Num trabalho do
Conselho para os Direitos Humanos da ONU que merece atenção são divulgadas um conjunto de recomendações dirigidas à intervenção em saúde mental.
Neste relatório é enfatizada a necessidade
de uma fortíssima e urgente alteração no modelo de resposta. Deve recorrer-se
menos à institucionalização e à medicação e mais a uma abordagem de natureza
social com particular atenção a fenómenos como pobreza desigualdade e exclusão
que alimentam discriminação
Estas perspectivas não são novas
mas carecem de operacionalização, o consumo de psicofármacos é elevadíssimo e a
institucionalização não é a resposta adequada para boa parte dos casos.
No que a nós respeita, segundo o
Relatório do programa da União Europeia "Joint Action on Mental Health and
Well-being" divulgado em 2015, Portugal estava muito longe do desejável no
que respeita à prestação de cuidados no domicílio e serviços na comunidade a
pessoas com doença mental. Estima-se que menos de 20% dos doentes tenha acesso
a este tipo de cuidados.
A ausência de respostas adequadas
leva a um recurso excessivo à prescrição de psicofármacos mesmo em situações
não justificadas como tem sido recorrentemente demonstrado.
Também de 2015, o estudo
Trajectórias pelos Cuidados de Saúde Mental em Portugal, promovido pela
Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental defendia que o encerramento,
positivo entenda-se, dos hospitais psiquiátricos não foi acompanhado da criação
de serviços na comunidade pelo que a desinstitucionalização falhou e “agravou
os problemas de muitos doentes”. Afirmava-se no Relatório que a Rede de
Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental não se concretizou e escasseiam
os recursos.
Parece claramente mais ajustada a
aposta em equipas comunitárias e apenas um número reduzido de camas para
situações mais críticas de adultos ou crianças para as quais faltam de facto,
camas levando ao seu inaceitável internamento em serviços para adultos.
Na verdade e como se sublinha Relatório, as orientações
actuais e matéria de saúde mental, quer do ponto de vista científico, quer do
ponto de vista dos custos, determinam que a qualidade e eficácia deste tipo de
apoios, deve, tanto quanto possível, assentar em estratégias de proximidade,
aproximando, assim, o serviço clínico da comunidade e da vida quotidiana das
pessoas.
Os modelos defendidos pela
comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de
vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições
psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e
privação. Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início
da minha formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no
mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.
No entanto, este movimento de
retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições não está a ser
devidamente suportado pela criação de unidades locais que providenciem apoio
terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de
pertença dos doentes e com o mínimo recurso ao internamento.
Tal opção, parece claro, cria
sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção comunitária
acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com doença mental
e respectivas famílias.
Não estranho, os doentes mentais
são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os
custos familiares e sociais da guetização são enormes e as consequências são
também um indicador de desenvolvimento das comunidades.
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