terça-feira, 29 de outubro de 2019

PROGRAMA DO GOVERNO PARA A EDUCAÇÃO (2). PLANO DE NÃO RETENÇÃO NO ENSINO BÁSICO


Voltemos então ao Programa do Governo para a Educação. No meio de inúmeras referências a projectos, planos, iniciativas, algumas até me parecem com alguma redundância caso do que a seguir abordo encontra-se como intenção programática (pg 141):
(…)
• Criar um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e
diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades;
(…)
Era previsível uma referência ao abaixamento da retenção, é um desígnio de há décadas e apesar disso ainda é um problema significativo. Algumas notas.
Deixem-me recordar que em 2018, o CNE no âmbito do Projecto aQeduto em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos divulgou um Relatório “Estado da Educação, 2017” em que se analisava a questão da retenção incluindo do ponto de vista económico.
Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identificou o grau de eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a retenção tem o custo mais elevado (6000€) e a eficiência é negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.
De facto, definitivamente, não adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram.
Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários às notícias sobre estas questões é elucidativa.
Nesta conformidade e repetindo-me a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Este discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção resolve o problema do insucesso.
É essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPC e explicações, dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico. É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes modelos curriculares e carga lectiva finalizando sempre com algum tipo formação profissional. Esta diferenciação não deve acontecer em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que tarda em acontecer de forma consistente em Portugal e julgo que talvez mais uns planos ou estratégias ou iniciativas todas elas certamente inovadoras e associadas a novos paradigmas não sejam o melhor caminho
Como diria Almada Negreiros a que tantas vezes volto, as frases que hão-de salvar a humanidade já estão todas escritas, só falta mesmo salvar a humanidade.

1 comentário:

Anónimo disse...

O problema é sempre a utopia; decidir manter na escola, 12 anos, jovens que não querem lá estar com o apoio da família, que se revolta contra os professores que teimam em mandar recados de parentalidade responsável, de acordo com a lei, foi profundamente errado e agora as consequências estão aí; indisciplina generalizada nas turmas que integram estes jovens e são aos milhares; os professores não aceitam ser o bode expiatório desta decisão lamentável. Os instrumentos de recuperação só são eficazes até aos 11 anos no máximo, a partir daqui não há qualquer autoridade da escola, para impor nada. Falo de jovens de famílias sem estrutura, abandonados e criados sem rotinas, a fazerem o que querem, dependentes dos telemóveis, jogadores compulsivos até às tantas da manhã, autênticos ditadores que dizem na cara dos professores "não quero fazer isso e tu não mandas em mim". Isto começa pelos 12 e acaba aos 18, seis anos de inferno nas escolas secundárias, do 7º ao 12º ano, para os desgraçados dos professores que os têm de ter nas suas turmas, jovens que podem namorar e casar, obrigados a permanecer numa escola que odeiam. De que instrumentos fala o sr. ministro? Estes alunos já passam sem nada saberem, muitos, que frequentam percursos equivalentes ao 9º ano, pouco mais sabem do que escrever o nome e fazer cópia, mecanicamente, e são obrigados a matricularam-se no 10º, porque ainda não completaram os 18 anos, arrastam-se por lá, com os desgraçados dos professores a serem obrigados a atribuírem nota 10, porque não os podem reter sem ficar com o ónus da incompetência. Depois, ouvem os srs. ministros a propalarem que o ensino profissional não é facilitista! Que os alunos têm de aprender! Os professores estão amordaçados, não podem falar, aguentam humilhações inimagináveis, a escola está a bater no fundo e assobia-se para o lado!