sábado, 30 de junho de 2018

A ÁRVORE DO DESENVOLVIMENTO


Não será, longe disso, a situação ideal mas é um caminho positivo. O investimento em investigação e desenvolvimento continua a aumentar passando a 1.33% do PIB. De salientar também o aumento da despesa privada nesta área que superou pela primeira vez desde 2012 a despesa pública.
Está estudada e reconhecida de há muito a associação fortíssima entre o investimento em educação, conhecimento e investigação e o desenvolvimento das comunidades, seja por via directa, qualificação e produção de conhecimento, seja por via indirecta, condições económicas, qualidade de vida e condições de saúde, por exemplo.
No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer.

NAS ÚLTIMAS HORAS


Nas últimas horas as lideranças europeias deram mais um espectáculo de uma mediocridade deprimente de ausência de visão, de demissão dos valores que supostamente fundaram a União Europeia e de insensibilidade ao sofrimento.
Nas últimas horas a agenda referiu ad nauseam a eleição de António Vitorino para Director da Organização Internacional das Migrações acreditando não sei bem em quê.
Nas últimas horas mais de cem mortos, entre os quais crianças, no desespero de uma fuga do inferno.
Vão faltando as palavras para falar do horror e da barbaridade que no mar e em terra vai acontecendo cada vez mais perto de nós, que, provavelmente, acreditávamos estar a salvo de tamanhas tragédias.
A merda de lideranças actuais da generalidade dos países que põem e dispõem no xadrez do poder mundial e de tantos outros subservientes e submissos que, em muitos casos, de pessoas não sabe nem quer saber, permite, sem um sobressalto e com palavras que de inócuas são um insulto, que se assista à barbaridade que as imagens, os relatos mostram e o muito que se imagina mas não se vê.
Apesar da complexidade é evidente para toda a gente com um pouco de senso que nada disto se resolve com muros ou vedações, com bombardeamentos cegos, com milhares de mortos e de refugiados, com a manipulação de emoções e interesses de circunstância ou combatendo alguns e depois apoiar esses alguns ao sabor dos movimentos da luta pelo poder
Crescem muros, chovem bombas, a barbaridade estende-se, o horror é imenso e, por vezes, nem a retórica da condenação é convincente e muitos menos, evidentemente, eficaz.
A questão é séria, os ventos sempre semeiam tempestades e as tempestades num mundo global não ficam confinadas nos epicentros. E são tempestades que por mais policiado que um estado seja não se conseguem evitar.
Não existe terror mau e terror bom. Não existe horror mau e horror bom. Não existe terrorismo bom e terrorismo mau.
Como é possível que tal horror aconteça e tanta gente com responsabilidades assobie para o ar e se fique pelas palavras de circunstância.
Não, não é para estragar o dia. É só porque é neste mundo que vivemos, vivem os nossos filhos e viverão os nossos netos.

sexta-feira, 29 de junho de 2018

OS DIAS DA EDUCAÇÃO

Os dias da educação, mesmo num tempo que está próximo das férias, continuam conturbados.
No que que respeita ao conflito com os professores, o ME continua aparentemente irredutível no entendimento de que a negociação é a única forma de sair deste enleio, como se diz no Alentejo.
Depois do estabelecimento de serviços mínimos remete para os directores escolares a responsabilidade de convocar os docentes que os devem cumprir. Os directores ficam embaraçados pois não será fácil estabelecer os critérios de definição de quais os docentes que constituem cada conselho de turma deverão comparecer.
Os sindicatos desencadeiam uma pouco habitual consulta aos docentes, via net e nas escolas, que inclui os docentes não sindicalizados sobre como continuar o processo reivindicativo, incluindo a hipótese de trocar tempo de serviço por reforma antecipada.
O IAVE, lê-se no Público, altera já no período de correcção os critérios a utilizar pelos professores avaliadores dos exames de Matemática A. Acontece que as instruções contrariam o que estava expresso na prova e nas informações disponibilizadas pelo IAVE antes do exame.
É dispensável reafirmar que a serenidade é um bem de primeira necessidade em educação e parece ser o que menos temos.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

OS NOMES


Gosto quando me chamam.
Às vezes, muitas vezes, não me chamam. Outras vezes chamam-me nomes que não são meus.
Os crescidos chamam-me preguiçoso, distraído, parvo, bebé, coitadinho e outros nomes, sempre nomes que não são meus.
Os outros miúdos chamam-me badocha, gordo, bolacha, tecla 3, caixa de óculos, def e outros nomes, sempre nomes que não são meus.
Eu acho que as pessoas, todas as pessoas, só deviam ter um nome, o seu. E deviam ser chamadas.

DOS MANUAIS ESCOLARES


A imprensa de hoje refere o atraso na concertação entre o Governo e APEL sobre a actualização do preço dos manuais escolares. Tal atraso pode vir a causar algumas dificuldades no fornecimento dos manuais.
Apesar da gratuitidade dos manuais para alguns anos de escolaridade e da tentativa de promover a sua reutilização, a questão dos manuais é ainda uma questão importante quer do ponto de vista económico para as famílias, quer do ponto de vista do trabalho educativo.
Na verdade, o ensino obrigatório nunca foi gratuito nem universal, vejam-se as taxas de abandono, e os custos incomportáveis para muitas famílias dos manuais e materiais escolares num cenário em que, é notícia recorrente, a acção social escolar é insuficiente e tem vindo a promover sucessivos ajustamentos nos valores e critérios de apoio disponibilizados. No universo particular das famílias com crianças com necessidades especiais os custos da escolaridade obrigatória e gratuita são ainda mais elevados, bem mais elevados.
Por outro lado, já o tenho escrito, o nosso ensino parece ainda manter-se excessivamente "manualizado" o que tem óbvias implicações didáctico-pedagógicas e, naturalmente, económicas pelo peso nos orçamentos familiares.
Apesar da progressiva disponibilização de outras fontes de informação e do acréscimo de acessibilidade através das tecnologias de informação e de outros suportes, a utilização dessas fontes alternativas aos manuais é baixa e pouco valorizada por pais e alunos. De facto, embora o abandono do “livro único” tenha ocorrido há já bastante tempo e de uma preocupação, ainda pouco eficaz, com a qualidade dos manuais, predomina a sua utilização e das respectivas fichas e instrumentos como materiais de apoio às aprendizagens e à “ensinagem” e que agravam substantivamente os custos das famílias.
Para além de imenso material de outra natureza, temos em cada área programática ou disciplina uma enorme gama de cadernos de fichas, cadernos de exercícios, cadernos de actividades, materiais de exploração, etc. etc. que submergem os alunos e oneram as bolsas familiares, até porque muitos destes materiais não são incluídos nos apoios sociais escolares.
Em muitas salas de aula, dada a natureza da estrutura e conteúdos curriculares, corre-se o risco de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização” ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor será, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
É verdade que a minimização da dependência dos manuais envolve um conjunto de variáveis que devem ser consideradas.
Passará por uma reorganização e flexibilização curricular, diminuindo a extensão de algumas conteúdos, por exemplo, o que permitiria a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes potenciando, por exemplo, a acessibilidade que as novas tecnologias oferecem.
Passará pelo ajustamento no número de alunos por turma de modo a permitir melhores níveis de diferenciação pedagógica e, assim, acomodar outros suportes ao processo de ensino e aprendizagem.
Passará ainda por maior autonomia de escolas e professores e recursos que acomodem dispositivos de apoio, tutorias por exemplo, que diversifiquem e diferenciam as formas e materiais de trabalho bem como respondam mais eficazmente à diversidade entre os alunos.
Creio que seria importante caminharmos no sentido de atenuar a fórmula instalada que de forma simplista se pode enunciar, o manual formata operacionalmente o currículo, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.
Não esqueço, no entanto, o peso das decisões em matéria de política educativa bem como o peso económico deste mercado.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

POBREZA E EDUCAÇÃO


De acordo com o JN, o Ministério da Educação terá decidido que as cantinas de todas as escolas públicas funcionarão durante os períodos de férias de Natal e Páscoa no próximo ano lectivo.
Nunca é demais chamar a atenção para a situação de extrema dificuldade que muitas famílias ainda atravessam para assegurar condições básicas de qualidade de vida como a alimentação.
Sabe-se também que as crianças e idosos constituem grupos altamente vulneráveis a situações de privação.
É também conhecido que muitas crianças e adolescentes encontram na escola a única refeição consistente e equilibrada a que acedem levando a que em muitas autarquias as cantinas escolares funcionem também no período de férias ou de interrupção de aulas.
O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças, em particular no rendimento escolar e comportamento, é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.
Em qualquer parte do mundo, miúdos com fome, com carências, não aprendem e mais provavelmente vão continuar pobres. Manteremos as estatísticas internacionais referentes a assimetrias e incapacidade de proporcionar mobilidade social através da educação. Não estranhamos. Dói mas é “normal”, é o destino.
Como muitas vezes já contei, a melhor análise que já ouvi sobre esta relação, alimentação e educação, foi produzida pelo Velho Carlos Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda durante uma estadia profissional em Inhambane, Moçambique.
Um fim de tarde, descíamos uma rua e passámos por uma escola básica. Olhou para escola e para os miúdos que estavam a sair e disse-me “se mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola”.
Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos haveriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, miúdos com fome não prendem e vão continuar pobres.

ENSINO SUPERIOR E INCLUSÃO


O Relatório hoje divulgado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência sobre a frequência do ensino superior por parte de alunos necessidades especiais com dados de 16/17 e 17/18 merece reflexão.
Num universo de 114 instituições de ensino superior, 54.5% não possui serviços de apoio vocacionados para estes alunos sendo que se encontram maioritariamente no subsistema público as que disponibilizam estes serviços
Está também referenciado um problema que várias vezes tenho abordado em diferentes contextos, o processo de frequência do ensino superior por alunos com necessidades especiais exige uma forte articulação com o ensino secundário que não se verifica.
Neste ano lectivo, frequentavam o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior o que evidencia o que está por fazer em matéria de equidade e inclusão. Considerando as vagas do contingente especial para estes estudantes apenas 14% foram ocupadas.
Se a estes dados acrescentarmos que a taxa de desemprego na população com deficiência é estimada em 70-75% e que o risco de pobreza é 25% superior à população sem deficiência e que Portugal se orgulha de ter perto de 98% dos alunos com necessidades especiais a frequentar as escolas de ensino regular no período de escolaridade obrigatória, temos um cenário que nos deve merecer a maior atenção.
Como já referi, a questão da presença dos alunos começa no que é feito no ensino básico e secundário.
Por outro lado é fundamental que com clareza, sem ambiguidades ou equívocos se entenda que após a escolaridade obrigatória os jovens, TODOS os jovens, têm três vias disponíveis formação profissional, formação escolar (ensino superior) ou mercado de trabalho (trabalho na comunidade, incluindo a economia social).
A realidade mostra que os jovens com necessidades especiais estão significativamente arredados destas vias e, voltamos ao mesmo, em muitas circunstâncias ao abrigo de práticas e modelos de resposta sob a capa da … inclusão. Muitos deles ficam entregados (não integrados) às famílias, o que alguém já designou como Ministério Casa ou encaminham-se para instituições onde, apesar de algumas experiências interessantes, se recicla a exclusão. As pessoas com NEE de diferente natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão. As instituições ou voltar para a família serão sempre um recurso e nunca uma via.
De novo, a inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com necessidades especiais de diferente natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão.
É também claro que no âmbito do ensino superior importa que se proceda a ajustamentos de natureza diversa, atitudes, representações expectativas, oferta formativa, custos, acessibilidades, e cursos e apoios ou, como disse, promover melhor articulação com o ensino secundário
Como se vê no relatório a maioria  das instituições do ensino superior não dispõe de serviços de apoio para alunos com necessidades especiais.
No entanto, para além de aspectos mais evidentes como a acessibilidade, creio que o apoio pedagógico e a utilização de dispositivos diferenciados nos materiais de apoio das unidades curriculares, da diferenciação nos processos de avaliação ou o recurso às tecnologias, não serão os grandes obstáculos. Tenho alguma experiência de docência no superior com alunos com necessidades especiais e não sinto que sejam estas as questões centrais.
Também não creio que a questão central seja a existência obrigatória de “serviços de apoio” a alunos com necessidades especiais embora tal possa depender da dimensão da instituição. Do meu ponto de vista, procurar responder da forma a adequada às necessidades de TODOS os seus alunos é a essência do trabalho de qualquer instituição educativa e de qualquer docente, com maior ou menor dificuldade.
A questão mais importante decorrerá, creio, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante comunidade, incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário e de "educação especial" técnicos, os alunos com necessidades especiais e famílias.
Também é minha convicção de que as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que manterão as capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela existe. Estou a referir-me, evidentemente, aos alunos que não têm “diagnóstico” de problemas de natureza cognitiva como, aliás, foi recomendado em 2017 no Relatório do Grupo de Trabalho para as Necessidades Especiais constituído pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
De facto, esta preocupação deveria ser mais alargada, estamos a falar de inclusão e agora, se quiserem, da minha utopia.
Porque não podem frequentar estabelecimentos de ensino superior? Sim, frequentar o ensino superior onde estão jovens da sua idade e em que a oferta formativa se for repensada e a experiência de vida proporcionada podem ser importantes.
Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens mas também por cá mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.
Eu já disse e escrevi isto várias vezes. Peço desculpa mas continuarei a fazê-lo.

terça-feira, 26 de junho de 2018

DOS SERVIÇOS MÍNIMOS

Ao que se lê na imprensa o colégio arbitral decidiu pela definição de serviços mínimos no período de greve dos professores às avaliações a realizar em Julho.
Não me pronuncio pela bondade da decisão, boa parte do nosso quadro legislativo está construído de forma a permitir uma geometria variável na sua interpretação.
Creio que a decisão não alterará os termos em que decorre o conflito e a necessidade imperiosa de entender que só a negociação séria e transparente o pode contornar.
O Ministro da Educação verá com agrado o estabelecimento de serviços mínimos para os professores, ele próprio está há algum tempo em serviços mínimos na sua acção política.

DOS RESULTADOS A MATEMÁTICA


A propósito da realização dos exames nacionais o Público tem uma peça interessante sobre os resultados a Matemática A e a sua relação com a escolha dos cursos no ensino superior. Como boa parte dos cursos nas áreas científicas exigem a disciplina de Matemática A sempre que a média do exame sobe também aumenta o número de alunos colocados nas áreas de engenharia e quando desce também baixa o número de alunos destas áreas nas quais precisamos de mais qualificação. Acresce ainda que muitos alunos organizam os seus trajectos de formação de uma forma enviesada, escolhem o que lhes permite “fugir” e não o que provavelmente gostariam porque … tem Matemática.
Os resultados a Matemática constituem um problema real apesar dos progressos verificados em termos médios e são longitudinais, começam no 1º ciclo.
Já este ano foi divulgado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência o estudo “Principais indicadores de resultados escolares por disciplina - Série temporal 2011/12 – 2015/16 - 3.ºCiclo - Ensino Público”.
Em 2015/2016, 33% dos alunos concluíram o 9º ano com negativa a Matemática. Ao longo da série temporal considerada, 11/12 a 15/16, esta percentagem subiu e a taxa de recuperação não ultrapassou os 20%. A Matemática é a disciplina com mais negativas e a com menor taxa de recuperação. As disciplinas de Inglês, Físico-Química e Português apresentam também níveis de reprovação significativas mas bem menores que a Matemática.
Os dados estão em linha com o trabalho divulgado no ano passado “Resultados escolares por disciplina - 3.º Ciclo - Ensino Público - Ano lectivo 2014/2015” com informação dos 3 anos do ciclo de que recupero alguns indicadores.
Em termos globais o chumbo atingia 13.1% dos alunos no ciclo. Por anos o 7º é o que registava maior retenção, 16.7%, indicador também é verificado nos anos iniciais de cada ciclo. Embora no 8º e 9º a retenção diminua tal não parece decorrer de trabalho de recuperação mas do facto de muitos alunos retidos no 7º serem encaminhados para outros trajectos escolares.
Ao nível dos aspectos mais finos da retenção é inquietante que 66% dos alunos que chumbam no 7º ano reprovam a seis ou mais disciplinas sendo a Matemática a que apresenta indicadores mais pesados. No entanto, se o critério for de cinco disciplinas ou mais a taxa passa para uns dramáticos 85% que, evidentemente, são altamente condicionantes de um trabalho de recuperação bem-sucedido.
Um outro dado, também em linha com o que se verificou no 2º ciclo e sem surpresa, é a fortíssima associação entre os altos níveis de retenção e a mais disciplinas e as condições socioeconómicas familiares. De facto, em todas as disciplinas no 7º ano os alunos que reprovam e estão incluídos no Escalão A da Acção Social escolar (famílias com menores rendimentos) são o dobro de alunos com negativas mas não abrangidos pela Acção Social Escolar.
No 2º ciclo, estudo também divulgado em 2017 e respeitante a 2014/2015, a Matemática era claramente a disciplina em que os alunos têm menor desempenho. Cerca de 30% dos alunos tiveram resultado negativo e é também a disciplina em que os alunos sentem mais dificuldade em recuperar, passar de resultado negativo para resultado positivo.
Registe-se também aqui a relação entre o desempenho escolar e o contexto socioeconómico familiar, no 5º ano 44% dos alunos no escalão máximo de acção social escolar tiveram negativa a Matemática, 28% dos alunos no segundo escalão e 16% não envolvidos em dispositivos de apoio.
No entanto e relativamente a este último aspecto, a associação entre variáveis de contexto socioeconómico e os resultados escolares, a escola pode fazer a diferença e contrariar o destino. As boas práticas e experiências conhecidas mostram que é possível.
Os resultados a Matemática ao longo da escolaridade obrigatória estarão associados, não numa relação de causa-efeito, a múltiplas variáveis, desde logo como já vimos pelas circunstâncias sociais e demográficas onde não pode deixar de se incluir, o nível de escolaridade dos pais.
Por outro lado, variáveis como modelo e conteúdos curriculares em discussão este ano nos exames do secundário, número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica terão também algum peso e algumas vezes já aqui referimos estas questões.
Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes mas que a experiência e a evidência mostram ter também algum impacto.
São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso, os alunos de meios menos carenciados percebem-se como mais capazes de aprender matemática.
É também conhecido que os pais com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.
Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e às vezes bem que “parece”. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.
De facto, este tipo de discursos não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.
Não fica fácil a tarefa dos professores mas no limite e como sempre será a escola a fazer a diferença. Não podemos falhar.

FAMÍLIA E TRABALHO


Cerca de 85% dos casos apresentados à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego referem-se a dificuldades no acesso flexibilização do horário laboral prevista na lei para quem filhos menores de 12 anos.
Como é evidente esta situação complica seriamente a conciliação de projectos de vida familiares que envolvam filhos e carreira profissional.
Por múltiplas razões é verdadeiramente urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida bem como combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
É fundamental tornar o quadro legislativo relativo à parentalidade mais amigo das famílias e mais regulada a aplicação do que existe.
Defendo há muito a pertinência de, em sede de Concertação Social, avançar com propostas de alteração legislativa, sobretudo, na organização horária do trabalho que poderia, essa sim, ter impacto na disponibilidade dos pais.
Não me parece impossível que em muitas profissões os tempos de trabalho pudessem ter outra distribuição permitindo mais tempo com os filhos e menos tempo destes na escola o que seria um excelente contributo para a qualidade de vida das famílias.
É verdade que temos avançado mas existe muito para fazer no domínio das políticas de família e da parentalidade.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

PROMULGADO O REGIME JURÍDICO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA


No final da semana que passou o Presidente da República promulgou o Regime Jurídico para a Educação Inclusiva. Como muitas vezes afirmei, a necessidade imperiosa de alteração do quadro legislativo anterior era uma necessidade imperiosa.
No entanto, a par de algumas mudanças positivas tenho expressado algumas inquietações, de natureza teórica e prática, sobre o seu impacto real na resposta à diversidade dos alunos com qualidade e sustentada em princípios de educação inclusiva.
Insisto que quero muito que do processo de alteração resulte mais qualidade nos processos educativos de todos os alunos, menos exclusão, tantas vezes em nome da … inclusão, mais participação de todos os alunos nas actividades comuns, mais apoios e de qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido que minimizem os efeitos em que, perdoem-me o excesso e a repetição, da dimensão o sistema é verdadeiramente inclusivo, coexistem sem um sobressalto práticas excelentes com práticas e discursos que atentam contra os direitos de alunos, famílias e docentes.
O grande risco é que apesar de uma “nova lei” se mantenha o “velho” quadro que referi acima, escolas, professores e técnicos a desenvolver trabalhos de qualidade e assentes numa perspectiva de educação inclusiva e que assim continuarão a tentar fazer, seja qual for o quadro legal e escolas, professores e técnicos envolvidos em práticas que, seja qual for o quadro legal, guetizam, excluem, não promovem direitos, participação, pertença e aprendizagem, os verdadeiros critérios de educação inclusiva que transformam a “integração” em “entregação”, os alunos estão “entregados”, não integrados.
Por estas razões parece-me ainda indispensável a existência de dispositivos de avaliação e regulação que não se confundam com as competências da Inspecção-Geral da Educação e Ciência.
Ilustrando estas reservas, em texto de há algumas semanas mostrei um exemplo sublinhando que não me queria sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica mas a verdade é que julgo que só mudar mesmo que num caminho ajustado não significa … mudar.
. O regime de matrícula e de frequência no âmbito da escolaridade, Despacho Normativo 6/2018 de 12 de Abril deste ano, no Artigo 11.º “Prioridades na matrícula ou renovação de matrícula no ensino básico” refere com segunda prioridade os alunos “Com necessidades educativas especiais de caráter permanente não abrangidos pelas condições referidas na prioridade anterior e com currículo específico individual, conforme definido no artigo 21.º do Decreto -Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, na sua redação atual ou do diploma sobre educação inclusiva que lhe venha a suceder”.
Desde 2008 que entendo que o Currículo Específico Individual é uma das maiores ferramentas de exclusão do DL3/2008, foi muitas vezes utilizado de uma forma desregulada empurrando crianças e adolescentes para trajectos que de inclusão têm nada. A sua própria designação sempre me surpreendeu, um “currículo individual” só pode, acho eu, ser “específico.
Como é que um novo “paradigma”, a eliminação da categorização, o fim das “necessidades educativas especiais”, educação inclusiva x.0 vai acomodar, para usar um termo em moda, o CEI, esta aberração perigosa.
O exemplo é um mau prenúncio e leva-me a manter alguma reserva apesar de preferir o optimismo e a confiança.
Ainda a propósito desta questão cito o testemunho de uma mãe de um adolescente com necessidades especiais QUE logo no início do ano escolar e depois de uma mudança de escola ouve algo como  “Este para mim ele é um CEI” e durante todo o ano o aluno foi … tratado como um “CEI” e remetido para actividades funcionais de que não precisa. Sim, o testemunho é credível e eu próprio conheço várias situações de alunos atropelados por esse “rótulo” e por práticas e discursos incompatíveis com a retórica da inclusão.
Será que vai mudar com um novo quadro legislativo?
Creio que nos últimos anos, na generalidade dos nossos territórios educativos, mesmo em cada comunidade, tivemos, temos e é o meu receio, teremos, crianças excluídas da escola, excluídas na escola, crianças integradas na escola e também, felizmente, crianças incluídas na escola e na comunidade. Aqui sim, como digo, o sistema é verdadeiramente inclusivo.
Por isso as minhas inquietações. Repito o que acima escrevi. Um melhor quadro normativo é necessário e uma boa base de trabalho mas mais recursos e apoios de qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido são aspectos críticos.

domingo, 24 de junho de 2018

OS MIÚDOS E OS CARROS


Um dia destes, estava num grupo de que faziam parte algumas crianças que se entretinham de forma variada. Um deles, num canto, não largava a consola. Aproximei-me e vi o gaiato, uns oito anos, a conduzir um bólide por uma pista cheia de outras bombas. Percebendo a minha curiosidade resolveu mostrar as suas habilidades de condução na consola. O miúdo era mesmo bom.
Os carros sempre fascinam os miúdos. Quando eu tinha aquela idade também me atraíam. Para mais na família nem sequer tínhamos automóvel o que mais longe os deixava e aumentava a atracção.
O mais curioso é que naquele tempo a maioria de nós, sobretudo os rapazes, como sabem os carros eram coisa para rapazes, arranjávamos carro, os carros de rolamentos de esferas. Cada um tinha o seu e, às vezes, até mais do que um. Com pouco dinheiro conseguia-se uns rolamentos, o meu pai de vez em quando trazia lá do trabalho dele, era serralheiro, ou, em alternativa, nos sucateiros do Gato Bravo também se encontravam variados e em conta. As tábuas, bem, as tábuas arranjavam-se numa visita nocturna a alguma obra na zona porque aquelas tábuas grossas das cofragens eram as melhores.
Os meus carros ficavam sempre um espectáculo, desculpem a imodéstia, e faziam sucesso. Por vezes, quando não se destinavam a corridas até tinham bancos, forrados com uns restos de alcatifa, coisa fina, como vêem. Tinham travões, as ruas onde andávamos com os carrinhos assim o obrigavam, que eram feitos com os saltos de borracha dos sapatos que proporcionavam travagens eficientes. Sempre pintados com as tintas que se surripiavam aos pais, até tinham faróis, tampas de latas pregadas nos sítios adequados simulavam-nos de forma excelente. Tratava-se do mais genuíno tunning.
Quanto à condução, era adrenalina da pura. Na velha Rua I, inclinada quanto baste e sem muito trânsito, grandes corridas ali se fizeram e também grande “malhanços” se produziram e, devo confessar, o alcatrão queima e esfola que não é brinquedo.
Mas é assim, mudam-se os tempos, tudo fica diferente, mas devo confessar, enquanto o gaiato corria um qualquer Grand Prix na consola, a mim consola-me a lembrança dos meus carrinhos de rolamentos.
Mas isto é mesmo uma história de velho, hoje não se pode brincar na rua e os carros de rolamento não andam em casa.
Resta mesmo o consolo da consola. Será?
Não, definitivamente não, podemos e devemos fazer melhor.

sábado, 23 de junho de 2018

GOSTEI DE LER, "O PEQUENO CHORA, O GRANDE ROSNA

Desta vez estamos de acordo, Pacheco Pereira, “O pequeno chora, o grande rosna”.


Apesar dos tempos negros que nos assombram, preciso de sentir algum optimismo e acreditar que o tempo actual pode representar uma janela de oportunidade, (a última?) para reconstruir uma visão para a Europa e para o Mundo.
Não podem, não podemos falhar, percebem? Trata-se do futuro dos nossos filhos, dos filhos dos nossos filhos, dos ....

BRINCAR É A ACTIVIDADE MAIS SÉRIA QUE AS CRIANÇAS REALIZAM


Um pequeníssimo excerto, “Hoje não há dúvidas sobre isto: quase todos os indivíduos que tiveram sucesso, foram felizes e empreendedores, tiveram infâncias felizes.”
Como tantas vezes escrevo e afirmo, brincar é a actividade mais séria que as crianças realizam, na qual põem tudo o que são e constitui a base de tudo o que virão a ser.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

CRÓNICA DE UMA GREVE SEM FIM À VISTA


Continua sem fim à vista o conflito entre professores e ME. Os novos capítulos que se vão conhecendo não permitem antecipar quando e como terminará. Como já tenho escrito e insisto, só há uma forma de resolver conflitos de forma positiva, negociar, negociar. Ponto.
O ME continua em fuga para a frente e vai-se apoiando na tentativa de torcer o quadro legislativo no sentido de conter ou minimizar as consequências da greve em curso.
Paralelamente é divulgada informação e produzida opinião em dois sentidos, sublinhar o prejuízo causado aos alunos e diabolizar a greve e os professores recorrendo à produção de opinião, e números com esse objectivo.
Parece clara dificuldade em realizar uma greve que não tenha algum impacto na comunidade, esse é, justamente, uma das componentes do próprio processo da greve, seja em que sector de actividade for.
Parece-me também claro que os professores, na sua esmagadora maioria, prefeririam certamente não sentir motivos para realizar a greve com consequentes dificuldades para pais e alunos e para o seu próprio trabalho, as avaliações serão necessariamente realizadas. Muitos esquecerão que boa parte dos professores também tem filhos.
É também claro que muitos professores se sentem suficientemente maltratados por alguns aspectos das políticas que os envolvem para que possam enveredar pela greve, dentro do quadro legal existente, com as consequências previsíveis.  
A eternização deste conflito não serve a ninguém. Negociar com seriedade servirá a todos.

NOTÍCIAS DA BALEIA AZUL


Depois do impacto mediático dos primeiros casos, as referências ao fenómeno que dá pelo nome de “Baleia Azul” foram desaparecendo da agenda. No entanto, não desapareceu do inferno que é a vida de alguns adolescentes e jovens. Assim, a imprensa de hoje refere a detecção sete casos de adolescentes entre os 11 e os 14 anos, residentes na mesma zona, envolvidos em comportamento de automutilação no âmbito do fenómeno “Baleia azul”.
Recordo que uma notícia de Junho do ano passado reportava que nos últimos dois meses as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens tinham registado uma subida do número de situações com forte probabilidade de se relacionarem com aquele “desafio”. Foram reencaminhados para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal 34 casos, o triplo de registos anteriores.
Continuo convencido que esta situação é apenas uma ponta do "iceberg" de mal-estar que atinge muitos adolescentes e jovens.
Assim, importa insistir na atenção que merece. Em primeiro lugar recuso firmemente designar por jogo. Logo depois, já se conhecem outras referências, surgirá outro fenómeno da mesma natureza.
Muita coisa já foi divulgada a este propósito, sobre a forma como se desenrola, sobre os riscos das redes sociais e cuidados a ter por pais e educadores, sobre a intervenção das autoridades que já transformou o episódio também num caso de polícia, etc.
Assim e neste contexto, não me parece necessário insistir na referência ao episódio Baleia Azul, parece-me essencial, isso sim, reflectir sobre o conjunto de razões pelas quais adolescentes e jovens se envolvem em situações desta natureza com riscos graves, incluindo automutilação e suicídio e que atingem dimensões verdadeiramente preocupantes.
Segundo os últimos dados do estudo “A Saúde dos adolescentes Portugueses”, divulgado no ano passado e que integra o estudo internacional Health Behaviour in School-aged Children, da responsabilidade da OMS, um em cada cinco alunos (20,3%), entre os 13 e os 15 anos já se magoou a si próprio, de propósito, nos últimos 12 meses, sobretudo cortando-se nos braços, nas pernas, na barriga... Referiram que se sentiam “tristes”, “fartos”, “desiludidos” quando o fizeram.
Este indicador, preocupante como é evidente, é-o tanto mais quando representa um aumento de quase cinco pontos percentuais do grupo dos que fazem mal a si próprios considerando o Relatório anterior.
Na verdade, os comportamentos de automutilação em adolescentes são mais frequentes e graves do que muitas vezes pensamos e devem ser encarados com preocupação. E os casos que vão sendo conhecidos são apenas isso, os conhecidos, a ponta do iceberg.
É justamente por esta dimensão e as suas potenciais consequências que me parece fundamental entender tudo isto como um sinal muito forte do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem e a verdade é que em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Este mal-estar e o que daí pode emergir decorrem de situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo nas suas diferentes formas ou relações degradadas na família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social que serão indutoras de comportamentos autodestrutivos.
Começa também a surgir como causa deste mal-estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.
Os tempos estão difíceis e crispados para muitos adultos e também para os miúdos a estrada não está fácil de percorrer.
Como disse, alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família.
Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um espaço, nem sempre um espaço físico, insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos mas perdidos.
Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e que um projecto para a vida é apenas mantê-la ou que nem isso vale a pena.
Alguns convencem-se ou sentem que a escola não está feita para que nela caibam e onde podem ser vitimizados.
Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar fazendo diferente.
Alguns transportam diariamente um fardo excessivamente pesado e que os torna vulneráveis.
Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário pois muitos destes adolescentes e jovens terão evidenciado no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa ou na escola, espaço onde passam boa parte do seu tempo. Aliás, alguns testemunhos ouvidos no âmbito dos recentes e mediatizados casos mostram isso mesmo.
De facto, em muitos casos, designadamente, em comportamentos de automutilação ou estados mais persistentes de tristeza e isolamento, pode ser possível perceber sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações.
O sofrimento e mal-estar induzem uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam sofrimento a si próprios o que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também extraordinariamente significativos.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos mais novos nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado. Também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Alguns destes miúdos carregam diariamente uma dor de alma que sentem mas nem sempre entendem ou têm medo de entender.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.
Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um adolescente dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.
Muitos pais, mostra-me a experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda por se sentirem impotentes e perplexos.
O resultado de tudo isto pode ser trágico e obriga-nos a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos adolescentes e dos jovens."
Desculpem a repetição mas é preciso insistir.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

AS CONTAS QUE NUNCA DÃO CERTO


Acho particularmente interessante que numa área como a educação e seja qual for a matéria em análise as contas nunca batam certo.
Agora, trata-se dos custos com a resolução do problema do congelamento da carreira dos docentes, como já se tratou dos custos de cada aluno no sistema público ou no sistema privado, como já se tratou do número de docentes necessários no sistema educativo público, só para referir dois aspectos muito relevantes embora haja muitos mais.
Como parece claro, o problema deste desencontro de contas não é uma questão de aritmética e também não me parece que na sua essência seja uma questão de euros embora não esqueça que os recursos são finitos e as necessidades são grandes e em muitas áreas do funcionamento das comunidades.
No entanto, a questão central é de opções em matéria de políticas públicas, de gestão de interesses que muitas vezes estarão para lá do interesse público e mais perto de outras corporações de interesses de que a forma como a banca é tratada é um bom exemplo.
No fundo é mesmo um problema de opções políticas e assim sendo a calculadora não ajuda a ter certas as contas que nunca dão certo no mundo da educação.

OS PROBLEMAS DAS MINORIAS NÃO SÃO PROBLEMAS MINORITÁRIOS


A Associação ILGA Portugal — Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo divulgou o “Estudo Nacional Sobre o Ambiente Escolar — Jovens LGBTI+ 2016/2017” realizado ISCTE e pela U. do Porto envolvendo perto de 700 jovens com idades compreendidas entre os 14 e os 20 anos.
Alguns dados, mais de 62% dos inquiridos reporta comentários negativos feitos de pessoal docente e não docente de natureza ocasional e 28.5% refere regularidade nesses comentários.
Os comentários negativos são sobretudo produzidos por colegas, 75.1%.
Sendo a maioria das agressões de natureza verbal também se relatam agressões físicas, 7.7%.
De registar ainda que 73,6% refere ter sentido alguma forma de exclusão intencional por parte dos colegas e quase 65% foi alvo de rumores ou mentiras sobre si na escola.
É ainda relevante que apenas um em cada dez inquiridos denunciou regularmente a situação de vitimização e constata-se que em escolas onde se desenvolve trabalho sobre estas questões a situação é mais positiva.
Os dados agora divulgados vêm em linha com a realidade, são frequentes os discursos ou comportamentos discriminatórios face à orientação sexual ou identidade de género em contexto escolar.
Em 2017 a Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia referia que 94% dos jovens LGBT ouvem ou testemunham comentários e comportamentos negativos em contexto escolar em Portugal". Já se referia também que a apresentação de queixa por parte das vítimas é rara.
Com demasiada frequência os problemas das minorias são eles próprios percebidos como problemas  minoritários, menores ou mesmo como não problemas.
Em 2014 foi divulgado um estudo referindo as dificuldades das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em lidar com crianças e jovens com orientações sexuais diferentes, um problema que raramente é abordado mas que é fonte de sofrimento para muitas crianças, adolescentes famílias.
Um Relatório da Rede Ex-Aequo referia que no ano de 2012 se registaram 37 denúncias de homofobia e transfobia, sendo que 42 % da juventude lésbica, gay ou homossexual afirmou ter sido vítima de bullying homofóbico, 67% dos jovens declarou tê-lo presenciado e 85% afirmou já ter ouvido comentários homofóbicos na escola que frequenta. Em muitas situações desta natureza emergem quadros “baixa auto-estima, isolamento, depressões e ideação e tentativas de suicídio”, contribuindo ainda para o insucesso e para o abandono escolar de muitos jovens. O mesmo relatório referia ainda episódios recorrentes de bullying homofóbico em contextos de praxes académicas, situação que já aqui também comentei.
Recordo que em Novembro de 2011, dados da UNESCO referiam que cerca de 70 % de alunos homossexuais afirma ser vítima de bullying.
De facto, parece evidente o risco de sofrimento por parte destes adolescentes e jovens.
Sabemos também que tanto como intervir na remediação e apoio é fundamental entender que o público mais jovem terá de ser sempre ser um alvo privilegiado, é de "pequenino que se torce o pepino".
Parece também claro que face à dimensão dos incidentes de bullying, de discriminação ou de má abordagem, que continuam a verificar-se dirigidos a um alvo em particular a que acrescem os outros comportamentos da mesma natureza, esta questão se transforme numa preocupação não ideológica mas de direitos e de natureza civilizacional no contexto das políticas e processos educativos.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

SUPERPROTECÇÃO EM EDUCAÇÃO FAMILIAR


Para fugir um pouco à agenda da educação, o conflito entre docentes e um ME que parece em fuga para a frente tardando um processo de negociação sem o qual todos muito provavelmente perderão, incluindo alunos, umas notas sobre pais e filhos.
A imprensa de hoje faz a referência a um estudo divulgado recentemente na Developmental Psychology que acompanhou durante oito anos um grupo de 422 crianças, entre os 2 e os 10 anos, e respectivas mães. Os dados sugerem que excesso de controlo, superprotecção, parece promover comportamentos e emoções menos reguladas nas crianças, ter impacto no ajustamento escolar e nas estratégias de auto-regulação à entrada na pré-adolescência.
O estudo, cuja metodologia sugere alguma reserva no estabelecimento de relações de causa-efeito merece, no entanto, alguma reflexão.
Os que por aqui vão passando reconhecem a frequência com que abordo a importância da promoção da autonomia das crianças como um dos princípios fundadores da educação familiar. O mesmo discurso e a forma de intervir neste sentido nos contextos familiares preenchem também boa parte do trabalho que realizo com pais e com futuros profissionais meus colegas.
Algumas notas repescadas de textos anteriores.  De facto, um processo educativo terá com eixo estruturante a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função, actividade ou contexto em que se encontra. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia e auto-regulação.
Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia apesar das inúmeras habilidades e competências que desde muito cedo revelam.
A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança ou adolescente pode ou não fazer só.
Por outro lado, os miúdos são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo, são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à sua volta, companheiros ou adultos.
Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só miúdos autónomos, autodeterminados, informados e orientados sobre os riscos e as escolhas serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar em diferentes situações do seu quotidiano. Este entendimento sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a autonomia dos miúdos.
Creio que este entendimento está pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, miúdos e adultos.

DIA MUNDIAL DO REFUGIADO


Voltamos à agenda das consciências. Hoje, dia 20 de Junho, devemos pensar no Dia Mundial do Refugiado. Qual refugiado?
Do refugiado da fome, da miséria e da guerra? Ou do que se refugia na abundância obscena?
Do refugiado do fundamentalismo religioso intolerante? Ou do que, com medo de existir, se refugia num Deus?
Do refugiado em si? Ou do refugiado entre a gente?
Do refugiado político? Ou do que se refugia na política?
Do sem-abrigo, refugiado da rua? Ou do refugiado, abrigado, em condomínio fechado?
Do trabalhador escravo da miragem de um refúgio? Ou que se refugia no trabalho para não sonhar a miragem?
Do refugiado que envelhece refugiado?
Da criança refugiada na rua? Ou da criança refugiada numa instituição?
Do miúdo colocado, refugiado, em mil actividades? Ou do miúdo refugiado no mundo de um ecrã?
Das crianças e adultos refugiados na indiferença perante a diferença?
Dos Direitos Humanos refugiados? Ou dos refugiados sem Direitos Humanos?
Do refugiado de uma insuportável existência? Ou da insuportável existência do refugiado?
Não sei. É o Dia Mundial dos Refugiados.

Post Scriptum - Donald Trump consegue ainda refugiar crianças já refugiadas de vida numa gaiola separadas dos pais. Não há palavras! 

terça-feira, 19 de junho de 2018

A EDUCAÇÃO E A ESCOLA PÚBLICA SOB FORTES ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

O clima instalado entre professores e ME parece continuar numa trajectória que inibe a negociação, única forma de recuperar alguma estabilidade, um bem de primeira necessidade em educação.
Este clima é propício e também se alimenta de discursos que ao abrigo de diferentes agendas muitos comentadores e figuras públicas vão produzindo.
Boa parte destes discursos promove de forma mais ou menos explícita a diabolização dos professores cavalgando o processo de reivindicação relativo à carreira, à progressão e ao estatuto salarial que, de acordo com o quadro legal, é justo na sua essência. Além disso, insistem em negar o óbvio, a carreira de professor tem especificidades que a torna ... específica e não demagogicamente comparada a todas (quase todas, evidentemente, com algumas não convém) as outras carreiras da administração. 
No âmbito destes discursos foi com alguma perplexidade e inquietação que vi mais um passo nesta escalada de instabilidade e ataque aos professores e à escola pública. A CONFAP alerta em comunicado que partindo das óbvias preocupações que decorrem da actual situação a reacção dos pais pode passar por ““repensar a política educativa sobre os contratos de associação ou outras formas que permitam a todas as famílias poderem fazer a sua escolha pela escola”, incluindo a escolha pelos colégios privados”, lê-se no Observador, claro, acrescento eu.
É evidente que a situação é preocupante, daí a exigência da negociação como única saída.
No entanto, uma nota para que acentuar que a esmagadora maioria dos professores desenvolve diariamente uma outra luta, a luta pelo desenvolvimento e sucesso do trabalhos dos alunos. Esta luta é desenvolvida muitas vezes em condições e com recursos pouco amigáveis, para ser simpático, mas a que a competência e sentido ético e deontológico tentam responder.
Sim, eu sei que temos ainda muitos problemas, um ainda pesado caderno de encargos. No entanto diariamente se processam trabalhos notáveis.
Apenas dois exemplos para que não nos esqueçamos.  
Uma primeira referência ao número muito significativo em termos comprados de alunos com notas de excelência e que frequentam escolas públicas.
Uma segunda nota para referir mais uma escola, apenas mais uma, em que o trabalho desenvolvido em circunstâncias adversas faz a diferença na vida dos alunos, promove competência, desenvolvimento, sucesso, alicerçando projectos de vida positivos, incluindo nos alunos que nascem para "cumprir o destino", o insucesso.

ESTAS CRIANÇAS NÃO PARAM. NÃO! ESTAS CRIANÇAS NÃO SE MEXEM.


Agora na Visão online. Umas notas sobre as rotinas de boa parte das nossas crianças nas quais estão pouco presentes, a brincadeira, a actividade física e, de uma forma geral, as actividades de ar livre.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

O MUNDO ANDA UM LUGAR ESTRANHO

Na verdade a coisa anda estranha ... ou talvez não.
O PCP coloca-se ao lado do CDS-PP e determina para os seus deputados o vota contra a legalização da eutanásia por considerar que seria um "retrocesso civilizacional".
O PSD elogia sindicatos dos professores e defende as suas posições no conflito com o ME.
O PCP vê com maus olhos a Iniciativa Legislativa de Cidadãos que pretende obrigar o Parlamento a posicionar-se no mesmo conflito, esta coisa dos cidadãos pretenderem pensar e agir fora de uma agenda partidária é um bocado embaraçante.
Assim, não está fácil.


ESTÁ ABERTA A ÉPOCA DE EXAMES


De há uns tempos para cá o universo da educação é ciclicamente abanado por algo a que podemos chamar "os exames".
De facto, sobretudo com o Ministro Nuno Crato, um homem que parece ter uma relação fetichista ou mágica com os exames, chegada a altura as escolas entram em modo exames e é o "tudo" da vida de professores, alunos e famílias.
Este "tudo", como é evidente, sai das escolas, entra pela casa dos alunos inquietando as famílias, pelos centros de explicações, naturalmente, e chega também à comunicação social.
Os exames são o grande tema de conversa, a bondade da sua realização, o calendário, os efeitos, as condições de realização, a sua maior ou menor dificuldade e adequação, os resultados e finalmente os rankings. Depois resta aguardar por novo ciclo.
Também a comunicação social tem acompanhado este "tudo". Regularmente em cada época temos trabalhos sobre o comportamento a adoptar por alunos, as estratégias de preparação, a actuação dos pais, etc. Eu próprio tenho solicitações frequentes no sentido de contribuir para estas abordagens. Todos os conselhos serão úteis, espera-se mas a minha convicção é que, independentemente dos resultados a generalidade dos alunos saberá os procedimentos a adoptar com base no seu trabalho anterior e no trabalho dos seus professores.
No entanto, o "tudo" que os exames passam a ser não se confina aos aspectos mais próximos da vida escolar. 
No Público de Domingo aparecia uma peça sobre o tema exames, claro, que incluía os cuidados de alimentação a ter na época de exames. Devo confessar que vejo isto com alguma curiosidade.
Não está em causa, evidentemente, a qualidade da alimentação de crianças e jovens, um problema de todos os dias e não da época de exames. O que me assusta é este discurso excessivo, centrado nos exames que, do meu ponto de vista, por melhor intencionado que seja, corre o risco de fazer parte do problema e não parte da solução. Estou a imaginar alguns pais mais extremosos e ou preocupados com a excelência dos resultados escolares a estabelecerem "Programas alimentares" ou "Dietas" que obrigarão os seus filhos a cumprir escrupulosamente como meio para atingir o sucesso nos exames.
Querendo colaborar e no mesmo sentido talvez seja necessário estar atento ao tipo de música que os alunos ouvem quando estudam (se ouvirem música é claro). Não deverá ser uma música qualquer, deverá ser uma música que potencie a aprendizagem e que promova a concentração.
Já agora parece importante pensar na roupa que usam, deve ser confortável, não muito apertada para não dificultar a circulação sanguínea, nem muito larga que o implica andar sempre a compô-la e a perder tempo.
Merece ainda reflexão a qualidade dos ambientes de estudo, a cor das paredes, a iluminação, o mobiliário, a qualidade acústica e térmica dos espaços, etc.
Uma outra variável que poderá ser controlada será o estudo "acompanhado". Talvez seja de sugerir que cada aluno só estude com outros alunos mais competentes (com os melhores é que se aprende, dizem), nada de estudar com amigos chegados e, muito menos, com namorados ou namoradas. Podem ser uma fonte de distracção "fatal".
Bom, mais a sério, como muitas vezes tenho escrito e defendido publicamente, não tenho nenhuma convicção de que os exames, muitos exames, só por existirem e nos termos em que existem, melhorem a qualidade, longe disso. Mas sempre tenho dito que a generalidade dos miúdos, mais pequenos ou mais crescidos, lidam com os exames com alguma serenidade.
Os discursos de muitos adultos, pais ou professores, e a forma como é referido e analisado este "tudo", os exames, é que podem constituir-se como fontes de instabilidade.
Estou a lembrar-me dos Pink Floyd, "Deixem as crianças em paz". Elas são resilientes.

O EXAME

Este ano a época de exames é bem mais abrangente.
Para além das competências dos alunos nas diferentes áreas disciplinares e dos diferentes anos, está em avaliação a competência negocial do ME e dos representandes dos professores. Negociar é a única forma de recupera alguma estabilidade no sistema educativo.
Oxalá todos os examinados tenham bons resultados. 
Ganhamos todos.

domingo, 17 de junho de 2018

E AGORA?


Uma iniciativa legislativa de cidadãos lançou via net a recolha de 20000 assinaturas, as necessárias para obrigar o Parlamento a votar a contagem integral do tempo de serviço docente prestado pelos professores que não foi contabilizado em períodos anteriores a 2018, para efeitos de progressão na carreira e remuneração. O número foi atingido pelo que a questão ser discutida na Assembleia da República.
Uma nota para registar a natureza da iniciativa e o objectivo alcançado.
Quanto ao resultado da votação, lamento mas acho que o sentido do voto das diferentes bancadas será genericamente decidido pela avaliação que cada grupo parlamentar faça dos seus interesses e dos potenciais dividendos com a decisão, temos eleições em 2019, e menos da avaliação da bondade dos objectivos da iniciativa.
Nada de novo, são as contas da partidocracia.
No entanto e por razões da mesma natureza qualquer que seja o sentido da votação na AR, o resultado influenciará seguramente o inevitável processo negocial, única forma de ultrapassar o conflito instalado.

DEFICIÊNCIA E EMPREGO


Um docente da U. de Coimbra, Jorge Leite, afirmou publicamente que nem as instituições públicas nem o sector privado cumprem a quota de 5% estabelecida legalmente como forma de promoção do emprego de pessoas com deficiência.
Como frequentemente aqui refiro, a questão do emprego é crítica para muitos milhares de pessoas e suas famílias e com pouco eco no espaço mediático, como sempre as vozes das minorias soam baixo.
Recordo que com dados de Dezembro de 2017, a Administração Pública contratou desde 2010 46 pessoas com deficiência em 24 mil vagas e até essa altura ainda não teria sido contratado ninguém nesta condição.
Elucidativo das preocupações do chamado estado social.
A este propósito também é de registar que nas Grandes Opções do Plano para 2018 o Governo identificou a inclusão de pessoas com deficiência ou incapacidade como uma prioridade central. Nesta perspectiva, afirmava-se pretender desenvolver políticas que sustentem a igualdade de oportunidades definindo medidas como o estabelecimento de quotas no mercado de emprego destinadas a pessoas com deficiência ou incapacidade ou acções de formação profissional no sistema regular de formação e o incremento de estágios profissionais em empresas e organizações do sector público e social.
Por princípio, não simpatizo com o recurso ao estabelecimento de quotas para solução ou minimização de problemas de equidade ou desigualdade. As razões parecem-me óbvias, justamente no plano dos direitos, da equidade e na igualdade de oportunidades.
No entanto, também aceito que o estabelecimento de quotas possa ser um passo e um contributo para minimizar a discriminação. No entanto, é estranho, ou nem por isso, que seja a Administração a não cumprir o que para si estabeleceu em 2010.
E na verdade a questão do emprego de pessoas com deficiência é uma questão de enorme relevância. Apesar de evidente recuperação nos níveis de desemprego as pessoas com deficiência continuam altamente vulneráveis a este problema.
Um Relatório de 2014, "Monitorização dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência em Portugal", divulgado no âmbito da terceira conferência anual da Associação Europeia de Estudos da Deficiência, indiciava que existem empresas que usam indevidamente os apoios estatais para a contratação de pessoas com deficiência obrigando estes trabalhadores a estágios sucessivos e a uma situação de precariedade. Este expediente é, aliás usado com outros grupos, jovens, por exemplo.
As pessoas com deficiência em Portugal têm uma taxa de risco de pobreza 25% superior à das pessoas sem qualquer deficiência e o desemprego neste grupo social terá aumentado cerca de 70 % face a 2011 estimando-se actualmente que ronde os 75 %, uma taxa catastrófica.
Sabemos que os recursos são finitos e os tempos de contenção, mas pode-se afirmar que para as pessoas com deficiência os tempos sempre foram de recursos finitos e de contenção, ou seja, as dificuldades são recorrentes e persistentes.
Creio também que é justamente no tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais reguladas.
Os números sobre o desemprego nas pessoas com deficiência são dramaticamente elucidativos desta maior vulnerabilidade. A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.
Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis.
As pessoas com deficiência e as suas famílias fazem parte deste grupo.

sábado, 16 de junho de 2018

A INDÚSTRIA DO SUCESSO


O terceiro período está terminar e aproxima-se a época de exames. Como costumo dizer, estes são o tempo das explicações, procura-se a “recuperação” que evite o “chumbo”, o “saltinho” até à excelência ou a preparação para os exames.
Andar pela proximidade de muitas escolas escolas mostra a abundância da oferta de “explicações” com variadíssimas designações como “Centros de Estudo”, “Sala de Estudos”, “Academias”, “Ginásios”, etc., que provavelmente terão mais efeito “catch” no sentido de atingir o “target”.
O mercado está sempre atento.
Com alguma regularidade desloco-me a um local perto de uma escola básica integrada de dimensão significativa. Como não podia deixar de ser existem vários espaços para “explicações”.
Um deles, mesmo em frente à escola, divulga numa enorme montra um impressionante conjunto de serviços.
Começa por afirmar que recorre a metodologias divertidas para aprender melhor.
Depois temos o elenco de respostas:
Explicações de todos os níveis
Centro de alto rendimento escolar
Preparação para exames
Estratégias educativas
Motivação e auto-estima
Gestão de ansiedade
Stresse nos exames
Mindfulness terapia
Actividades de férias
Confesso que fiquei esmagado. Escola e professores para quê?
Apesar de nada ter contra a iniciativa privada, desde que regulada e com enquadramento legal, várias vezes tenho insistido no sentido de entender como desejável que os apoios e ajudas de que os alunos necessitam fossem encontrados dentro das escolas e agrupamentos. O impacto no sucesso dos alunos minimizaria, certamente, eventuais custos em recursos que, aliás, em alguns casos já existem dentro do sistema.
Esta minha posição radica no entendimento de que a procura “externa” de apoios, legítima por parte das famílias, tem também como efeito o alimentar da desigualdade de oportunidades e da falta de equidade como sucessivos relatórios nacionais e internacionais referem e de que aqui já falei.
A ajuda externa ao estudo como ferramenta promotora do sucesso não está ao alcance de todas as famílias pelo que é fundamental que as escolas possam dispor dos dispositivos de apoio suficientes e qualificados para que se possa garantir, tanto quanto possível, a equidade de oportunidades e a protecção dos direitos dos miúdos, de todos os miúdos.
As necessidades dos alunos poderiam ser atenuadas com o recurso a professores que já estão no quadro ou com contratos sucessivos. Também por estas razões a narrativa dos professores a mais é ... isso mesmo, uma narrativa.
De uma vez por todas, é necessário contenção e combate ao desperdício, mas em educação não há despesa há investimento.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

TÊM DE NEGOCIAR. QUAL DESTAS PALAVRAS NÃO ENTENDEM?


Têm de negociar. Qual destas palavras não entendem?
Fugir para frente, torcer o quadro legal para minimizar protestos ou tomar posições irredutíveis não será certamente a melhor forma de gerir um conflito. O que está em risco é muito superior ao custo da negociação.
Os custos de promover justiça são sempre mais baixos que o seu valor facial em euros.
Post Scriptum - Acho particularmente interessante ouvir figuras proeminentes do PSD, David Justino ou Fernado Negrão, afirmar que as promessas do Governo têm de ser cumpridas. Eu  também acho mas vindo das lideranças do PSD ... Como dizia outra figura de grande peso no cenário politico "Há muita fraca memória".

quinta-feira, 14 de junho de 2018

O NÚMERO DE PROFESSORES NO SISTEMA


A imprensa de hoje refere dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência segundo os quais de 15/16 para 16/17 tivemos menos 20281 alunos no ensino básico e mais 3228 docentes.
Ressuscita-se, certamente por coincidência, o número de professores no sistema e, sobretudo, a ideia de professores a mais. Alguns dos títulos são bons exemplos.
Antes de algumas notas convém não esquecer que segundo a Fenprof estima-se que estarão de baixa médica cerca de 12000 professores.
Talvez seja também de recuperar, pensando nas consequências a curto/médio prazo, que conforme o Relatório “Perfil do Docente” também da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação de 2016 e considerando dados de 14/15, apenas 1.4% dos docentes que leccionam em escolas públicas têm menos de 30 anos, não chegam a 500.
Acresce que o grupo etário com mais de 50 anos é o mais representado, 39.5%. Se a este grupo adicionarmos o escalão imediatamente anterior, 40 aos 49, temos que 77,3% dos docentes estão nos dois grupos mais velhos.
Como escrevi há uns dias se juntarmos o baixo número de saídas para aposentação num país preocupado com o futuro este cenário faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade.
Como já tenho referido, parece-me claro que a questão do número de professores necessário ao funcionamento do sistema é uma matéria bastante complexa que, por isso mesmo, exige serenidade, seriedade, rigor e competência na sua análise e gestão, justamente o que tem faltado nesta matéria, incluindo a alguns discursos de representantes dos professores.
Para além da questão da demografia escolar, muitas vezes usada de forma demagógica, importa não esquecer que existem muitos professores deslocados de funções docentes, boa parte em funções técnicas e administrativas que em muitos casos seriam dispensáveis pois fazem parte de estruturas do Ministério pesadas, burocráticas e ineficazes.
Por outro lado, os modelos de organização e funcionamento das escolas, com uma série infindável de estruturas intermédias e com um excesso insuportável de burocratização, retiram muitas horas docentes ao trabalho dos professores que estão nas escolas.
No entanto e do meu ponto de vista, o “excesso” de professores no sistema e sem trabalho deve ser também analisado à luz das medidas Política Educativa que há anos têm vindo a ser seguidas.
Conhecendo os territórios educativos do nosso país, julgo que faria sentido que os recursos que já estão no sistema, pelo menos esses e incluindo os contratados com muitos anos de experiência, fossem aproveitados em trabalho de parceria pedagógica, que se permitisse a existência em escolas mais problemáticas de menos alunos por turma ou ainda que se utilizassem em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades.
Os estudos e as boas práticas mostram que a presença de dois professores na sala de aula são um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos.
Sendo exactamente estes os dois problemas que afectam os nossos alunos, talvez o investimento resultante da presença de dois docentes ou de mais apoios aos alunos, compense os custos posteriores com o insucesso, as medidas remediativas ou, no fim da linha, a exclusão, com todas as consequências conhecidas. Talvez fosse também um caminho para a promoção de mais qualidade e inclusão, ou, dito de outra maneira, para combater o insucesso e o abandono.
É só fazer contas mas, não apenas para um ano.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

O RAPAZ QUE NÃO SABIA CANTAR


Desde o início se notou que o Rapaz não funcionava como as outras pessoas. Em bebé chorava com um choro estranho, pouco habitual nos outros bebés. As suas primeiras palavras também não soavam como as dos seus companheiros de creche, tinham uns sons por vezes esquisitos. Quando entrou na escola as diferenças mantiveram-se, o Rapaz tinha uma linguagem perceptível, um vocabulário ajustado à idade, mas as palavras ditas por si tinham frequentemente uma entoação estranha que o distinguia dos outros.
A situação ficou mais evidente quando colocaram o Rapaz em actividades em que tinha de cantar. Todo a gente achava um pesadelo, nunca se tinha visto, ou melhor, nunca se tinha ouvido um rapaz com tanta falta de jeito para cantar.
Os professores destas áreas foram-lhe pedindo para nem sequer tentar cantar porque, diziam, era insuportável ouvir aquele som que o Rapaz tenta esforçadamente produzir.
O Rapaz foi-se assim habituando a ficar calado e só quando não podia deixar de ser comunicava com alguém e cantar deixou mesmo de o fazer. Na verdade, quando estava só ensaiava cantar e achava que o que os seus ouvidos lhe mostravam não era assim tão mau como lhe diziam. O seu comportamento, discreto, calado, tornou, assim, suportável a sua presença junto das pessoas.
O Rapaz aprendeu que o mundo não gosta de desafinados, percebeu que dificilmente faria parte de qualquer coro. Ficou algo desconsolado porque gostava muito de música e de cantar, como quase toda a gente.

E DEPOIS?


Dizem os manuais sobre resolução de conflitos que, de uma forma simples, a melhor solução é “ganhar, ganhar”, todas as partes envolvidas entendem que obtiveram o melhor resultado possível.
Para que esta solução seja conseguida exige-se bom senso, vontade de entendimento, legalidade, justiça, transparência, seriedade e uma visão sobre um bem maior.
Neste momento, a actual situação de conflito entre professores e ME, tendo começado mais confinada a uma questão de euros, reposição justa de salários e carreira congelados durante mais de nove anos, já não é “só” uma questão de euros e tem vindo a verificar-se uma perigosa fuga para a frente por parte do ME que ameaça seriamente o resultado final para além de que algumas das decisões acrescentam mais problemas e não soluções.
Negociação não é o que se está a acontecer.
Os riscos de não acabar bem avolumam-se e creio que poderemos chegar uma solução de “perder, perder”. Ganharão os arautos da desgraça, os do "quanto pior, melhor". Esquecem-se que têm filhos  e netos
E depois?