como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente e altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, associado a baixos níveis de satisfação profissional. Também o estudo da OCDE refere aspectos desta natureza e numa classe envelhecida o risco é, obviamente, mais elevado.
Na verdade, este cenário só pode surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores. Aliás, esta situação verifica-se noutros países, sendo que para além dos professores, os profissionais de saúde e de apoios sociais também integram os grupos profissionais mais sujeitos a stresse e burnout.
Este quadro é inquietante, uma população docente envelhecida e a revelar preocupantes sinais de desgaste.
Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens. Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm desenvolvido políticas que contribuem para a desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais.
Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação por diferentes razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.
Com a previsível aposentação de milhares de professores num prazo relativamente curto teremos uma significativa falta de docentes. O problema é que muito pelo contributo de opinadores e por efeitos de algumas das políticas públicas em matéria de educação a profissão de professor perdeu capacidade de atracção. 
Seria desejável que não nos esquecêssemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.
Não parece difícil perceber porquê.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ENÉSIMO EPISÓDIO


Agora em Carrazeda de Ansiães. Sucedem-se os trágicos episódios de violência sobretudo sobre as mulheres embora também vitimize homens. Este ano contabilizam-se já 30 vítimas mortais em cenários de violência doméstica.
O mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.
Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento.
Nesta perspectiva e como tantas vezes tenho dito, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.
Torna-se ainda necessário que nos processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços que ajustem quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação e o desenvolvimento que alimenta constitui a ferramenta de mudança mais potente de que dispomos.
A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.
Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

AINDA O TAL DECRETO, O 54


Luís de Miranda Correia tem ontem no Público um texto, “Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de Julho: um ano passado, um ano perdido?”, no qual faz um balanço bastante crítico quer do próprio decreto, quer da forma como as necessidades dos alunos estão a ser acauteladas.
Não tenho uma visão assente em alguns dos pressupostos do texto mas, em linha com o que aqui já tenho referido, queria retomar de forma breve duas questões que estão contempladas no texto de LMC.
A primeira remete para alguns equívocos que se têm criado em torno da questão fundadora do DL 54, inclusão em educação.
A inclusão assenta na ideia de responder adequadamente à diversidade dos alunos em contextos educativos que promovam a presença e participação dos alunos nos espaços e actividades comuns, que promovam aprendizagens e desenvolvam nos alunos sentimentos de pertença, fazer parte.
No entanto, responder adequadamente às necessidades educativas decorrentes de diversidade cultural, de diversidade étnica ou às necessidades educativas decorrentes de situações de deficiência de diferente natureza, problemas de desenvolvimento ou de comportamento é algo bem diferente que, parece claro, exige recursos, competências e abordagens diferenciadas.
Insistir numa retórica em torno da diversidade “nivelando” as situações, corre o sério risco de legitimar muitíssimas circunstâncias em que alunos com necessidades especiais, sim, com necessidades especiais mas já lá vamos, estão nas salas de ensino regular sem respostas adequadas, sem os apoios educativos de que necessitam e não promovem tanto quanto seria desejável e possível as suas capacidades e competências, mas … estão incluídos. Não, não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores e pais bem conhecem.
Este equívoco, por assim dizer, também se associa à segunda questão que queria referir, a ideia de “acabar” com a categorização. De facto, uma das “mudanças de paradigma” contidas no DL 54, da inovação ou mesmo da revolução foi o anunciado fim da categorização. Já não trabalhamos com crianças e jovens com necessidades educativas especiais, trabalhamos, lá está, com a diversidade. No entanto, quando leio referências aos “universais”, aos “adicionais” ou aos “selectivos” já não se trata de um processo de categorização pela dificuldade identificada mas realizado pela resposta desenhada. Isto sim, representa uma mudança de paradigma e é mau que assim seja.
A ver se nos entendemos, identificar de forma competente a natureza de eventuais dificuldades não é um processo de “rotulagem” ou de “categorização”, só o será se daí decorrer discriminação negativa ou “guetização” e não a adequação da resposta educativa aos problemas e dificuldades identificadas.
Não temos forma de proporcionar respostas e apoios adequados aos alunos, a todos os alunos, se não conseguirmos com base em processos de avaliação competentes identificar da forma mais segura possível e muitas vezes não é fácil a natureza das suas dificuldades e, portanto, das suas necessidades.
De resto, (quase) tudo parece correr bem. Os testemunhos conhecidos em vários espaços e de diferentes formas sobre o que vai acontecendo pelas escolas nesta matéria ilustram com muita clareza a enorme sombra de dúvidas sobre o processo que mostram todos os intervenientes, professores do ensino regular, docentes de educação especial, técnicos e pais que estão genuinamente empenhados em que todo corra o melhor possível. Felizmente, em algumas circunstâncias corre bem mas….