quarta-feira, 22 de março de 2023

TELEMÓVEIS E BEM-ESTAR

 No DN encontra-se a referência a um trabalho interessante realizado por investigadores do ISCTE e do Instituto Cultura y Sociedad da Universidade de Navarra, sobre a utilização do telemóvel por jovens adultos.

Um primeiro dado relevante mostra, sem surpresa, uma maior propensão dos mais jovens para a utilização do telemóvel para fins sociais o que poderá associar-se ao desenvolvimento de comportamentos aditivos que já surgem de forma significativa e preocupante.

É também de considerar que 30,1% dos inquiridos revelam ter uma utilização problemática do telemóvel e destes,  41,9% expressam níveis de bem-estar baixos.

O trabalham revelou o utilização média diária do telemóvel durante 5 horas e 35 minutos, e a troca de mensagens é a actividade mais recorrente, 2 horas e 27 minutos.

São múltiplos os estudos que evidenciam indicadores desta natureza o que pode ser considerado mais um sinal dos tempos e sublinham a necessidade de estarmos atentos à utilização excessiva destes equipamentos e aos riscos associados.

Apesar deste aparato comunicacional e sem querer minimizar os óbvios e imensos lados positivos deste fenómeno creio, no entanto, que muitas crianças, adolescentes, jovens e adultos, mascaram o mal-estar e a solidão em que vivem e ou que sentem através, por exemplo, da troca de centenas de SMS que, em algumas circunstâncias, são mais SOS que SMS, ou seja, no fundo dirão "Sinto-me Muito Só e tu?"

Creio que precisamos de estar mais atentos para que o mundo da comunicação através de SMS, ou das redes sociais da net, não substitua o mundo da comunicação real, entre pais e filhos, por exemplo, ou entre as pessoas de uma forma geral. Os riscos, conforme o estudo citado acima, são claros.

terça-feira, 21 de março de 2023

TEMPOS ESTRANHOS E INQUIETANTES

 Vão estranhos e inquietantes os tempos da educação. A tempestade que de há muito se anunciava e o falhanço de muitas dimensões das políticas públicas de educação e das que interagem com a educação produziram este cenário.

Desde Setembro que vamos assistindo a um processo de reivindicação por parte dos professores por razões que claramente deveriam estar resolvidas há tempo, São justas, são imprescindíveis à valorização necessária da carreira docente e à capacidade de atrair novos actores que compensem o abandono e o envelhecimento que se verifica.

Contrariamente a muitas expectativas pais e encarregados de educação têm vindo a manifestar solidariedade para com este processo apesar das alterações que a sua vida familiar e a guarda dos filhos em tempos de greve vai conhecendo.

As greves desenvolvem-se em modelos pouco habituais e imprevisíveis.

As negociações parecem negar aquilo que é central numa negociação, ou seja, desculpem, negociar.

Sucedem-se diariamente as manifestações que sublinham o enorme desencanto e mal-estar da classe docente.

O ME parece comprometido com o arrastar da situação esperando, desejando, eventualmente, que o cansaço e a falta de apoio que possa ser gerado travem, esvaziem, o processo em curso. O ME sabe que se existe algo difícil de travar é o ter razão.

De forma bizarra, mas que me parece claramente intencional, o ME delega nos directores escolares a agenda da próxima reunião, ia escrever de negociação, mas não me atrevo.

Os miúdos vão andando por aí, entre as aulas que não têm, as que têm fruto de uns serviços mínimos para cujo cumprimento os directores reclamam apoio jurídico, expectativa sobre as avaliações que podem não ter, o apoio e aos professores que os mais velhos subscrevem.

A imprensa, genericamente, trata tudo isto em modo A (Agenda) embora tenham surgido algumas vozes fora do alinhamento mais habitual, o que se saúda.

Escrevi o texto nestes termos depois de ontem, ao passar pelo Pragal e comentar o que estava a acontecer, ter de montar uma sessão de esclarecimento para o meu neto, aluno do 4º ano. Não foi fácil.

Não sei o que vai acontecer nos próximos dias, mas como já escrevi, as políticas públicas são para as pessoas, para as comunidades. A história não vos absolverá, nem que cheguem a reitores ou reitoras.

segunda-feira, 20 de março de 2023

DA CORRIDA DE OBSTÁCULOS. MAIS UMA VEZ

 No JN encontra-se uma peça com um expressivo título, “Cidades pouco inclusivas aprisionam cegos em casa

Existem matérias que muito provavelmente nunca sairão da agenda de preocupações. As dificuldades sentidas por pessoas com deficiência na sua vida diária e em múltiplas dimensões constituem uma dessas questões.

Como tantas vezes aqui tenho escrito e certamente voltarei a fazê-lo, o quotidiano de muitos cidadãos com deficiência e, em particular, com mobilidade reduzida transforma-se numa contínua corrida de obstáculos na generalidade dos nossos espaços urbanos.

De facto, é recorrente a chamada de atenção para estas questões por parte de cidadãos e associações, mas apesar de algumas mudanças e da existência de enquadramento legislativo mais adequado, a realidade é ainda muito pouco amigável para a qualidade de vida de muitas pessoas.

Recordo que em Fevereiro de 2020 foi divulgado um relatório sobre acessibilidades em edifícios públicos elaborado pela Comissão para a Promoção das Acessibilidades e os dados mostraram como, apesar da legislação, são múltiplas as dificuldades no acesso de pessoas com mobilidade reduzida aos edifícios em que funcionam serviços públicos.

Como exemplo, em 45% dos edifícios públicos com mais do que um andar não há elevadores ou plataformas elevatórias, 42% destes edifícios não têm lugar reservado para pessoas com deficiência e apenas 64% têm balcões de atendimento adaptados do ponto de vista da altura.

Como referi em cima e acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é positiva e promotora dos direitos das pessoas com deficiência, mas a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia que decorre, frequentemente, da falta de fiscalização relativa às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios. O relatório citado confirma-o.

Os problemas das minorias são, evidentemente, problemas minoritários.

Para além dos edifícios a questão da mobilidade e das acessibilidades que afecta muitos cidadãos com deficiência envolve áreas como vias, transportes, espaços, mobiliário urbano e, sublinhe-se, a atitude e comportamento de muitos de nós.

Boa parte dos nossos espaços urbanos não são amigáveis para os cidadãos com necessidades especiais mesmo em áreas com requalificação recente. Estando atentos identificam-se inúmeros obstáculos.

Quantas passadeiras para peões têm os lancis dos passeios rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de pessoas com mobilidade reduzida que recorrem a cadeira de rodas?

Quantas passadeiras possuem sinalização amigável para pessoas com deficiência visual?

Quantos obstáculos criados por mobiliário urbano desadequado?

Quantas dificuldades no acesso às estações e meios de transporte público?

Quantas caixas Multibanco são acessíveis a pessoas com cadeira de rodas?

Quantos passeios estão ocupados pelos nossos carrinhos, com mobiliário urbano erradamente colocado, degradado, que criam dificuldades enormes e insegurança a toda a gente e em particular a pessoas com mobilidade reduzida ou com deficiência visual?

Quantos programas televisivos ou serviços públicos disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os acessíveis à população surda?

Quantos Centros de Saúde ou outros espaços da Administração central ou local criam problemas de acessibilidade?

Quantos espaços de lazer ou de cultura mantêm barreiras arquitectónicas?

Quantos estabelecimentos comerciais de múltipla natureza são, na prática inacessíveis a pessoas com mobilidade reduzida?

Reafirmo algo que recorrentemente subscrevo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas. Por quanto tempo precisaremos de o relembrar?

domingo, 19 de março de 2023

PORQUE HOJE ... É HOJE

 Porque hoje … é hoje. Ao longo da narrativa que vamos escrevendo creio que todos já nos cruzámos com pessoas que, por uma razão ou por outra, ficam para sempre connosco.

Por vezes, acho que nem sabemos explicar porquê, apenas sentimos que são boas para nós, fazem-nos bem. Existe uma espécie de indizível razão, ou razões, para que isso aconteça. Chamo-lhes Pessoas Sol.

Apesar da banalidade da imagem, peço desculpa, quase sempre têm a enorme capacidade de tornar claro, de iluminar o mundo através dos seus olhos e das suas falas. São assim uma espécie de bússola ou, quando à distância, uma espécie de farol que baliza o rumo. Também funcionam como porto de abrigo a que voltamos quando as águas da vida andam mais turbulentas.

São pessoas que sempre nos ocorrem quando o mundo pesa e pensamos, fazia-nos falta a Pessoa Sol. Acontece até que talvez nem precisassem de falar, bastava que estivessem e o mundo pareceria melhor.

Tenho a certeza que as Pessoas Sol para conseguirem iluminar por fora, para fora, são iluminadas por dentro, são sábias, são mestres, são serenas. São tão sábias que são capazes de nos mostrar o que nunca viram.

Hoje, sem ser por acaso, lembrei-me do meu pai e da minha avó Leonor, duas Pessoas Sol que me mostraram a minha estrada e há muito que cumpriram a sua.

sábado, 18 de março de 2023

DA DESMATERIALIZAÇÃO NO ENSINO

 A propósito da transição digital, da desmaterialização na área da educação, trajecto que, do meu ponto de vista, deve ser ponderado, tranquilo, com recursos atempados e não à boleia do deslumbramento, uma história.

Um dia destes a Sara, professora de gente pequena, encontrou-se no bar da escola com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. A conversa, para não variar, foi sobre o trabalho de ensinar e aprender.

Estava a lembrar-me da reunião que ontem tivemos. Velho, que me dizes sobre a utilização cada vez mais presente dos computadores com os gaiatos pequenos, agora até as provas de aferição serão em formato digital? Estás contra ou a favor?

Na minha idade já nem sempre consigo estar de forma definitiva, contra ou favor de muitas coisas. A questão dos computadores na sala de aula com os miúdos pequenos é um exemplo, acho que não se pode discutir assim.

Então?

Como é evidente os computadores e os recursos digitais fazem parte da nossa vida em múltiplas dimensões. Assim sendo, considerando que a escola deve lidar e colocar os miúdos a lidar com as coisas da vida, os recursos digitais devem aparecer e integrar-se, no trabalho "sério" ou nas brincadeiras, é uma questão de bom senso e de mudança necessária e é fundamental que envolva todos os alunos, que os recursos sejam suficientes. Por outro lado, quando se começa a mexer nas letras, a juntá-las e a escrever, parece-me muito importante que as mãos escrevam, desenhem as letras, construam as histórias. Às vezes dizem que os miúdos se motivam mais porque os computadores são inovadores. É um equívoco, os miúdos motivam-se por aquilo que gostam e aprendem a gostar. E para aprender a gostar também é preciso saber fazer. Repito, parece-me essencial que as mãos conheçam as letras, como elas se desenham, como elas se juntam e o que elas são capazes de dizer. Utilizar o computador será útil para algumas outras tarefas ou actividades que não substituem escrever e construir textos com as mãos. Aliás creio que mesmo nós, adultos, ainda utilizamos o escrever à mão em múltiplas situações.

Sabes que tanto como a cabeça ensina as mãos, as mãos ensinam a cabeça. Quando as mãos e a cabeça aprendem e sabem, então o computador também já pode ser uma caneta. Dá para entender Sara? É por isso que estou contra e a favor do uso dos computadores pelos gaiatos pequenos ou, se preferires, a favor e contra.

Parece simples Velho.

Mas não é, temos de procurar equilíbrio e os recursos para que ferramentas que se integram no processo de ensino e aprendizagem não criem problemas à aprendizagem e ao ensino.

sexta-feira, 17 de março de 2023

MIÚDOS COM SONO

 Na passagem de olhos pela imprensa dei conta de que no calendário das consciências se assinala hoje o Dia Mundial do Sono. Porque assim é, algumas notas sobre os hábitos de sono dos mais novos matéria que me parece importante e que nem sempre tem a atenção que deveria. Retomo algumas notas que por aqui tenho referido e que também abordo em muitas conversas com pais.

Em 2021 foi publicado na "Sleep Medicine" o estudo, “Home vs. bedroom media devices: socioeconomic disparities and association with childhood screen-and sleep-time”, realizado Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da U. de Coimbra.

A investigação envolveu 8.430 crianças, entre os 3 e os 10 anos de escolas públicas e privadas e evidenciou, em linha com o que já se conhece, que a presença de dispositivos electrónicos no quarto das crianças ou a sua utilização diária prolongada provocam uma diminuição significativa no tempo de sono das crianças.

Um dado relevante é que, apesar de serem as famílias com mais elevado estatuto socioeconómico as que detêm mais recursos digitais é nas famílias menos favorecidas que predomina o seu uso no quarto. Uma hipótese explicativa, segundo os autores, remeterá para uma menor literacia digital destas famílias e menor conhecimento dos riscos associados à utilização excessiva.

A qualidade e higiene do sono são, de facto, matérias de grande importância no bem-estar e qualidade de vida das pessoas e em todas as idades. No entanto nem sempre têm a atenção devida, sobretudo no que respeita aos mais novos.

Recordo um estudo, já de 2016, realizado pela Universidade do Minho que sugere que cerca de 72% de mais de quinhentas crianças e adolescentes inquiridos, dos 9 aos 17, dormem menos do que seria recomendável para as suas idades. Aliás, estudos liderados pela Professora Teresa Paiva, uma conhecida especialista nesta área, vão no mesmo sentido.

E, de uma forma geral, para além das questões ligadas aos estilos de vida e às rotinas, uma das causas apontadas é a presença de aparelhos como computadores, tablets ou smartphones no quarto.

O período de confinamento e sobrevalorização da presença dos dispositivos digitais no dia-a-dia que continua a acentuar-se coloca algumas preocupações que este estudo vem de novo sublinhar.

Em 2013, um trabalho da University College of London mostrava o impacto negativo que a ausência de rotinas como deitar à mesma hora podem ter no bem-estar e saúde das crianças afectando, por exemplo, o processamento da aprendizagem.

Esta questão, os padrões e hábitos de sono das crianças e dos adolescentes, é algo de importante que nem sempre parece devidamente considerada como se constata em muitas conversas com pais de crianças e adolescentes.

A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes, incluindo o rendimento e comportamento escolar. Todos nos cruzamos frequentemente nos Centros Comerciais, por exemplo, com crianças, mais pequenas ou maiores, a horas a que deveriam estar na cama e que, penosa, mas excitadamente, deambulam atreladas aos pais.

Alguma evidência sugere que parte das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remete para questões ligadas a stresse familiar e sublinha o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.

As situações de stresse familiar serão importantes, mas parece-me necessário não esquecer alguns aspectos relacionados com os estilos de vida, com as rotinas ou com a utilização nem sempre regulada das novas tecnologias. Muitos trabalhos mostram também que boa parte das crianças e adolescentes que acedem a computador ou smartphone o fazem no quarto como também o sugere o trabalho agora divulgado.

Assim, acontece que durante o período que seria dedicado ao sono, sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes continuam diante de um ecrã. Como é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Creio que, com alguma frequência, alguns comportamentos e dificuldades escolares dos miúdos, sobretudo nos mais novos que por vezes, sublinho por vezes, são de uma forma aligeirada remetidos para problemas como hiperactividade ou défice de atenção, podem estar associados aos seus estilos de vida ou aos modelos educativos, universo onde se incluem os hábitos e padrões de sono como, aliás, alguns estudos e a experiência de muitos profissionais parecem sugerir.

Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para estas questões e que apesar a utilização imprescindível e útil destes dispositivos seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

A experiência diz-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias.

quinta-feira, 16 de março de 2023

AGRESSÃO A UM PROFESSOR, ENÉSIMO CASO

 Com alguma frequência, demasiada frequência, aqui escrevo sobre ou a propósito de situações de violência dirigida a professores realizada por alunos ou encarregados de educação (serão mesmo de educação?!). Desta vez aconteceu na Escola EB 2,3 e Secundária de Baião. O director-adjunto foi agredido com severidade por um aluno de 14 anos quando procurava evitar que este agredisse um outro professores.

Andam negros os tempos para os professores. Sempre que escrevo sobre esta questão, agressões ou insultos a professores e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, mas creio que é preciso insistir.

As notícias sobre agressões a professores, cometidas por alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” para a escola que trará a divulgação.

Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Cada um dos recorrentes episódios é, obviamente, um caso de polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, mais do que ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza. Apenas umas notas repescadas.

Começo por uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.

No entanto, importa registar que a classe docente é dos grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece relevante.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde, médicos e enfermeiros.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento e a punição e responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.


quarta-feira, 15 de março de 2023

DO ARRASTAMENTO

 Leio no Público que não existe data marcada para continuação do processo negocial entre o ME e os representantes dos professores que, entretanto, divulgam novos calendários de prováveis paralisações.

Aparentemente, o arrastar deste processo é incompreensível… ou não.

Embora o ME não tenha um currículo sólido na realização de contas, parece claro que o tempo já passado seria mais do que suficiente para se perceba de forma clara o que em termos de custos será o impacto do que que é solicitado pelos professores, incluindo as alterações advindas da reforma de muitos milhares de professores que serão, seriam, substituídos por docentes mais novos e com estatuto salarial também ele mais baixo.

Não é conhecida a intenção por parte dos professores de não negociarem, é justamente o que têm afirmado continuam a afirmar.

A continuidade do processo de reivindicação tem impactos óbvios e de diferente natureza. para as comunidades educativas, professores, pais, técnicos e alunos.

Parece razoavelmente evidente que a situação de prolongamento “enrolado” não serve a ninguém, mas … pode servir ao ME.

Em 1 de Fevereiro, o Presidente da República, a propósito do processo de contestação já em curso, afirmou, “Há um momento em que a simpatia quanto à causa pode virar-se contra eles. Como se sabe, alguns trabalhos divulgados na imprensa referiam sondagens em que as reclamações dos docentes mereciam apoio por franja significativa dos inquiridos

Talvez possa ser este entendimento o orientador da gestão do processo negocial. Dito de outra maneira, com o tempo os professores poderão começar a ser mais fortemente criticados pela sua persistência e acabarão por ceder à pressão que a chamada “opinião pública” possa criar sobre a classe.

Teríamos assim um momento 2.0 do famigerado “Perdi os professores, mas ganhei os pais e a população”, proferido em 2006 pela então Ministra Maria de Lurdes Rodrigues também num contexto de contestação da classe docente.

Não gosto da ideia de que esta seja uma forma séria e responsável de gerir políticas públicas de educação.

Mas que as dúvidas são mais que muitas … são, lamentavelmente para toda a comunidade.

terça-feira, 14 de março de 2023

A LETRA BONITA

 Era uma vez uma Menina que, como todas as meninas, era diferente. Esta era mais diferente do que as outras, por assim dizer. Tinha mais dificuldades em aprender as coisas da escola, às vezes não se percebia logo o que queria dizer e muitas coisas não fazia mesmo ou fazia a muito custo e sem que fiquem muito perfeitas.

Porque a Menina cresceu, mudou de escola e na escola nova os professores e os colegas começaram a perceber que a Menina era um pouco diferente das outras. Quase sempre os miúdos percebem que ninguém é igual a ninguém e não estranham muito. Os mais crescidos assustam-se por vezes, porque acham que não saberão o que fazer com os meninos e meninas que são diferentes, mais diferentes. Às vezes também não sabem muito bem o que fazer com os que não são tão diferentes, mas isso é de outra história.

A Menina gostou imenso de mudar de escola, sentiu-se bem com os colegas e com os professores o que até surpreendeu um pouco pois esperava-se que se pudessem criar algumas dificuldades.

Um dia destes, uma das professoras da Menina sem se lembrar que ela era diferente, pediu-lhe para escrever qualquer coisa no caderno, tarefa que só com alguma ajuda poderia ser desempenhada. No entanto, muito tranquilamente, a Menina pediu à professora que escrevesse ela o que era solicitado. É que "a letra da professora é mais bonita" disse a Menina à sua maneira, sorrindo.

Os miúdos diferentes são inteligentes, nem sempre sabemos quanto.

segunda-feira, 13 de março de 2023

A LER, "PROFESSORES NOS CUIDADOS INTENSIVOS"

 Merece leitura e reflexão, em particular da tutela da Educação, o texto de Marco Bento no Público, “Professores nos cuidados intensivos”.

“(…) Para isso, na urgência da Educação em Portugal, que se ouçam e reconheçam os professores como profissionais qualificados, de forma a atrair jovens talentosos para a carreira docente e aumentar a motivação e satisfação dos professores que exercem a arte de educar com ética e sentido profissional. (…)”

Reafirmo o que por aqui tenho escrito. Os sistemas educativos considerados como tendo melhor qualidade, independentemente dos critérios de análise, são, em regra, os que mais valorizam os professores, em termos sociais, em termos profissionais e também no estatuto salarial.

A defesa da qualidade da educação e da escola, pública e também privada, passa incontornavelmente pela defesa e valorização das condições de trabalho, em diferentes dimensões, que possibilitem que o desempenho de escolas, professores, directores, técnicos, funcionários, alunos e pais tenha o melhor resultado possível.

O futuro passa pela educação e pela escola, donde ... abandonemos um tempo de serviços mínimos e criemos um tempo de entendimento, não precisa de ser máximo, apenas um entendimento justo.

domingo, 12 de março de 2023

JÁ NÃO AGUENTO

 

No Expresso encontra-se uma peça  inquietante sobre  o mal-estar entre os adolescentes.

De acordo com os indicadores registados no Hospital Dona Estefânia registaram-se 1116 tentativas de suicídio entre 2018 e 2021, sendo que em 2018 foram 226, em 2019 foram 237, baixaram no ano mais pesado da pandemia, 2020 com 129 e em 2021 subiram 464. Os indicadores para 2022 sugerem uma nova subida.

De acordo com os estudos da equipa clínica, os episódios envolvem sobretudo adolescentes com 15 e 16 anos, mas registam-se casos com crianças de 11 anos.

Todos os casos revelam, evidentemente, situações de mal-estar e em 33% parecem apresentar, de facto, ideação suicida.

São dados que requerem a maior atenção e estão em linha com outros indicadores de mal-estar entre os mais novos que tenho abordado com alguma regularidade e de que retomo algumas notas.

O mais recente estudo "A Saúde dos adolescentes Portugueses", o de 2022, que integra o estudo internacional Health Behaviour in School-aged Children, da responsabilidade da OMS, realizado de quatro em quatro anos e coordenado em Portugal pela excelente equipa da Aventura Social, de que destaco Margarida Gaspar de Matos e Tânia Gaspar foi divulgado no final de 2022 e envolveu 5809 alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos, uma amostra representativa destes anos de escolaridade. A natureza e diversidade dos dados encontrados justifica várias análises, mas recupero os indicadores relativos a adolescentes que se magoam a si próprios num quadro de mal-estar. Este comportamento é referido por 24,6% dos inquiridos, maioritariamente raparigas. Em 2018, último estudo, a percentagem era de 19,6%. Trata-se, de facto, de um dado inquietante e reflexo do mal-estar em muitos adolescentes que é coerente com outros indicadores do trabalho.

Alguns estudos internacionais apontam para cerca de 10% da população em idade escolar com comportamentos de automutilação pelo que os dados encontrados em Portugal são, de facto, preocupantes. Conheceremos melhor a situação comparativa quando estes dados forem cruzados com os de outros países envolvidos

Na verdade, os comportamentos de automutilação em adolescentes são mais frequentes do que muitas vezes pensamos e devem ser encarados com preocupação. E os casos que vão sendo conhecidos são apenas isso, os conhecidos, a ponta do iceberg.

É justamente por esta dimensão e as suas potenciais consequências que me parece fundamental entender tudo isto como um sinal muito forte do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem e a verdade é que em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Este mal-estar e o que daí pode emergir decorrem de situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo nas suas diferentes formas ou relações degradadas na família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social que serão indutoras de comportamentos autodestrutivos.

Começa também a surgir como causa deste mal-estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.

Os tempos estão difíceis e crispados para muitos adultos e também para os miúdos a estrada não está fácil de percorrer.

Como disse, alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família.

Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um espaço, nem sempre um espaço físico, insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos, mas perdidos.

Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e que um projecto para a vida é apenas mantê-la ou que nem isso vale a pena.

Alguns convencem-se ou sentem que a escola não está feita para que nela caibam e onde podem ser vitimizados.

Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar fazendo diferente.

Alguns transportam diariamente um fardo excessivamente pesado e que os torna vulneráveis.

Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário pois muitos destes adolescentes e jovens terão evidenciado no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa ou na escola, espaço onde passam boa parte do seu tempo. Aliás, alguns testemunhos ouvidos no âmbito dos recentes e mediatizados casos mostram isso mesmo.

De facto, em muitos casos, designadamente, em comportamentos de automutilação ou estados mais persistentes de tristeza e isolamento, pode ser possível perceber sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações.

O sofrimento e mal-estar induzem uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam sofrimento a si próprios o que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também extraordinariamente significativos.

Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos mais novos nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado. Também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.

Alguns destes miúdos carregam diariamente uma dor de alma que sentem, mas nem sempre entendem ou têm medo de entender.

Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.

Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um adolescente dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.

Muitos pais, mostra-me a experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda por se sentirem impotentes e perplexos.

O resultado de tudo isto pode ser trágico e obriga-nos a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos adolescentes e dos jovens."

sábado, 11 de março de 2023

SOBRESSALTOS DA DESMATERIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO

 Como sabemos foi decidido que as provas de aferição do 2º, 5º e 8º ano deste ano lectivo serão realizadas por todos os alunos em formato digital. De acordo com o Público os alunos serão distribuídos por dois turnos em cada dia para que haja equipamentos para todos.

Confesso alguma perplexidade e inquietação. Parece depreender-se desta decisão que não existem recursos nas escolas para que os alunos de três anos de escolaridade acedam em simultâneo a equipamentos digitais. Não que me surpreende a insuficiência, preocupam-me os meandros da desmaterialização. Algumas notas.

Em primeiro lugar parece claro que em múltiplas áreas e, naturalmente, também na educação, a transição digital parece incontornável e torna necessária a utilização das ferramentas digitais de forma generalizada e integrada nos processos de ensino e aprendizagem, bem como em todos os processos relativos à organização e funcionamento escolar e do sistema no seu todo. Nenhuma dúvida sobre isso. Sem meios digitais não podia estar a escrever este texto.

Em segundo lugar é fundamental que a transição digital não faça parte do problema, mas da solução o que, por exemplo, a burocratização “platafórmica” que se verifica na vida de escolas e professores parece sugerir.

E a verdade é que existem queixas frequentes relativas ao acesso a equipamentos atempado por parte dos alunos, à qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos não parece ser a sua especificação mais relevante, os recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, mas escolas, em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Deste cenário podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre alunos.

Por outro lado, por razões e responsabilidades conhecidas, estão a chegar às escolas cidadãos com formação científica em diferentes domínios, mas sem formação para a docência. Chama-se “desprofissionalização” que se atenuará com uma onda de “capacitação” e com o jeito e boa vontade que, obviamente, todos terão. Professor é uma profissão fácil como se sabe.

Temo que este movimento imparável de desmaterialização da educação possa vir a envolver a desmaterialização dos professores, substituindo-os algo como   uns(umas) Siri(s).

Quanto aos alunos, bom, a esses parece impossível desmaterializá-los.

Estamos e vamos certamente continuar perante uma realidade que se pode chamar de desafiante.

Como por aqui dizemos, deixem lá ver.

sexta-feira, 10 de março de 2023

DA FALTA DE PROFESSORES

 Merece leitura e, sobretudo reflexão, o texto de Carlos Ceia no Público, “A falta de professores como ameaça de colapso do sistema educativo”.

Lamentavelmente a questão não é nova. Há anos que sucessivos relatórios nacionais e internacionais têm alertado para gravidade do envelhecimento da classe docente, dos efeitos associados, e da certeza da falta de docentes a curto prazo como já está a acontecer dramaticamente. Algumas notas repescadas.

O envelhecimento da classe docente não é um problema exclusivo do nosso sistema, mas é particularmente grave sendo que alguns países também afectados têm iniciativas já em desenvolvimento no sentido de o minimizar o que não parece acontecer entre nós.

Ao perfil dos docentes em termos de idade acresce que, como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, frequentemente associado a níveis pouco positivos de satisfação profissional. Acresce que nos últimos cinco, seis anos a inscrição de alunos em cursos de formação para a docência baixou para metade, os cursos de formação de professores, de uma forma geral, perderam atractividade, menos 70% desde o início do século.

Na verdade, este cenário só pode surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam na comunicação social e dos comentários nas redes sociais dirigidos à educação e aos professores.

Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a insuficiente renovação, contratação de docentes novos.

Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm desenvolvido políticas que contribuem para a desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas, nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais e reforça a a baixa atractividade da carreira.

Este cenário revela uma das dimensões mais frágeis das políticas públicas de educação nos últimos anos em que sempre se insistia na narrativa dos professores a mais com resultados que estão à vista.

Parece clara a necessidade inadiável de definir uma resposta oportuna e consistente a este trajecto.

Sabemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

quinta-feira, 9 de março de 2023

A FESTA DAS LETRAS

 A escola vive dias conturbados, mas mantém todos os dias o seu lado mais bonito. Num dos últimos dias, o meu neto Tomás, 1º ano de escolaridade, anunciou que iria haver festa na escola para a qual teria de levar um bolo.

Não vislumbrando de imediato o que motivaria a festa preguntámos a razão.

“Vai haver a festa das letras, já acabámos o alfabeto todo”.

De acordo com o relato a festa foi divertida, só podia.

Acho muito bonita a ideia de comemorar a aquisição de todas as letras, uma ferramenta extraordinária. O Tomás, os colegas, e todos os miúdos que já sabem as letras todas estão preparados para conquistar o mundo construindo o seu futuro.

Sabendo todas as letras conhece-se tudo.

É também por isto que importa considerar e valorizar em todas as dimensões o trabalho dos professores, são eles que entregam aos miúdos as letras que lhes permitirão  ser gente.

Quem não perceber isto talvez não saiba ler o mundo com as letras do alfabeto, lê com outras letras. Mas isto é uma outra história, mais feia.

quarta-feira, 8 de março de 2023

MULHERES

 Não há volta a dar, 8 de Março, o calendário das consciências manda reparar nas mulheres, no seu universo, nos seus problemas. Para além das iniciativas, discursos e referências na imprensa que fazem parte da liturgia comemorativa, reparemos então.

Reparemos como se mantêm em níveis dramáticos e inaceitáveis os episódios de violência doméstica incluindo homicídios. Acresce que ainda existem muitíssimas situações que não são do conhecimento público e, portanto, boa parte dos episódios não são sequer objecto de procedimento.

Reparemos como se mantém a diferença de oportunidades e a desigualdade salarial apesar das mudanças legislativas. Segundo alguns dados serão precisas décadas para atingir equidade no estatuto salarial.

Reparemos na dificuldade que muitas mulheres em Portugal têm em conciliar maternidade com carreira, adiando ou inibindo uma ou outra, sendo cada mais preterida a maternidade. A intenção expressa de ter filhos é um obstáculo no acesso ao emprego.

Reparemos em como as mulheres portuguesas são das que na Europa mais horas trabalham fora de casa e também das que mais trabalham em casa.

Reparemos na necessidade de imposição legal de quotas para garantia de equidade.

Reparemos na desigualdade no que respeita à ocupação de postos de chefia.

Reparemos nos números do tráfico e abuso de mulheres que também passa por Portugal.

Reparemos na criminosa mutilação genital feminina, também realizada em Portugal.

Reparemos como a igreja continua a discriminar as mulheres.

Reparemos na quantidade de mulheres idosas que vivem sós, sobrevivem isoladas e acabam por morrer de sozinhismo sem que ninguém, quase, se dê conta.

Reparemos, finalmente, no que ainda está por fazer.

Na verdade, a metade do céu que as mulheres representam carrega um fardo pesado.

Provavelmente ainda assim será no próximo ano como tem sido nos anos anteriores.

Provavelmente voltarei com este texto no próximo ano.

terça-feira, 7 de março de 2023

CADERNO DE ENCARGOS

 João, são horas de te deitares. Já sabes.

Fizeste os trabalhos de casa?

Estudaste para o teste de história?

Já tens a mochila arrumada?

Não te esqueças da roupa para Educação Física.

Toma atenção nas aulas, não estejas de conversa e distraído.

Porta-te como deve ser.

Não gastes o dinheiro em porcarias no bar, come coisas de jeito.

Toma cuidado com a roupa, não a estragues nem sujes.

Não te esqueças de material na escola que está tudo muito caro.

Não andes com aquele Tiago que se só faz asneiras e depois tu vais atrás dele.

Tens o passe do autocarro? Toma cuidado, não o percas.

Pergunta à directora de turma se posso ir lá falar com ela.

Está ali o papel assinado para ires à visita de estudo, não te esqueças dele e pergunta a que horas é preciso estar na escola na escola.

Vê lá se não passas o tempo a brincar, sem trabalho não se vai a lado nenhum. Vê lá o que aconteceu ao Rui do 3º andar, já chumbou três vezes.

Não leves o relógio para a escola, podem roubar-to.

No caminho da escola não fales com gente que não conheces.

Olha que não quero receber outro recado da Professora de Inglês porque lhe respondeste torto.

Vê como a tua prima Carolina é arrumada e se porta sempre bem.

Agora João, dorme descansado, amanhã é dia de escola.

segunda-feira, 6 de março de 2023

MIMO A MAIS É COISA QUE NÃO EXISTE

 No Expresso encontra-se um trabalho interessante sobre as mudanças que aparentemente se estão a verificar nos modelos de educação parental dos pais mais novos.

Afirma-se que, “Palmada educativa' é coisa do passado: respeito, carinho, autonomia e liberdade são pilares para os novos pais”.

Os que mais acompanham este espaço sabem que muitas vezes aqui abordo esta questão, a educação familiar, e a forma como os pais questionam, agem e pensam esta matéria o que também acontece em trabalho com grupos de pais.

As mudanças que, felizmente, se vão verificando nas práticas familiares levam a que, por vezes se refira a ideia, também enunciada no trabalho do Expresso sobre a ideia dos “mimos a mais”.

De facto, é que com demasiada frequência se afirma que eventuais comportamentos inadequados de crianças e adolescentes se devem a “mimos a mais”. Como também já referi em colaborações com a imprensa, designadamente num texto para a Visão, tal entendimento “tira-me do sério”, não existem "mimos a mais". Ponto.

Tal justificação costuma servir depois para se afirmar a ideia de que as crianças hoje em dia têm muitos mimos que as “estragam”, dito de outra maneira, têm “afecto” a mais ou ainda “gosta-se de mais” das crianças. Estes discursos, que alguns profissionais destas áreas também subscrevem, merecem-me alguma reserva pois assentam, do meu ponto de vista, num equívoco.

De uma forma geral, as crianças não terão afecto, mimos, a mais, poderão, isso sim, ser objecto de “mau afecto” ou se quiserem, de "maus mimos". É essa falta de qualidade que lhes poderá ser prejudicial. Não é mau por ser muito, é mau porque asfixia, é tóxico, não deixa que os miúdos cresçam, distorce a percepção da criança de si própria e do seu funcionamento, não permite o estabelecimento de uma relação saudável, protectora e promotora da autonomia das crianças, uma condição fundamental para o seu desenvolvimento positivo. No entanto, não é este tipo de reflexão que leva muitos de nós a falar dos “mimos a mais”.

Insisto, as crianças não têm elogios ou mimos a mais. O que se passa mais frequentemente é que recebem “nãos” de menos. Na verdade, muitos adultos, pais, sendo quase sempre capazes de dar os mimos, mostram-se muitas vezes incapazes de dar os “nãos”, de estabelecer os limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias às crianças como respirar e alimentar-se. Estes “nãos” e para utilizar a mesma terminologia, são outros mimos imprescindíveis na educação de crianças e adolescentes nos seus diferentes contextos de vida.

As regras e os limites são bens de primeira necessidade. Tal como com os afectos, nenhuma dieta educativa pode prescindir de regras e limites.

Ficando sem “nãos” muitas crianças, a coberto da ideia dos “mimos a mais”, transformam-se em pequenos ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar pela sua própria vida. Não crescem saudavelmente.

Neste contexto, apoiar e ajudar os pais a desenvolverem de forma confiante comportamentos de disponibilidade e escuta de crianças e adolescentes, a assumirem com firmeza e sem culpa a necessidade de definir regras e limites, de mostrar afecto sem que se sintam a dar “mimos” a mais que “estragam” os filhos, só pode resultar em bom trabalho, para os pais e para os filhos.

De pequenino é que se constrói … o destino.

domingo, 5 de março de 2023

NO TEMPO DOS CARAPAUS DE CORRIDA

 Volta e meia, as mais das vezes sem motivo aparente, lembro-me de algumas expressões que fazem parte da minha história, mas que, por uma razão ou por outra, quase desapareceram de circulação.

Hoje apareceu vinda lá de longe uma designação que era muito do agrado da minha professora da Primária, a D. Conceição e de outros adultos da altura, os "carapaus de corrida". Devo confessar que não me passa pela ideia a origem de tal pérola, mas que nos enchiam os ouvidos com ela, lá isso enchiam.

Perante qualquer comportamento ou atitude menos conforme o espírito submisso e aquietado da época, lá vinha um "não te armes em carapau de corrida" seguido, quase sempre, de uma ameaça que naquele tempo era para levar a sério, vinda de pais ou professores.

Na minha turma o destino juntou um bom número de "carapaus de corrida". Como o povo costuma dizer, não é para me gabar, mas fazíamos uns disparates dos bons e, claro, a D. Conceição lá vinha com a sua apreciação e com alguma frequência, os "carapaus de corrida" corriam para a frente da secretária para um pequeno e acalorado encontro com a régua que descansava na gaveta de cima. Enquanto ouvíamos qualquer coisa como, "para não te armares em carapau de corrida" as barbatanas, perdão, as mãos, ganhavam um tom avermelhado e um calor que nos dava frio.

Um dia, o Fernando, já vos falei dele, um dos nossos heróis quando roubou a régua que fomos partir para fora da escola e talvez o melhor "carapau de corrida" do grupo teve mais uma das suas muitas obras primas. Quando pela enésima vez a D. Conceição referiu os inevitáveis "carapaus" retorquiu que aquela sala parecia mesmo um aquário. Antes que a professora reagisse explicou que com "tantos carapaus e uma baleia" aquilo já era um aquário não era uma escola.

Naquele dia, quando fomos para o recreio o Fernando, o herói, ainda tinha dificuldade em segurar os berlindes, tal o ardor das mãos.

Mas isto é uma história do tempo em que havia "carapaus de corrida".

sábado, 4 de março de 2023

POBREZA E EDUCAÇÃO

 A Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, na apresentação ontem realizada do Plano de Acção da Garantia para a Infância 2022-2030 anunciou que o Governo tem como objectivo retirar, até 2030, 161 mil crianças da pobreza.

O relatório do Eurostat, “Children in poverty or social exclusion”, mostra que em 2021 uma em cada quatro crianças portuguesas com menos de 18 anos, 22,9%, vivia em situação de pobreza ou exclusão social.

O Eurostat reafirmou que as crianças que crescem contextos de pobreza e exclusão social enfrentarão maiores dificuldades em obter sucesso escolar, ter um desenvolvimento saudável e assumirem projectos de vida com mais potencial de realização. Estas crianças correm ainda maior risco de desemprego, pobreza e exclusão social em adultos.

Também os dados divulgados pelo Banco Mundial, "The State of Global Learning Poverty: 2022 Update", sobre pobreza educativa vão no mesmo sentido e acentuam a urgência na promoção do bem-estar dos mais novos que, evidentemente, não pode ser abordado e tratado sem uma políticas públicas globais adequadas e modelos de desenvolvimento amigáveis para as pessoas, todas as pessoas.

A pobreza tem claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador acima da mádia europeia.

A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social.

O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças, em particular no rendimento escolar e comportamento, é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas. Em qualquer parte do mundo, miúdos com fome, com carências, não aprendem e mais provavelmente vão continuar pobres. Manteremos as estatísticas internacionais referentes a assimetrias e incapacidade de proporcionar mobilidade social através da educação. Não estranhamos. Dói, mas é “normal”, será o destino.

É verdade que com muita frequência a escola distribui refeições a crianças e ainda bem que o faz. No entanto, não compete à escola a resolução de questões estruturais nas quais radica a pobreza continuada nem o providenciar de necessidades básicas às crianças.

Assim, ou nos concertamos na exigência a alterações nos modelos de desenvolvimento de modo a garantir, tanto quanto possível, equidade e um combate eficaz à exclusão com a consequente alteração nas políticas públicas ou, ciclicamente, nos confrontamos com indicadores desta natureza.

Não, não é "o destino" que os filhos dos filhos dos filhos, dos filhos das famílias pobres continuem pobres. Se assim acontece e continua a acontecer é a falência das políticas públicas e dos que por elas são responsáveis.

sexta-feira, 3 de março de 2023

ENTENDIMENTO, PRECISA-SE

 Tendo sido solicitada pelos representantes dos professores realiza-se na próxima semana uma negociação suplementar com o ME face à ausência de acordo após as reuniões já realizadas.

Cumpre-se hoje um novo período de greve e a natureza dos problemas envolvidos, o cansaço e desânimo que os professores sentem, a injustiça e desvalorização de que se sentem alvo, o mal-estar acrescido  pela manutenção de discursos e intervenções erráticas por parte da tutela e o recurso a procedimentos que, mais do que esclarecer ou contribuir para a solução, agudizam o confronto não favorecem a possibilidade de concertação e confiança.

O clima das escolas está significativamente alterado e, naturalmente, com impacto no trabalho de alunos, professores, funcionários, técnicos, direcções. Muitos estudos mostram uma relação relevante entre qualidade educativa em diferentes parâmetros e múltiplas dimensões do clima institucional.

Importa que o processo em curso gere a possibilidade de um acordo que possa devolver alguma tranquilidade às comunidades educativas.

Como parece claro, a única forma de ultrapassar este cenário, é a negociação e esta não pode ser de serviços mínimos, o que está em jogo é demasiado importante.

Reafirmo a ideia de que os sistemas educativos considerados como tendo melhor qualidade, independentemente dos critérios de análise, são, em regra, os que mais valorizam os professores, em termos sociais, em termos profissionais e também no estatuto salarial.

A defesa da qualidade da educação e da escola, pública e também privada, passa incontornavelmente pela defesa e valorização das condições de trabalho, em diferentes dimensões, que possibilitem que o desempenho de escolas, professores, directores, técnicos, funcionários, alunos e pais tenha o melhor resultado possível.

O futuro passa pela educação e pela escola, donde ... abandonemos um tempo de serviços mínimos e criemos um tempo de entendimento, não precisa de ser máximo, apenas um entendimento justo.

quinta-feira, 2 de março de 2023

A PERCEPÇÃO SOCIAL DE AUTORIDADE

 A imprensa de hoje refere que em 2022 foram na plataforma Notifica da DGS mais de 1600 episódios de violência contra profissionais de saúde. As instituições denunciaram criminalmente mais de 200 situações. Trata-se do volume de episódios registados mais alto no período de funcionamento da plataforma. É de considerar ainda que receberam apoio psicológico após episódios de violência mais de 540 profissionais e existem mais de 800 botões de pânico nas instituições.

São indicadores preocupantes, mas não surpreendentes dada a regularidade co que são conhecidos episódios de violência dirigida aos profissionais de saúde. Como eventuais explicações são habitualmente referidos os potenciais efeitos que a situação de grande dificuldade e económica que atravessamos, incluindo problemas específicos relativos ao funcionamento das instituições de saúde que podem funcionar como geradores de tensão, instabilidade levando a ofensas e mesmo agressões.

Sem minimizar estes efeitos de natureza mais psicológica que alguns especialistas também sustentam, creio que importa reflectir numa outra perspectiva.

Em primeiro lugar deve sublinhar-se que os profissionais da saúde não são os únicos destinatários de emergentes e regulares comportamentos de agressividade. Sucedem-se, por exemplo, agressões a representantes de forças policiais e são demasiado frequentes e graves os episódios de agressão a professores.

Por outro lado, é minha convicção que, para além dos efeitos das condições sociais e económicas, vale a pena considerar dois aspectos que me parecem essenciais, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade, que estarão fortemente ligados a estes fenómenos.

Uma observação minimamente atenta às mudanças sociais, culturais e económicas nas últimas décadas, permite, creio, constatar como tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os médicos e enfermeiros, entre outras profissões, professores ou polícias, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição profissional, como fontes de autoridade, como também os velhos, curiosamente. Tal processo alterou-se, a profissão ou a idade já não conferem “autoridade” que iniba ou modere comportamentos de agressão e de ofensa. Dito de outra maneira, a identificação como médico ou enfermeiro, através da "bata", polícia com a "farda" ou professor com o "peso social" da função e da escola, já não são, por si sós, reguladores dos comportamentos. Estas mudanças implicam uma reflexão profunda, pois sendo um fenómeno "novo", não poderemos recorrer unicamente às soluções "velhas".

O segundo aspecto que me parece de considerar remete para um ambíguo e abrangente sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a "grandes", o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”. O comportamento e os episódios conhecidos envolvendo figuras de relevo político, económico e social e a sua falta de consequências são elucidativos

Considerando este quadro, parece importante, como tantas vezes tenho referido, o trabalho desenvolvido no âmbito de uma "Educação para a Cidadania" assim como a formação dos grupos profissionais para a gestão e prevenção de situações de conflito, bem como um discurso político e social consistente de valorização da autoridade, não do autoritarismo.

Por outro lado, finalmente, é ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

quarta-feira, 1 de março de 2023

MIÚDOS E PAIS EM SOFRIMENTO

 No DN refere-se uma conferência hoje organizada pela Associação Portuguesa para a Igualdade e Direitos dos Filhos com tema "Da prevenção à intervenção em conflitos parentais". 

A temática, como o título sugere, centra-se na existência de conflitos entre os pais em processos de separação e considerando a regulação parental. Na peça é referido em 2021 chegaram aos tribunais de família e menores 31 181 processos cíveis relativos das responsabilidades parentais, sendo que 11 356 (36,4%) foram por incumprimento. Foram registados 12 790 (41%) pedidos de regulação.

Trata-se de uma situação potencialmente causadora de enorme sofrimento em todos os envolvidos independentemente das responsabilidades que cada um dos elementos possa ter em todo o processo.

É uma situação também muito complexa no que respeita à intervenção e regulação. Recordo que em 2017 o Instituto de Segurança Social lançou em 2017 dois manuais, “Manual da Audição da Criança” e o “Manual de Audição Técnica Especializada”, uma ferramenta de apoio aos técnicos envolvidos em processos conflituosos de separação parental em que estão crianças e não raras vezes em processo de sofrimento significativo, tal como, aliás, os adultos.

É verdade, felizmente, que existem múltiplos casos de reconstrução bem-sucedida de famílias após situações de divórcio em que adultos e crianças encontraram forma de viverem situações de bem-estar depois de quebrar relações anteriores. Seria esta a situação desejável em caso de separação.

No entanto, existem muitas circunstâncias em que os processos de separação são de grande tensão e conflito nos quais crianças e adultos entram em processos de sofrimento muito elevados como a peça ilustra de forma inquietante

Os riscos que a separação dos pais pode implicar para os filhos são alvo de recorrentes abordagens na imprensa e no âmbito da minha experiência são também objecto de frequentes pedidos de ajuda, orientação ou apenas inquietação.

Na maioria das situações as coisas correm bem e é sempre preferível uma boa separação a uma má família, mas existem separações familiares extremamente conflituosas desencadeando níveis elevados de sofrimento e o arrastar dos processos de regulação parental com custos emocionais muito elevados, designadamente para as crianças.

Neste quadro, podem emergir nos adultos, ou num deles, situações de sofrimento, dor e/ou raiva, que “exigem” reparação e ajuda. Muitos pais lidam sós com estes sentimentos pelo que os filhos surgem frequentemente como “tudo o que ficou” e o que “não posso e tenho medo de também perder”. Poderemos assistir então a comportamentos de diabolização da figura do outro progenitor, manipulação das crianças tentando comprá-las (o seu afecto), ou, mais pesado, a utilização dos filhos como forma de agredir o outro.

Nestes cenários mais graves podem emergir quadros do designado Síndrome de Alienação Parental que, apesar de alguma prudência requerida na sua análise, nem a utilização como conceito parece consensual em termos clínicos e jurídicos, são susceptíveis de causar graves transtornos nas crianças, daí, naturalmente, a necessidade de suporte e ajuda.

É obviamente imprescindível proteger o bem-estar das crianças em situações de separação, mas não devemos esquecer que, em muitos casos, existem também adultos em enorme sofrimento e que a sua eventual condenação, sem mais, não será seguramente a melhor forma de os ajudar. Ajudando-os, os miúdos serão ajudados.

Assim sendo, importa estar atento e a experiência diz-me serem frequentes as situações de separação em que os adultos sentem insegurança e ansiedade e até exprimem a necessidade de ajuda. Acresce que as questões relativas à família, às novas famílias, são ainda objecto de discursos muito contaminados pelos sistemas de valores éticos, morais, religiosos e culturais.

O volume de opiniões sobre estas situações é extenso, oscilando entre considerações de natureza moral e/ou ética e um entendimento mais científico sobre a forma como as famílias e sobretudo as crianças e jovens lidam ou devem lidar com as circunstâncias. Por mim, creio “apenas” que o(s) ambiente(s) familiar(es) deve ser suficientemente saudável para que a criança se organize também saudavelmente e faça o seu caminho sem uma excessiva preocupação geradora de ansiedade e insegurança em todos os envolvidos, miúdos e crescidos.

No entanto, como sempre afirmo, há que estar atento e perceber os sinais que sobretudo as crianças mostram e, na verdade, com alguma frequência, os pais estão tão centrados no seu próprio processo que podem negligenciar não intencionalmente a atenção aos miúdos e à forma como estes vivem a situação. Pode ser necessário alguma forma de apoio externo, mas sempre encarado de uma forma que se deseja serena e não culpabilizante.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

ESCOLA SEGURA

 De acordo com indicadores disponibilizados no âmbito do Programa Escola Segura, a PSP e a GNR registaram no ano lectivo de 21/22 4757 ocorrências, sendo 67% (3172) de natureza criminal com maior prevalência de ofensas à integridade física, injúrias e roubo.

Estes dados, apesar de algum agravamento das ocorrências de natureza criminal, estão em linha com os verificados nos anos pré-pandemia.

Deixem-me insistir em duas ou três notas que retomo de reflexões anteriores.

Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Creio que já dificilmente se entende que a “família educa e a escola instrói”. Também parece que já não se espera da escola que forme “técnicos” e não cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas. Aliás, se bem repararem falamos de sistemas de educação e não de sistemas de ensino e ainda bem que assim é.

Creio que já dificilmente se entende que o conhecimento é asséptico. O conhecimento, a sua produção e a sua divulgação, tem, deve ter, sempre um enquadramento ético e não é imune a valores.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Para além dos dados referidos e dos que se referem à delinquência juvenil, são também preocupantes indicadores relativos à violência relativos à violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam o volume de episódios de bullying, ou os consumos de álcool ou droga.

Parece-me importante que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" integrem o trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas.

Como tenho referido precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

No entanto, importa uma palavra de optimismo. A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades e do que ainda está por fazer, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e isso deve ser sublinhado. De uma forma geral, professores, técnicos, funcionários e alunos, quase todos, fazem a sua parte.

Importa não esquecer e sublinhar, a escola é segura.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

DA SÉRIE, SIM, SÃO CAPAZES

 No Público encontra-se um trabalho que merece divulgação. É desenvolvido na aldeia de Cabreira, na Beira Interior. Conforme se afirma na peça, a iniciativa procura transformar “deficiências em eficiências”, um enunciado que, por si só, é um programa

Algumas notas repescadas a que, certamente, voltarei apesar das boas experiências que se vão conhecendo.

A verdade, mais uma vez e sempre, é que sem ser por magia ou mistério quando acreditamos que as pessoas, mais novas ou mais velhas, com algum tipo de necessidade especial, são capazes, não se "normalizam" evidentemente, seja lá isso o que for, mas são, na verdade, mais capazes, vão mais longe do que admitimos ou esperamos, tão longe como qualquer pessoa. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas, ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que eles progridem, que eles são capazes de ... , o que fazemos, o que todos podemos fazer, provoca progresso, o progresso possível e níveis de realização significativos.

E isto envolve professores do ensino regular, de educação especial, técnicos, pais, lideranças políticas, empregadores e toda a restante comunidade.

No entanto, em algumas circunstâncias o trabalho desenvolvido com e por estes alunos é ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.

Tal facto, não decorre da incompetência genérica dos técnicos, julgo que na sua maioria serão empenhados e competentes, mas da sua (nossa) própria representação sobre este grupo de pessoas, isto é, não acreditam(os) que eles realizem ou aprendam. Desta representação resultam situações e contextos de aprendizagem e formação, tarefas e materiais de aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco relevantes, que, obviamente, não conseguem potenciar mudanças significativas o que acaba por fechar o círculo, eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno de há muito estudado.

Mais uma vez. A inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade) e Aprender (como qualquer pessoa para potenciar as suas capacidades adquirindo competências, qualificações e saberes). Estas dimensões devem ser operacionalizadas assentes em modelos de diferenciação justamente para que acomodem e respondam à diversidade das pessoas e promovam autonomia e autodeterminação.

É neste sentido que devem ser canalizados os esforços e os recursos que deverão, obrigatoriamente, existir. Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens, mas também por cá, mostram que não é utopia.

O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.

domingo, 26 de fevereiro de 2023

AS CONTAS QUE NUNCA DÃO CERTO

 O Ministro da Educação afirma em entrevista no JN que estão a ser feitos estudos e contas relativamente à resposta aos problemas que afectam os professores. Veja-se, por exemplo, a deriva sobre o número de professores.

Desejo muito que seja desta que as contas dão certo. Aliás, acho particularmente interessante que numa área como a educação e seja qual for a matéria em análise as contas quase nunca batam certo, tal como a realidades descritas nem sempre coincidem com as realidades observadas.

No entanto, mais uma vez, sabemos também que a qualidade da educação e da escola, pública ou privada, tem como um dos eixos críticos o trabalho dos professores que, por sua vez, exige serenidade e confiança.

Também é claro que os sistemas educativos com melhor qualidade, independentemente dos critérios de qualidade são, em regra, os que mais valorizam os professores, em termos sociais, em termos profissionais e também no estatuto salarial.

Assim, a defesa da qualidade da educação e da escola, pública e também privada, passa incontornavelmente pela defesa e valorização das condições de trabalho, em diferentes dimensões, que possibilitem que o desempenho de escolas, professores, directores, técnicos, funcionários, alunos e pais tenha o melhor resultado possível.

De uma vez por todas, é necessário contenção e combate ao desperdício, mas em educação não há despesa há investimento. Aguardemos o resultado das contas.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

A SONDAGEM

 A imprensa de hoje divulga os dados de uma sondagem sobre o processo de reivindicação dos professores.

Parece significativo que 65% dos inquiridos concorda com as greves realizadas pelos professores desde Novembro (18% não concorda) assim como a maioria, 63%, concorda com a recuperação integral do tempo de serviço dos professores de forma faseada, 38%, ou imediata, 25%.

Também se regista que 71% concorda com a definição de serviços mínimos e com a existência de impacto no trajecto escolar dos alunos, 55% devido às greves e 30% devido à falta de professores.

Este conjunto de dados sugere que a “simpatia que há na opinião pública em relação à causa dos professores”, citando o Presidente da República, ainda se mantém o que pode significar um entendimento que muitas vezes refiro, de que muitos dos problemas dos professores são também problemas nossos na medida em que afectam a qualidade da educação e do trabalho da escola.

Os dados indiciam também que a célebre e notável afirmação, “Perdi os professores, mas ganhei os pais e a população”, proferida em 2006 pela então Ministra Maria de Lurdes Rodrigues também num contexto de contestação da classe docente, não poderá ser retomada pela actual tutela do ME e das Finanças. Espero que daqui a uns anos não venham também a afirmar, “Não sei como chegámos aqui assim. Não sei e não quero saber”. Seria demasiado grave.

Também me parece que os dados tornam urgente e imprescindível o estabelecimento de um entendimento e tomada de decisões que há muito tempo deveriam ter sido assumidas e consideradas como prioridade.

Sabemos que a inexistência de um acordo que seja isso mesmo, um acordo, terá certamente custos que, muito provavelmente, serão superiores mesmo que de forma não tangível aos custos de um acordo.

Como já afirmei repetidamente é isto que me parece dever estar em equação na definição de políticas públicas.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

HÁ UM ANO

 Mas as crianças senhores?

Porque lhes dais tantas dores?

No final de Janeiro e de acordo com a UNICEF, cinco milhões de crianças ucranianas sentem forte perturbação do seu trajecto educativo e, naturalmente, no seu desenvolvimento e bem-estar.

A destruição, o aumento de refugiados, a perda de vidas e … de tudo, são o espelho trágico da brutalidade que nada pode justificar. 

Não existe terror bom e terror mau. Não existe horror bom e horror mau. Não existe terrorismo bom e terrorismo mau, não existe democracia sem direitos humanos.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

POLÍTICAS DE FAMÍLIA

 São hoje discutidos no Parlamento projectos de lei subscritos por Bloco de Esquerda, PCP, PAN, Livre e Iniciativa Liberal que visam permitir a adopção de jovens até aos 18 anos.

A actual regulamentação dos processos de adopção determina que um ou uma jovem só pode ser adoptado(a) até aos 15 anos. Este cenário leva a que tenhamos institucionalizados 2132 jovens entre os 15 e os 17 anos dado que ainda não atingiram a maioridade e, naturalmente, autonomia, e, por outro lado, é-lhes vedada a hipótese de encontrar uma família adoptiva.

É verdade que as famílias adoptantes privilegiam crianças mais novas pelo que estes jovens terão sempre alguma dificuldade em encontrar famílias que se disponibilizem para os adoptar. No entanto, é necessário que a possibilidade esteja contemplada legalmente.

Veremos o acolhimento que merecerão os projectos apresentados.

Como tantas vezes afirmo, uma família é um bem de primeira necessidade, não faz sentido que a estes jovens tal lhes esteja vedado.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

A LER

 Merece leitura e reflexão atenta a entrevista de Sampaio da Nóvoa ao DN. Numa altura em que o universo da educação e da escola em particular vive dias de turbulência precisamos de encontrar o caminho, os caminhos, que nos levem ao futuro.

E não podemos esquecer que os caminhos para o futuro passarão sempre pela educação e pela escola.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

DO CARNAVAL

 Para que conste e como declaração de interesses, o Carnaval nunca me entusiasmou o que justifica estas notas. Terão a generosidade de as ignorar ou desculpar caso terminem a leitura. É certo que na adolescência constituía um excelente pretexto para os "assaltos" realizados nas garagens dos amigos, oportunidade quase única para muitos de nós namorarmos sem vigilância e com banda sonora (muitos slows, lembram-se?). Mas mesmo nessa altura o Carnaval era sobretudo um pretexto.

Hoje nem isso. As televisões esforçam-se por nos mostrar os patéticos desfiles de "escolas de samba" genuinamente portuguesas com sambistas em risco de resfriado entre o frio do Fevereiro português e o imaginado calor do verão brasileiro, as tristes figuras mascaradas que nos querem fazer acreditar no divertimento que mostram, a dificuldade sempre presente de separar o Carnaval da Política e também a Política do Carnaval, a alegria triste de quem se desloca para assistir ao vivo a tudo isto e... depois volta à tristeza alegre do "ao menos que não nos falte saúde". Também as crianças senhores desfilam contentes. Estas em dose dupla, pois muitas já na sexta-feira antes do Carnaval tinham saído das escolas com máscaras e disfarces sempre originais, a desfilar pelas ruas da sua comunidade acompanhadas, claro, pelo fotógrafo que produz as fotos que aparecerão no Boletim Municipal tendo como título algo como "A Câmara Municipal como sempre no apoio às iniciativas das escolas".

Também é habitual e fica sempre bem na comunicação social aparecerem umas reportagens com certo ar de exotismo e preocupação etnográfica realizadas em algumas das nossas aldeias que ainda se mantêm abertas (até quando?) em que meia dúzia de resistentes parecem brincar com qualquer coisa a que eventualmente por embaraço ou mesmo por tradição nem chamam Carnaval, dizem Entrudo, é mais nosso.

Dito isto também sei e é bom que assim seja que por estes dias muita gente estará imbuída do es+ítrito do Carnava, seja lá isso o que for. Que se divirtam.

Acabo por ficar triste com o Carnaval. E sinto-me mais triste porque muito deste Carnaval espelha, de facto, a nossa tristeza embora gostemos de nos considerar um povo alegre.

Bom. Depois começamos a pensar na Páscoa.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

O PRETÉRITO, O PRESENTE E O FUTURO

 Os dias do Carnaval trouxeram os netos para o Monte. A lida hoje começou cedo, andamos na limpeza das oliveiras com a ajuda valiosa do Valter e do Diogo. Para o mais velho, eu, fica o trabalho de “esgalhar” os ramos cortados para aproveitar a rama para triturar para compostagem.  As oliveiras têm um conjunto de características extraordinárias para além da beleza, dão as azeitonas e, naturalmente, o azeite, dão a lenha que aquece quando se queima e quando se corta e dão a rama que vai enriquecer a terra depois de triturada e decomposta.

À medida que separo a rama mais fina o Simão e o Tomás carregam-na para o moitão onde aguarda pela trituradora.

Felizmente são vontadeiros e ajudam. Às tantas, oiço o Simão dizer para o Tomás qualquer coisa como, “isso é o pretérito” ao que o Tomás responde não saber o que é isso.

O Simão com a sua enorme experiência de 4º ano explica que são os tempos dos verbos e que ele vai aprender no 3º ano, pretérito é o que já passou e também há o presente e o futuro.

O Tomás, ainda no 1º ano e pouco convencido, deve ter achado demais e pergunta se vai aprender tudo ao mesmo tempo.

Sim, vais aprender o presente e o futuro ao mesmo tempo.

Acho que nem o Simão sabe quanto isto pode ser assim. O futuro destes miúdos, de todos os miúdos constrói-se no presente mesmo que eles não se dêem conta. Mais grave é muita gente mais crescida e com mais responsabilidade não entender que assim é.

É por isso que este presente ainda se torna mais preocupante e dele é preciso cuidar.

Bom, mas isto não é conversa para os dias de Carnaval.

E são assim os dias mágicos da avozice, estes no Alentejo.