segunda-feira, 17 de novembro de 2025

DA PROVA DE OBSTÁCULOS

 Há dias uma peça do Público abordava a questão das enormes dificuldades que as pessoas com deficiência sentem na utilização dos comboios da CP em diversas linhas e estações.

Lamentavelmente, nada de novo. Como tantas vezes aqui tenho afirmado a vida das pessoas com deficiência é uma contínua prova de obstáculos em inúmeros domínios e com consequências severas para a qualidade da sua vida diária.

Talvez seja de recordar que em 8 de Fevereiro de 2017 terminou o prazo de 10 anos para que fosse cumprida a legislação que tornasse os espaços, equipamentos e vias públicas acessíveis a cidadãos com deficiência. Como sabem, entre nós as tendem a ser indicativas e não imperativas e … não acontece nada.

Conforme assinalam recorrentemente o Observatório para a Deficiência e Direitos Humanos ou a Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes são múltiplas e significativas as dificuldades enfrentadas diariamente por pessoas com mobilidade reduzida e de deslocação no acesso a vias, espaços e equipamentos públicos. É certo que muito foi feito, mas muito mais está por cumprir.

São regularmente organizadas iniciativas de diferente natureza que procuram alertar a comunidade as entidades responsáveis para esse conjunto de dificuldades e obstáculos que as pessoas com deficiência sentem, mas o impacto é baixo e lento. Os problemas das minorias são, evidentemente, problemas minoritários.

A questão afecta muitos cidadãos e envolve áreas como vias, transportes, espaços edifícios, mobiliário urbano e, sublinhe-se, a atitude e comportamento de muitos de nós.

Boa parte dos nossos espaços urbanos não são amigáveis para os cidadãos com necessidades especiais, mesmo em áreas com requalificação recente. Estando atentos identificam-se inúmeros obstáculos.

Quantas passadeiras para peões têm os lancis dos passeios rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de pessoas com mobilidade reduzida que recorrem a cadeira de rodas?

Quantas passadeiras possuem sinalização amigável para pessoas com deficiência visual?

Quantos obstáculos criados por mobiliário urbano desadequado?

Quantas dificuldades no acesso às estações e meios de transporte público?

Quantas caixas Multibanco são acessíveis a pessoas com cadeira de rodas?

Quantos passeios estão ocupados pelos nossos carrinhos, com mobiliário urbano erradamente colocado, degradados, criando dificuldades enormes para toda a gente e em particular para pessoas com mobilidade reduzida e inúmeros obstáculos?

Quantos programas televisivos ou serviços públicos disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os acessíveis à população surda?

Quantos Centros de Saúde ou outros espaços da Administração central ou local criam problemas de acessibilidade?

Quantos espaços de lazer ou de cultura mantêm barreiras arquitectónicas?

Quantos …?

Na verdade, apesar do muito que já caminhámos, as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, bem como as suas famílias e técnicos sabem, sentem, que a sua vida é uma árdua e espinhos prova de obstáculos muitos deles inultrapassáveis.

Lamentavelmente, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas por exemplo, entendem ser os direitos, o bem comum e bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

domingo, 16 de novembro de 2025

DOS SOLAVANCOS DA TRANSIÇÃO DIGITAL A TODO O VAPOR

 Como é sabido, as nossas políticas públicas têm como desígnio, gosto muito desta ideia do desígnio, a transição digital. Os caminhos que nos levarão ao futuro serão as estradas digitais e os algoritmos. Como tal, em todas as áreas do funcionamento das comunidades estamos em plena conversão ao digital e, naturalmente, à inteligência artificial.

É verdade que vamos tendo, como não podia deixar de ser, sobressaltos. Com demasiada frequência o terrorismo platafórmico que é contra o desenvolvimento e o futuro, desencadeia acções que deixam as nossas plataformas em dificuldades, mas nada que nos atrapalhe, para o digital a todo o vapor.

E na verdade os recursos digitais são omnipresentes e omnipotentes, estou a escrever estas notas justamente com recurso aos equipamentos digitais e é assim mesmo, “prá” frente é que é o caminho. Estamos de há muito habituados aos Velhos do Restelo e de outros sítios.

Com uma vida ligada entre os sete anos e a aposentação aos 70 à educação estou sempre mais atento a este universo e ao seu desenvolvimento até que porque acompanho de perto viagem dos meus netos pela escolaridade obrigatória.

Assim, duas ou três referências em linha com o futuro.

Na abertura da recente Websummit, Gonçalo Matias, ministro Adjunto e da Reforma do Estado prometeu a cada aluno um tutor de inteligência artificial, que, de acordo com o Ministro da Educação “ouve, orienta e inspira a aprendizagem”. Presumo que os professores, na sua esmagadora maioria, estarão particularmente entusiasmados com os seus novos ajudantes ou, quicá, novos colegas que minimizarão o efeito da falta de docentes e até, numa espécie de dois em um, dos custos da sua formação. A ver vamos.

Uma segunda referência retirada do JN.  Na Escola Secundária João Gonçalves Zarco, em Matosinhos, 26% dos alunos não tem kit informático, 348 computadores em falta. No 7.º ano nenhum aluno tem e no 8.º são mais de metade, de acordo com o director. Regista-se o enorme apoio do grupo de professores e de alunos do curso profissional de gestão de equipamentos informáticos na reparação e programação dos equipamentos. Como se percebe é um excelente exemplo de cooperação e formação com aplicação prática dos conhecimentos.

Uma outra referência, na EB 2, 3 e Secundária Padre António Morais da Fonseca, na Murtosa, apenas dois terços dos alunos têm computador funcional. A maior parte dos equipamentos estão parados em casa e a utilização dos que estão funcionais é, cada vez mais, restrita a trabalhos de grupo. Os alunos recorrem ao uso do telemóvel na sala de aula substituido os computadores.

Continuando no retrato da transição digital, segundo a presidente da CONFAP existem turmas inteiras sem kit digital atribuído pelas escola. De acordo como os presidentes das duas associações de direcções escolares, o número de computadores disponíveis é cada vez menor.

Recordo ainda que a verba destinada à instalação de equipamento das escolas para acesso à net por wi-fi saiu do PRR, mas ... são pormenores que, certamente, não atrapalharão os amanhãs que cantam em matéria de transição digital.

Finalmente, sugiro que não levem estas notas muito a sério, os amanhãs cantarão bem afinados e digitalizados. Os algoritmos não falham, mas os humanos, às vezes ... sim.

PS - A propósito, merece leitura e reflexão o texto de Pacheco Pereira, "O papel destrutivo do deslumbramento tecnológico na educação"

sábado, 15 de novembro de 2025

BRINCAR À "APANHADA", UMA ACTIVIDADE DE ALTO RISCO

 O mundo anda estranho, mesmo estranho. Leio no Público que uma mãe, em 2019 desencadeou um processo judicial que passou por três instâncias e já chegou ao Supremo, à escola particular frequentada pelo seu filho que fracturou uma perna a brincar à apanhada no recreio da escola.

A mãe, com o devido apoio jurídico, reclama na acção judicial uma indemnização de 60 mil euros alegando que o estabelecimento de ensino não cumpriu o seu dever de protecção e segurança dos alunos, apesar de estarem presentes no recreio naquele momento duas funcionárias, lê-se no Público.

Antes de mais registar que, felizmente, a criança recuperou e está bem. De resto parece uma situação da “silly season” ainda que, por assim dizer, os tempos que vivemos tenham muito de “silly”.

Felizmente, os tribunais têm decidido com bom senso nesta questão, a apanhada é uma brincadeira, provavelmente, a esmagadora maioria de nós brincou à apanhada nos átrios da escola ou na rua quando se brincava na rua, e faz parte do desenvolvimento das crianças acomodando o eventual risco que qualquer tipo de actividade possa envolver.

Aliás, na peça encontra-se uma opinião no mesmo sentido do Professor Carlos Neto, uma referência no mundo da infância desde há muitos anos sempre em defesa da importância do brincar, em particular ao ar livre.

Algumas notas.

Somos dos países da Europa em que adultos e crianças menos desenvolvem actividades no exterior contrariamente, por exemplo ao que se verifica nos países nórdicos. É verdade que esses países têm habitualmente climas bastante mais amenos que o nosso, mas, ainda assim, poderíamos ter durante mais tempo crianças e adultos a realizar actividades no exterior. Por princípio e sempre que possível, a área curricular Estudo do Meio, mas não só, poderia ser também Estudo no Meio.

Muitas experiências, incluindo em Portugal, sugerem múltiplos benefícios das actividades de ar livre. As crianças, desenvolvem maior autonomia, maior consciência ambiental e competências em dimensões como bem-estar emocional, a partilha de emoções, a autonomia, a autoconfiança, auto-regulação, a criatividade ou o pensamento crítico para além, naturalmente dos benefícios mais directamente associados a qualquer actividade física.

Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, ter mais algum tempo as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Creio que o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a auto-regulação, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. O brincar, o brincar na rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento, de literacia motora e promoção dessa autonomia.

Importa sublinhar a necessidade de controlar um eventual perigo que, ainda assim, é diferente do risco, as crianças também “aprendem” a lidar com o risco.

Talvez, devagarinho e com os perigos e riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para brincar na rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

No imperdível “O MUNDO, o mundo é a rua da tua infância”, Juan José Millás recorda-nos como a rua, a nossa rua foi o princípio do nosso mundo e nos marca. Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

É, pois, importante que todos os que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam como “guide line” para a sua intervenção a promoção do brincar e do brincar na rua.

É verdade que nas nossas comunidades está muito por fazer no sentido de recuperar a “rua” para as brincadeiras dos miúdos.

Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

CRIANÇAS E LEITURA

 Foram divulgados pelo Instituto da Educação, Qualidade e Avaliação, os resultados do Diagnóstico de Fluência Leitora realizado em Junho envolvendo 92813 alunos do 2.º ano, cerca de 95% dos alunos registados e envolveu também os alunos a frequentar ensino privado.

Considerando globalmente os resultados, os alunos leram correctamente e em média 75 palavras o que se situa no intervalo de referência considerado para o final do 2º ano de aprendizagem, 70 a 130 palavras lidas correctamente, ainda que numa zona baixa desse intervalo

No entanto, cerca de 25% dos alunos não atingiram mais do que 51 palavras o que pode significar “risco de dificuldades futuras de compreensão leitora". Sem surpresa, também se verificaram assimetrias entre alunos do ensino público e privado ou considerando os alunos de nacionalidade não portuguesa.

Como aqui referi na altura de realização do Diagnóstico, são óbvios a importância e o impacto da leitura no conjunto das diferentes literacias como também são importantes os diferentes dispositivos de avaliação externa.

A velocidade de leitura é considerada um preditor da capacidade de compreensão de leitura, mas é fundamental não esquecer dimensões essenciais como compreensão e prosódia.

A grande dificuldade é que as escolas estejam preparadas para desenvolver a intervenção e as estratégias adequadas para promoção das competências de leitura (e as outras) bem como equipadas os necessários recursos. A propósito, notícia de ontem referia que 133 turmas do 1.º ciclo continuam sem professor titular, cerca de 3000 alunos.

O MECI informou que está "a preparar um conjunto de medidas orientadas para o reforço das competências básicas de leitura nos primeiros anos de escolaridade, que serão anunciadas num evento a realizar no dia 3 de Dezembro". Provavelmente, já será trabalho para o “tutor de inteligência artificial” prometido pelo ministro Adjunto e da Reforma do Estado na abertura da Websummit. É verdade que não temos professores suficientes, recursos e equipamentos eficientes as escolas, recordo que a verba destinada à instalação de equipamento das escolas para acesso à net por wi-fi saiu do PRR, mas ... são pormenores.

Como já aqui tenho escrito, os livros e a leitura são bens de primeira necessidade para gente de todas as idades donde a insistência. Recordo sempre Marguerite Yourcenar que em “As Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.”

São múltiplos os estudos e referências que sublinham o impacto dos livros e da leitura no desenvolvimento e múltiplas competências escolares bem como no trajecto pessoal. Lamentavelmente, são também muitos os trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral. Nos últimos tempos parece estar a despertar um maior interesse pelos livros, sobretudo entre os mais novos, associado a um fenómeno das redes sociais, os booktokers que lêem e divulgam livros no TikToK. Esperemos que se mantenha e fortaleça.

Os livros têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, telemóveis, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.

Apesar de tudo isto também sabemos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco e com mudanças lentas.

Só se aprende a ler lendo e o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, em que espaços, biblioteca, casa ou escola e em que suportes, papel ou digital.

Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo, escolar e familiar. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, muitas vezes são, e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações. No entanto, é preciso não esquecer e reflectir nas consequências de se ir construindo uma escola que, como referia António Nóvoa, vai ficando cada vez mais obesa e que, apesar do tempo enorme que os miúdos passam lá passam, não pode, e talvez não deva, ensinar o "imenso tudo" que parece ser necessário saber nos tempos que correm.

Apesar dos esforços de muitos docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste” ou resumos disponíveis das obras que são de leitura obrigatória ou recomendada.

 Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade da oferta sem fim que está disponível. A iniciativa dos booktokers que referi acima pode ser um bom sinal.

Felizmente e apesar das dificuldades também importa sublinhar que se realizam com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares no âmbito do Plano Nacional de Leitura e da Rede de Bibliotecas Escolares com os professores bibliotecários têm desenvolvido um trabalho essencial, ou em iniciativas mais alargadas a outras entidades como autarquias e instituições culturais. Esperemos que continue a existir e os professores continuem a poder realizar o seu trabalho.

Sabemos, sem dúvida, que precisamos de criar leitores e sendo leitores irão à procura dos livros ou da leitura, mesmo em tempos menos favoráveis.

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

UM DIA CABANEIRO

 Pode parecer estranho e peço desculpa aos que sentem a sua vida complicada, mas já tinha saudades de um dia assim, cabaneiro como aqui se fala, chuva pesada, vento que assobia no telheiro e um tempo mais frio, mas que ainda não pede lenha na salamandra. Parece que vai continuar assim mais alguns dias. Dá para pouca lida e num monte, como se costuma dizer, só não trabalhamos se não quisermos, há sempre que fazer. Faz-se quando o tempo levantar, na minha idade não temos pressa.

É bom que venha a água, a água é a fonte de onde tudo vem.

Os velhos como eu gostam de dizer “como antigamente”, conversa de velho, é claro. Mas a verdade é que a chuva já não vem como antigamente, os homens e os modelos de desenvolvimento enviesados por interesses outros mexeram, mexem, com a Terra que se sente e se zanga cada vez com mais frequência. Acredito que ainda estamos a tempo de voltar aos Invernos de antigamente, depende de nós e dos que vêm a seguir a nós.

É um tempo que convida a ler coisas que estavam em lista de espera, a escrever algo não urgente, a ouvir sons menos habituais, a arrumar o que aguardava oportunidade e, sobretudo, dá disponibilidade.

São também assim, cabaneiros, os dias do Alentejo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

QUE FAZER COM ESTES RESULTADOS?

 Depois da divulgação em Julho dos resultados globais das provas finais do 9.º ano o Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação divulgou um relatório com uma análise mais fina das provas e também das Provas de Monitorização da Aprendizagem (Moda).

Sublinhando a importância e utilidade da divulgação, a verdade é que se mantêm alguns invariantes que as políticas públicas se revelam incapazes de atenuar de forma mais sustentada.

Assim, são claras as diferenças entre as médias de Português e Matemática obtidas pelos alunos Alentejo litoral, península de Setúbal e Açores, significativamente mais baixas que a região norte.

Também de forma previsível, os alunos que frequentam o ensino privado obtêm, em média, resultados mais elevados que os do ensino público.

No que respeita aos resultados das Provas de Monitorização da Aprendizagem (Moda) realizadas pelos alunos do 4.º e 6.º ano alguns dados.

De registar que mais de metade dos alunos do 6.º ano, 55,7%, obtêm um resultado abaixo do nível Proficiente na avaliação em a literacia em Língua Portuguesa (55,7%) e a literacia histórico-geográfica (52,4%)", refere o relatório. No que respeita à literacia em Matemática mais de metade tem um desempenho ao nível Proficiente ou Avançado, 56,2% no 4.º ano e 51% no 6.º ano.

Tal como no caso do 9.º ano também nestas provas se registam assimetrias previsíveis face ao resultado médio dos alunos que beneficiam da Acção Social Escolar, à região geográfica e à frequência de ensino público ou ensino privado.

Como disse acima, as alterações face ao que é comparável com avaliações anteriores não são significativas, ainda que volte a sublinhar a importância da sua divulgação.

A questão crítica é, como sempre, o que fazemos com estes resultados, que ajustamentos nas políticas públicas de educação, mas não só, se exigem para que se corrijam assimetrias e melhorem os resultados dos alunos.

A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e desburocratizados de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que se exige, repito, das políticas públicas.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

E NÃO ACONTECE NADA?

 Ontem referi aqui a situação do Ruben, um adolescente de 16 anos com uma Perturbação do Espectro do Autismo, com o 9.º ano terminado e que a escola e família consideram não ser adequado o prosseguimento numa escola regular tem uma vaga para frequentar o Estabelecimento de Educação Especial da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo – APPDA de Lisboa.

Acontece que a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (Dgest) não tem autorizado a matrícula porque não estaria garantida a questão do transporte. A família desesperava porque o aluno sempre beneficiou de transporte do Município e para continuar precisa de um comprovativo de matrícula que  … a Dgest não autorizava. A mãe informou estar disponível para assegurar o transporte, mas desde o início do ano que o Ruben está em casa.

Entretanto, um dia após a peça do Público (saiu no Domingo), o Ministério informou que a matrícula estava autorizada, notícia de hoje

Assim, o Ruben iniciará as aulas a partir de amanhã. É bom para ele e para a família.

É também positivo que a situação que se arrastava desde Outubro esteja resolvida. No entanto permanece a questão, porquê tanto tempo de espera com implicações para o aluno e família?

A voz de uma peça no Público é mais elevada que os pedidos da família? Acelera processos e decisões?

E os alunos e famílias com a voz muito baixa e com problemas que não chegam à imprensa?

E não acontece nada?

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

DIREITOS DE GEOMETRIA VARIÁVEL

 No Público encontra-se uma notícia daquelas que fala dos problemas minoritários que afectam as minorias que, como sabemos, quase sempre tem uma voz muito baixa. Quando chega à imprensa pode ser que fique um pouquinho mais elevada.

Um adolescente, o Ruben, de 16 anos com uma Perturbação do Espectro do Autismo, com o 9.º ano terminado e que a escola e família consideram não ser adequado o prosseguimento numa escola regular tem uma vaga para frequentar o Estabelecimento de Educação Especial da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo – APPDA de Lisboa.

A Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (Dgest) não autorizou a matrícula porque não estaria garantida a questão do transporte. A família desespera porque o aluno sempre beneficiou de transporte do Município e para continuar precisa de um comprovativo de matrícula que  … a Dgest não autoriza. A mãe informou estar disponível para assegurar o transporte, mas desde o início do ano que o Ruben está em casa. E não acontece nada.

A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes. Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis. Como frequentemente afirmo, os direitos não são de geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível.

Reafirmo que não esqueço o que de positivo se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Sempre recordo o Mestre Almada Negreiros na "Cena do Ódio" quando falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".

domingo, 9 de novembro de 2025

UMA HISTÓRIA DO TEMPO DA PALMATÓRIA (que raio de rima)

 Na última newsletter semanal do Público sobre Educação na área “AULA DE HISTÓRIA” abordava-se uma temática mesmo histórica, “Educar com ou sem palmatória?”, com um pequeno texto e muito curioso.

Felizmente, para a generalidade dos alunos de hoje as referências à palmatória surgirão em conversas como os pais ou, mais provavelmente, com os avós.

E a verdade é que o tema me fez viajar no tempo, a minha primária no início dos anos 60 e recordar uma história cujo herói, as histórias têm sempre um herói, ainda há poucos dias aqui o referi.

Na verdade, da nossa vida fazem parte alguns heróis, uns de ficção que aparecem junto de nós transportados nos livros ou nos filmes, que passam a ser companhias próximas e parceiros de aventuras, outros inventados pela fantasia que se vai modificando à medida que se cresce e outros, reais, porque em algum momento realizaram acções ou comportamentos que os tornaram heróis aos nossos olhos, às vezes, durante pouco tempo, outras vezes permanecendo com essa aura sempre que nos lembramos deles.

Um dos meus heróis reais de miúdo foi o meu amigo Fernando, colega de primária. Já vos falei dele, tinha os melhores pés para o futebol que alguma vez vi naquelas idades, ajudava-nos a ganhar quase sempre os jogos com o pessoal de fora. Era também um herói que resistia a um pai que lhe batia brutalmente, nunca me esqueci de como às vezes o víamos. Não acontecia nada, os miúdos não tinham direitos e os pais eram donos dos filhos e uma cultura de que uma tareia educa.

Mas o que o tornou mesmo o Fernando um herói foi a sua atitude revolucionária face ao terror da nossa escola, a Régua, é verdade, a Régua ou a palmatória.

O que nós sofremos com aquela Régua, apanhávamos pelos erros, pelas contas mal feitas, por atraso ou distracção, por comportamento. Podia dizer-se que levávamos reguadas por dois motivos fundamentais, por tudo e por nada. Às vezes, num requinte de fino recorte, o professor dizia a um de nós para bater no colega e se achasse que nós batíamos devagar, dava ele nos dois. Tínhamos um indescritível amor à Régua.

Um dia, o Fernando, um dos mais frequentes e bons utilizadores dos serviços da Régua trouxe uma ideia, roubar a Régua. Todos nos entusiasmámos com a lembrança e com a adrenalina da acção e a coisa foi combinada, muito bem combinada, mesmo coisa de profissionais. Um grupo pequeno, à saída, pediu ao professor para ir ver algo nas traseiras da escola enquanto o Fernando, o herói, ficou na sala e roubou a malvada Régua. Nesse dia à tarde, depois da escola, ainda não tinham inventado o dia inteiro de intoxicação escolar e ainda se brincava na rua, juntámo-nos num espaço discreto e imaginem, queimámos a Régua. O Fernando, o herói, acendeu o fósforo da fogueirinha em que a Régua se finou, merecia.

No outro dia, para não variar, o professor procurou a Régua na gaveta da secretária e, claro, não a encontrou. Vociferou, perguntou se sabíamos quem a tinha tirado, o grupo calou-se, todo, ficámos sem intervalo, mas ganhámos um herói, o Fernando.

Dias depois, apareceu uma Régua nova na sala e …

Mas isto era coisas de outro tempo.

Depois da primária nunca mais soube do Fernando e também nunca o esqueci.

sábado, 8 de novembro de 2025

CHUMBAR PARA APRENDER

 Ontem deixei umas notas a propósito dos dados divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativos ao desempenho dos alunos do básico entre 2011-12 e 2023-24. Exceptuando os anos da pandemia a retenção parece revelar alguma estabilização, a taxa de retenção ou desistência foi em 23/24 de 3,9%, face a 3,8% em 23/23.

Um outro dado relevante é a dificuldade de recuperação em Matemática após uma retenção e o peso da nota de matemática na retenção. No 9.º ano apenas 29,6% dos alunos com “chumbo” conseguem nota positiva no ano seguinte e 96,6% dos alunos retidos a Matemática no 9.º ano têm nota negativa nesta disciplina.

Como escrevi quando foram divulgados os resultados deste ano, acentua-se a preocupação com o nível genérico de conhecimento dos alunos na disciplina de Matemática, área de conhecimento nuclear e que alimenta outras áreas do saber.

Hoje, uma reflexão num sentido diferente, a questão da retenção e, sobretudo, dos seus efeitos que parecem insuficientes a ver pelos resultados divulgados, apenas um em cada quatro alunos do 9.º ano tem nota positiva no ano seguinte ao “chumbo”.

Também sei pela experiência de muitos anos a abordar a questão da retenção e dos seus efeitos que rapidamente emergem os comentários falando do “passar sem saber” da “pressão para compor estatísticas”, de "têm que chumbar e trabalhar mais", de "facilitismo", etc.

Recordo que no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE já em 2017 evidenciava que o “chumbo”, a retenção, era, e parece que ainda é, para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.

Insisto, chumbar não melhora os resultados dos alunos independentemente de situações individuais bem-sucedidas.

O peso da retenção no nosso sistema escolar parece assentar na errada convicção de que a repetição só por si conduz ao sucesso e alimenta o que também a OCDE já classificou de "cultura da retenção". Importa ainda considerar o impacto económico desta cultura que diferentes estudos têm mostrado.

Confesso sempre alguma surpresa quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção de tantos alunos em cada ano, algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber".

Como me parece evidente não é dada disto. Diferentes países com taxas de retenção baixas e não consta, que os alunos transitem de ano sem conhecimentos como, aliás, se evidencia nos resultados nos estudos comparativos internacionais.

A questão é saber se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme a evidência e a experiência mostram. Muitos estudos internacionais, incluindo o nosso sistema, também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam de há muito a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.

Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não será o chumba, não chumba, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores. O número de alunos por turma no Ensino Básico e no Secundário, a forma como foram definidas as metas curriculares, a cultura de competição e centrada exclusivamente em resultados, os cortes no número de docentes que poderiam desenvolver dispositivos de apoio, são apenas alguns exemplos do que não deve ser feito se, efectivamente, se quiser promover qualidade e sucesso. Sim, eu sei da dramática falta de docentes, mas também esta questão foi resultado de políticas públicas claramente falhadas e sem responsabilidades assumidas.

Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.

Os alunos que “passam sem saber” e a quem, por razões de natureza diferente, recursos por exemplo, não é disponibilizado apoio nos anos seguintes, ou os alunos que são retidos sem que no ano seguinte também e pelas mesmas razões não acedem a apoios adequados e competentes estão condenados ao insucesso e à exclusão. Repito condenados à exclusão, quer “passem sem saber” quer chumbem porque “têm de trabalhar mais” e não “podem passar sem saber”.

Assim sendo, o essencial é promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social, replicando o velho "tal pai, tal filho". A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Também sabemos que miúdos que passam mal aprendem pior e chumbar só para não “passarem sem saber” ou “passarem sem saber” e esperar que melhorem  … não tem bom resultado.

É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional, mas não em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".

A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.

É o que temos de fazer acontecer em Portugal.

É o que espera das políticas públicas.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

A MATEMÁTICA É UMA COISA MUITO DIFÍCIL. Outra vez

 Foram divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência dados relativos ao desempenho dos alunos do básico entre 2011-12 e 2023-24. Exceptuando os anos da pandemia a retenção parece revelar alguma estabilização, a taxa de retenção ou desistência foi em 23/24 de 3,9%, face a 3,8% em 23/23.

Dados que constituem um invariante de há muito é dificuldade de recuperação em Matemática após uma retenção e o peso da nota de matemática na retenção. No 9.º ano apenas 29,6% dos alunos com “chumbo” conseguem nota positiva no ano seguinte e 96,6% dos alunos retidos a Matemática no 9.º ano têm nota negativa nesta disciplina.

Como escrevi quando foram divulgados os resultados deste ano, acentua-se a preocupação com o nível genérico de conhecimento dos alunos na disciplina de Matemática, área de conhecimento nuclear e que alimenta outras áreas do saber.

Urge um entendimento sobre como inverter este caminho. No entanto, curiosamente, nem entre os docentes da disciplina parece existir consenso sobre o que se torna necessário.

A Sociedade Portuguesa de Matemática sobrevaloriza a questão da alteração curricular, a passagem das “metas curriculares” para as “aprendizagens essenciais” e a Associação dos Professores de Matemática considera os resultados são ainda consequência das “metas curriculares” e as “aprendizagens essenciais” terão um efeito positivo alertando para risco de agravamento no curto prazo com, por exemplo, os efeitos da falta de docentes.

Não sou especialista em questões curriculares, mas parece-me curioso que a Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação dos Professores de Matemática, não sei com que dimensão representativa dos professores de matemática têm habitualmente entendimentos diferentes com um argumentário que em alguns aspectos que me são mais familiares, o funcionamento dos alunos por exemplo, me levantam dúvidas e, por vezes, me parecem fruto de agendas para além da Matemática.

Lembro-me, por exemplo, de Nuno Crato, de há muito ligado à SPM e sempre com “base na evidência” ter, enquanto ministro, proclamado a existência de professores a mais e a “inevitabilidade da redução”. Sabemos o que se tem verificado.

Continuo a entender que estruturas curriculares demasiado extensas, normativas e prescritivas são pouco amigáveis para o bom desempenho da generalidade dos alunos, pouco amigáveis para acomodar a diversidade.

Por outro lado, e como aqui tenho escrito, o desempenho a Matemática pode ainda ser influenciado, não numa relação de causa-efeito, por múltiplas variáveis como número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas e dos contextos, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica.

Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes, mas que a experiência e a evidência mostram ter também algum impacto.

São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso associada a contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.

É também conhecido e os resultados do PISA sublinham, que os pais com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.

Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que a Matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e, por vezes, bem que parece. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.

De facto, este tipo de discursos não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns de que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.

Não fica fácil a tarefa dos professores, mas no limite e como sempre, será a escola, o braço operacional da comunidade, a fazer a diferença.

Parece ainda claro, como os dados da retenção agora divulgados revelam, que importa promover mais e melhor sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial, como referia acima, criar e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida da retenção a que voltarei amanhã.

Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença, em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação que não sejam "grelhodependentes", com expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.

Uma nota final para a importância da avaliação externa como forma imprescindível de regulação. No entanto, não entendo que só por existirem e serem muitos, os exames finais, só por si, insisto, só por si, melhorem a qualidade. É como esperar que só por medir muitas vezes a febre irá baixar. A qualidade é promovida considerando o que escrevi em cima e regulada em termos globais pela avaliação externa que permite análises necessárias, nacionais ou internacionais como, por exemplo, o TIMSS.

É com a escola, por dentro da escola e integrado em sólidos projectos de autonomia e responsabilidade e com recursos adequados que o caminho se constrói.

Sabemos tudo isto. Nada é novo. Só falta um pequeno passo. 

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

A ELASTICIDADE DA LEI

 Naquela terra onde acontecem coisas sempre surgem notícias curiosas. É divulgada agora, mas já vem de longe, a existência de um número significativo de docentes a exercer funções no "ensino especial" sem cumprimento de todos os requisitos definidos como necessários.

Não é assim muito estranho. Nessa terra, o quadro legal nem sempre é imperativo, mesmo quando parece. Muitas vezes é indicativo, sugere-se que seja assim, mas se não for, também não há problema. Com boa vontade tudo se resolve.

Normalmente, as eventuais responsabilidade aparecem tão diluídas que nem se conseguem perceber.

Não vale a pena complicar.

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

"M'ESPANTO ÀS VEZES, OUTRAS M'AVERGONHO"

Lembrei-me de Sá de Miranda, "M'espanto às vezes, outras m'avergonho".

Há pouco tempo fomos surpreendidos com a decisão de algumas direcções escolares no sentido de proibir a professores e funcionários a utilização de telemóveis em áreas comuns da escola, como recreios e corredores. Para ficarem completos os efeitos esta desastrada decisão só faltava a notícia de que “há professores que vão telefonar para a casa de banho”. Bateu no fundo!

Como aqui escrevi e retomo algumas notas, continuo com alguma dificuldade em entender o racional da decisão. Os meus netos, miúdos como todos os outros percebem sem grande dificuldade que os pais ou eu, por exemplo, posso recorrer ao telemóvel em circunstâncias que, em regra, eles não utilizam.

E este entendimento que continuo a assumir, não se trata de uma variação de “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”, idades e papéis não se fundem, gerem-se com regulação e compreensão da razão para que assim seja.

Continuo ainda a entender que esta decisão é um insulto a professores e funcionários, assumindo a sua incapacidade de regulação do seu comportamento pelo que só a proibição os fará “bem-comportados”. Aliás, a ideia de que “têm de dar o exemplo“ e que para o darem só proibindo é “dar um exemplo” de incompetência e desrespeito.

Acresce que parece discutível a legalidade desta decisão levando a que um grupo de professores esteja a considerar que poderá recorrer aos tribunais, à Inspecção de Educação, Provedoria de Justiça, ministro e parlamento.

Importa sublinhar que quem conhece o universo da educação, também reconhece excelentes direcções escolares que, é bom lembrar, são professores, mas a verdade é que existem práticas de direcções escolares que estão longe de se considerarem positivas e competentes considerando a forma como lidam e destratam os seus colegas professores.

Não dá para entender. Que objectivos terão? Será “só” incompetência?

Como se sabe a escola portuguesa é um mundo sereno e tranquilo pelo que episódios desta natureza sempre animam o clima das escolas.

Mais a sério, pensando na natureza das problemáticas actuais nas comunidades educativas, lembrei-me de Almada Negreiros em a Cena do Ódio “e qu'inda foste inventar submarinos, p'ra te chateares também por debaixo d'água”.


terça-feira, 4 de novembro de 2025

E O FUTURO?

 Muitas vezes aqui tenho referido que a falta de docentes estava escrita nas estrelas e sucessivas equipas ministeriais, para além de más políticas públicas que afastaram milhares de professores das escolas, negavam a evidência, ouvia-se o mantra dos “professores a mais”.

O universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas a instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização profissional dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais. Este cenário baixou drasticamente a atractividade da carreira docente e, como sempre, sucessivos responsáveis por estes cenários, esquecem-se do que produziram e ignoram responsabilidades, perorando sobre o que fazer e que não fizeram.

Não é possível esperar mais, adiando o futuro. Como acautelar o impacto da falta de docentes que envolve milhares de alunos? São raras, aliás, as abordadens à situação dos alunos, designadamente no 1.º ciclo. Quem assume a responsabilidade?

A formação de professores, sem o risco da “desprofissionalização”, ou seja, o abaixamento da qualidade da formação, é a prioridade das prioridades a par de potenciar a atracção pela função docente através de ajustamentos ao nível da carreira, modelo e avaliação, do estatuto salarial, do excesso asfixiante de burocracia, entre outros aspectos. O que é que não se entende?

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A HISTÓRIA DOS "CARAPAUS DE CORRIDA"

 Volta e meia, as mais das vezes sem motivo aparente, lembro-me de algumas expressões que fazem parte da minha história, mas que, por uma razão ou por outra, quase desapareceram de circulação.

Hoje apareceu vinda lá de longe, mais de sessenta anos, uma designação que era muito do agrado da minha professora da Primária, a D. Conceição e de outros adultos da altura, os "carapaus de corrida". Devo confessar que não me passa pela ideia a origem de tal pérola, mas que nos enchiam os ouvidos com ela, lá isso enchiam.

Perante qualquer comportamento ou atitude menos conforme o espírito submisso e aquietado da época, lá vinha um "não te armes em carapau de corrida" seguido, quase sempre, de uma ameaça que naquele tempo era para levar a sério, vinda de pais ou professores.

Na minha turma o destino juntou um bom número de "carapaus de corrida". Como o povo costuma dizer, não é para me gabar, mas fazíamos uns disparates dos bons e, claro, a D. Conceição lá vinha com a sua apreciação e com alguma frequência, os "carapaus de corrida" corriam para a frente da secretária para um pequeno e acalorado encontro com a régua que descansava na gaveta de cima. Enquanto ouvíamos qualquer coisa como, "para não te armares em carapau de corrida" as barbatanas, perdão, as mãos, ganhavam um tom avermelhado e um calor que nos dava frio.

Um dia, o Fernando, já vos falei dele, um dos nossos heróis quando roubou a régua que fomos destruir para fora da escola e talvez o melhor "carapau de corrida" do grupo teve mais uma das suas muitas obras-primas. Quando pela enésima vez a D. Conceição referiu os inevitáveis "carapaus" retorquiu que aquela sala parecia mesmo um aquário. Antes que a professora reagisse explicou que com "tantos carapaus e uma baleia" aquilo já era um aquário não era uma escola.

Naquele dia, quando fomos para o recreio o Fernando, o herói, ainda tinha dificuldade em segurar os berlindes.

Mas isto é uma história do tempo em que havia "carapaus de corrida".

domingo, 2 de novembro de 2025

"É A ECONOMIA, ESTÚPIDO"

 O Governo propôs à Comissão Europeia uma reformulação da aplicação das verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Em síntese, cai o equipamento das escolas com acesso à net por wi-fi, tal como a criação de milhares de vagas em lares, creches e investimentos no Serviço Nacional de Saúde e nos transportes.

A “poupança”, por assim dizer, será para reforçar o apoio a empresas.

Será, obviamente, ignorância da minha parte, mas tenho como adquirido que a educação, as respostas sociais e o Serviço Nacional de Saúde, são áreas críticas para o bem-estar das pessoas e com carências severas para uma resposta às necessidades conhecidas. Tratar-se-á, certamente, do “velho”, “é a economia, estúpido”.

A verdade é que há muito que, no que se refere às políticas públicas, já pouco me espanta e muito me preocupa.

sábado, 1 de novembro de 2025

CHEGARAM AS BRUXAS

 Como por aqui já tenho referido, parece-me verdadeiramente importante preservar as nossas mais ancestrais tradições. É o caso da comemoração do Halloween que, felizmente se mantém, e deve, hoje mais do que nunca, ser considerada. É com o nosso incentivo ao envolvimento das nossas crianças com as “doçuras ou travessuras” que anunciam às nossas portas que será garantida a continuidade desta tradição tão nossa ainda que com um nome estrangeirado.

Na verdade, os tempos andam embruxados ou, como me diziam quando era pequeno mesmo sem ainda se ter inventado o Halloween por cá, temos de ir à bruxa, o mundo inteiro precisa, por assim dizer, de ir à bruxa.

E não será por falta de mágicos que dizem querer contrariar ou alimentar o “bruxedo”. Mágicos e candidatos a mágicos é o que não nos falta. Existem muitos, de várias cores e poderes afirmados. No entanto, existe um pequeno problema, muitos destas artistas da magia são parte do problema e não parte da solução.

Criam ou anunciam mundos mágicos no qual aparentemente só eles vivem ou acreditam, a generalidade das pessoas vive num mundo real e muita gente, demasiada gente passa mal no seu mundo real.

Os mágicos fazem truques com as palavras, com os números, com habilidades e manhas que mais do que mostrarem os seus poderes, mostram as suas fraquezas e inventam poções que não resultam ou são boas apenas para alguns e muito más para muitos mais.

A verdade das coisas, com demasiada frequência, fica escondida nas mangas dos mágicos que fazem mais uns truques criando inverdades, meias-verdades, quase verdades, verdades falsas, no fundo … mentiras que sustentam o discurso mágico dos mágicos e a sua visão mágica do mundo.

Acho que vou pedir boleia na vassoura de uma bruxa e tentar dar umas vassouradas embruxadas nesses mágicos, maiores ou mais pequenos.

Agora reparo, tenho um problema ... não acredito em bruxas.

É, teremos mesmo de ser nós a não aceitar os truques dos mágicos.

Mais a sério, quando era miúdo, o dia primeiro de Novembro era, é, o Dia de Todos os Santos e nós, miúdos, andávamos de casa em casa a pedir o “pão por Deus”, fruta, frutos secos, uns doces, tudo era o “pão por Deus”. Aparentemente já não há o “pão por Deus”.

Chegaram as bruxas.

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O HOMEM QUE VIVE DO AR

 Lá naquela terra onde acontecem coisas há um homem que vive do ar, é verdade, vive do ar.

É curioso que desde muito novo, alguma gente o avisava de que não iria conseguir viver do ar. Quem o conhecia achava-o um habilidoso, sempre à procura de esquemas estranhos para conseguir alguma coisa. Contava umas mentiras de um lado, falhava umas promessas do outro, arranjava umas desculpas bem montadas e com alguma ligeireza ia construindo a sua vida. Naquela terra onde acontecem coisas o desenrascar, por assim dizer, é habitual.

Face ao comportamento do Homem algumas pessoas insistiam, "tens que mudar e aprender a fazer qualquer coisa de sério, não vais poder viver do ar", "não podes ser assim toda vida, andar sempre a inventar habilidades, julgas que vais viver do ar", etc.

Mas nada parecia levar o Homem a mudar algo, ia levando assim a sua forma de estar na vida e, ao fim de algum tempo, para espanto dos que o acompanharam mais de perto, conseguiu mesmo começar a viver do ar.

Tornou-se especialista em mostrar um ar sério, um ar de pessoa competente em muito assuntos, um ar de pessoa interessada pelos outros, um ar de pessoa com capacidade para resolver problemas, fáceis ou mais complicados, enfim um ar de qualquer coisa que parecesse bem. Até ascendeu a lugares importantes lá na comunidade, sempre a partir do ar que compunha.

Naquela terra onde acontecem coisas, muita gente gosta das pessoas que mostram um ar de qualquer coisa que lhes pareça positivo. E a verdade é que imensa gente nesta terra vive do ar. Do ar que compõem.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

OS SINALIZADOS

 Ontem, numa conversa com duas colegas de percurso profissional veio à baila o recurso excessivo a uma terminologia que sempre me incomodou, a sinalização de crianças, dos alunos. Continuo a entender que sinalizamos em excesso, avaliamos de menos e respondemos ainda menos de forma adequada. Com alguma frequência aqui tenho abordado estas questões, mas hoje lembrei-me de um história que já aqui deixei, a História do Sinalizado.

Era uma vez um rapaz chamado Sinalizado. Filho de uma mãe muito nova e pouco preparada para ser mãe, nasceu antes de tempo e ficou Sinalizado, nome curioso. E assim continuou.

Em pequeno, devido às condições muito precárias e com bastante dificuldade em que a família vivia, continuou Sinalizado.

À entrada na escola com a mochila que já carregava logo perceberam que devia ser Sinalizado. E foi. Toda a gente conhecia o Sinalizado, toda a gente sabia das circunstâncias de vida do rapaz, por isso mesmo era um Sinalizado.

Mais crescido, os problemas em que estava frequentemente envolvido continuavam a fazer com que o Sinalizado assim continuasse, Sinalizado.

Já no final da adolescência o Sinalizado envolveu-se em algo de mais grave e sucedeu uma tragédia que encurtou a sua vida.

Muita gente que conhecia o Sinalizado se interrogava e dizia ter dificuldade em perceber como podia tal vida ser vivida por um Sinalizado. Até foi notícia de rodapé em alguns jornais mais dados a estas coisas que acontecem aos Sinalizados.

Mas isto foi só uma história triste e sem jeito. Os Sinalizados raramente entram em histórias bonitas e bem contadas.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

SERENIDADE PRECISA-SE. É URGENTE

 Estamos perto dos dois meses após o arranque do ano lectivo em meados de Setembro.

O início de um ano lectivo deveria ser a ocasião de regresso à escola para a grande maioria de professores, funcionários, técnicos e alunos, para além, naturalmente do retorno das rotinas familiares relativas à frequência escolar. Para um infelizmente pequeno número de alunos e professores, terá sido, por assim dizer, a sua “estreia” que deveria decorrer apenas com a “ansiedade” de uma estreia.

Lamentavelmente, assim não acontece. A serenidade é um bem de primeira necessidade no trabalho educativo. No entanto, serenidade é o que menos temos nesta altura. É tempo demais sem que nada mude substancialmente.

Da gestão das políticas públicas espera-se, exige-se, as decisões que criam as condições de serenidade e normalidade do trabalho de alunos e professores.

Sabemos que ensinar e aprender têm sobressaltos que são naturais nestes processos. No entanto, o que nos preocupa, não parecem ser esses sobressaltos esperados.

Estamos num mundo às avessas.

O que temos são decisões ou falta delas que alimentam problemas e pouco impacto têm nas soluções.

O que temos é uma carga de burocracia que promove ineficiência e desgaste sem que o retorno justifique minimamente o esforço e o tempo despendidos.

O que temos em muitas escolas são climas pouco amigáveis para o trabalho educativo da comunidade.

O que temos, aliás, não temos, são professores suficientes para as exigências da população discente. No final da passada semana ainda existiam 1240 horários por preencher nas escolas. Em 488 agrupamentos havia pelo menos um horário por preencher e em 12 agrupamentos havia dez ou mais, lê-se no Público.

O que temos são discursos patéticos, ardilosos, que “martelam” a realidade desconsiderando o conhecimento e a experiência que tanta gente possui.

O que temos são fingimentos de “soluções” que, mais uma vez, alimentam os problemas.

Não, não está tudo mal, nem vai correr tudo mal.

Os professores, na sua esmagadora maioria continuam a “dar o litro” sustentados no seu sentido ético, deontológico e competência. Os alunos tentam, na sua maioria, fazer o melhor possível e, felizmente, serão bem-sucedidos, esperando que sucesso corresponda, de facto, a aquisição de conhecimentos e competências.

No entanto, a realidade não poderá ser esta, a que vivemos, mesmo que do ME venham outros retratos mais simpáticos.

Daí este meu cansaço e desabafo.

E … vai correr bem. Ou não.

terça-feira, 28 de outubro de 2025

ELE E ELA NÃO FALAM COMO A GENTE, ASSIM É DIFÍCIL APRENDER

 De acordo como o Perfil Escolar de Alunos Filhos de Pais com Nacionalidade Estrangeira 2023/ 2024, publicado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, continua a verificar-se uma diferença significativa no desempenho escolar dos alunos com pais estrangeiros, cerca de um quarto dos alunos reprova ou desiste no secundário

As taxas de retenção e desistência no secundário ascenderam a 25,5%, entre os alunos cujos dois pais tinham nacionalidade estrangeira (ou um dos pais e o próprio aluno). Representa uma diferença de 17,3 pontos comparando os alunos com pais portugueses, 8,2%.

Será razoavelmente claro que este desempenho está fortemente associado ao não domínio da língua portuguesa.

Antes do início do ano lectivo o MECI apresentou numa reunião com directores escolares um conjunto de medidas no âmbito de desenvolvimento do Plano +Aulas+Sucesso.

Entre as medidas apresentadas inscreve-se o aumento do número de mediadores culturais passando a 310 em 25/26 que intervirão em 347 unidades orgânicas o que representa um aumento de 23 face ao ano anterior e a intervenção em mais 28 unidades orgânicas.  O número, definido de acordo com o número de alunos migrantes inscritos em 23/24, continua a ser francamente insuficiente face à realidade das escolas e agrupamentos e aos problemas de alunos de outras nacionalidades em particular no que respeita ao domínio da língua.

Parece claro que a presença crescente de alunos estrangeiros nas escolas portuguesas coloca enormes desafios e necessidades. De acordo com dados do MECI acentua-se a heterogeneidade da população escolar, os agrupamentos têm, em média, alunos de 19 nacionalidades diferentes (quase o dobro do que acontecia em 2018/19) e existem escolas com jovens oriundos de 46 países.

Face a este cenário percebe-se a importância crítica da presença de mediadores linguísticos e culturais a quem competirá “promover a integração plena no ambiente escolar”.

Além dos mediadores, que trabalharão com alunos, professores, famílias e outros técnicos, está previsto que no âmbito do plano Aprender Mais Agora se verifiquem ajustamentos na oferta de disciplina de Português Língua Não Materna (PLNM).

Foi criado um “nível zero” que abrange alunos que não tiveram qualquer contacto prévio com a língua portuguesa ou mesmo com o alfabeto latino e ajustar-se-ão os dispositivos de avaliação e diagnóstico.

As escolas precisam de maior autonomia na colocação dos alunos nos anos curriculares considerando a sua origem e trajecto escolar.

Parece crítica a necessidade de mudança na Disciplina de Português Língua Não Materna pois a baixa frequência que se verifica compromete, obviamente, os objectivos para que existe, outro lado e em termos genéricos, verifica-se uma baixa de frequência da Disciplina de Português Língua Não Materna, em 21/22, tínhamos 2% de todos os alunos estrangeiros inscritos no 1.º ciclo, 12,5% dos que frequentam o 2.º ciclo, 15% no 3.º ciclo e apenas 5,1% dos que estão no ensino secundário.

Apesar dos indicadores não serem propriamente uma surpresa, pois tem vindo a aumentar a vinda para Portugal de cidadãos de outros países importa considerar que, contrariamente ao que as narrativas xenófobas que se vão escutando afirmam, é importante esta vinda de pessoas de outras paragens que se radiquem por cá através de projectos de vida bem-sucedidos e contributivos para o desenvolvimento das nossas comunidades. Minimiza-se o efeito do Inverno demográfico que vivemos levando ao envelhecimento significativo da população portuguesa rejuvenescendo-se as populações.

Como é evidente este movimento envolve famílias e, naturalmente, a existência de crianças e a necessidade da sua educação escolar, certamente, a mais potente ferramenta contributiva para a sua boa integração na comunidade.

Esta cenário não pode deixar de constituir o um enorme desafio para muitas escolas.

A disciplina de Português Língua Não Materna tem sido constituída com um número mínimo de 10 alunos e os recursos disponíveis são manifestamente insuficientes como directores e professores tem regularmente referido.

Está, pois, criada uma dificuldade acrescida para promover de forma eficiente o domínio da língua de aprendizagem, o português, e o impacto negativo que tal terá no seu trajecto escolar. Aliás, são bem conhecidas as enormes dificuldades que muitas comunidades portuguesas de emigrantes portugueses sentiram e ainda sentem no processo de escolarização dos seus filhos em diferentes países da Europa.

Sabemos da enorme dificuldade de conseguir que em cada escola se consiga responder de forma eficaz às necessidades específicas da população que a frequenta, nenhuma dúvida sobre isto.

No entanto, também sabemos que o domínio proficiente da língua de aprendizagem, escrita e falada, é imprescindível a um trajecto escolar com sucesso.

Não existe normativo ou discurso em educação que não sublinhe as ideias de educação inclusiva, equidade, a diversidade, etc. O problema está nas políticas públicas e nos recursos de diferente natureza que este desafio exige, a retórica não chega.

Estes alunos, tal como outros, enfrentam sérias dificuldades e um risco grande de insucesso como os dados evidenciam.

E é bom não esquecer que o seu sucesso será um forte contributo para as comunidades onde se integram, assim como poderemos ter de pagar um preço elevado pelo seu insucesso e exclusão.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

LIVROS E LEITORES, DE PEQUENINO É QUE ...

 Nos últimos dias o Público tem duas peças relativas às bibliotecas escolares  e ao trabalho dos professores bibliotecários. Em 2024/2025 nas escolas públicas estavam 1380 professores bibliotecários que têm uma média de 10 anos como responsáveis de bibliotecas e desenvolvem um trabalho notável.  Num país com índices de leitura preocupantemente baixos o seu trabalho nas escolas.

Entretanto, o Ministério da Educação no seu “ímpeto reformista” extinguiu o Plano Nacional de Leitura e a Rede de Bibliotecas Escolares. Apenas se sabe que estas áreas serão integradas no novo Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação. Os professores bibliotecários vêem esta alteração com alguma reserva e temem o comprometimento do trabalho que está a ser realizado.

Com alguma frequência aqui tenho abordado a questão crítica da leitura e dos hábitos de leitura entre nós, em particular, dos mais novos, o tempo em que tudo se constrói.

Retomo algumas notas.

Dados do estudo Evolução das Práticas de Leitura dos Alunos do Ensino Básico e Secundário em Portugal, realizado por investigadores do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (​CIES) do Iscte-IUL para o Plano Nacional de Leitura, cerca de um em cada quatro alunos portugueses dos ensinos básico e secundário tem menos de 20 livros em casa. E que se no início da escolaridade as crianças demonstram maior interesse pela leitura, este vai decaindo ao longo dos anos. Em 2023, 96,8% dos alunos do 1.º ciclo tinham lido pelo menos um livro nos 12 meses anteriores; no secundário, apenas 78,2%.

Sem surpresa, também para os mais velhos os livros não são uma escolha. Segundo os resultados do Inquérito às Competências dos Adultos de 2023, publicado no final do ano passado pela OCDE, 41% dos adultos que apenas conseguem ler textos curtos e listas organizadas e um grupinho de 15% nem sequer isso consegue.

A promoção de hábitos de leitura de crianças e jovens é um eixo crítico na educação escolar e familiar das sociedades actuais.

Recordo que em 2023 doi divulgado o designado Manifesto de Liubliana, subscrito pela Associação Internacional de Editores, Academia Alemã de Língua e Literatura, Federação dos Editores Europeus, EU-READ, Consórcio de organizações europeias de promoção da leitura, PEN Internacional, Federação Internacional das Associações de Bibliotecários e Conselho Internacional dos Livros para Jovens, apresentado na Feira do Livro de Frankfurt que decorre de 18 a 22 de Outubro.

Esta iniciativa destina-se promover os hábitos de leitura entre crianças e jovens designadamente a leitura de livros e textos mais longos. O movimento é sustentado pela importância que para o desenvolvimento global e conhecimento a leitura assume e, naturalmente, motivado pelo abaixamento destes hábitos de leitura que continuam preocupantes.

Como já aqui tenho escrito, os livros e a leitura são bens de primeira necessidade para gente de todas as idades donde a insistência. Recordo sempre Marguerite Yourcenar que em “As Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.”

São múltiplos os estudos e referências que sublinham o impacto dos livros e da leitura no desenvolvimento e competências escolares no trajecto pessoal. Lamentavelmente, são também muitos os trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral. Nos últimos tempos parece estar a despertar um maior interesse pelos livros, sobretudo entre os mais novos, associado a um fenómeno das redes sociais, os booktokers que lêem e divulgam livros no TikToK. Esperemos que se mantenha e fortaleça.

Os livros têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, telemóveis, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.

Apesar de tudo isto também sabemos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco e com mudanças lentas.

Só se aprende a ler lendo e o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, em que espaços, biblioteca, casa ou escola e em que suportes, papel ou digital.

Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo, escolar e familiar. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, muitas vezes são, e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações.

Apesar dos esforços de muitos docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste” ou resumos disponíveis das obras que são de leitura obrigatória ou recomendada.

 Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade da oferta sem fim que está disponível. A iniciativa dos booktokers que referi acima pode ser um bom sinal.

Felizmente e apesar das dificuldades também importa sublinhar que se realizam com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares no âmbito do Plano Nacional de Leitura e da Rede de Bibliotecas Escolares com os professores bibliotecários têm desenvolvido um trabalho essencial, ou em iniciativas mais alargadas a outras entidades como autarquias e instituições culturais. Com a sua extinção e desconhecendo o que segue o cenário não é positivo.

Sabemos, isso sim, que precisamos de criar leitores, eles irão à procura dos livros ou da leitura, mesmo em tempos menos favoráveis.

domingo, 26 de outubro de 2025

DOS DIAS DO ALENTEJO

 É Domingo, caiu uma água bem chovida durante a noite. O cheiro da terra molhada mantém-me mais ligado ao monte que ao mundo, ainda que o não consiga esquecer de tão feios que são os dias.

A apanha da azeitona terminou. Ainda estava um pouco verde, mas a disponibilidade dos companheiros que ajudam, o Carlos e o Luís, determinou que fosse esta semana.

Dá trabalho, cansa, mas sabe bem. Quase 1700 Kg estão entregues no lagar, veremos que azeite se recebe lá mais para Janeiro.

Não gosto de ver a azeitona a ficar nas árvores e cair apodrecendo sem ser colhida. Felizmente, vou conseguindo ajuda.

Ontem e hoje foi tempo de limpar e arrumar panos, varas e varejador. Para o ano, se cá estivermos, como dizia o Mestre Zé Marrafa, nova campanha nos espera.

Agora, retomo daqui a pouco, ando de posse da limpeza de alfarrobeiras e amendoeiras.

E são assim os dias do Alentejo, melhores e mais bonitos que os dias do mundo. Sorte a minha que os vivo.

sábado, 25 de outubro de 2025

NÃO, A MÁQUINA DO ESTADO NÃO ESTÁ A FALHAR NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 

A “newsletter” do Público sobre educação mostra uma síntese semanal do que vai sendo notícia. Esta semana, tem como título “A máquina do Estado falha na educação inclusiva”.

Após cinquenta anos de trabalho em educação sobretudo direccionado para o que corre menos bem,  já não sei muito bem o que dizer, mas … não consigo ficar calado.

Quando comecei, nos idos de setenta, tínhamos uma escola normal para os alunos “normais” e uma escola “especial”, a "instituição" para os alunos “deficientes”.

Depois conheci escolas normais que, para além dos alunos “normais” já recebiam alunos “especiais” no ensino especial, em salas dos “normais” e em salas de ensino especial, as “salas de apoio”. Chamava-se  Educação integrada. 

Depois as escolas deixaram de ser normais e passaram a ser escolas inclusivas, lidam com os alunos normais e com os alunos “universais”, com os alunos “selectivos” e com os alunos “adicionais”.

E assim chegámos à educação inclusiva face à qual a jornalista do Público, Catarina Moreira, afirma que a máquina do Estado falha.

Lamento, mas mais uma vez não me parece que a máquina do Estado falhe na educação inclusiva, a máquina do Estado falha na Educação, ponto.

A máquina do Estado falha nos professores, com tratos injustos e políticas públicas de educação inadequadas e com implicações diversificadas, ou seja, inclusivas. São óbvios aspectos como a falta de professores e a sua valorização que, aliás, estão ligados.

 A máquina do Estado falha nos profissionais que, para além dos docentes, são imprescindíveis à educação, técnicos (psicólogos, por exemplo, mas também em apoios especializados) ou assistentes operacionais.

A máquina do Estado falha nos equipamentos para a Educação. Hoje li que na escola que o meu filho frequentou vão ser retiradas turmas para outra escola da área por risco sério num dos pavilhões.

A máquina do Estado falha na Educação quando submerge os profissionais numa burocracia que ineficiente e consumidora de recursos e desgastante.

A máquina do Estado falha quando deixa pais e encarregados de educação inquietos e preocupados e impotentes face às dificuldades sentidas pelos seus filhos para cumprir o direito à Educação.

A máquina do Estado falha …

Não, a máquina do Estado não falha na Educação Inclusiva, é mesmo falha na Educação.

PS - Não deveria ser necessário, mas conheço e todos conhecemos e reconhecemos o que de muito bom se realiza diariamente nas escolas. Dito de outra forma, todos os dias acontece Educação em todas as escolas. Não precisamos de lhe chamar Inclusiva.

 

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

PARTIU ÁLVARO LABORINHO LÚCIO

 Partiu Álvaro Laborinho Lúcio, um daqueles que, citando Camões, “por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”. Um Homem que nos pensava e fazia pensar, há poucos. Uma inspiração para todos com quem se cruzou.

Lembrei-me das diferentes circunstâncias em que estive com Laborinho Lúcio, mais recentemente como membros do Conselho Consultivo da Associação AjudAjudar, e sempre me senti e sinto grato por tais encontros associados ao universo das crianças, do seu bem-estar e dos seus direitos.

Muitas vezes aqui escrevi a necessidade de um Provedor da Criança, que já há muito João dos Santos, outra enorme figura, defendia e que teria sido muito bem entregue a Laborinho Lúcio por tudo o que realizou e defendeu em matéria de protecção das crianças. Um Homem com um perfil ético, cívico e científico que promoveria o “supremo interesse da criança”.

Já há alguns anos, num dos nossos “cruzamentos”, tive oportunidade de lhe dizer isso mesmo. Respondeu com a humildade e sensibilidade que se lhe reconhece. No entanto, todo o seu trajecto foi de certa forma uma Provedoria da Criança.

Deixem-me mais uma vez recordar algo que lhe ouvi lá para trás no tempo, não mais esqueci e muitas vezes cito. Estávamos os dois numa mesa de um encontro no Sardoal no âmbito da protecção de crianças e jovens e Laborinho Lúcio, pedindo para que as muitas pessoas presentes no auditório não reagissem logo no início da afirmação, afirmou “Só as crianças adoptadas são felizes ... felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”.

Obrigado e até um dia, Álvaro Laborinho Lúcio.

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

DOS COLUNISTAS

 Nos últimos anos tem surgido como forma de apresentação de algumas pessoas a referência ao serem “colunistas”. Aplica-se à nuvem de opinadores espalhados pela imprensa escrita em papel e/ou em formato digital.

Alguns restringem os conteúdos da sua coluna a áreas nas quais têm conhecimento e analisam, questionam e opinam com base nesse conhecimento, mas muitos abordam qualquer temática num notável exercício de tudologia, fingindo conhecimento, ficando-se pela opinião e ansiando pelo estatuto de “opinion maker” ou “influencer”, termo a que acho piada.

Com demasiada frequência confunde-se o comentar num espaço público com o dizer “umas coisas” sobre um qualquer assunto que esteja na agenda. Comentar em espaço público deveria acrescentar massa crítica à análise da realidade, não porque se detenha a verdade ou o saber absoluto, mas porque potencia qualidade à reflexão ou informação. Para que assim seja, pressupõe-se conhecimento e estudo que muitos dos palpitólogos não têm sobre muitos dos assuntos de que falam, refugiando-se em exercícios de futurologia, em retóricas sem substância ou em discursos de manipulação e demagogia.

De forma despudorada e com ar sério emitem opiniões travestidas de análise e que entendem como saber, tudo isto servido muitas vezes por um enorme umbiguismo.

Estranhamente, boa parte da comunicação social, num enjeitar das responsabilidades que lhe cabem, não prescinde desta fauna e disputam a sua presença, pagando bom preço, numa tentativa de vender o melhor produto possível que, frequentemente, é contrafeito, é de plástico, independentemente do que as audiências possam dizer.

Na verdade, muitos destes colunistas não têm coluna, têm agenda

Que cansaço!

Isto é, naturalmente, um desabafo do palpitólogo que habita este espaço.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

NÃO DÁ PARA ENTENDER

 O mundo ensandeceu.

A direcção de um Agrupamento Escolar de Famalicão proibiu a professores e funcionários a utilização de telemóveis em áreas comuns da escola, como recreios e corredores. Ao que parece não será a única direcção escolar a tomar esta decisão.

Confesso que tenho alguma dificuldade em entender o racional da decisão. Os meus netos, miúdos como todos os outros percebem sem grande dificuldade que os pais ou eu, por exemplo, posso recorrer ao telemóvel em circunstâncias que, em regra, eles não utilizam.

Não, não se trata de uma variação de “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”, idades e papéis não se fundem, gerem-se com regulação e compreensão da razão para que assim seja.

Acresce que uma medida desta natureza me parece insultuosa de professores e funcionários, assumindo a sua incapacidade de regulação do seu comportamento pelo que só a proibição os fará “bem-comportados”. Aliás, a ideia de que “têm de dar o exemplo “ e para o darem só proibindo é “dar um exemplo” de incompetência e desrespeito, para além de ser discutível a legalidade desta decisão.

Todos os que conhecemos o universo da educação conhecemos excelentes direcções escolares que, é bom lembrar, são professores.

No entanto, também conhecemos práticas de direcções escolares que estão longe de se considerarem positivas e competentes considerando a forma como lidam e destratam os seus colegas professores.

Não dá para entender.

terça-feira, 21 de outubro de 2025

TUDO SE TRAFICA

 Vivemos tempos sombrios em que imperam os traficantes e tudo se trafica, ética, valores, história, culturas, ideias e também pessoas, grandes e pequenas que deixam de o ser.

Numa peça do JN, responsável pela Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) da PSP afirma que em Portugal estão a ser identificados mais casos de tráfico de seres humanos em Portugal para exploração laboral e sexual e "importação" de crianças para adopção.

Em Julho, o Grupo de Especialistas sobre a Acção contra o Tráfico de Seres Humanos (GRETA) esteve em Portugal para avaliar a implementação da Convenção do Conselho da Europa relativa à luta contra o tráfico de seres humanos identificou 2211 vítimas nos últimos seis anos.

Dados preliminares disponibilizados ao Grupo de Trabalho pelo Observatório do Tráfico de Seres Humanos reconhece-se que, nos últimos 20 anos, entre 2004 e 2024, apenas 25 vítimas reclamaram uma indemnização, maioritariamente por via das associações que as apoiam no terreno sendo que apenas 11 conseguiram a satisfação do pedido.

Há algum tempo referi aqui o Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2023 no qual se referia que a criminalidade associada à imigração ilegal e tráfico de pessoas foi a que mais cresceu em 2023, mais 68% e 29%, respectivamente.

Na verdade, têm sido recorrentes as referências a situações inaceitáveis de exploração e maus-tratos envolvendo muito frequentemente cidadãos estrangeiros.

É conhecida e muitas vezes objecto de intervenção e notícia a situação que se verifica no Alentejo, mas não só, e que tem vindo, por várias razões, a aumentar, de exploração brutal, condições de habitação degradantes, vitimização por redes organizadas de “tráfico” de mão-de-obra em que se encontram milhares de cidadãos estrangeiros. Nas primeiras levas surgiram muitos cidadãos oriundos de países de leste e africanos e mais recentemente de países asiáticos.

A escandalosa e irresponsável política (?!) em matéria de agricultura e ambiente estarão gradualmente a transformar o Alentejo, o Algarve também, num deserto, mas que neste momento alimenta quilómetros e quilómetros de culturas intensivas e depredadoras que para já exigem mão-de-obra não existente no país e a prazo condenarão os alentejanos a viver no deserto. Os responsáveis assobiam para o lado e, por vezes, parecem virgens ofendidas face a algo que toda gente conhecia.

Este cenário, o tráfico de pessoas e a exploração quase escravizante, tal como a fome, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades actuais e deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas. Parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países, estamos a falar da Europa. Mas existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis.

Este negócio, o tráfico e exploração de pessoas de todas as idades, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às enormes assimetrias na distribuição da riqueza. Também por isso, são recorrentes as notícias de portugueses usados como escravos em explorações agrícolas espanholas ou redes de contratação de trabalhadores da construção civil para países do primeiro mundo europeu.

Estes tempos são marcados por competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade. Tudo isto é submetido a um deus mercado que não tem alma, não tem ética, é amoral e pode alimentar, sem particulares sobressaltos, algumas formas de escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.

As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem a sua própria pessoa e os mercados aproveitam tudo. Por isso, se compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" ou "produção" exigirem. O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de exploração ou escravatura, não se vêem, não se querem ver.

Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos, não têm voz.