segunda-feira, 25 de junho de 2018

PROMULGADO O REGIME JURÍDICO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA


No final da semana que passou o Presidente da República promulgou o Regime Jurídico para a Educação Inclusiva. Como muitas vezes afirmei, a necessidade imperiosa de alteração do quadro legislativo anterior era uma necessidade imperiosa.
No entanto, a par de algumas mudanças positivas tenho expressado algumas inquietações, de natureza teórica e prática, sobre o seu impacto real na resposta à diversidade dos alunos com qualidade e sustentada em princípios de educação inclusiva.
Insisto que quero muito que do processo de alteração resulte mais qualidade nos processos educativos de todos os alunos, menos exclusão, tantas vezes em nome da … inclusão, mais participação de todos os alunos nas actividades comuns, mais apoios e de qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido que minimizem os efeitos em que, perdoem-me o excesso e a repetição, da dimensão o sistema é verdadeiramente inclusivo, coexistem sem um sobressalto práticas excelentes com práticas e discursos que atentam contra os direitos de alunos, famílias e docentes.
O grande risco é que apesar de uma “nova lei” se mantenha o “velho” quadro que referi acima, escolas, professores e técnicos a desenvolver trabalhos de qualidade e assentes numa perspectiva de educação inclusiva e que assim continuarão a tentar fazer, seja qual for o quadro legal e escolas, professores e técnicos envolvidos em práticas que, seja qual for o quadro legal, guetizam, excluem, não promovem direitos, participação, pertença e aprendizagem, os verdadeiros critérios de educação inclusiva que transformam a “integração” em “entregação”, os alunos estão “entregados”, não integrados.
Por estas razões parece-me ainda indispensável a existência de dispositivos de avaliação e regulação que não se confundam com as competências da Inspecção-Geral da Educação e Ciência.
Ilustrando estas reservas, em texto de há algumas semanas mostrei um exemplo sublinhando que não me queria sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica mas a verdade é que julgo que só mudar mesmo que num caminho ajustado não significa … mudar.
. O regime de matrícula e de frequência no âmbito da escolaridade, Despacho Normativo 6/2018 de 12 de Abril deste ano, no Artigo 11.º “Prioridades na matrícula ou renovação de matrícula no ensino básico” refere com segunda prioridade os alunos “Com necessidades educativas especiais de caráter permanente não abrangidos pelas condições referidas na prioridade anterior e com currículo específico individual, conforme definido no artigo 21.º do Decreto -Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, na sua redação atual ou do diploma sobre educação inclusiva que lhe venha a suceder”.
Desde 2008 que entendo que o Currículo Específico Individual é uma das maiores ferramentas de exclusão do DL3/2008, foi muitas vezes utilizado de uma forma desregulada empurrando crianças e adolescentes para trajectos que de inclusão têm nada. A sua própria designação sempre me surpreendeu, um “currículo individual” só pode, acho eu, ser “específico.
Como é que um novo “paradigma”, a eliminação da categorização, o fim das “necessidades educativas especiais”, educação inclusiva x.0 vai acomodar, para usar um termo em moda, o CEI, esta aberração perigosa.
O exemplo é um mau prenúncio e leva-me a manter alguma reserva apesar de preferir o optimismo e a confiança.
Ainda a propósito desta questão cito o testemunho de uma mãe de um adolescente com necessidades especiais QUE logo no início do ano escolar e depois de uma mudança de escola ouve algo como  “Este para mim ele é um CEI” e durante todo o ano o aluno foi … tratado como um “CEI” e remetido para actividades funcionais de que não precisa. Sim, o testemunho é credível e eu próprio conheço várias situações de alunos atropelados por esse “rótulo” e por práticas e discursos incompatíveis com a retórica da inclusão.
Será que vai mudar com um novo quadro legislativo?
Creio que nos últimos anos, na generalidade dos nossos territórios educativos, mesmo em cada comunidade, tivemos, temos e é o meu receio, teremos, crianças excluídas da escola, excluídas na escola, crianças integradas na escola e também, felizmente, crianças incluídas na escola e na comunidade. Aqui sim, como digo, o sistema é verdadeiramente inclusivo.
Por isso as minhas inquietações. Repito o que acima escrevi. Um melhor quadro normativo é necessário e uma boa base de trabalho mas mais recursos e apoios de qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido são aspectos críticos.

1 comentário:

Margarida Azevedo disse...

Viva!
O DL3/2008 não promove a Escola Inclusiva, nunca promoveu. Os CEI, como refere, são um exemplo. A CIF, era o instrumento aberrante. E nunca nada foi posto em causa até os números começarem a disparar em termos de Inclusão efectiva. Começaram a aumentar os números e o governo apercebeu-se e deu uma ajuda para precipitar o abismo, aumentou o número de vagas para professores e o sistema absorveu. Não houve excesso, nada de tempos livres. Então, como estas coisas são sempre estudadas e previstas, muda-se agora para algo que poderá parecer pior para a Inclusão. Mas até nem é ... Curiosamente, do ponto de vista humano, não é. O termo Necessidades Educativas Especiais é horrível e até que enfim que vai embora.
O resto, servir este diploma desconhecido para colocar em horário zero centenas ou milhares de professores de Educação Especial, é a vida, estamos habituados. A maioria, já veio para aqui por isso mesmo. Não que não fosse dedicado e especializado. Ou nem por isso, mas é de facto a vida de professor.
O DL 319 era muito melhor do que o seu sucessor, na articulação com outros mas começou a ser minado por outros e nem me estendo, que andava sossegada pela vida do campo.
É a minha opinião e aguardamos todos o desenvolvimento.