segunda-feira, 30 de setembro de 2019

ADULTOS, CRIANÇAS E PALAVRÕES


O Expresso traz um extenso trabalho sobre uma matéria extraordinariamente comum mas pouco tratada, os palavrões. Toda a evidência citada aponta no sentido dos efeitos positivos do recurso aos palavrões em termos de saúde mental e bem-estar havendo mesmo alguns trabalhos que associam positivamente o recurso aos palavrões com capacidade cognitiva. Na parte final da peça aborda-se a questão da utilização dos palavrões pelos mais novos.
Antes desta questão uma pequena nota mais pessoal.
Durante anos procurei explicar todo este conhecimento a muita gente que me considerava “mal-educado” e sempre me senti incompreendido. Obrigado aos autores. Mais recentemente, uma das vantagens de chegar a velho, a inimputabilidade, torna as coisas um pouco mais fácil, já por vezes sinto que pensam algo como “desta idade e como ele fala” ou é “da idade”.
Por outro lado, também fico preocupado com a quantidade de génios que passam por muitas das nossas salas de aula cujas tentativas de promoção da sua saúde mental, inteligência e habilidade verbal não são valorizadas como deviam, assim como não se valorizam as suas estratégias para lidar com a ansiedade e o stresse da sala de aula e da aprendizagem
Sempre com a ideia da inovação por que não um Projecto assente na revolucionária metodologia da "Terapia pelo Palavrão. Era só mais um e com resultados garantidos. Dizem os estudos.
Voltando agora à questão que muitas vezes os pais me colocam do uso do palavrão, sobretudo quando as crianças começam a frequentar ambientes escolar algumas notas
Recordo uma história cá de casa.
Uma vez, depois de terminar umas pinturas realizadas com marcadores com ponta de feltro, o meu filho, aí por volta dos 5 anos, tentava tapar um dos marcadores mas a coisa não lhe estava a correr bem e os dedos já estavam a ficar esborratados. Como reacção ouviu-se um sonoro palavrão, daqueles que os adultos tentam explicar às criancinhas “que é feio dizer”.
Pai empenhado na boa educação do rebento, “peguei” no violino e em pianíssimo procurei explicar que aquelas “palavras não se devem dizer”. O problema é que o gaiato olhou tranquilamente para mim e devolve, “mas tu dizes a jogar à bola”.
Com o tempo acabou por aprender como todos nós, quase todos, que as palavras, todas as palavras, podem ser ditas, às vezes até sabe mesmo bem dizer algumas daquelas que libertam, vocês sabem, mas não devem ser ditas em todos os locais e em todas as circunstâncias.
É verdade que uma vez numa conversa com professores em que eu perguntava se qualquer de nós em algum contexto não dizia um palavrão, um dos professores presentes olhou para mim com um ar tão perplexo quanto incomodado e assertivamente afirmou "Eu não, nunca". Confesso que fiquei muito embaraçado, eu digo algumas vezes palavrões, quando posso, e quando não posso ... penso cada um. Desculpem.
Servem estas histórias para ilustrar a necessidade de que os processos educativos se centrem num princípio estruturante, a autonomia, ideia que sistematicamente defendo. Os miúdos devem ser solicitados a tomar conta de si dentro dos limites e regras que nos compete estabelecer com clareza e consistência e das quais eles têm uma imprescindível necessidade para crescer saudáveis.
Não se trata de uma educação para a santidade onde tudo é perfeito e a transgressão proibida e culpabilizante, mas de uma educação para valores em que se pretende que os miúdos percebam as regras e os limites imprescindíveis e sejam capazes de mobilizar os comportamentos adequados aos contextos em que se movem. Não nos comportamos num estádio de futebol como nos comportamos ao assistir a uma aula, não nos comportamos num concerto de verão como no cinema, etc., etc.
A questão é que os miúdos, muitos miúdos, parecem crescer numa desregulação por ausência de limites e regras que os deixa perdidos e sem referências, entrando frequentemente numa roda livre em que tudo parece normal e permitido em qualquer contexto.
O problema é que com muitos de nós, adultos, passa-se, basicamente, o mesmo.

domingo, 29 de setembro de 2019

PROFESSORES: O ENCANTO E O DESENCANTO


No recentemente divulgado Education and Training Monitor 2019 com base nos dados do Talis 2018 existem muitos indicadores relevantes alguns dos quais já foram referidos na imprensa, a muito preocupante elevada média etária da classe docente em Portugal por exemplo.
Um outro aspecto ainda referente aos professores que me parece merecer reflexão e consideração nas políticas públicas para o sector prende-se com a forma como a classe docente se percebe profissionalmente e socialmente.
Cito da parte do relatório referente a Portugal.
A afirmação inicial é elucidativa e os números apenas a sustentam. A profissão foi a primeira escolha para 84.2% dos inquiridos, a mais alta da UE com a média de 65.7%, 92.1% dos docentes inquiridos estão satisfeitos com a profissão, na UE a média é de 89.5%, mas apenas 9.1% se sente valorizado socialmente, praticamente metade da média verificada na UE, 17.7%. Esta percepção de não valorização social tem necessariamente implicações nos contextos escolares e no desempenho dos professores.
Creio que algumas das dimensões das políticas públicas em matéria de educação nos últimos anos têm contribuído para um sentimento de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais.
Por outro lado, os recorrentes ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para essa percepção de desvalorização dos professores embora, deve sublinhar-se, constituam uma das três classes profissionais, para além de bombeiros e médicos, em que os portugueses mais confiam.
Tudo isto acaba por minar a relação dos professores com alunos e pais com consequências que se notam bem nas salas de aula e na frequência de episódios de agressão ou ofensas a docentes.
Mais uma vez, desculpem a insistência, seria desejável que não nos esquecêssemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

sábado, 28 de setembro de 2019

A ESPERANÇA SAIU À RUA OUTRA VEZ


A esperança voltou a sair à rua.
Adolescentes e jovens de muitos mundos desta Terra que é única e está fortemente ameaçada vieram de novo para a rua dizer que é preciso parar. Não temos alternativa a esta Terra e é nela que tem de existir futuro para eles. Serão tão ingénuos como nós já fomos, serão tão utópicos como já fomos, serão tão inexperientes como também já fomos, poderão ser manipulados como nós continuamos a ser apesar de “realistas”, “informados” e “experientes” mas não poderão fazer o que nós fizemos, maltratar o mundo onde nos acolhemos. Também terão de lidar com o paternalismo, com a desvalorização e tentativas de ridicularização, com a  crítica violenta das suas posições, atente-se nos discursos dirigidos à jovem Greta, com agendas escondidas, etc. Sejam bem vindos e bem vindas ao mundo que lhes estamos a legar 
Por tudo isto continuo a pensar que as suas iniciativas são criticamente imprescindíveis e desejo muito que se tornem num movimento robusto de exigência e promoção de mudança.
Muitas vezes, quando olho para os meus netos, penso em que mundo estará lá mais para a frente à espera deles. Aquilo que eu e a minha geração fizemos não é particularmente animador e chegámos a pensar que tínhamos tudo nas nossas mãos.
Neste mundo mágico da avozice e em múltiplas conversas com o Simão, seis anos de experiência de uma intensidade iluminada, quando ele faz perguntas ou sugere respostas, ideias, planos, actividades sem fim acrescenta com muita frequência, “é não é, avô?”. E o avô, eu, encantado com a responsabilidade do “saber” securizante dos Velhos digo, “É Simão, é assim, tudo bem”.
Um dia destes, provavelmente daqui a algum tempo, talvez ele me questione, “Avô, eu e o meu irmão vamos ter uma terra bonita para a gente viver. É, não é Avô?”. Terei de lhe responder, “Acho que sim Simão, tu, o teu irmão e todos os miúdos do mundo vão ter uma terra bonita para viver, mas terão ser vocês a cuidar dela e comecem já.”
Não se distraiam gente, terão que ser vocês.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS E ENSINO SUPERIOR


É uma boa notícia mas … há sempre um mas.
Primeiro a boa notícia. No ano lectivo que agora se iniciou regista-se um aumento significativo de alunos com necessidades especiais matriculados no ensino superior.
Após a segunda fase de colocação o número de alunos inscritos é de 310, um aumento de 34% relativamente ao ano passado e superior em 158% ao que se verificava em 2015.
Sendo de registar a subida importa, no entanto, considerar que em 2017/2018 frequentavam o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior o que evidencia o que está por fazer em matéria de equidade e inclusão. Considerando as vagas do contingente especial para estes estudantes registe-se que apenas 14% foram ocupadas.
Estamos, pois, muito longe ainda do que seria desejável.
Agora o mas. Em Agosto foi divulgada uma decisão em sentido contrário à promoção da presença de alunos necessidades especiais no ensino superior e não tenho conhecimento de que tenha sido revertida.
Os alunos com necessidades especiais a frequentar o ensino superior, os poucos alunos nesta situação insisto, tinham acesso a uma bolsa que cobria as propinas do curso que estivessem a frequentar, independentemente do grau académico do curso, licenciatura, mestrado ou doutoramento.
A partir do próximo ano lectivo e para surpresa de muitos alunos e famílias, a bolsa máxima corresponderá ao valor da propina de licenciatura quando é sabido que mestrados e doutoramentos têm propinas bem mais elevadas.
Vejamos. Em 2017/2018 frequentavam o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior o que evidencia o que está por fazer em matéria de equidade e inclusão. Considerando as vagas do contingente especial para estes estudantes registe-se que apenas 14% foram ocupadas.
Se a estes dados acrescentarmos que a taxa de desemprego na população com deficiência é estimada em 70-75% e que o risco de pobreza é 25% superior à população sem deficiência e que Portugal se orgulha de ter perto de 98% dos alunos com necessidades especiais a frequentar as escolas de ensino regular no período de escolaridade obrigatória, temos um cenário que nos deve merecer a maior atenção.
Esta decisão representa mais um enorme obstáculo na promoção de direitos, inclusão e equidade de oportunidades das pessoas com necessidades especiais.
Não será necessário recorrer a comparações com o que é gasto noutras áreas para perceber que, não se trata evidentemente de um problema de disponibilidade orçamental, é mesmo uma enorme e inaceitável incompetência e insensibilidade.
Como sempre afirmo, os níveis de desenvolvimento e bem-estar das comunidades também se aferem pela forma como lidam com os problemas que envolvem grupos sociais minoritários.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

A VOZ DOS ALUNOS


Ontem foi apresentado com a presença do Secretário de Estado, João Costa, um trabalho resultante do Projecto ComParte & Educação iniciado em 2015 visando conhecer a opinião dos alunos sobre eventuais mudanças nas escolas que melhorassem o ensino. Desde 2015 terão sido recolhidas recomendações com a participação de mais de 3800 alunos.
Não conheço o trabalho mas referências da imprensa sublinham aspectos como a duração das aulas com a eventual existência de pausas e a necessidade maior comunicação entre docentes, mas também funcionários, e os alunos com dimensões a considerar em termos de melhoria.
Se bem estarão recordados em Novembro de 2016 o ME organizou em Leiria um encontro que reuniu alunos do ensino básico e secundário sobre temáticas como “O que aprendemos? Como aprendemos melhor? O que distingue os professores que constituem referências para nós? O que retemos do que aprendemos? Como utilizamos o que aprendemos? O que (não) mudaríamos na escola?”.
Na altura, escrevi sobre isso aqui, os alunos apresentaram questões como aulas mais práticas, mais debates, mais trabalho colaborativo, mas saídas da escola, diversificação das opções de escolha das disciplinas no secundário, mais actividades ligadas às expressões, mais conteúdos ligados à cidadania, maior ligação com a prática, promoção do espírito crítico, turmas mais pequenas, professores motivados e que não desistam dos alunos.
Não tenho um entendimento idealizado ou romântico do “diálogo” e do “ouvir os alunos” mas creio que importará, de facto, ouvir os alunos, todos os alunos, com real interesse no seu olhar e ideias sobre a sua vida escolar. Também sei que a voz de muitos alunos nas salas de aula são vozes perturbadoras e, também, frequentemente sinais de outros "mal-estares" e problemáticas, familiares, por exemplo.
Parece-me, portanto, uma iniciativa positiva esperando que seja mais uma iniciativa avulsa que possibilita uns títulos na imprensa e umas referências elogiosas da OCDE mas com pouco impacto no que se pretende, melhorar o trabalho de alunos e professores.
A propósito de ouvir os alunos, recordo que há algum tempo participei num conjunto de conversas com alunos do 2º e 3º ciclo em que se discutia o que era essa coisa de ser um bom professor.
A maioria dos alunos envolvia-se activamente e a continuidade das referências levou à identificação de uma resposta que se poderia sintetizar na ideia de que "bom professor é o que fala com a gente e explica bem".
Este entendimento lembrou-me, cito-o aqui frequentemente, o Mestre João dos Santos quando afirmava que alguém tinha sido seu professor "porque foi seu amigo".
De facto, o sucesso dos processos de ensinar e aprender assenta em dois eixos fundamentais, a qualidade do ensinar e a relação entre quem ensina e quem aprende. Do meu ponto de vista, a grande maioria dos professores estará equipada sobre o ensinar. A grande questão é que a nossa escola, de uma forma geral, não facilita a relação. Esta dificuldade decorre, fundamentalmente, da organização dos tempos lectivos, da natureza e extensão dos conteúdos curriculares das diferentes e muitas disciplinas, da crescente pressão para resultados tangíveis, o número de alunos por turmas em algumas escolas e agrupamentos, e do número de turmas leccionado por muitos professores, de um ensino demasiado assente no manual, da burocracia esmagadora, etc. para além, naturalmente, das concepções de alguns professores.
Os professores, muitos professores, sentem-se "escravos" do programa que deverá ser dado, sobretudo nos anos de exame e no ensino secundário e do pouco tempo disponível para construção da relação que na verdade se torna muito difícil.
Muitas vezes digo que os professores "falam" para o programa, para o explicar, e os alunos "falam" para o programa para o aprender. Não falam entre si sendo que, além disso, existe um grupo significativo de alunos que, por diversas razões como dificuldades ou desmotivação ou associadas a variáveis de contexto, não conseguem "falar" com o programa. Para estes, os professores vêem-se obrigados a falar, sobretudo para controlar os seus (maus) comportamentos.
Também por estas razões, continuo a entender como necessária uma mudança mais significativa na organização dos tempos da escola e dos conteúdos curriculares que tornassem mais fácil podermos ouvir os alunos dizer, "a gente tem bons professores porque explicam bem e falam com a gente".
Esta ideia não tem nada de romântico nem de utópico, assenta em algo de muito simples, a educação constrói-se com a relação que se alimenta com a comunicação.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

UMA FAMÍLIA É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE. Mais uma vez


Desculpem a insistência mas uma família é um bem de primeira necessidade na vida de qualquer criança em particular das mais novas.
Na semana passada realizou-se em Genebra a 82.ª sessão do Comité dos Direitos das Crianças. Relativamente a Portugal e entre outras questões o Comité alertou para o facto de que apenas 3% das crianças retiradas das famílias estão colocadas em famílias de acolhimento. O que está estabelecido determina que até aos seis anos as crianças que por qualquer razão são retiradas da família devam ser colocadas em famílias de acolhimento o que se inscreve na Convenção sobre os Direitos das Crianças. que decorreu na passada quinta e sexta-feira em Genebra.
A realidade é que segundo dados do último Relatório CASA, divulgado em Novembro passado e relativo a 2017, apenas 3% (246) das 7553 das crianças sob tutela do estado vivem em famílias de acolhimento enquanto 97% estão em instituições. A disparidade face à situação noutros países da Europa é significativa, em Espanha e Itália são mais de metade e Irlanda e Noruega têm 90% das crianças em famílias de acolhimento.
Ainda segundo o Relatório CASA existiam 652 crianças até aos cinco anos em instituições generalistas e apenas 18 a viver em famílias.
Importa salientar que foi em 2015 que foi publicada legislação que estabelece o quadro das famílias de acolhimento para crianças em risco mas, três anos depois a lei continuava por cumprir.
A lei pretendia contrariar que a institucionalização seja a resposta mais frequente, sobretudo no caso das crianças mais novas, até aos seis anos, pelo que os números são elucidativos. Aliás, o número de crianças nesta situação em famílias de acolhimento tem vindo a decrescer, em 2008 viviam com famílias 918 face às 246 em 2017.
Esta situação inibe o desenvolvimento de projectos que passem por colocar em contextos familiares crianças que por situações de risco foram retiradas às famílias biológicas e ainda não estão em processo de adopção e leva a que se mantenham em instituições.
Parece assim importante que sejam criadas melhores condições que favoreçam a criação da pretendida bolsa de famílias de acolhimento e que estas tenham um conjunto de apoios adequados e justos. É óbvio que importa também definir dispositivos de regulação que assegurem a qualidade educativa e cuidadora destes contextos.
Em nome do bem-estar das crianças e por múltiplas e bem diversificadas razões seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças e a sua colocação numa família de acolhimento. 
Um estudo de Paulo Delgado da ESSE do Porto, creio que divulgado 2018,  refere que as crianças evidenciam uma percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em família tradicional, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69 e em instituições, 7.61.
Recordo um estudo de há alguns anos da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser uma necessidade justificada pelo superior interesse da criança, um princípio estruturante das decisões neste universo.
Uma família é, de facto, um bem de primeira necessidade.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

"EDUCAÇÃO E ÉTICA"


João Ruivo em editorial do último “Ensino Magazine “, "Educação e Ética"", aborda as relações entre educação  e ética chamando a atenção para o trabalho de Maria do Rosário Gambôa, "Educação, Ética e Democracia".
Nos tempos que correm a reflexão em torno das questões éticas é crítica e urgente.
Várias vezes aqui tenho referido a imprescindível necessidade de olharmos para a nossa pegada ética também altamente comprometedora da nossa qualidade de vida e desenvolvimentos.
Os comportamentos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.
As lideranças, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir.
No contexto da educação também a dimensão ética é crucial.
A dimensão ética das políticas públicas, a dimensão ética da acção educativa seja no ensinar e formar, seja no aprender são pilares estruturantes da qualidade dessa acção.
Neste contexto, uma área que me tem sido próxima dentro da educação, a chamada educação inclusiva, é um dos melhores exemplos da importância de se considerar o seu enquadramento e robustez ética.
Recorrendo a um autor que me é caro, Biesta, podemos afirmar que a história da inclusão, do combate à exclusão com diferentes formas e critérios, é história da democracia, a história dos movimentos que lutaram pela participação plena de todas as pessoas na vida das comunidades, incluindo, evidentemente a educação.
Na verdade, a educação inclusiva e a equidade em educação não decorrem de uma moda ou opção científica, são matéria de direitos pelo que devem ser assumidas através das políticas e discutidas, evidentemente, na sua forma de operacionalizar.
O que se entende por educação inclusiva também não pode ser entendido e operado ou legislado em modo “cada cabeça, sua sentença” de forma avulsa pouco robusta conceptualmente numa espécie de vale tudo em nome da inclusão que acaba por promover … exclusão. Este cenário é eticamente inaceitável.
Importa que os contextos e comunidades educativas nos quais as crianças e jovens em idade escolar devem estar sejam capazes e tenham os apoios necessários e competentes para em cada momento e em cada escola identificar e contrariar processos de insucesso e de exclusão que se instalam pelas mais variadas razões, a deficiência é apenas uma delas. A promoção da educação inclusiva passa por sermos todos reconhecidos como sujeitos de direitos, por estar nos espaços comuns das comunidades, por aprender, por participar nos processos educativos comuns e pertencer à comunidade educativa e escolar.
No entanto, a realidade está para além dos nossos desejos, os tempos que vivemos, apesar de alguns avanços e muita retórica, ainda são tempos de exclusão, de competição, de desregulação ética e de oscilação de valores que atingem, evidentemente, os mais frágeis, como é o caso das crianças e jovens com necessidades educativas especiais e as suas famílias.
A esmagadora maioria dos professores é eticamente responsável, competente e empenhada nesse trabalho, procurando desenvolvê-lo com qualidade, rigor e eficácia, sem facilitismos, contrariamente ao que tantas vezes se afirma de forma ignorante.
Julgo que estamos mesmo num tempo exigente em matéria de educação considerando também a sua dimensão ética.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

OS TEMPOS DA ESCOLA. DE NOVO


Com a divulgação do recente relatório da rede Eurydice, “The Organisation of School Time in Europe - Primary and General Secondary Education 2019/20” e considerando também os dados do trabalho da OCDE “Education at a Glance 2019”, voltam a agenda os tempos da escola.
Tal como tem sido mostrado em estudos anteriores os alunos portugueses são dos que têm menos dias de aula no contexto europeu mas, curiosamente, as horas de aula são mais elevadas que a média, considerando horário curricular e AEC. Os alunos do 1º ciclo os que mais horas de aula têm durante o ciclo, cerca 1200 horas a mais face à m´dia europeia.
Não é fácil o estabelecimento de um consenso sobre a “melhor” organização dos tempos da escola as comparações internacionais devem ser cautelosas pois as variáveis a considerar são múltiplas, a realização dos exames, clima e parque escolar são algumas que importa não esquecer.
No entanto, creio que vale a pena reflectir nestas matérias, envolvendo a participação dos vários actores, estudando de forma crítica experiências de outros sistemas e avaliando projectos já iniciados nas nossas esscolas para, se assim se entender, de uma forma tranquila e oportuna no tempo e no modo, repensar os tempos da escola.
Para além da mais próxima "semestralização" já em vigor em muitos agrupamentos e escolas em vez dos clássicos e desequilibrados três períodos também será de considerar a análise de benefícios e eventuais efeitos negativos da criação de uma “pausa” a meio do primeiro período (ou de cada semestre) modelo existente em vários países.
Creio mesmo que seria desejável que pudéssemos reflectir de forma mais global para os tempos da escola considerando outros aspectos.
Num país com as nossas condições climáticas, tal como genericamente no sul da Europa, e considerando boa parte do nosso parque escolar, aulas prolongadas até ao Verão seriam algo de, literalmente, sufocante.
Reconhecendo que a guarda das crianças nos horários laborais das famílias é um problema sério e que reconheço, também entendo que não pode ser resolvido prolongando até ao “infinito”, a infeliz ideia de “Escola a Tempo Inteiro”, a estadia dos alunos na escola. A “overdose” é sempre algo de pouco saudável.
No que respeita aos tempos escolares já sabíamos e foi agora reafirmado que os alunos portugueses, sobretudo no início da escolaridade, têm umas das mais elevadas cargas horárias. Como bem se sabe, mais horas de trabalho não significam melhor trabalho e os alunos portugueses já passam um tempo enorme na escola. Talvez seja de introduzir nesta equação a variável “áreas disciplinares e currículos”, considerando o número de áreas ou disciplinas, conteúdos, organização de anos e de ciclos, etc.
Neste contexto, insisto, seria desejável reflectir sobre os tempos da escola.

domingo, 22 de setembro de 2019

A HISTÓRIA DO PÉ LEVE


Não sei se já vos contei a história do Pé Leve. Foi um companheiro de escola de há muitos anos, no tempo em que a escola se chamava primária e que só era obrigatório andar por lá quatro anos. O Pé Leve ganhou esse nome, que me fez esquecer o verdadeiro, por uma particularidade, não parava um minuto. Era o miúdo mais agitado que conhecíamos, sempre em movimento e com uma energia que parecia não ter fim.
Dava ideia, por vezes, que partia antes de chegar. Mudava de actividade, brincadeira ou conversa, sem cessar exasperando-nos. No entanto, não nos conseguíamos aborrecer com o Pé Leve, era pequeno, quase sempre a rir, parecia impossível que alguém se zangasse com ele.
Mas havia. A nossa professora, a D. Conceição, senhora à beira da reforma e com a paciência também já a pedir descanso, não aguentava o andamento, por assim dizer, do Pé Leve. Perguntava-lhe centenas de vezes porque não assentava ele, a seguir zangava-se, ralhava mesmo a sério e, aqui para nós, às vezes puxava mesmo pela régua e as mãos do Pé Leve ganhavam uma cor diferente. Os olhos ficavam com água mas na boca continuava um sorriso. Nada fazia alterar o comportamento do Pé Leve. Não se esqueçam que ainda não tinham inventado a hiperactividade.
Como a escola naquele tempo era curta e poucos de nós continuávamos a estudar, eu e alguns outros perdemos o rasto ao Pé Leve.
Há algum tempo, estávamos dois ou três desse tempo à conversa e alguém informou que tinha sabido que o Pé Leve tinha terminado a sua viagem.
Ninguém disse nada por algum tempo, mas acho que todos pensámos que só assim o Pé Leve poderia assentar. É a vida dos Pé Leves, de alguns.

sábado, 21 de setembro de 2019

CUMPRE-SE A TRADIÇÃO. CHOVE PELA FEIRA D'AIRES

“Acho mais sinceros os dias de chuva. Nos dias que em chove ponho-me a pensar que não sou só eu que vivo arreliado. Depois, o cheiro da terra molhada é que me faz de novo animar.”
(Almada Negreiros)
Já chove no Meu Alentejo. A terra gretada pela secura que parecia chorar lágrimas secas pela chegada da chuva, as lágrimas molhadas, já liberta o inconfundível cheiro de que falava Mestre Almada e que me deixa mais animado.
E cumpriu-se a tradição. Dizem os Velhos, como o Mestre Zé Marrafa, que quando não chove pela Feira de Ferreira do Alentejo que decorreu no fim-de-semana passado, chove com certeza pela Feira d'Aires, aqui neste Alentejo, que se realiza na semana seguinte, este fim-de-semana. E chove bem acompanhada agora de trovoada.
Creio que já não vai complicar muito as vindimas e permite que as azeitonasfiquem mais gradas, estão leves da secura.
Esta chuva vai também lavar o pó e tudo fica mais bonito.
Vai começa a aparecer algum verde na terra, que ficando mais branda da água que a amolece já pode ser fabricada e daqui a pouco podem iniciar-se as sementeiras. Vai começar o tempo das couves.
A terra vai ficar melhor, já chove no Meu Alentejo.

DOS COMPORTAMENTOS EM CONTEXTO ESCOLAR


No Expresso encontram-se duas peças sobre uma mas mais preocupantes questões no universo dos mais novos e da educação, a violência de diferente natureza, incluindo psicológica, presente nas relações interpessoais entre adolescentes e jovens e a percepção de normalidade relativa a vários tipos de comportamento. Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão mas é preciso insistir.
O primeiro trabalho refere que o ME tem em preparação um plano e uma campanha com o lema, “Escola sem bullying. Escola sem violência” dirigida para o bullying que envolverá a rotina de serem reportados pelas escolas todos os episódios de bullying e iniciativas que visam melhorar a identificação de alerta, orientação para docentes e escolas ou a disponibilização de formação para professores e de uma plataforma com conteúdos de orientação para alunos, famílias e escolas.
A generalidade dos estudos sugere valores entre 10 e 25% de vítimas de bullying envolvendo adolescentes e jovens sendo que é ainda mais preocupante o crescimento da variante cyberbullying que, dada a sua natureza não presencial e permanente, contém riscos de crescimento e sofrimento muito fortes.
Na segunda peça é divulgado o programa de intervenção da responsabilidade do Departamento de Educação e Psicologia da UTAD, designado Prevint, que foi operacionalizado em mais de 100 escolas e apresentado a perto de 14 000 alunos e que originou uma ferramenta de apoio agora disponível online. O Programa é direccionado para a identificação, intervenção e prevenção no âmbito da violência presente de diferentes formas e com incidência preocupante nas relações interpessoais de adolescente e jovens.
Retomando notas já aqui escritas é importante sublinhar que uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o emergente cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores ou funcionários. Importa ainda não esquecer o risco acrescido e documentado de alunos de grupos minoritários, alunos com necessidades especiais ou com orientação sexual diversa, por exemplo.
Tal como se define na iniciativa do ME e no trabalho da UTAD, neste universo importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, como de outras matérias como a indisciplina, por exemplo, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.
A incidência de episódios de bullying, como também de indisciplina, mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Existem, felizmente, várias iniciativas com um trabalho positivo, mas apesar da colaboração em projectos nas escolas, muitas destas iniciativas vêm de fora da escola. Todas as iniciativas, campanhas e projectos são relevantes mas é nas escolas e com as escolas e as suas equipas que tudo deve acontecer, não esquecendo, obviamente, o contexto da educação familiar.
Assim, a existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, a presença suficiente de assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, são algumas das prioridades. Sem entrar numa lógica de corporativismo profissional, creio que o papel dos psicólogos de educação podem dar um contributo sério mas o seu número nas escolas e agrupamentos e rácio excessivo verificado inibem uma melhor intervenção e participação.
Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na escola, espaço onde passam um tempo enorme.
Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser grave.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

DA INDISCIPLINA ESCOLAR


Estamos no início do ano lectivo e para além das referências a problemas que regularmente afectam o recomeço das aulas têm sido também objecto de referência a múltiplas iniciativas e projectos em que escolas estão envolvidas numa onda fortíssima de inovação, flexibilização, diferenciação, autonomia e tudo o mais que se inclui na prescrição para o sucesso.
Fico também satisfeito com o facto de ainda não ter dado conta da divulgação de questões relacionadas com a indisciplina escolar embora me pareça e o contacto regular com escolas valida que em muitas comunidades educativas a indisciplina seja uma preocupação com diferentes implicações.
Recordo que o ainda recente trabalho da OCDE, “TALIS 2018 Results (Volume I) Teachers and School Leaders as Lifelong Learners”, referia que em Portugal e de acordo com as respostas dos docentes inquiridos, o tempo gasto em sala de aula no controle do comportamento dos alunos é superior à média da OCDE. Nas nossas salas de aula, 73.5% do tempo é usado em actividades de ensino e aprendizagem e na OCDE a média é de 78.1% sendo o tempo restante dedicado a questões de burocracia, controle de assiduidade e, sobretudo ao comportamento. Aliás, o comportamento é também um dos factores fortemente associados aos níveis de cansaço e risco de exaustão verificados na classe docente e potenciados pela elevada média de idades.
Neste sentido e porque estamos ainda no início das aulas, algumas notas sobre o comportamento dos alunos em sala de aula, designadamente, as situações de indisciplina que tanto solicitam a intervenção dos docentes com impacto nas actividades de ensino e aprendizagem.
Em primeiro lugar julgo que importa clarificar o que está em causa. Quebrar as regras de funcionamento da sala de aula ou da escola serão indisciplina, insultar, humilhar, confrontar fisicamente um professor, comportamentos frequentes de agressão ou roubos a colegas configuram pré-delinquência ou delinquência e comportamentos disruptivos podem ainda estar ligados a perturbações de natureza psicológica.
A escola, os professores, não pode ser responsabilizada e considerada competente por e para todo este universo de problemas nos comportamentos dos mais novos. Para situações de pré-delinquência ou perturbações do comportamento pode, evidentemente, dar contributos, mas não assumir a responsabilidade pelo que importa clarificar a análise.
Centremo-nos então na indisciplina escolar que considero matéria de competência da escola e matéria de responsabilidade de toda a comunidade, incluindo obviamente os pais.
Ainda no 1º ciclo e de uma forma geral as crianças têm um entendimento ajustado sobre comportamentos adequados em sala de aula que, naturalmente, com a idade se torna mais sólido. Assim sendo e numa abordagem simples, sabendo as crianças e adolescentes quais os comportamentos adequados por que razão ou razões não os assumem de forma consistente? Não estou a falar de alunos “certinhos”, testar regras e limites faz parte do desenvolvimento, mas de comportamentos que de uma forma continuada e excessiva perturbam o funcionamento das aulas.
A este cenário e para além do que se passa em matéria de educação familiar no que respeita à promoção da auto-regulação dos comportamentos parece-me importante referir que todas as figuras sociais a que se colam traços de autoridade por exemplo, pais, professores, médicos, polícias, idosos, etc., viram alterada a representação social sobre esses traços o que, se traduz, na relação estabelecida.
As mudanças significativas no quadro de valores e nos comportamentos criam dimensões novas em torno de um problema velho, a indisciplina. Daqui decorre, por exemplo, que restaurar a autoridade dos professores, tal como era percebida há décadas, é uma impossibilidade porque os tempos mudaram e não voltam para trás. Pela mesma razão, não se fala em restaurar a relação pais – filhos nos termos em que se processava antigamente e falar da "responsabilização" dos pais é interessante, mas é outro nada.
Um professor, de qualquer ciclo ou nível de ensino, ganha tanta mais autoridade quanto mais competente, apoiado e valorizado se sentir. Os dispositivos de apoio suficientes e competentes ao trabalho de professores e alunos constituem uma variável central no que respeita à indisciplina, mas não só à indisciplina.
Também por isto se questiona a constituição de mega-agrupamentos e de escolas e turmas com dimensões excessivas, variável associada à indisciplina escolar.
É também importante reflectir sobre a formação de professores nestes conteúdos. As escolas de formação de professores não podem “ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido pelos novos, mas poucos professores que o sistema recebe e pelos professores em serviço. Problemas "novos" carecem também de abordagens "novas".
Parece também importante a existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a existência de recursos humanos qualificados e disponíveis. Veja-se o trabalho dos GAAF apoiados pelo Instituo de Apoio à Criança, experiências no âmbito da intervenção da Associação EPIS ou iniciativas que algumas escolas conseguem desenvolver e que permitam apoiar os pais dos miúdos “maus” que querem ter miúdos “bons” e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outras medidas que envolvam, eficazmente e em tempo oportuno as CPCJ.
Um caminho de autonomia, com a alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e na gestão curricular, deve permitir que as escolas, algumas escolas, mais problemáticas, estando ou não integradas em TEIP tivessem menos alunos por turma, mais assistentes operacionais com formação em mediação e gestão de conflitos, mais técnicos ou ainda que se utilizassem mais professores em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades. As dificuldades dos alunos estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de indisciplina. A recente publicação da Portaria 181/2019 pode trazer alguma mudança, mas veremos que repercussão terá ao nível dos recursos disponíveis.
Parece-me de acentuar que os estudos sugerem com clareza a existência de impacto positivo do menor número de alunos por turma no clima e comunicação na sala de aula, na maior facilidade de práticas educativas mais diferenciadas, no comportamento dos alunos, etc., o que, evidentemente deve ser considerado.
Dispositivos assentes em tutorias que envolvam os alunos mais problemáticos parecem um bom contributo desde que realizadas com tempo, recursos e formação ajustados.
Por outro lado, os estudos e as boas práticas, mostram também que a presença simultânea de dois professores é uma boa ferramenta de promoção de sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos também na prevenção da indisciplina.
As dificuldades dos alunos estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de indisciplina.
Os professores também sabem que na maior parte das vezes, os alunos indisciplinados não mudam os seus comportamentos por mais suspensões que sofram. É evidente que importa admitir sanções, no entanto, fazer assentar o combate à indisciplina nos castigos aos alunos e, eventualmente, nas multas e retirada de apoios aos pais, é ineficaz, é facilitista na medida em que é a medida mais fácil e mais barata, é demagógica porque vai ao encontro dos discursos populistas que aplaudem a ideia do "prender" do "expulsar" até ficarem só os nossos filhos.
O problema é quando também nos toca a nós, aí clamamos por apoios.
Os discursos demagógicos e populistas, ainda que bem-intencionados, não são um bom serviço à minimização dos muito frequentes incidentes de indisciplina que minam a qualidade cívica da nossa vida além, naturalmente, da qualidade e sucesso do trabalho educativo de alunos, professores e pais.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

SEM AÇÚCAR, COM AFECTO


Uma notícia do Público divulga um estudo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto segundo o qual os níveis de açúcar consumidos em Portugal, designadamente por crianças e adolescentes, estão significativamente acima dos valores recomendados pela OMS.
Este excesso de consumo, que se verifica também com o sal, tem consequências importantes em termos de saúde, desenvolvimento e bem-estar.
Talvez fosse interessante reajustar a dieta dos mais novos.
Julgo que uma hipótese de a reequilibrar seria, para além da diminuição necessário do sal e do açúcar consumido, o reforço do afecto.
Talvez não seja clara a minha ideia e provoque de imediato alguma reserva. Nestas coisas dos “afectos” e dos miúdos e do seu estar é muito frequente ouvir que os seus comportamentos inadequados se devem a “mimos a mais”. Lamento, mas como tantas vezes digo não existe "mimos a mais", existe “mau mimo”.
Diz-se como justificação que as crianças hoje em dia têm muitos mimos que as “estragam”, dito de outra maneira, têm “afecto” a mais ou ainda “gosta-se de mais” das crianças. Estes discursos, que alguns profissionais destas áreas também subscrevem, merecem-me alguma reserva pois assentam, do meu ponto de vista, num equívoco.
De uma forma geral, as crianças não terão afecto (mimo) a mais, poderão, isso sim, ser objecto de “mau afecto”. É essa falta de qualidade que lhes poderá ser prejudicial. Não é mau por ser muito, é mau porque asfixia, é tóxico, não deixa que os miúdos cresçam, distorce a percepção da criança de si própria e do seu funcionamento, não permite o estabelecimento de uma relação saudável, protectora e promotora da autonomia das crianças, uma condição fundamental para o seu desenvolvimento positivo. No entanto, não é este tipo de reflexão que leva muitos de nós a falar dos “mimos a mais”.
Insisto, as crianças não têm elogios ou mimos a mais. O que se passa mais frequentemente é que recebem “nãos” de menos. Na verdade, muitos adultos, pais, sendo quase sempre capazes de dar os mimos, mostram-se muitas vezes incapazes de dar os “nãos”, de estabelecer os limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias às crianças como respirar e alimentar-se. Estes “nãos” são outros mimos imprescindíveis na educação de crianças e adolescentes nos seus diferentes contextos de vida.
As regras e os limites são bens de primeira necessidade. Tal como com os afectos, nenhuma dieta educativa pode prescindir de regras e limites.
Ficando sem “nãos” muitas crianças, a coberto da ideia dos “mimos a mais”, transformam-se em pequenos ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar pela sua própria vida. Não crescem saudavelmente.
Neste contexto, apoiar e ajudar os pais a desenvolverem de forma confiante comportamentos de disponibilidade e escuta de crianças e adolescentes, a assumirem com firmeza e sem culpa a necessidade de definir regras e limites, de mostrar afecto sem que se sintam a dar “mimos” a mais que “estragam” os filhos, só pode resultar em bom trabalho, para os pais e para os filhos.
De pequenino é que se constrói … o destino. Assim, talvez uma alteração na dieta dos afectos sobretudo na qualidade fosse positivo, sem açúcar, com afecto, por assim dizer.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

A ESCOLA FAZ A DIFERENÇA

Mais uma vez.
A escola, no seu sentido genérico, não tem responsabilidade directa por décadas de políticas urbanísticas, sociais, educativas, económicas que produzem exclusão e pobreza.
A escola, no seu sentido genérico, não tem responsabilidade directa na manutenção de estereótipos, preconceitos ou representações sociais sobre pessoas ou grupos.
No entanto, é pela escola que também passam as consequências deste cenário e as alterações positivas que desejamos que aconteçam.
Assim, não sendo por milagre, não sendo por acaso, não sendo por mistério, com recursos e visão a escola, cada escola, pode e deve fazer a diferença e contrariar o risco de insucesso que aguarda sobretudo as crianças nascidas no lado menos confortável da vida.
Apesar de todas as dificuldades são possíveis as boas práticas que merecem divulgação e reconhecimento.
Do meu ponto de vista, tantas vezes aqui afirmado, a questão central será a valorização da escola pública. Esta valorização deverá assentar em quatro eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos, autonomia e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada, terceiro eixo, diferenciação de metodologias, diferenciação progressiva e não prematura dos percursos de educação e formação e, quarto eixo, dispositivos de apoio oportunos suficientes e competentes às dificuldades de alunos e professores.
Este entendimento, do meu ponto de vista, não carece de uma cansativa retórica em torna da inovação e, muito menos, da revolução nas nossas escolas alimentada por uma nuvem de iniciativas e projectos que muitas vezes não têm potencial de mudança e alimentam pequenas ou grandes agendas.
Vem esta introdução a propósito de uma notícia divulgada pelo Público. No âmbito do projecto STEM School Label, financiado pela União Europeia que envolve uma rede de mais de mil estabelecimentos de ensino com trabalho relevante no ensino das Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemática (STEM na expressão em inglês), o agrupamento de Escolas de Alcanena foi a instituição melhor classificada. Mais cinco escolas nacionais receberam a segunda classificação de relevo, agrupamento de escolas Cidade do Entroncamento, Escola Secundária de Loulé, agrupamento de escolas de Odemira, Escola Profissional de Oliveira do Hospital, Tábua e Arganil e Escola Profissional de Almada.
Bom trabalho!

terça-feira, 17 de setembro de 2019

O POLÍCIA SINALEIRO


Nos tempos que vivemos será certamente considerado uma irrelevância. Li no JN que a PSP decidiu 27 anos depois promover a presença de um polícia sinaleiro num dos mais movimentados cruzamentos de Castelo Branco. O agente, com clássica farda tão conhecida dos mais velhos mostrou-se muito satisfeito com a situação assim como alguns cidadãos ouvidos.
Confesso que fiquei um pouco detido nesta “irrelevância” que sem saudosismo, mas com nostalgia me fez recordar o tempo dos polícias sinaleiros também em Lisboa.
Não sei se são mais eficientes ou menos eficientes que os semáforos. Gosto de acreditar que serão mais eficientes. No entanto, tenho a certeza que a cidade fica mais humanizada.
Naqueles tempos de miúdo víamos os “cabeças de giz” como lhes chamávamos, entre a provocação que numa dança em cima da peanha (ainda falta em Castelo Branco) e executada ao som de um estridente apito davam fluidez ao trânsito que também naquela altura tinha pouco a ver com os tempos de hoje.
Já não se encontram polícias sinaleiros, tal como limpa-chaminés ou varinas. Os amoladores a gaita que com que se anunciam e os guardas-nocturnos também já raramente se encontram.
Não sei se é isto que se chama progresso, mas é a isto que se chama memória.

SMARTPHONES NA SALA DE AULA E NA ESCOLA, SIM, NÃO, PARA QUÊ?


A propósito da referência a mais uma iniciativa de proibição de smartphones em contextos escolares incluindo recreios, escolas de Michigan nos USA, o I tem uma peça sobre esta questão. Vão sendo conhecidas decisões de proibição de que Singapura ou a França a partir deste ano são exemplos.
Embora se  possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo deste tipo de dispositivos por parte de crianças e adolescentes com risco directos e indirectos reconhecidos, a decisão não é consensual como aliás a peça do I mostra.
Ao que parece existem pais que se inquietam com a impossibilidade de contactar com os filhos e também levantam algumas questões de funcionalidade.
Também se colocam questões de natureza logística, como recolher, guardar e devolver a quantidade de telemóveis em uso mas é um aspecto que me parece menos relevante se bem que a dificuldade seja evidente.
Por outro lado são conhecidos múltiplos exemplos de boas práticas na utilização dos smartphones e telemóveis nas salas de aula como ferramentas de trabalho e de suporte à aprendizagem e ao conhecimento. Fica algo estranho que nas aulas possam trabalhar com os dispositivos e no intervalo sejam proibidos de os utilizar. Aliás, temos alunos com necessidades especiais para os quais este tipo de ferramentas são imprescindíveis em diferentes circunstâncias.
Não tenho nenhuma convicção que esta estratégia de proibição devolva crianças e adolescentes à conversa e aos “jogos tradicionais” embora seja imprescindível a regulação do seu uso.
A questão estará a montante, a utilização que nós todos damos a estes dispositivos. Seria bastante mais interessante que se discutisse a sério nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos e profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento.
Apesar de bem-intencionada a decisão de proibição não me parece eficaz e, mais do que isso, poderá levantar novos problemas, de conflitualidade por exemplo.
Tenho alguma curiosidade sobre a apreciação que os docentes das nossas escolas farão da medida e do seu potencial de eficácia.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

DA EVIDÊNCIA


Neste início de ano lectivo estava por aqui de volta da evidência e surgiram-me mais algumas dúvidas, já aqui tenho expresso algumas, sobre o que fazemos com a evidência a que toda a gente se refere ou exige como chancela da “verdade”. Não é raro que a evidência sirva para sustentar algo e o seu contrário,
De facto, parece sempre indispensável sustentar aquilo que se afirma com a evidência, ou seja, a evidência torna as coisas evidentes.
Nesta perspectiva algumas evidências assim simples, sem grande sofisticação.
Não é por gritar muito com as crianças que elas falam mais baixo ou se calam. É evidente.
Não é por lhes bater ou humilhar com regularidade que as crianças aprenderão comportamentos adequados. É evidente.
Não é por passarem mais tempo na escola que as crianças aprenderão mais. É evidente.
Se quase sempre dissermos “sim” às crianças é bastante mais difícil que elas aprendam e integrem o imprescindível “não”. É evidente.
Não é por trabalharem muito e muito tempo que as crianças trabalham melhor. É evidente.
As crianças não estão sempre distraídas, às vezes estão concentradas noutra coisa. É evidente.
As crianças, como toda a gente, precisam de sentir que os outros confiam nelas e acreditam nas suas capacidades. É evidente.
Não existem duas crianças iguais, são todas diferentes, mesmo naquilo em que parecem … semelhantes. É evidente.
As crianças não aprendem todas da mesma maneira nem possuem as mesmas competências ou capacidades. É evidente.
Todas as crianças podem ter sucesso educativo. É evidente.
A qualidade da educação não se avalia apenas pelos resultados escolares. É evidente.
No nosso tempo, o insucesso na escola vai ser muito provavelmente o primeiro insucesso de uma vida de insucessos. É evidente.
Se tudo isto e o que mais aqui poderia estar é tão evidente por que razão tantas vezes isto parece esquecido? Parece-me evidente.

domingo, 15 de setembro de 2019

AGORA NO JARDIM-DE-INFÂNCIA

Mais uma vez foi-me solicitada colaboração numa peça do Público hoje divulgada. O trabalho centra-se no processo de entrada das crianças no jardim-de-infância.
Este tipo de colaborações é regular mas neste caso existe uma circunstância curiosa, o meu neto Pequeno, o Tomás, está nesta situação, está a iniciar a frequência do jardim-de-infância. Como se nota na peça as minhas reflexões oscilavam entre o avô e o profissional deste mundo encantado que é a educação. Foi um bocadinho estranho mas ... engraçado.
Para muitas crianças a entrada no jardim-de infância já não representa o afastamento da família, têm a passagem pela creche. No entanto, para alguns, caso do Tomás, é a sua “estreia” institucional.
Não é, naturalmente, uma situação fácil para boa parte das crianças que a vivem. Depende de múltiplas variáveis mas é um processo que terá um final feliz, as crianças vão descobrir que ganham novos espaços, novas e boas experiências com nova gente, grande e pequena, e percebem, sentem, que também não perdem o seu espaço, a sua experiência e a sua gente.
Com o apoio de todos vai correr bem.

40 ANOS DE SNS

A 15 de Setembro de 1979 durante um Governo de Maria de Lourdes Pintassilgo foi publicada a lei que criou o Serviço Nacional de Saúde.
A instituição do SNS é seguramente um dos mais importantes acontecimentosna sequência daquele Abril. Tem vivido e vive com enormes sobressaltos e o muito que se conseguiu não pode fazer esquecer, antes pelo contrário, o que está por fazer.
É importante registar o ganho substantivo na generalidade dos indicadores de saúde que se verificaram nestas últimas décadas mas milhares de cidadãos sem médico de família, listas de espera inaceitáveis, escassez de meios e recursos, subfinanciamento, etc. são situações que urge minimizar.
O SNS pode e deve ser complementado pela acção de serviços de saúde do sector social ou privado, mas não pode, não deve, ser substituído pela resposta privada e a tentação é grande. O mercado da saúde é um mercado apetecível mas os mercados não têm alma e não é o seu objectivo prestar serviço público.
Como afirmou Michael Marmot, um especialista em políticas de saúde, numa conferência realizada em Lisboa há alguns anos, todas as políticas podem, ou devem, ser avaliadas pelos seus impactos na saúde,
Eu acrescentaria, e na educação.

sábado, 14 de setembro de 2019

UM 54 EM CONSTRUÇÃO


Foi ontem publicada a Lei n.º116/2019 que procede à primeira alteração do DL 54/2018 que estabelece o regime jurídico da educação inclusiva.
Como tantas vezes escrevi a alteração do quadro legal era necessária desde a saída do DL 3/2008. Também em relação ao 54/2018 entendi que continua uma “tradição" que não me parece adequada, um normativo não tem que integrar doutrina científica ou modelos mas, fundamentalmente, princípios, orientações, definição de recursos e dispositivos de regulação. Recordo que estamos falar de um “regime jurídico”.
Também sabemos que os processos de mudança estão sujeitos a dúvidas e sobressaltos pelo que a gestão das políticas públicas deve ter isso em consideração. Também a forma como foi colocado em vigor me pareceu existirem prováveis dificuldades, constrangimentos e dúvidas correndo-se o sério risco de hipotecar o potencial de mudança.
Inscrito também no mantra da flexibilização, as práticas em muitas comunidades educativas continuam associadas a uma “azáfama grelhadora” que burocratiza e desgasta sem que o benefício pareça compensar o custo.
Os testemunhos conhecidos em vários espaços e de diferentes formas sobre o que vai acontecendo pelas escolas nesta matéria ilustram com muita clareza a enorme sombra de dúvidas sobre o processo que mostram todos os intervenientes, professores do ensino regular, docentes de educação especial, técnicos e pais que estão genuinamente empenhados em que todo corra o melhor possível.
Às dúvidas, muitas, surgem respostas que com frequência começam por “eu acho …”, “nós decidimos …”, “na minha escola”, “no meu grupo …”, etc.
Este cenário também está, do meu ponto de vista, associado ao referido “excesso de doutrina” que cria ruído e diferentes leituras com o óbvio risco de que “é preciso que tudo mude para que tudo fique (quase) na mesma”. Parte da formação que se tem desenvolvido neste contexto parece estar a contribuir para as dificuldades e não para as soluções.
Sim, também sei, há gente e escolas a realizar trabalhos notáveis como sempre aconteceu. Merecem divulgação e reconhecimento.
Não, não se verificam apenas pontuais incidentes próprios dos processos de mudança, não me digam que estamos na antecâmara da educação de qualidade para todos. Não é o mesmo que uma sala de aulas para todos.
Continuo a entender que o processo de mudança ganharia se durante algum tempo, antes da publicação, o normativo estivesse em discussão e trabalho nas escolas, identificando e antecipando os processos decorrentes da mudança, as dificuldades e as necessidades em matéria de ajustamento de recursos, organização e procedimentos. Teria estimulado uma apropriação envolvida e permitiria construir alguma coerência e maior tranquilidade no trabalho a desenvolver pelas equipas das escolas quando, de facto, entrasse em vigor.
Desejo que as mudanças agora introduzidas possam ter efeitos positivos mas também preferia que as alterações a introduzir no quadro legal fossem sustentadas pela construção participada, partilhada e não apressada, reactiva, de uma massa crítica nas escolas que fosse sólida e fundamentada que, então sim, sustentasse ajustamentos do quadro legislativo com calendários e forma de operacionalização e regulação adequados. O DL 54/2018 foi publicado em Julho de 2018 para entrar em vigor em Setembro, a Lei 116/2019 foi publicada, 13/9/2019 ontem para entrar em vigor hoje.
Recorrendo a uma expressão aqui do Alentejo, deixem lá ver o que se segue neste processo de um 54 em construção.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

PERMITAM-LHES A SESTA, É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE


Coincidindo com o início do ano lectivo foi ontem publicada a Resolução da Assembleia da República n.º 178/2019 que recomenda ao Governo que “Estude e avalie a possibilidade da introdução da sesta nos estabelecimentos de educação pré-escolar”, considerando, a “importância do sono” e a necessidade de “articulação da implementação da sesta com as orientações curriculares para a educação pré-escolar e a organização dos horários e tempo lectivo e não lectivo dos educadores de infância” devendo, para isso que sejam asseguradas “As condições materiais e humanas que são necessárias garantir para um período de sono com qualidade”.
A este propósito umas notas começando por duas referências de natureza pessoal.
Há muitos anos o meu filho frequentou um jardim-de-infância da rede social, onde esteve globalmente muito bem acompanhado, a adaptação correu bem, mas a partir de certa altura começou a pedir para que se possível o fôssemos buscar logo a seguir ao almoço. Para abreviar a história só algum tempo depois é que percebemos que o gaiato, na altura com quatro anos e ainda um sesto-dependente, se sentia muito desconfortável por ter de dormir calçado, isso mesmo, calçado. Falámos com a educadora e com a auxiliar, a situação alterou-se, a sesta ficou tranquila e o João feliz. Era um exemplo de miúdo para o qual a sesta era importante e foi-o mais algum tempo, ainda nos rimos hoje cá em casa porque era frequente quando passeávamos naquela época ter que me sentar num banco de jardim onde ele adormecia facilmente durante um tempinho, ficando pronto e em forma para o resto do dia.
Ontem, curiosamente, num outro jardim-de-infância da mesma instituição o meu neto Pequeno de três anos, o Tomás, iniciou a sua viagem pela educação em instituição. Tal como para o pai, para o Tomás continua a ser imprescindível a sesta notando-se bem no seu estar os dias em que por qualquer razão não dorme o tempinho da tarde.
Na verdade, é conhecido que em muitas instituições, por várias razões, logísticas por exemplo, se determina uma idade, quase sempre aos três anos e menos frequentemente aos quatro, a partir da qual se retira às crianças a possibilidade da sesta, "proibindo-a".
Como em muitos outros aspectos as crianças não têm padrões de sono/vigília iguais pelo que umas, mais cedo que outras, começam a dispensar a sesta e algumas, é bom não esquecer, a adquirir estilos de vida que não sendo contrariados pelas famílias as levam rapidamente a viver com menos horas de sono do que seria desejável com várias consequências menos positivas. Todos os estudos sobre esta questão assinalam a falta de qualidade do sono nas nossas crianças e também nos mais velhos com consequências significativas em várias dimensões, comportamento, rendimento escolar, saúde física, etc.
Por outro lado, muitas vezes a alternativa que em muitas instituições é oferecida para ocupar este tempo é ela também de má qualidade. Não há muito tempo foi divulgada a situação de crianças que não faziam a sesta e ficavam numa sala na penumbra a olhar para um ecrã.
Deve ainda considerar-se que boa parte das crianças estão nas instituições durante um número de horas significativo pelo que a sesta poderia ser um factor de repouso e corte numa presença institucional diária de longa duração.
Assim, parece uma questão de bom senso e qualidade educativa, permitir que nos jardins-de-infância da rede pública, social ou privada se disponibilizem as condições adequadas e sem o limite rígido da idade para que as crianças cumpram uma sestazinha que para muitos é um bem de primeira necessidade.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

DOCENTES, UMA CLASSE ENVELHECIDA

Foi recentemente divulgado pela OCDE o relatório “Education at a Glance 2019”. Como é habitual apresenta um volume considerável de dados que justifica reflexão e, sobretudo, acção.
Uma primeira referência a um dado que tem vindo a ser progressivamente conhecido mas que, do meu ponto de vista, não parece estar a merecer a atenção que exige, o envelhecimento da classe docente. Não sendo nova a referência a situação é crítica e tem-se agravado pois, por várias razões, a entrada de novos docentes no sistema é pouco significativa e insuficiente para renovar o quadro.
Segundo o actual relatório apenas 1% dos docentes portugueses tem menos de 30 anos face aos 16% de 2005. Na fase final da carreira, 41% de docentes tem 50 anos ou mais face a 22% em 2005.
Mais uns dados retirados do relatório “Perfil do Docente”, produzido pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo ao ano 2016/2017 e base da informação da OCDE.
No universo da educação pré-escolar apenas 13 profissionais da rede pública têm menos de 30 anos, 0.1%, enquanto 6034 educadores de infância, 74% têm 50 ou mais anos. No 1º ciclo no sistema público, entre 24 435 docentes apenas 16 têm menos de 30 anos, 0.1% do total. Do outro lado, 38%, 9298 têm 50 ou mais anos.
No 2º ciclo, temos 19 398 docentes dos quais 872 têm menos de 30 anos, 4.5% e 10271 com 50 anos ou mais, 53%.
No 3º ciclo e secundário, em 63473 professores temos 290 com menos de 30 anos, 0.5%, e 30242 com 50 anos ou mais, 48%.
Um outro indicador, a idade média, mostra que na educação pré-escolar é de 52 anos, no 1º ciclo 47 anos, no 2º ciclo 50 anos e no 3º ciclo e secundário 49 anos.
Se considerarmos o grupo de professores com 40 anos ou mais, temos 96% na educação pré-escolar, 78% no 1º ciclo, 87% no 2º ciclo e 86% no 3º ciclo e secundário.
Ainda a OCDE, mas em 2018 no trabalho “Reviews of School Resources: Portugal 2018” sublinhava esta questão tal como têm feito sucessivos relatórios e estudos da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência ou do CNE. Como escrevi várias vezes a este propósito, num país preocupado com o futuro o cenário existente faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade. Retomo notas que, lamentavelmente, continuam actuais.
Ao perfil dos docentes profundamente inquietante em termos de idade acresce que como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, associado a baixos níveis de satisfação profissional.
Na verdade, este cenário só pode surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam na comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores.
Este quadro é inquietante, uma população docente envelhecida e a revelar preocupantes sinais de desgaste.
Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens. Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais.
Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação por várias razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.
As salas de professores são cada vez mais frequentadas, quando há tempo para isso, por gente envelhecida, cansada e pouco apoiada que tantas vezes pergunta "Quanto tempo é que te falta?"
Com a previsível aposentação de milhares de professores num prazo relativamente curto teremos uma significativa necessidade de docentes. O problema é que também devido ao contributo de opinadores e por efeitos de algumas das políticas públicas em matéria de educação a profissão de professor tem perdido alguma capacidade de atracção. No entanto, no recente processo de candidatura ao superior registou-se um ligeiro acréscimo do número de candidatos aos cursos de formação de professores.
Seria desejável que não nos esquecêssemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

DA CORRIDA DE OBSTÁCULOS


A imprensa de hoje divulga que a Organização Mundial do Turismo considerou Portugal como Destino Turístico Acessível na primeira vez que tal classificação é atribuída. Esta iniciativa pretende reconhecer o esforço de Portugal na promoção da acessibilidade no Turismo.
Apesar do registo positivo, sabemos e não podemos esquecer o quanto está por fazer e as dificuldades decorrentes da corrida de obstáculos em que se transforma a vida das pessoas com deficiência ameaçando os seus direitos e bem-estar bem como das suas famílias. São por demais evidentes as dificuldades em áreas como, educação, saúde, trabalho e emprego, segurança social, acessibilidades, autonomia, independência ou autodeterminação.
De facto, as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, as suas famílias e muitos professores e técnicos de diferentes áreas sabem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades para, no fundo, assegurar não mais do que algo básico e garantido constitucionalmente, os seus direitos. É assim que as comunidades estão organizadas, pelo que não representa nada de extraordinário e muito menos um privilégio.
Como também é evidente, as minorias são sempre mais vulneráveis, falta-lhes voz.
Como sempre afirmo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como cuidam das minorias.
Neste sentido e apesar de um quotidiano que não é fácil, longe disso, também creio que é de registar positivamente o caminho que se vai realizando, neste caso na área do turismo.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

AOS VOSSOS LUGARES, A ESCOLA VAI COMEÇAR - 2019/2020


A partir de hoje e até sexta-feira iniciam-se as aulas. Esperemos que comecem para todos os alunos, com todos os professores, este ano a situação é melhor, técnicos e funcionários, em instalações adequadas e com os materiais necessários. Será? Talvez ainda não consigamos que este ano tenhamos "apenas" os sobressaltos próprios de um começo.
Algumas notas pensando fundamentalmente nos que como o meu neto Grande, o Simão, vão iniciar a sua viagem pela escolaridade obrigatória.
Para a maioria das crianças e apesar da sua experiência na educação pré-escolar, a "entrada" na escola, ou melhor, o processo de início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso educativo e formativo com sucesso.
Em muitíssimas circunstâncias da nossa vida, quando alguma coisa não correu bem, é possível recomeçar e tentar de novo esperando ser melhor sucedido. Todos nós experimentámos episódios deste tipo.
Pois bem, o processo de início da escolaridade envolve na verdade um conjunto de circunstâncias irreversíveis, ou seja, quando corre mal já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo. Para isso, importa que seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento bem-sucedidos.
É fundamental não esquecer que os miúdos à "entrada" na escola não estão todos nas mesmas condições, pelas mais variadas razões, ambiente e experiências familiares, percurso anterior, características individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção diferenciada que combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma maneira, normalizando o diferente, que alguma opinião publicada e ignorante defende. Muitas vezes os lugares da escola não conseguem acomodar a diversidade dos alunos, a escola ainda não para todos com a mesma qualidade.
Antes de, com voluntarismo e empenho, se tentar ensinar aos miúdos as coisas da escola é preciso, como sempre afirmo, dar tempo, oportunidade e espaço para que os miúdos aprendam a escola. Depois de aprenderem a escola estarão mais disponíveis para aprender então as coisas da escola.
Vai começar o tempo do trabalho "a sério" e muitas crianças irão rapidamente sentir-se pressionados para a excelência, o mundo não é para gente sem sucesso. Vão ter que adquirir competências, muitas competências, em variadíssimas áreas, porque é preciso ser bom em tudo e é preciso preparar para o futuro, curiosamente, descuidando, por vezes, o presente.
E vão também começar a perceber como anda confusa a cabeça dos adultos, como estamos sem perceber o nosso próprio presente e com dificuldade em antecipar o futuro, que será o presente deles.
Vão, parte deles, desaprender de rir, de se sentir bem e de brincar, a coisa mais séria que sempre fizeram.
Vão ouvir cada vez mais frequentemente qualquer coisa como "não podes fazer isso, já és uma mulherzinha, ou um homenzinho", como se as mulherzinhas e os homenzinhos já crescidos não fizessem asneiras.
Vão conhecer tempos em que se sentem sós e perdidos com um mundo demasiado grande pela frente.
Mais cedo ou mais tarde, alguns deles, vão sentir uma dor branda que faz parte do crescer mas que, às vezes, não passa com o crescer.
Também sei, felizmente que a grande maioria vai continuar a sentir-se bem, por dentro e para fora.
Pode parecer-vos um pouco estranho, mas gostava que a estes miúdos que agora vão começar "a escola", tal como aos outros que já a cumprem, lhes apetecesse "fugir para a escola" e que nós possamos ser capazes de lhes dizer "Cresçam devagarinho, não tenham pressa".
É que depressa e bem, não há quem, como se costuma dizer.
Boa sorte e bom trabalho para alunos, professores, técnicos, funcionários e pais.

PS - Procurei passar algumas destas ideias numa colaboração com o DN sobre  o "primeiro dia" na escola.