domingo, 30 de junho de 2019

O OURO NO JACUZZI


No âmbito de uma investigação em curso foi encontrado pela PJ perto de um milhão de euros em ouro e notas bem arrumadinhos na banheira de hidromassagem da casa presidente do grupo de colégios privados GPS. Poder-se-á tratar de um caso de lavagem de dinheiro com massagem incluída mas será sempre um caso de polícia que se espera resolvido com celeridade e transparência.
No entanto, a questão central é a natureza das políticas públicas.
Parece ser claro que que ao longo de décadas os dispositivos de apoios estatal a estruturas privadas tem assentado em modelos de regulação ineficazes que assenta na desregulação que, evidentemente, sai cara aos contribuintes mas, por outro lado, alimenta uma política amigável para os interesses privados. Quase toda a história das PPP é elucidativa. E lamentável, acrescente-se.
Por estas e muitas outras razões é de uma enorme desfaçatez mascarar os negócios da educação, legais ou ilegais, com referências à liberdade de educação.
Parece-me tudo bastante mais claro se falarmos em liberdade de mercado mas prescindindo do dinheiro público para o financiamento de negócios privados a não ser, obviamente, quando é prestado efectivamente serviço público de educação.
No fim, ainda restará a delinquência como parece ser o caso em investigação. A ver vamos como acaba. Confesso que acho que sairá mais um rato da montanha.

"OS ESPECTADORES ACTIVOS CONTRA OS ESPETADORES ATIVOS – A INÉRCIA E O DESPREZO PELA NOSSA LÍNGUA"


Desta vez também estou de acordo com Pacheco Pereira no seu texto sobre o Acordo ortográfico do nosso descontentamento, “Os espectadores activos contra os espetadores ativos – a inércia e o desprezo pela nossa língua”.
(…)
Prometi a mim próprio escrever um ou dois artigos por ano contra o chamado acordo ortográfico. E fiz essa promessa para não pecar do mesmo mal da inércia, que é a principal força que mantém este acordo vivo. Na verdade, são duas forças conjugadas, uma, a inércia, e a outra o desprezo pela língua portuguesa. São duas forças muito poderosas e, conjugadas entre si, ainda mais poderosas são. Mas são forças negativas, que misturam preguiça, indiferença, incultura, desprezo pela memória e irresponsabilização pelo desastre e fracasso diplomático que representou o acordo.
(…)
Enquanto for possível reverter a situação criada pelo AO90 vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa.
É importante recordar que apenas Portugal, S. Tomé e Príncipe, Brasil e Cabo Verde procederam à ratificação. Em 2018 a Academia Angolana de Letras solicitou ao Governo angolano que o Acordo Ortográfico de 1990 não seja ratificado e há algumas semanas a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados do Parlamento do Brasil aprovou um requerimento de audiência pública para que seja debatida a revogação do AO ao que parece por indicação do Presidente Bolsonaro o que será porventura umas raríssimas ideias positivas vindas da figura.
Como tantas vezes tenho escrito, desculpem a insistência e não inovar, entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma.
Mas o que se fez foi transformar a Língua Portuguesa numa confusão impossível de concertar dadas as diferenças entre o Português falado pelos diferentes países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

sábado, 29 de junho de 2019

"EIS UM DOS PILARES DA DEMOCRACIA"


Gostei de ler “Eis um dos pilares da democracia” de João Ruivo.
(…)
Não queremos uma escola que seja de baixa qualidade. Por isso, sempre estivemos com todos quantos defendem os princípios fundadores da escola democrática e inclusiva. Uma escola que seja exigente na valorização do conhecimento e promotora da autonomia pessoal. Uma escola pública, laica e gratuita, que não desista de uma forte cultura de motivação e de realização de todos os seus membros. Uma escola pública que, enfim, se assuma como um dos pilares da democracia e como um dos motores da construção de um país onde seja orgulhoso viver e conviver.
(…)
No mesmo sentido e repetindo-me.
Importa reafirmar que só a educação e a rede pública de qualidade podem promover equidade e igualdade de oportunidades.
Importa reafirmar que só a educação e a rede pública de qualidade podem ser verdadeiramente inclusivas e receber todos os alunos.
Importa reafirmar que só a rede pública de educação pode chegar a todos os territórios educativos e a todas as comunidades.
Importa reafirmar que só a educação e rede pública de qualidade promovem mobilidade social em circunstâncias de equidade no acesso.
Importa reafirmar que para que possam cumprir a Constituição a educação e a rede pública precisam de recursos materiais e recursos humanos valorizados e competentes.
Importa reafirmar que os custos da educação e rede pública de qualidade não são despesa, são investimento.
Importa reafirmar que a política educativa em cada momento histórico tem a suprema responsabilidade de garantir que assim seja.
Importa reafirmar que do trabalho dos professores depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.
Importa reafirmar que os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.
Importa reafirmar que é isso que se exige e espera das políticas públicas em matéria de educação, a defesa intransigente da Educação e da Escola Pública e da sua qualidade.
Em nome dos nossos filhos, dos filhos dos nossos filhos ...

sexta-feira, 28 de junho de 2019

A SAÚDE MENTAL, PARENTE POBRE DAS POLÍTICAS DE SAÚDE


Num trabalho do Conselho para os Direitos Humanos da ONU que merece atenção são divulgadas um conjunto de recomendações dirigidas à intervenção em saúde mental.
Neste relatório é enfatizada a necessidade de uma fortíssima e urgente alteração no modelo de resposta. Deve recorrer-se menos à institucionalização e à medicação e mais a uma abordagem de natureza social com particular atenção a fenómenos como pobreza desigualdade e exclusão que alimentam discriminação
Estas perspectivas não são novas mas carecem de operacionalização, o consumo de psicofármacos é elevadíssimo e a institucionalização não é a resposta adequada para boa parte dos casos.
No que a nós respeita, segundo o Relatório do programa da União Europeia "Joint Action on Mental Health and Well-being" divulgado em 2015, Portugal estava muito longe do desejável no que respeita à prestação de cuidados no domicílio e serviços na comunidade a pessoas com doença mental. Estima-se que menos de 20% dos doentes tenha acesso a este tipo de cuidados.
A ausência de respostas adequadas leva a um recurso excessivo à prescrição de psicofármacos mesmo em situações não justificadas como tem sido recorrentemente demonstrado.
Também de 2015, o estudo Trajectórias pelos Cuidados de Saúde Mental em Portugal, promovido pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental defendia que o encerramento, positivo entenda-se, dos hospitais psiquiátricos não foi acompanhado da criação de serviços na comunidade pelo que a desinstitucionalização falhou e “agravou os problemas de muitos doentes”. Afirmava-se no Relatório que a Rede de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental não se concretizou e escasseiam os recursos.
Parece claramente mais ajustada a aposta em equipas comunitárias e apenas um número reduzido de camas para situações mais críticas de adultos ou crianças para as quais faltam de facto, camas levando ao seu inaceitável internamento em serviços para adultos.
Na verdade e como se sublinha Relatório, as orientações actuais e matéria de saúde mental, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista dos custos, determinam que a qualidade e eficácia deste tipo de apoios, deve, tanto quanto possível, assentar em estratégias de proximidade, aproximando, assim, o serviço clínico da comunidade e da vida quotidiana das pessoas.
Os modelos defendidos pela comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e privação. Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início da minha formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.
No entanto, este movimento de retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições não está a ser devidamente suportado pela criação de unidades locais que providenciem apoio terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de pertença dos doentes e com o mínimo recurso ao internamento.
Tal opção, parece claro, cria sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção comunitária acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com doença mental e respectivas famílias.
Não estranho, os doentes mentais são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os custos familiares e sociais da guetização são enormes e as consequências são também um indicador de desenvolvimento das comunidades.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

AVALIAÇÃO E INCLUSÃO


Estamos em plena época de encerramento das avaliações finais dos alunos sendo que muitos ainda estão envolvidos no período de exames. A avaliação de desempenho é sempre uma matéria complexa pelo que também na educação escolar tal se verifica.
São sempre mais as dúvidas que as certezas sobre o que avaliar, o que medir, com que critérios, com que normas, com que grau de diferenciação, com que dispositivos, etc.
Quando consideramos a diversidade dos alunos incluindo os que têm necessidades especiais, insisto no recurso a esta terminologia, a situação torna-se ainda mais complexa e exigente.
O novo quadro legal em matéria de educação inclusiva tem como visão, bem como já tenho escrito, considerar a todos os alunos e não os que por algum tipo de justificação se consideravam ter alunos com necessidades educativas especiais embora seja de não esquecer num excesso de voluntarismo que as dificuldades severas que alguns alunos sentem são … específicas e devem ser consideradas como tal, não podendo ser “normalizado” o olhar sobre eles sob pena de conduzir à exclusão mesmo colocados nas salas com os seus colegas.
Este entendimento, do meu ponto de vista, torna o processo de avaliação ainda mais complexo, pois o enquadramento dos alunos nas várias tipologias de medidas (também uma forma de categorização continua presente) em diferentes alíneas envolvendo diversos desenhos curriculares e de objectivos torna ainda mais complexo o processo de avaliação e classificação.
É claro para todos, boa vontade minha, que avaliar não é apenas medir mas também é medir e classificar pois as decisões em matéria de progressão e intervenção decorrem de todo o processo de avaliação nas suas múltiplas funções. Como também será óbvio as dificuldades e as eventuais consequências da avaliação não se resolvem ou minimizam "empurrando" os alunos, qualquer aluno, para a frente de uma forma "ligeira", por assim dizer. Ninguém ganha com isto a não ser as estatísticas que ... não passam disso mesmo, números, embora possam sustentar discursos ou ideias à escolha e com diferentes sentidos.
Os testemunhos conhecidos em vários espaços e de diferentes formas sobre o que vai acontecendo pelas escolas nesta matéria ilustram com muita clareza a enorme sombra de dúvidas sobre o processo que mostram todos os intervenientes, professores do ensino regular, docentes de educação especial, técnicos e pais que estão genuinamente empenhados em que todo corra o melhor possível.
Às dúvidas, muitas, surgem respostas que com frequência começam por “eu acho …”, “nós decidimos …”, “na minha escola”, “no meu grupo …”, "não fazemos assim", "a direcção da escola decidiu ..., etc.
Eu sei que todos os processos de mudança estão sujeitos a dúvidas e sobressaltos. Também sei, como tantas vezes disse, que era necessário alterar o quadro anterior. Também sei que o actual quadro legislativo é conceptualmente e em termos de visão melhor que o anterior.
No entanto, continuo a entender que o processo de mudança ganharia se fosse desenvolvido assente num processo de transição regulada e apoiada nas escolas e agrupamentos.
Já tenho escrito que nem sempre se consegue “fazer as coisas certas e fazer certas as coisas”. Também não adianta torcer a realidade e proclamar que os caminhos da inclusão estão a ser feitos sem sobressaltos e que as abordagens que suscitam reservas ou críticas não têm cabimento ou devem ser desvalorizadas.
Como se diz na frase atribuída a Bismarck “A política é a arte do possível” também na educação se passa o mesmo, é a arte do possível. Felizmente, a esmagadora maioria dos profissionais da educação tornam-na diariamente possível.
Os alunos e as famílias agradecem e sentem-se melhor … quando corre bem

quarta-feira, 26 de junho de 2019

DO HORROR


A fotografia de Oscar e Valeria, pai e filha com 23 meses, sem vida, num último abraço à beira do Rio Grande, a fronteira entre México e Estados Unidos que queriam passar perseguindo um sonho de vida digna, a fotografia de Yanela Sanchez a chorar na fronteira dos EUA, a fotografia de Omran, 5 anos, em Alepo dentro de uma ambulância em 2016 a fotografia de Aylan, três anos e também sírio, morto numa praia turca, a fotografia de … deveriam ser motivo para que a gente que manda no mundo não dormisse.
O terror percebido naquele abraço é um murro violento num mundo que não os soube proteger nem alimentar um sonho.
Já faltam as palavras para falar do horror e da barbaridade que vão acontecendo e cada vez mais perto de nós.
A merda de lideranças actuais da generalidade dos países que põem e dispõem no xadrez do poder mundial e de tantos outros subservientes e submissos que, em muitos casos, de pessoas não sabe nem quer saber, permite, sem um sobressalto e com palavras que de inócuas são um insulto, que se assista à barbaridade obscena que as imagens, os relatos mostram e o muito que se imagina mas não se vê.
Crescem muros, morre gente inocente, milhões de vidas destruídas, a barbaridade estende-se, o horror é imenso e, por vezes, nem a retórica da condenação é convincente e muitos menos, evidentemente, eficaz.
A questão é séria, os ventos sempre semeiam tempestades e as tempestades num mundo global não ficam confinadas nos epicentros.
Não existe terror mau e terror bom. Não existe horror mau e horror bom. Não existe terrorismo bom e terrorismo mau, não existe democracia sem direitos humanos.
Como é possível que tal horror aconteça e tanta gente com responsabilidades assobie para o ar e se fique pelas palavras de circunstância?

DA MOBILIDADE SOCIAL


Um trabalho do think tank da Fundação Belmiro de Azevedo, Edulog, “A equidade no acesso ao ensino superior”, mostra que existe uma fortíssima associação entre o estatuto económico e o nível de escolarização familiar na frequência do ensino superior. Os alunos com famílias mais favorecidas acedem aos cursos com mais prestígio, preferencialmente universitário e também com maiores dificuldades no acesso que, como é sabido e julgo merecer reflexão, assenta quase que exclusivamente nas notas obtidas no secundário. Por outro lado, os estudantes de meios familiares menos favorecidos e menos escolarizados acedem mais a cursos de menor procura e ao ensino politécnico. O coordenador do conselho científico do Edulog, Alberto Amaral, também presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), o organismo público que regula os cursos superiores afirma ainda, “Quem não tem possibilidade de ir para um colégio privado ou ter explicações, não consegue bater essa dificuldade [e atingir a médias exigidas]. É a isso que estamos a assistir neste momento” e recorda o também conhecido fenómeno das escolas simpáticas, a inflação de notas internas no ensino secundário que acontecem particularmente em escolas privadas.
Sendo este o retrato do que se verifica quando se acede ao ensino superior mais se justifica o repensar da forma de acesso. No entanto, creio que a questão mais central está no percurso anterior dos alunos que já é marcado pelas variáveis sociodemográficas, estatuto económico e nível de escolarização familiar, sendo que a escola nem sempre consegue fazer a diferença e promover mais equidade e mobilidade social, seja em Lisboa ou em Portalegre.
Recordo um estudo divulgado em 2017, “Mobilidade Social em Portugal”, realizado por Teresa Bago D'Uva e Marli Fernandes e divulgado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que evidenciava claramente a dificuldade de promovermos mobilidade social, ou seja, em Portugal a escolaridade e profissão dos pais têm um impacto fortíssimo no trajecto de qualificação dos filhos, superior ao que se verifica no espaço europeu.
Também considerando um trabalho conhecido em 2016 realizado pela Direcção-Geral de Estatísticas de Educação, “Desigualdades Socioeconómicas e Resultados Escolares – 2.º ciclo do ensino público geral”, mostrava com clareza esta realidade. Sublinhava mais uma vez a forte relação entre variáveis de natureza social e económica, nível de escolaridade das mães por exemplo, e os resultados escolares dos filhos.
A percentagem de sucesso no 2º ciclo de alunos com mães com licenciatura ou bacharelato é de 80%, entre os alunos com mães com o equivalente ao 4ºano é de 26%. Se extremarmos as habilitações, sem habilitações face a mestrado a doutoramento, temos um intervalo de 85 para 83%.
Estes resultados não são propriamente surpreendentes tal como no estudo anterior que considerava o 3ºciclo. A capacidade preditora da variável escolaridade dos pais, em particular a das mães no nosso caso, relativamente ao percurso escolar dos filhos é ainda muito significativa e comprovada em múltiplos estudos em diferentes paragens. A análise dos resultados escolares em exames nacionais cruzando com a habilitação escolar dos pais mostra isso mesmo.
Recordo ainda uma análise da OCDE cruzando os resultados escolares dos alunos de diferentes países no Estudo comparativo PISA relativos a 2012 com as profissões dos pais, mostra que em Portugal, mais do que noutros países, os filhos de pais mais qualificados têm melhores resultados.
Na verdade, desde sempre que os estudos, designadamente no âmbito da sociologia da educação, associam a carreira escolar e o estatuto profissional dos filhos ao nível de escolaridade e estatuto económico dos pais.
Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade. Em Portugal verifica-se ainda um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre os níveis escolar e salarial dos pais e os dos filhos é ainda mais forte. O trabalho agora apresentado vem, mais uma vez, confirmar a realidade que conhecemos, a enorme dificuldade da escola de promover mobilidade social, ou seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o nível atingido pelos filhos. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno, haver quem se admirasse do meu pai, um serralheiro, ter decidido que eu continuaria a estudar.
Acresce que as circunstâncias conjunturais e estruturais das políticas educativas, apesar de alguma recuperação não garantem equidade nas oportunidades, dificilmente sustentam que a educação e a qualificação também com equidade.
Deste quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante equidade e igualdade de oportunidades. No entanto, não teremos alternativa, é a escola pode e deve, de facto, fazer a diferença.
Assim, mais uma vez, a questão central será a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos, autonomia e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada e, terceiro eixo, diferenciação de metodologias, diferenciação progressiva e não prematura dos percursos de educação e formação.
No actual cenário, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam ter um papel decisivo na minimização de assimetrias, as políticas, os custos e a dificuldade de acesso podem, pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa, "tal pai, tal filho", pai (mãe) letrado, filho letrado e pai (mãe) pouco letrado, filho pouco letrado.
Assim sendo, são necessárias políticas públicas para o médio prazo, estabelecidas com base no interesse de todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação. A continuar na deriva a que nas última décadas nos entregamos, daqui a algum tempo um novo estudo de dentro ou de fora virá dizer ... provavelmente o mesmo.

terça-feira, 25 de junho de 2019

DA RELAÇÃO ENTRE ESCOLA E PAIS


A propósito da recente decisão de que os funcionários públicos disponham de 3h para acompanhar os seus filhos no primeiro dia de aulas, o I tem uma peça sobre a necessidade de incentivar a relação dos pais e encarregados de educação da escola.
Todas as medidas que possam contribuir para a promoção desta relação podem ser positivas mas esta decisão será, do meu ponto de vista, mais simbólica que com impacto efectivo, deixa de fora os pais que não trabalham na administração. Não se percebe o que farão professores, técnicos ou funcionário que também são pais e, acho que se pode afirmar isto, sobretudo no 1º e 2º ciclo muitas famílias encontram já forma de acompanhar os seus filhos no primeiro dia.
A questão central tem ver com os dias seguintes, ou seja, que relação regular se estabelece entre pais e encarregados de educação e a escola. Trata-se de uma necessidade que se verifica na generalidade os sistemas educativos. Parece dispensável sublinhar a sua importância e na situação mais particular de alunos com necessidades especiais este envolvimento é crítico e, muitas vezes, não acomodado da melhor forma, para recorrer a um termo em moda.
assim como referir que se trata de uma dificuldade por resolver na generalidade os sistemas educativos.
Como múltiplos encontros com pais e diferentes estudos sugerem não podemos esquecer os constrangimentos decorrentes da legislação e horários laborais e a desmotivação ou negligência por parte dos pais pra além do impacto de alterações significativas nos estilos de vida com impacto nos tempos das famílias.
Também me parece claro ser necessário, por exemplo em sede de Concertação Social, avançar com propostas de alteração legislativa e, sobretudo, na organização horária do trabalho que poderia, essa sim, ter impacto na disponibilidade dos pais. Existem exemplos de diferentes países que se revelam mais positivos
No entanto julgo de considerar outros aspectos. Para além dos pais negligentes que existem e requerem outra abordagem creio que os pais e encarregados de educação que apesar de poderem vão pouco à escola ou nunca vão, se podem dividir em dois grupos, os pais que não alcançam a escola e os pais que a escola não alcança. Os primeiros são os que entendem, consciente ou inconscientemente, que a sua presença é irrelevante, não sabem discutir a escola, a escola é que sabe e decide sobre os filhos e deve resolver os seus problemas. Os outros, são os pais a quem o discurso produzido com alguma frequência pela escola sobre os seus filhos os leva a afastarem-se progressivamente. A experiência mostra que quando as crianças são mais pequenas, pré-escolar e 1º ciclo, os pais aparecem e começando afastar-se sobretudo a partir do 2º ciclo.
Neste quadro, creio que se o desejo de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos for mais do que uma retórica, o sistema, através dos modelos de funcionamento, autonomia real e recursos das escolas, deverá introduzir alguns ajustamentos no sentido que algumas boas práticas sustentam.
Redefinição urgente do papel dos Directores de Turma e das condições de exercício da função pois são peças nucleares nos processos educativos e estão muitas vezes entregues a tarefas quase administrativas, criação de dispositivos com professores motivados, existem muitos, que possam ir ao encontro dos pais que a escola não alcança. Talvez da carga burocrática que rouba tantas horas de professores se pudessem recuperar algumas para outro tipo de trabalho não docente, mais útil e mais motivador.
Mudança nas formas e suporte do contacto, relação, comunicação entre a escola e a família, por exemplo, repensar a tipologia e conteúdos das reuniões de pais.
Parece também importante a existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a existência de recursos humanos qualificados e disponíveis, veja-se o trabalho dos GAAF apoiados pelo IAC, experiências no âmbito da intervenção da Associação EPIS ou iniciativas ou projectos que algumas escolas conseguem desenvolver com resultados interessantes.
Recurso concertado às Associações de Pais como mediadores entre a escola e os pais que não vindo à escola, também não são dos que integram as Associações.
O espaço é curto mas creio que no actual quadro é possível ir um pouco mais longe na tentativa imprescindível de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos miúdos, questão em mudança, sempre, e que obriga a uma contínua reflexão sobre os papéis e os processos e formas de envolvimento. 

segunda-feira, 24 de junho de 2019

QUANDO OS SANTOS ERAM POPULARES


Há muitos anos, no tempo em que eu era miúdo e este subúrbio era ainda feito de poucas casas e algumas quintas, não havia a ponte com o nome cujo significado era um sonho longe naquela altura, a época dos santos era esperada com alguma excitação por nós, os mais pequenos, mas não só.
Aqui na zona, Almada, o santo que nos pertence é o S. João, daí estas notas, mas todos nos serviam, o S. António em Lisboa e o S. Pedro no Seixal também eram populares pretextos.
Os adultos organizavam umas festas nas ruas com bailarico e as incontornáveis sardinhas e bifanas com rega, é claro, que os organizadores vendiam para financiar uma excursão ao estrangeiro, a Badajoz quase sempre, que naquele tempo o “nosso” estrangeiro era perto e o dinheiro sempre curto.
Mas para nós, para além de uns desaparecidos "pirolitos" em garrafas que tinham um berlinde de vidro, os santos eram sobretudo as fogueiras, isso sim, as fogueiras.
Uns dias antes de cada santo, por assim dizer, e por zonas começávamos a juntar lenha. Para tal, fazíamos umas visitas às quintas da terra, ainda havia muitas que agora têm prédios plantados e, sobretudo, organizávamos umas expedições às obras em curso e "recolhíamos" toda a madeira que conseguíssemos e que acumulávamos procurando tê-la sempre debaixo de olho, porque a carne do pessoal das outras zonas era fraca e poderia não resistir à tentação de "levar" a nossa lenha.
Nos dias da celebração a fogueira durava enquanto houvesse lenha e vontade de saltar por cima dela. Tratava-se então de saber quem era mais corajoso e enfrentava as chamas mais altas. À custa destas exibições sempre conseguíamos umas vistosas aterragens falhadas do outro lado ou uma roupa chamuscada. 
Ainda brincávamos na rua e nestas noites era até tarde.
Havia sempre o espectáculo extra de alguns dos adultos já com algum lastro alcoólico, digamos assim, tentarem mostrar dotes de saltadores que muitas vezes também não acabavam bem.
Quase sempre e como número extra, tínhamos direito a uma cena de lambada, sem grandes consequências porque festa é festa, na qual quase sempre estava envolvida uma figura mítica da minha terra, o meu saudoso amigo Pedro, mais conhecido pelo Sucata. Era homem que andava por um enorme metro e sessenta, mas era a pessoa mais amiga de arranjar uma confusãozinha de onde saía, invariavelmente, com mais umas lambadas e, é verdade, mais uns amigos que lhe pagavam um copito. Tenho saudades do velho Sucata.
Os santos na minha terra já não são tão populares, limitam-se a oferecer feriados e algumas iniciativas, muitas delas, por assim dizer, são de “plástico”.

domingo, 23 de junho de 2019

DA INDISCIPLINA


Voltando ao recentemente publicado pela OCDE, “TALIS 2018 Results (Volume I) Teachers and School Leaders as Lifelong Learners”, em Portugal e de acordo com as respostas dos docentes inquiridos, o tempo gasto em sala de aula no controle do comportamento dos alunos é superior à média da OCDE. Nas nossas salas de aula, 73.5% do tempo é usado em actividades de ensino e aprendizagem e na OCDE a média é de 78.1% sendo o tempo restante dedicado a questões de burocracia, controle de assiduidade e, sobretudo ao comportamento.
Recordo que o comportamento dos alunos em sala de aula é também um dos factores fortemente associados aos níveis de cansaço e risco de exaustão verificados na classe docente e potenciados pela elevada média de idades.
Algumas notas sobre o comportamento dos alunos em sala de aula, designadamente, as situações de indisciplina que tanto solicitam a intervenção dos docentes com impacto nas actividades de ensino e aprendizagem.
Em primeiro lugar julgo que importa clarificar o que está em causa. Quebrar as regras de funcionamento da sala de aula ou da escola serão indisciplina, insultar, humilhar, confrontar fisicamente um professor, comportamentos frequentes de agressão ou roubos a colegas configuram pré-delinquência ou delinquência e comportamentos disruptivos podem ainda estar ligados a perturbações de natureza psicológica.
A escola, os professores, não pode ser responsabilizada e considerada competente por e para todo este universo de problemas nos comportamentos dos mais novos. Para situações de pré-delinquência ou perturbações do comportamento pode, evidentemente, dar contributos mas não assumir a responsabilidade pelo que importa clarificar a análise.
Centremo-nos então na indisciplina escolar que considero matéria de competência da escola e matéria de responsabilidade de toda a comunidade, incluindo obviamente os pais.
Ainda no 1º ciclo e de uma forma geral as crianças têm um entendimento ajustado sobre comportamentos adequados em sala de aula que, naturalmente, com a idade se torna mais sólido. Assim sendo e numa abordagem simples, sabendo as crianças e adolescentes quais os comportamentos adequados por que razão ou razões não os assumem de forma consistente? Não estou a falar de alunos “certinhos”, testar regras e limites faz parte do desenvolvimento, mas de comportamentos que de uma forma continuada e excessiva perturbam o funcionamento das aulas.
A este cenário e para além do que se passa em matéria de educação familiar em matéria de promoção da auto-regulação dos comportamentos parece-me importante referir que
todas as figuras sociais a que se colam traços de autoridade por exemplo, pais, professores, médicos, polícias, idosos, etc., viram alterada a representação social sobre esses traços. Dito de outra maneira, o facto de ser velho, polícia, professor ou médico, já não basta, só por si, para inibir comportamentos de desrespeito pelo que importa perceber o impacto destas alterações nas relações entre professores e alunos.
As mudanças significativas no quadro de valores e nos comportamentos criam dimensões novas em torno de um problema velho, a indisciplina. Daqui decorre, por exemplo, que restaurar a autoridade dos professores, tal como era percebida há décadas, é uma impossibilidade porque os tempos mudaram e não voltam para trás. Pela mesma razão, não se fala em restaurar a relação pais – filhos nos termos em que se processava antigamente e falar da "responsabilização" dos pais é interessante, mas é outro nada.
Um professor, de qualquer ciclo ou nível de ensino, ganha tanta mais autoridade quanto mais competente, apoiado e valorizado se sentir. Os dispositivos de apoio suficientes e competentes ao trabalho de professores e alunos constituem uma variável central no que respeita à indisciplina mas não só à indisciplina.
Também por isto se questiona a constituição de mega-agrupamentos e de escolas e turmas com dimensões excessivas, variável associada à indisciplina escolar.
É também importante reajustar a formação de professores. As escolas de formação de professores não podem “ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido pelos novos professores e pelos professores em serviço. Problemas "novos" carecem também de abordagens "novas".
Parece também importante a existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a existência de recursos humanos qualificados e disponíveis. Veja-se o trabalho dos GAAF apoiados pelo IAC, experiências no âmbito da intervenção da Associação EPIS ou iniciativas que algumas escolas conseguem desenvolver e que permitam apoiar os pais dos miúdos maus que querem ter miúdos bons e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outras medidas que envolvam, eficazmente e em tempo oportuno as CPCJ.
Um caminho de autonomia, com a alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e na gestão curricular, deve permitir que as escolas, algumas escolas, mais problemáticas, estando ou não integradas em TEIP tivessem menos alunos por turma, mais assistentes operacionais com formação em mediação e gestão de conflitos, mais técnicos ou ainda que se utilizassem mais professores em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades. As dificuldades dos alunos estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de indisciplina. A recente publicação da Portaria 181/2019 traz alguma mudança mas veremos que impacto terá ao nível dos recursos disponíveis.
Parece-me de acentuar que os estudos sugerem com clareza a existência de impacto positivo do menor número de alunos por turma no clima e comunicação na sala de aula, na maior facilidade de práticas educativas mais diferenciadas, no comportamento dos alunos, etc., o que, evidentemente deve ser considerado.
Dispositivos assentes em tutorias que envolvam os alunos mais problemáticos parecem um bom contributo desde que realizadas com tempo, recursos e formação ajustados.
Por outro lado, os estudos e as boas práticas mostram que a presença simultânea de dois professores é um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos também na prevenção da indisciplina.
As dificuldades dos alunos estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de indisciplina.
Os professores também sabem que na maior parte das vezes, os alunos indisciplinados não mudam os seus comportamentos por mais suspensões que sofram. É evidente que importa admitir sanções, no entanto, fazer assentar o combate à indisciplina nos castigos aos alunos e, eventualmente, nas multas e retirada de apoios aos pais, é ineficaz, é facilitista na medida em que é a medida mais fácil e mais barata, é demagógica porque vai ao encontro dos discursos populistas que aplaudem a ideia do "prender" do "expulsar" até ficarem só os nossos filhos.
O problema é quando também nos toca a nós, aí clamamos por apoios.
Os discursos demagógicos e populistas, ainda que bem-intencionados, não são um bom serviço à minimização dos muito frequentes incidentes de indisciplina que minam a qualidade cívica da nossa vida além, naturalmente, da qualidade e sucesso do trabalho educativo de alunos, professores e pais.

sábado, 22 de junho de 2019

BRINQUEDOS INCLUSIVOS


Os mercados estão atentos e tudo se transforma numa oportunidade. O empreendedorismo é, aliás, uma competência na formação e qualificação dos indivíduos nas sociedades actuais.
Mesmo as problemáticas de diversa natureza que tornam grupos de cidadãos mais vulneráveis ou com necessidades específicas são rapidamente transformadas em nichos de mercado, legais ou ilegais, pois tudo tem cabimento.
Vem esta talvez estranha introdução a propósito de um trabalho no I centrado nos “brinquedos inclusivos” ou nos brinquedos que promovem a inclusão. Uma rápida pesquisa pela net mostra uma infindável gama destes materiais ou dispositivos.
Na peça do I são ouvidos alguns especialistas, incluído da área do “marketing” pois claro, sobre a questão dos brinquedos inclusivos e retive uma afirmação sensata da pedopsiquiatra Ana Vasconcelos “não se deve uma Barbie que anda em cadeira de rodas a uma criança que tem de andar de cadeira de rodas”.
Talvez estas minhas notas se expliquem pelo cansaço que me causa uma permanente referência à ideia de inclusão que, muitas vezes, branqueia ou disfarça a exclusão.
Sim, sejamos claros, a inclusão é também uma área de negócio com múltiplas facetas, desde a formação de docentes e de técnicos com uma oferta esmagadora e para todos os gostos e bolsas, a promoção e venda de receitas e dispositivos milagrosos, as próprias respostas educativas, sociais ou de qualificação profissional, etc. Chegou aos brinquedos e não há que estranhar, por que razão não haveria de chegar? Os mercados são inclusivos.
Uma das muitas e importantes funções dos brinquedos é mediar a relação das crianças como o meio em que se movem, com o mundo à sua volta. Se as pessoas são diversas, se os animais são diversos, se a natureza é diversa, se tudo é diverso … os brinquedos devem espelhar essa diversidade.
Por outro lado, uma das características de um brinquedo que cumpra a sua função, é que seja adequado ao desenvolvimento e competências das crianças que com ele brincam e que, a partir dessas competências, promova novas ou mais desenvolvidas competências.
O que é que isto tem a ver como inclusão? Tudo e nada.
Tudo, se os brinquedos forem usados de forma interactiva, com grupos diversos de crianças.
Nada, se, recupero a afirmação de Ana Vasconcelos, a uma criança com um problema motor lhe derem uma boneca que também evidencia um problema da mesma natureza e fique a brincar sozinha mesmo que ao seu lado esteja um grupo de crianças.
Um brinquedo, nenhum brinquedo, só por si é inclusivo ou exclusivo, a sua adequação à criança e o uso que dele é feito é que pode, ou não, promover inclusão.
O resto, desculpem lá … é marketing e negócio.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

DO BULLYING


Voltando a mais alguns dados do recentemente divulgado “TALIS 2018 Results (Volume I) Teachers and School Leaders as Lifelong Learners”, o relatório produzido pela OCDE, uma notas sobre a questão do bullying.
Confirmando outros estudos e à semelhança do que aconteceu em diversos países, verifica-se um abaixamento significativo dos episódios de bullying reportados pelas escolas. O número de escolas que referiu pelo menos um incidente por semana baixou de 15.3% em 2013 para 7.3% em 2018.
As campanhas e as iniciativas desenvolvidas pelas escolas e por outras entidades parece revelar, felizmente, um impacto positivo. No entanto, e tal como se refere na peça do Publico, temos indicadores de estudos no âmbito da OMS coordenados em Portugal pela Professora Margarida Gaspar de Matos de que têm aumentado os episódios de violência física entre alunos. Em 2018 4,6% dos alunos inquiridos responderam que já se tinham envolvido em algum episódio de violência física no último ano e em 2014 eram 3.9%.
Neste quadro e ainda que se registe o abaixamento das situações de bullying reportadas, o caderno de encargos continua exigente.
Em primeiro lugar é importante sublinhar que uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o emergente cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores ou funcionários. Importa ainda não esquecer o risco acrescido e documentado de alunos de grupos minoritários, alunos com necessidades especiais ou com orientação sexual diversa, por exemplo.
Tendo isto em conta é previsível que o volume de situações de bullying seja superior ao número reportado como, aliás, se passa com outras áreas de violência como a violência doméstica.
Por outro lado, a peça de Público também o refere com base nas dúvidas de um especialista, Tito de Morais, os episódios de cyberbulling talvez estejam subavaliados.
O cyberbulling não tem espaço físico de ocorrência e contrariamente ao bullying presencial não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana pois ocorre predominantemente nos espaços escolares.
Além disso, não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo.
Neste universo importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, como de outras matérias como a indisciplina, por exemplo, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.
O volume de episódios de bullying, como também a questão da indisciplina, mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Existem, felizmente, várias iniciativas com um trabalho importante mas apesar da colaboração em projectos nas escolas, muitas destas iniciativas estão fora da escola.
A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, a presença suficiente de assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, são algumas das prioridades.
Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na escola, espaço onde passam um tempo enorme.
Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser grave.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

DIA MUNDIAL DO REFUGIADO

Voltamos à agenda das consciências. Hoje, dia 20 de Junho, devemos pensar no Dia Mundial do Refugiado. Qual refugiado?
Do refugiado da fome, da miséria e da guerra? Ou do que se refugia na abundância obscena?
Do refugiado do fundamentalismo religioso intolerante? Ou do que, com medo de existir, se refugia num Deus?
Do refugiado em si? Ou do refugiado entre a gente?
Do refugiado político? Ou do que se refugia na política?
Do sem-abrigo, refugiado da rua? Ou do refugiado, abrigado, em condomínio fechado?
Do trabalhador escravo da miragem de um refúgio? Ou que se refugia no trabalho para não sonhar a miragem?
Do refugiado que envelhece refugiado?
Da criança refugiada numa família que não a adoptou? Ou da criança refugiada numa instituição?
Do miúdo colocado, refugiado, em mil actividades? Ou do miúdo refugiado no mundo de um ecrã?
Das crianças e adultos refugiados na indiferença perante a diferença?
Dos Direitos Humanos refugiados? Ou dos refugiados sem Direitos Humanos?
Do refugiado de uma insuportável existência? Ou da insuportável existência do refugiado?
Não sei. É o Dia Mundial dos Refugiados.

Post Scriptum - Donald Trump conseguiu ainda refugiar crianças já refugiadas de vida numa gaiola separadas dos pais. Não há palavras!

ENTRE HELSÍNQUIA E LISBOA


Não existem contextos sociais, culturais ou políticos iguais.
Não existem sistemas educativos iguais.
Não existem sistemas educativos perfeitos.
A qualidade é construída em cima da diversidade.
Não podem ser “fotocopiadas” receitas educativas por mais bem-sucedidas que pareçam.
Os números, mais simpáticos ou menos simpáticos, nunca contam tudo.
Dito isto, julgo que a entrevista que se encontra no Observador de Kristina Kaihari, Conselheira de Educação na Agência Nacional Finlandesa para a Educação, merece reflexão.
Um pequeno excerto.
(…)
Confiam cegamente nos professores?
A Finlândia é uma sociedade baseada na confiança. Sei que, em muitos países, as pessoas simplesmente não acreditam quando dizemos estas coisas. Muitas vezes, perguntam-me: “Mas como é que sabem que os professores estão a fazer as coisas da forma correta?” Nós confiamos nos professores. Sabemos que eles estão a fazer o trabalho deles e vemos os resultados. Não temos, por exemplo, inspetores a visitar as escolas. Também não comparamos escolas. Os resultados de cada uma servem para os professores perceberem o que é preciso melhorar. Como, na Finlândia, as qualificações requeridas aos professores são as mesmas em todo o lado, não há grande diferença entre os resultados.
Todos os professores são bons professores e todas as escolas são boas escolas?
Claro que pode haver algumas diferenças, mas não serão assim tão grandes. Os primeiros anos da escola básica são iguais para todos, não fazemos separação de alunos, temos professores de ensino especial em todas as escolas. Se temos crianças com dificuldades de aprendizagem, é muito importante ajudá-las de imediato.
Não deixam as dificuldades do aluno progredir?
Não, não. É muito importante que todos tenham oportunidade, suporte e ajuda imediatamente.
Chumbam alunos?
Tentamos evitá-lo, é muito raro um aluno ser retido, mas às vezes acontece. Sabemos que, normalmente, chumbar um estudante não ajuda muito, o melhor é arranjar-lhe ajuda no imediato e encorajar a criança a fazer o seu melhor para passar para o nível seguinte.
(…)
Sim, não parece fácil … mas não é impossível.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

DOS PROFESSORES


Na imprensa de hoje surgem diversas referências ao recentemente publicado pela OCDE, “TALIS 2018 Results (Volume I) Teachers and School Leaders as Lifelong Learners”. De acordo com a apresentação, “Results from the 2018 cycle explore and examine the various dimensions of teacher and school leader professionalism across education systems.
São na verdade múltiplos os aspectos relevantes contido no estudo e um dos que a imprensa mais sublinha pelo seu impacto é a preocupante média de idades dos docentes portugueses. Os nossos professores têm em média 49 anos de idade, mais cinco anos que o verificado nos países da OCDE que participam no TALIS. No mesmo sentido, 47% dos docentes em Portugal têm 50 anos ou mais face à média de 34% verificada na OCDE.
Esta questão não é nova, longe disso, também a OCDE já em 2018 no “Reviews of School Resources: Portugal 2018”, os dados mais recentes da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e estudos do CNE têm vindo a alertar para o envelhecimento brutal da classe docente e as potenciais consequências negativas e que se agrava a cada ano que passa. Como escrevi várias vezes a este propósito, num país preocupado com o futuro o cenário existente faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade. Neste sentido insisto em notas repescadas.
Com os dados disponíveis, muito provavelmente, durante a próxima década precisaremos de renovar metade da classe docente.
A este perfil etário dos docentes acresce que como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional. Esta associação compõe uma situação mesmo preocupante.
Na verdade, este cenário só pode surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores.
Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens. Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais.
Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação pelas mais variadas razões como as de natureza emocional, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.
Com a previsível aposentação de milhares de professores num prazo relativamente curto teremos uma significativa falta de docentes. O problema é que muito pelo contributo de opinadores e por efeitos de algumas das políticas públicas em matéria de educação a profissão de professor perdeu capacidade de atracção.
A renovação acelerada que será necessária corre o risco de não encontrar novos docentes disponíveis. Aliás, já durante este ano lectivo tem sido noticiada a dificuldade de encontrar docentes em alguns grupos disciplinares.
Seria desejável que não nos esquecêssemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.
Voltaremos a alguns dados do TALIS 2018.

terça-feira, 18 de junho de 2019

DE AVIÁRIO


É com alguma frequência que me lembro duma mulher enorme de quem já vos tenho falado, a minha avó Leonor, que já partiu há muito. Hoje, olhando para dentro e atento ao que se passa por fora, recordei uma expressão que lhe era comum e que aplicava a tudo o que não lhe parecesse genuíno e de qualidade, "é de aviário". Tal hábito radicava no facto de vivendo numa quinta, tudo o que dela tirava era genuíno e criado como deve ser, sem os truques de aviário que abastardam os produtos. Foi incapaz de comer alguma vez, por exemplo, frango que não fosse criado por ela, com o que a quinta dava.
Pois recordei-a e assustei-me. Se a avó Leonor voltasse iria achar que já é tudo de aviário, não só os produtos de alimentação, aliás, ela não iria certamente acreditar que parte do peixe que se consome já é de aviário.
Na verdade, a sociedade parece estar a aviarizar-se. Os miúdos são criados fechados, alimentados a fast-food. Curiosamente, dizemos que nos preocupamos e os protegemos, mas nunca foram tão dependentes e nós bem nos esforçamos para que assim seja.
A rua e a comunicação presencial substituem-se pela realidade virtual, o sozinhismo impera, e ainda lhe chamamos redes sociais, o que é notável.
As lideranças já não se alimentam de causas, desígnio, missão, bem comum mas de subprodutos como influência, poder pequenino, calculismo, manipulação, agendas ocultas. São lideranças de aviário, bem querem parecer genuínos e sérios mas quando falam ou agem, percebe-se a contrafacção. Nós já não decidimos o que deve acontecer nos mercados, os mercados decidem o que deve acontecer em nós.
O pensamento divergente de quem é criado ao ar livre é substituído pelo pensamento convergente ditado pelos diferentes aparelhos instalados que debitam a ração certa, à hora certa.
Não, a avó Leonor não iria acreditar como nos vamos tornando progressivamente uma sociedade de aviário.
Bom, tenho de terminar, está na hora do leite magro com flocos de cereais integrais e de uma fatia de pão sem sal com sementes que combatem o colesterol, barrado com um pouco de manteiga de óleos vegetais e rica em Ómega 3.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

OS EXAMES COM CONTEÚDOS "ENCOLHIDOS"

O Presidente do IAVE, Luís Santos, refere hoje em entrevista no Público alguns aspectos interessantes como a afirmação já conhecida de que os relatórios das provas de aferição são pouco considerados nas escolas, do meu ponto de vista o modelo existente potencia esta situação, ou que na construção dos exames do secundário se verificará “algum encolhimento” nos conteúdos de diferentes disciplinas que serão incluídos. Esta situação decorre da existência de alunos envolvidos no projecto-piloto da flexibilidade curricular e dos restantes que cumpriram o currículo em vigor com as implicações de natureza óbvia que se verificam nas matérias abordadas.
Como alguém disse, estava escrito nas estrelas.
Recordo que em Março de 2018 a imprensa referia inquietações expressas por pais, professores e directores de escola relativamente ao projecto-piloto de autonomia e flexibilidade curricular em desenvolvimento em 233 escolas, sobretudo ao impacto que alguns admitirão existir no desempenho dos alunos em exames nacionais uma vez que os currículos permanecem inalterados e teme-se que a existência de efeitos.
Ao que se referia, boa parte das escolas mesmo as envolvidas no projecto não estariam a introduzir mudanças no 10º ano apesar de as entenderem globalmente positivas pois não sabiam que reflexo essa alteração poderia ter no desempenho dos alunos nos exames. Aliás, referiam mesmo a existência de “Medo dos exames nacionais”.
Aliás, no âmbito do acompanhamento do projecto por parte da OCDE, Andreas Schleicher, o seu Director do Departamento de Educação, também se referiu à dificuldade de conciliar o modelo de flexibilidade curricular com a norma curricular para os exames.
Como já tenho escrito a propósito de vários aspectos, importaria que as mudanças ou experimentação em educação entendidas por necessárias, e estas serão, não se realizassem de forma apressada, sem um consenso tão sólido quanto possível sobre objectivos, conteúdos e calendário e a consideração prévia das condições e requisitos que sustentem as mudanças em execução com um mínimo de sobressaltos e de riscos.
Como muitas vezes refiro, é tão importante "fazer as coisas certas como fazer certas as coisas". Se bem repararmos nem sempre isto se verifica, mesmo na nossa acção individual. Em políticas públicas é ainda mais necessário, em educação é crítico.
É claro o risco de transformar algo que poderia ser positivo num problema. Sei que não é fácil prever tudo e que as mudanças, mesmo quando necessárias, têm custos de diferente natureza mas existem situações em que os riscos devem ser mínimos. Podem acontecer efeitos negativos e representações desfavoráveis sobre a mudança, alimentam-se as opiniões críticas, surgem dificuldades para alunos e escolas que seriam dispensáveis e, finalmente, comprometem-se os próprios resultados fragilizando entendimentos que seriam essenciais.


domingo, 16 de junho de 2019

DOS TPC


Ontem, a propósito de entrevista de Daniel Oliveira à secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, em que esta manifestou fortes reservas relativamente ao recurso aos TPC, o DN solicitou-me uma pequena colaboração numa peça sobre esta questão que, volta e meia, entra na agenda.
Mais uma vez e para contribuir para uma reflexão que me parece necessária retomo algumas notas.
Talvez fruto do clima de fortíssima crispação que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispadas, com opiniões definitivas e, aparentemente, sem margem de entendimento. Também assim tende a acontecer quando se discute a questão dos TPC, ser contra ou ser a favor. Sem qualquer visão fundamentalista ficam algumas ideias para uma discussão e mudanças que me parecem necessárias, aliás, umas não vão sem a outra.
Num trabalho da OCDE, "Does homework perpetuate inequities in education?"  (que citei na conversa com o jornalista e está referenciado na peça) e entre outros dados interessantes mostrava-se  que os alunos com famílias de meios sociais e económicos mais favorecidos gastarem mais 2 horas em trabalhos de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais baixo o que, sublinhava a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.
Neste contexto, parece-me pertinente recordar que o nível de escolaridade dos pais, em Portugal conforme todos os estudos conhecidos é um fortíssimo preditor do sucesso escolar dos filhos.
Estes dados sustentam o entendimento de que os trabalhos de casa correm o sério risco de alimentar desigualdade de oportunidades e obriga-nos a reflectir sobre a sua utilização.
Parece-me também importante o facto de que no nosso sistema educativo os alunos do 1º, 2º e 3º ciclo podem passar 8 ou 10 horas diárias na escola considerando o tempo lectivo, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à família, (no limite algumas crianças poderão bem mais de 40 horas semanais na escola, uma enormidade). Este tempo de permanência na escola é um dos mais longos dos países da OCDE. Acresce que em muitas circunstâncias, muitos alunos têm ainda Trabalhos Para Casa que, nas mais das vezes, são a continuação ou a réplica de trabalhos escolares, ou seja mais do mesmo.
Não tenho nenhuma posição fundamentalista, insisto, mas creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens dos miúdos. O que acontece mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa.
Os TPC clássicos têm ainda o problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem ajudar os filhos mas não possuem habilitações para tal.
A propósito, sempre me lembro de numa reunião de pais em que participava já há muitos anos e se discutia esta questão, dizia uma mãe, “o senhor, da maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa, chora a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz de lha dar.” Colocar os pais nesta posição parece-me discutível, no mínimo.
Sim, eu sei, que é apenas uma situação, não é a floresta mas dá que pensar.
Torna-se, pois, necessário que professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai pode, deve, envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola.
Tudo isto considerado, o recurso ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Naturalmente tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de "explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem aceder.
No entanto, do meu ponto de vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria dispensar o TPC. É uma questão de saúde e qualidade de vida.
Parece ainda de sublinhar que os estudos sugerem que "é sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o tempo global de aprendizagem que está associado ao sucesso na aprendizagem. Aliás, no citado relatório da OCDE também se conclui que não há uma relação significativa entre o número médio de horas gastas nos TPC e os resultados escolares.
Andaríamos melhor se reflectíssemos sem preconceitos e juízos fechados sobre questões desta natureza. Não é uma questão de ser a favor ou contra os TPC, é reflectir sobre o que são? Como se utilizam? Que efeitos na generalidade dos alunos? Como se adaptam às circunstâncias e diferenças de contexto dos alunos como idade/ciclo de escolaridade, nível de escolarização familiar, etc.

sábado, 15 de junho de 2019

INTERESSANTE, "DEPOIS DO NEOLIBERALISMO"


Gostei de ler, “Depois do neoliberalismo” de Joseph Stiglitz no Expresso.
“(…)

SEMESTRALIZAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO CURRICULAR


Como já aqui referi a propósito de outras questões foi publicada recentemente a Portaria 181/2019 que permite às escolas alargar a sua autonomia no seu modelo de organização e funcionamento. É permitido, por exemplo, a organização do ano lectivo em semestres desde estejam assegurados, “pelo menos, três momentos de reporte de avaliação aos alunos e aos pais ou encarregados de educação, sendo o último obrigatoriamente de caráter sumativo”.
Uma outra medida importante é o facto de que as escolas poderem gerir, dentro de algumas balizas, mais de 25% da carga curricular, o limite estabelecido na experiência dos projectos-piloto de inovação pedagógica.
Eu não conheço e não creio que seja conhecida (o Público refere-o) a avaliação realizada a esta experiência dos projectos-piloto de inovação pedagógica, em Fevereiro de 2018 foram divulgados alguns dados iniciais que mereceram validação da OCDE, mas parece-me claro que será francamente positiva. Aliás, teríamos um sério problema se assim não fosse pelo que podemos estar descansados, está tudo a correr bem.
Esta Portaria alarga a autonomia das escolas em vários aspectos, princípio que desde sempre defendo, é publicada a meio de Junho, as escolas devem formular os seus projectos, submetê-los à aprovação do ME pois esta coisa da autonomia tem que ser bem controlada não vá as escola terem tentações e estar tudo pronto no arranque do próximo ano lectivo que, sejamos justos é só lá para o início de Setembro, há muito tempo.
Como já tenho escrito a propósito de outras matérias, o conhecidíssimo 54/2018 por exemplo, em políticas públicas é desejável que para além de se realizarem as coisas certas é igualmente importante que se realizem certas as coisas e … depressa e bem não há quem. No entanto, a experiência mostra que vai correr de forma muito positiva e entusiasmante e vamos voltar, certamente, a ser mais uma vez um estudo de caso numa outra área da educação, estamos permanentemente a dar “novos mundos ao mundo”.
No caso mais específico da semestralização (não esquecer neste aspecto a questão das festas móveis que determinam fortes assimetrias na duração dos períodos) e ou do alargamento da “flexibilização curricular” que, com alguma frequência, é configurada no currículo mas fica à porta da sala de aula, a sua relevância implica que se estabeleçam, se for caso disso, de forma muito coerente com os modos e os tempos da avaliação externa (o errado dispositivo das provas de aferição não facilita) e também se pondere o peso de um currículo extenso com particularidades que em cada ciclo devem ser consideradas, excessivamente “disciplinarizado” e muito dependente do manual. Do meu ponto de vista corremos o risco de, mais uma vez, comprometermos uma oportunidade de mudança. Neste contexto, assustam-me um pouco os discursos de cansaço, desânimo, desconfiança, que emergem das escolas e que colidem com os discursos da tutela de que … tudo vai bem, vá lá, quase bem.
Já sei que pode parecer pessimismo mas não, acho mesmo que é realismo. Oxalá esteja enganado.
Uma nota final para reafirmar a necessidade de que, de forma prudente e participada, pudéssemos reflectir de forma global sobre os tempos da escola considerando outros aspectos como a organização dos ciclos, o número de disciplinas ou áreas disciplinares, o tempo de estadia dos alunos no contexto escolar, etc.

sexta-feira, 14 de junho de 2019

AS PROVAS DE AFERIÇÃO AFEREM?


Nos últimos dias encontrámos na imprensa dois textos de opinião centrados nas provas de aferição. No Observador, Alexandre Homem Cristo designou-as como “A pior decisão do Governo na Educação” numa terminologia que não estranho dada a linha editorial e no Público, Paulo Guinote escreveu sobre “A aferição inútil”.
Qualquer dos textos merece reflexão, aliás, colocam questões comuns e em linha como o que aqui tenho escrito sobre as provas de aferição desde que que foi conhecido o actual modelo. A reintrodução das provas de aferição, desenvolveu-se com vicissitudes dispensáveis e com um modelo e conteúdos que me levantaram e levantam alguma reserva embora considere genericamente que as provas de aferição são uma opção correcta, designadamente no 1º e 2º ciclo.
Não sou defensor de mudanças sucessivas, muitas vezes … só por mudar, sem avaliação que sustente a mudança e sem rumo que a oriente mas acho que vale a pena ir reflectindo nesta matéria a partir da experiência que já se acumulou. Neste sentido algumas notas.
A realização de exames finais, sobretudo nos anos iniciais da escolaridade, mais do que ser uma ferramenta de aprendizagem, que não o é, cumpre uma função imprescindível em qualquer sistema educativo, a avaliação externa.
Neste sentido, retirar os exames finais do 4º e do 6º ano, sendo uma medida que me parece adequada, sobretudo no 4º, obrigaria a criar dispositivos externos de regulação que nos dessem “retratos”  robustos e comparáveis dos trajectos escolares.
Seria esta a função da reintrodução das provas de aferição. Só que o modelo decidido não cumpre esta função, não parece, de facto, uma avaliação de aferição. Dado que ainda não foi alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclo e não de disciplina como o secundário.
Assim, uma avaliação externa de aferição teria de ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.
A argumentação foi de que, realizadas nestes anos, a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Certo, neste caso a avaliação não é de aferição mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.
Acresce que, como referem AHC e PG a rotação em cada ano das disciplinas envolvidas nas provas não permite estabelecer de forma sólida dados comparativos que permitam perceber eventuais ajustamentos na trajectória dos alunos.
A função de verdadeira aferição, regulação externa, com este modelo fica ainda mais comprometido se considerarmos que com a recente Portaria 181/2019 as escolas terão, do meu ponto de vista bem, a possibilidade de gestão autónoma (ainda que dependa de aprovação do ME claro, sabe-se lá o que poderiam fazer com a “autonomia”) de uma fatia do currículo superior aos 25% do projecto de flexibilização experimentado.
Neste quadro, parece-me, tal como sustentam AHC e PG, que dificilmente o actual modelo de provas de aferição cumprirá a sua imprescindível função de avaliação externa.
Como não quero acreditar que seja esse o objectivo julgo que com tempo, sem sobressaltos, com envolvimento de professores e escolas, com uma avaliação, também externa, deste modelo, deveríamos ir equacionando o seu ajustamento.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

OS EXAMES ESTÃO AÍ À PORTA


Estamos a dias do início da época de exames que durante algumas semanas serão o tudo na vida das famílias como até agora foram o quase tudo da vida na escola.
Os exames serão o grande tema de conversa, a bondade da sua realização, o calendário, os efeitos, as condições de realização, a sua maior ou menor dificuldade e adequação, os resultados e finalmente os rankings. Depois resta aguardar por novo ciclo.
Também a comunicação social vai acompanhar este "tudo". Regularmente em cada época temos trabalhos sobre o comportamento a adoptar por alunos, as estratégias de preparação, a actuação dos pais, etc. Eu próprio tenho solicitações frequentes no sentido de contribuir para estas abordagens. Todos os conselhos serão úteis, espera-se mas a minha convicção é que, independentemente dos resultados a generalidade dos alunos saberá os procedimentos a adoptar com base no seu trabalho anterior e no trabalho dos seus professores.
No entanto, o "tudo" que os exames passam a ser não se confina aos aspectos mais próximos da vida escolar.
O DN adiantou-se e inclui nos conselhos questões como as horas de sono, a necessidade de actividade e os cuidados na alimentação que contribuirão para uma mais tranquila e, espera-se, mais bem-sucedida prestação. Devo confessar que vejo sempre tudo isto com alguma curiosidade.
Não está em causa, evidentemente, a qualidade da alimentação de crianças e jovens, um problema de todos os dias e não da época de exames. O que me assusta é este discurso excessivo, centrado nos exames que, do meu ponto de vista, por melhor intencionado que seja, corre o risco de fazer parte do problema e não parte da solução. Estou a imaginar alguns pais mais extremosos e ou preocupados com a excelência dos resultados escolares a estabelecerem "Programas alimentares" ou "Dietas" que obrigarão os seus filhos a cumprir escrupulosamente como meio para atingir o sucesso nos exames.
Querendo colaborar e no mesmo sentido talvez seja necessário estar atento ao tipo de música que os alunos ouvem quando estudam (se ouvirem música é claro). Não deverá ser uma música qualquer, deverá ser uma música que potencie a aprendizagem e que promova a concentração.
Já agora parece importante pensar na roupa que usam, deve ser confortável, não muito apertada para não dificultar a circulação sanguínea, nem muito larga que o implica andar sempre a compô-la e a perder tempo.
Merece ainda reflexão a qualidade dos ambientes de estudo, a cor das paredes, a iluminação, o mobiliário, a qualidade acústica e térmica dos espaços, etc.
Uma outra variável que poderá ser controlada será o estudo "acompanhado". Talvez seja de sugerir que cada aluno só estude com outros alunos mais competentes (com os melhores é que se aprende, dizem), nada de estudar com amigos chegados e, muito menos, com namorados ou namoradas. Podem ser uma fonte de distracção "fatal".
Bom, mais a sério, como muitas vezes tenho escrito e defendido publicamente, não tenho nenhuma convicção de que os exames, muitos exames, só por existirem e nos termos em que existem, melhorem a qualidade das aprendizagens individuais, longe disso. Cumprem fundamentalmente uma necessária avaliação externa. Mas sempre tenho dito que a generalidade dos miúdos, mais pequenos ou mais crescidos, lidam com os exames com alguma serenidade.
Os discursos de muitos adultos, pais ou professores, e a forma como é referido e analisado este "tudo", os exames, é que podem constituir-se como fontes de instabilidade.
Estou a lembrar-me dos Pink Floyd, "Deixem as crianças em paz". Elas são resilientes.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

DA MUNICIPALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO. É POR ESTAS E POR OUTRAS QUE ...

É também por razões desta natureza, demasiado frequentes, que as ideias de ”municipalização” em educação me sugerem muitas dúvidas.
Por outro lado, são também conhecidas as reservas que directores e professores e também pais e encarregados de educação têm manifestado face ao modelo que tem sido anunciado de “municipalização” que possibilitará que serviços, actividades e/ou projectos, nomeadamente de administração escolar, papelaria, refeitório, biblioteca, bem como serviços de apoio educativo, incluindo psicologia ou desporto escolar, possam ser subcontratados a operadores privados.
Insisto na necessidade de se considerarem com atenção os resultados de experiências de "municipalização" realizadas noutros países cujos resultados estão longe de ser convincentes. A Suécia, por exemplo, está assistir-se justamente a um movimento de "recentralização" considerando os resultados, maus, obtidos com a experiência de municipalização.
Acresce que não é raro no sistema educativo português, a falta de regulação eficiente, apesar de algumas boas práticas. O envolvimento das autarquias nas escolas e agrupamentos, designadamente em matérias como as direcções escolares, os Conselhos Gerais ou a colocação de funcionários e docentes (nas AEC, por exemplo) tem mostrado variadíssimos exemplos de caciquismo, tentativas de controlo político, amiguismo face a interesses locais, etc. O controlo das escolas é uma enorme tentação. Podemos ainda recordar as práticas de muitas autarquias na contratação de pessoal, valorizando as fidelidades ajustadas e a gestão dos interesses do poder.
Assim sendo, talvez seja mesmo recomendável alguma prudência embora, confesse, não acredite pois não se trata de imprudência, trata-se de uma visão, de uma agenda.
Ainda nesta matéria e dados os recursos económicos que se anunciam através das verbas comunitárias para além dos dinheiros públicos, parece clara a intenção política de aumentar o "outsourcing", a intervenção de entidades e estruturas privadas que já existem nas escolas, muitas vezes com resultados pouco positivos, caso de apoios educativos a alunos com necessidades educativas especiais e do recurso a empresas de prestação de serviços, (de novo o exemplo das AEC) ou cantinas escolares.
Está expressa nos Projectos de contrato em funcionamento a intenção de contratar a privados a prestação destes serviços nas escolas, incluindo no universo da inclusão, um modelo ineficaz pois a intervenção de qualidade e adequada dos técnicos, designadamente de educação ou psicólogos, depende, evidentemente, da sua pertença às equipas das escolas e não é compatível com a prestação de serviços por técnicos de fora em regime de "consulta".
Um modelo deste tipo, estruturas e entidades privadas a intervir em escolas públicas, só é garantidamente bom para as entidades a contratar, não, muito provavelmente, para alunos, professores e escolas. Temo que “municipalização” possa ser um incremento e apoio a um nicho de mercado.
É necessário desfazer um equívoco que se tem promovido, municipalização não significa necessariamente descentralização, importa, isso sim, promover a autonomia o que é bem diferente e mais pertinente, a autonomia das escolas e dos professores é uma variável contributiva para a qualidade da educação. De acordo com o modelo em desenvolvimento esperemos para perceber mais claramente o que o ME proporá. Conforme os directores têm referido a autonomia da escola não parece sair reforçada, antes pelo contrário, passa para as autarquias por delegação de competências do ME. O imprescindível reforço da autonomia das escolas e agrupamentos não depende da municipalização como muitas vezes se pretende fazer crer.
Mais uma vez, confundir autonomia com descentralização traduzida em municipalização é criar um equívoco perigoso que, entre outras consequências, pode dar alguma cobertura aos negócios da educação.