domingo, 27 de julho de 2025

DEFICIÊNCIA, POBREZA, EXCLUSÃO

 Foi divulgado o primeiro relatório do Sistema de Indicadores de Políticas de Inclusão – SIPI, coordenado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa que numa primeira fase consideram as respostas de 721 pessoas com deficiência.

Vejamos alguns dados.

Perto de 40% das pessoas com deficiência inquiridas afirmam viver com rendimentos abaixo do salário mínimo. Por outro lado, 20% depende apenas da Prestação Social para a Inclusão (PSI), 324,55 euros.

Em matéria de emprego, 63% dos inquiridos não têm emprego permanente. Em Portugal existe uma taxa de desemprego de pessoas com deficiência de 12,8%, superior ao dobro da média nacional.

Neste estudo, apenas envolvendo pessoas em idade activa, a percentagem de inactividade é próxima de 40%.

Considerando as fontes de rendimento, 39,9% dos inquiridos vêm do trabalho, 36,5% das prestações sociais, 30,4% de pensões de reforma/invalidez (30,4%). Acresce que 8,2% de pessoas que afirmaram depender inteiramente da ajuda de terceiros não auferindo qualquer rendimento.

Analisando o rendimento que auferem, 30,7% refere viver com muitas dificuldades ou que o seu rendimento não chega mesmo para fazer face às despesas”.

Lamentavelmente estes dados não surpreendem, “apenas” sublinham o tanto que está por fazer.

Ainda pensando nestes indicadores recordo o relatório divulgado em Abril, "Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2024", da responsabilidade do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos com base no Inquérito Europeu às Condições de Vida e Rendimento relativos a 2023, produzido pelo Serviço de Estatística da União Europeia, Eurostat.

Vejamos alguns dados. Perto de dois terços das pessoas com deficiência com mais de 6 anos estavam em risco de pobreza antes da transferência dos apoios sociais.

Considerando as prestações sociais a taxa de pobreza baixa 41,3% e nos cidadãos sem deficiência 20,3% verificando um maior impacto dos apoios sociais na população com deficiência. No entanto, o volume de apoios disponibilizado continua abaixo do que se verifica na UE.

Parece claro e preocupante que, apesar de alguma evolução, a situação das pessoas com deficiência continua com grande vulnerabilidade face à pobreza e exclusão.

Não é novo, sucessivos relatórios de diferentes entidades vão mostrando o quanto está por fazer e as dificuldades decorrentes da corrida de obstáculos em que se transforma a vida das pessoas com deficiência ameaçando os seus direitos e bem-estar bem como das suas famílias. São por demais evidentes as dificuldades em áreas como, educação, saúde, trabalho e emprego, segurança social, acessibilidades, autonomia, independência ou autodeterminação.

A verdade é que a voz das minorias é sempre muito baixa, ouve-se mal, existem variadíssimas áreas em que são significativas as dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente saúde, acessibilidades, educação, apoio social, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão continuam elevados como este relatório mostra.

Importa também sublinhar que os direitos fundamentais não podem ser de geometria variável em função de contextos ou hipotecados às oscilações de conjuntura ainda que tenhamos consciência da excepcionalidade destes tempos.

Parece necessário reafirmar mais uma vez que os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com os grupos mais vulneráveis e com as suas problemáticas. Este entendimento é tanto mais importante quanto mais difíceis são os contextos em que vivemos, os tempos actuais mostram discursos e comportamento hostis e agressivos face à diversidade, ameaçam quem é percebido como diferente como se existissem dois seres humanos iguais.

Mas, mais grave é que estes discursos começam a contaminar as políticas públicas dada a mediocridade de lideranças, a negação de valores e culturas que dávamos como adquiridos.

Não passarão.

sábado, 26 de julho de 2025

DOS AVÓS

 Quase sempre passa discretamente, mas de acordo o calendário das consciências determina para hoje o Dia Mundial dos Avós, gente que por norma é discreta. Uma lembrança à minha Avó Leonor, uma Mulher notável com uns olhos claros e uma fala que eram um ninho de aconchego.

A avozice é um mundo mágico no qual entrei há algum tempo com a abençoada chegada do Simão há doze anos e do Tomás há nove. Acho que ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível sem o excesso da intrusão inibidora de autonomia, o crescimento destes gaiatos que têm uma geração pelo meio.

Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a confissão, cumprida.

Neste entendimento e como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude a cada 26 de Julho, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer dizer, simplesmente, que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.

Num tempo em que milhares de miúdos passam muito tempo sós, mesmo quando, por estranho que pareça, têm pessoas à beira, e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.

Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um “dois em um”. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.

Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo e, deixem-me que vos diga e insista, os avós não estragam os netos até porque gostam deles. Cuidam deles com outro tempo, com outro olhar.

Já agora recupero uma história com avô dentro. Como sabem contar histórias é mesmo coisa de avós e às vezes repetem-nas, é o caso desta, já aqui a contei.

De há uns tempos para cá apareceu uma moda naquela terra que “impede” as pessoas de falarem em brincar nas escolas da terra, é proibido brincar nas escolas.

A moda foi fabricada por uma gente ignorante de miúdos, obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes escravos convencidos de que são livres e que também querem escravizar os outros.

Mas naquela terra ainda existem uns professores, muitos, que não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns, felizmente muitos.

Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido. A Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a consola nova. A Sara vinha vaidosa com umas bonecas que o pai tinha mandado vir estrangeiro. A Irina trazia o Noddy. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol que trazia debaixo do braço. O David, sempre pronto para as lutas, trazia uns bonecos lutadores de wrestling. A Joana não ligava a ninguém com o seu dispositivo com as músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a escola com um brinquedo, o seu preferido.

O último a chegar foi o Manel.

Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela mão.

PS - No Público está uma peça com avós e netos muito bonita e com a memória de Abril, aquele Abril, que está a ser atraiçoado.

sexta-feira, 25 de julho de 2025

DO MAL-ESTAR DOS DOCENTES

 A FNE realizou um inquérito no final de Julho que envolveu 4638 docentes do pré-escolar ao secundário construindo um olhar sobre a profissão em diferentes dimensões. Para estas notas consideremos alguns indicadores.

Verifica-se um nível levado, 95,8%, de insatisfação relativamente ao estatuto remuneratório face ao volume de trabalho exigido, 94,4% afirmam que gostam da profissão, mas 73,2% não incentivariam um jovem a ser professor. No entanto, cerca de oito em cada dez docentes diz sentir-se realizado no exercício profissional.

O comportamento dos alunos é uma fonte de preocupação significativa, 96,3%, sendo que 51% entende que o grau de indisciplina na sala de aula aumentou significativamente face ao ano anterior. Como mais preocupantes problemas no comportamento são referidos a incapacidade de seguir regras, 63,2%, com a conversa em sala de aula, 33,6%, a não realização do trabalho incluindo os trabalhos de casa, 15,3%. É ainda referido o abuso na utilização dos telemóveis (ex: mensagens de texto, câmaras fotográficas), 14,8%.

Este conjunto de dados não é surpreendente e sublinha o mal-estar na lasse docente estando em linha com os resultados encontrados no estudo divulgado  em Dezembro de 2024 realizado pelo Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-Estar, da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo a 2024, coordenado pela Professora Margarida Gaspar de Matos, que envolveu 390 professores e que apesar da prudência face à dimensão da amostra vai no mesmo sentido que os dados agora conhecidos no trabalho da FNE.

Numa escala de 1 a 10, 62% dos docentes referem portam uma satisfação com a vida igual ou superior a sete. No entanto, metade afirma sentir-se nervoso, 50,4%, triste, 48,4%, irritado ou de mau humor, 49,2%, pelo menos uma vez por semana. É ainda de considerar que 18,3% refere frequentemente está tão triste que parece não aguentar.

Como sinais de mal-estar, 45,6% refere dificuldades em adormecer, dois terços dizem que recentemente sentiram agitação, dificuldade em relaxar, assumindo ter reagido excessivamente a determinadas situações e sentido irritabilidade.

É ainda interessante recuperar os dados do estudo anterior da FNE, divulgados em Agosto de 2024 com a participação de 3750 docentes.

Em termos globais, quase 90% entendem que a profissão não é socialmente reconhecida, 53,1% afirmam gostar muito de ser professor, mas apenas 12% se sentem valorizados. Dos inquiridos, 89% identificam como dimensões críticas, as pouco ou nada atractivas perspectivas de carreira que 95% consideram não estar ao nível das competências e qualificações que lhes são exigidas.

É ainda referido por 86% o excesso de trabalho e a carga burocrática. A avaliação de desempenho constitui uma preocupação para dois terços dos respondentes e três em cada quatro afirmam-se preocupados ou muito preocupados com a progressão na carreira.

Como tantas vezes aqui tenho abordado e recuperando notas já escritas, os problemas que envolvem a classe docente e as suas consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer a realidade. Nos últimos anos têm sido recorrentes as referências, relatórios e estudos evidenciando a preocupante falta de professores, o envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a baixa atracção dos mais jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.

O modelo de governança das escolas é também apontado com frequência como motivo de mal-estar e desmotivação.

Por outro lado, existem algumas sombras que podem sugerir um parece ter-se desenhado um processo questionável e preocupante de “desprofissionalização”. No entanto, também é de registar que de uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.

Este quadro, de um mal-estar reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo, crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo (quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.

Nunca a profissão docente esteve tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de defender a qualidade da escola pública e a valorização de todos os profissionais que a “constroem” diariamente. Os tempos que vivemos sublinham uma questão e outra de forma crítica.

Múltiplas acções e decisões políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os portugueses mais confiam.

A atenção que tem estado centrada nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons Professores.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de carreira e de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência, empenho e atracção pela profissão.

Urge o ajustamento nas políticas públicas de educação, e não só. Este caminho está a esgotar-se e o futuro parece comprometido, atentemos nos resultados mais recentes da avaliação dos alunos. Não vale a pena negar a realidade.

E o futuro não pode esperar.

quinta-feira, 24 de julho de 2025

A LER

 A ler, a reflectir e a divulgar o texto de Madalena Sá Fernandes no Público, “Governo pornográfico

(…) O Governo decidiu retirar os conteúdos sobre sexualidade e saúde reprodutiva das aulas de Cidadania. Quando questionado, o ministro da Educação disse que o tema era “muito complexo”. Aparentemente, complexo demais para ser tratado na escola, por professores especializados. Sabem o que também é complexo?

Complexo é engravidar aos 13 anos sem saber como. Complexo é um rapaz achar que insistir é um gesto romântico, que um não é um talvez, que o desejo do outro é sempre um dado adquirido. Complexo é seres abusada por alguém da tua família e não saberes que aquilo tem nome, que não é culpa tua, que há um depois possível.

(…)

quarta-feira, 23 de julho de 2025

PERCEBE-SE PORQUÊ

 É inevitável. Umas notas sobre a decisão do Ministério do Ensino, perdão, da Educação, da Ciência (alguma) e da “I”rradicação, perdão, da Inovação, relativa aos conteúdos da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento erradicando a abordagem à saúde sexual e sexualidade.

Andou bem o MECI, vejamos porquê.

Como é reconhecido os estilos devida actuais permitem, felizmente, uma enorme disponibilidade de tempo dos pais para o contacto com os filhos e também sabemos que a generalidade das famílias assume essa disponibilidade evidenciando uma forte e contínua relação e diálogo familiar. Acresce que, apesar de algumas excepções sem significado, são reconhecidamente sólidas as competências educativas da generalidade das famílias.

Na mesma linha sabemos que à família compete a educação e à escola o ensino ainda que, erradamente, se tenha instalado a ideia “woke” que a escola também educa. Não, a escola deve ensinar a ler e escrever o suficiente para entender o o “digitalês” a actual língua de comunicação de boa parte dos mais novos.

A escola deve também ensinar qualquer coisa no âmbito dos números que seja suficiente para que a generalidade dos alunos possa aceder, lá está, aos dispositivos digitais e IA que resolverá os seus problemas.

Assim, a escola não tem que abordar conteúdos como História, Filosofia, Arte ou domínios das áreas das Ciências Sociais porque, obviamente, são áreas que, sendo imprescindíveis à formação das pessoas, pertencem à área da Educação que, como escrevi acima, é da responsabilidade das famílias que, obviamente, estão na sua generalidade em condições e com disponibilidade para o fazer sem o risco dos seus filhos ficarem à mercê de ameaças ideológicas e aceder a competências, autonomia, conhecimento e  e análise que podem que lhes podem fazer mal.

Neste sentido também se percebe algum movimento de “deskilling”na formação de professores que se tornará muito mais económica e suficiente par poderem tomar contas das crianças na escola e ensinar qualquer “coisinha” enquanto as crianças esperam pela educação dada em casa.

Uma outra justificação que me parece clara para a decisão do “apagão” dos conteúdos das áreas da Educação Sexual e Sexualidade prende-se com o conhecimento de quem se move nestas áreas e comprovado por múltiplos estudos, que as fontes de conhecimento em matéria de Sexualidade por parte dos mais novos são os colegas e os meios digitais. Lá está a necessidade da proficiência do “digitalês”. Assim sendo não se justificará a intervenção da escola pois os crianças e adolescentes têm como aprender, falam entre si e trocam dúvidas e saberes. É bonita a cooperação no desenvolvimento.

Ainda em relação às fontes, em conversas com pais ouvi com alguma frequência algo como “o meu filho(a) ainda não nos perguntou nada” pelo que, presumem, os filhos não têm dúvidas em matéria de sexualidade.

Uma referência ainda ao que é conhecido sobre movimentos nas redes sociais relativos a bullying de género com maior vitimização das raparigas, da  proliferação vídeos e incentivos a comportamentos disruptivos, o fenómeno dos “incels” que, frequentemente têm consequências devastadoras, mas mostra a eficiência da acção educativa das famílias e, obviamente, o erro de permitir a intervenção da escola nestas áreas.

No mesmo sentido, também se sabe que taxa de violência sexual e abusos sobre menores perpetrada, por vezes por menores e maioritariamente sobre as raparigas é residual em Portugal.

Percebe-se, pois, a decisão tomada pelo MECI, que não terá resistido à pressão.

 

Bom, agora mais a sério porque dada a natureza das questões assim deve ser é absolutamente inaceitável esta decisão como muito bem inúmeras pessoas com saber e experiência em matéria de desenvolvimento, comportamento e bem-estar de crianças e adolescentes têm afirmado, por exemplo, a Professora Margarida Gaspar de Matos.

Neste cantinho retomo o que tenho afirmado aqui e em muitos espaços profissionais envolvendo professores, técnicos e pais sublinhando a questão que sustenta as mudanças decididas pelo MECI, a libertação “das amarras de projectos ideológicos ou de facção”.

A proposta em discussão defines oito domínios, direitos humanos, democracia e instituições políticas, desenvolvimento sustentável, literacia financeira e empreendedorismo, saúde, media, risco e segurança rodoviária, pluralismo e diversidade cultural que serão operacionalizados através da definição de aprendizagens essenciais substituem os dezassete temas actualmente definidos para a disciplina.

Sabemos como os estilos de vida actuais têm colocado graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares alimentando o que considero um dos vários equívocos no universo da educação, a afirmação de uma visão de “Escola a Tempo Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”. O modelo é bem recebido por muitos pais e tolerado por muitos outros por falta de alternativas.

Importa relembrar que para os alunos mais novos e de acordo com o que está definido legalmente, considerando o horário curricular, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à Família, a estadia dos alunos na escola pode atingir bem mais de 40 horas semanais se os pais necessitarem. Muitos alunos estão mesmo nas escolas 50h ou mais por semana.

Importa também acentuar que fora dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as condições, exprime também com demasiada frequência descontrolo e conflitualidade. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos. Temos elevadas taxas de violência no namoro, são preocupantes os indicadores relativos a abusos e violência sexual sobre menores e entre menores como são inquietantes o volume de casos de violência a través das redes sociais e a problemática em crescimento dos designados “incels”.

Sabemos também que a ideia de que a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas.

Um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis que, evidentemente, não constituem as famílias que ficaram muito inquietas com a abordagem realizada em algumas escolas no âmbito da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, embora, naturalmente, muitos aspectos possam ser discutidos.

Neste contexto parece-me claro a que a abordagem de matérias relativas à Saúde Sexual e Sexualidade associadas aos outros domínios são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

No entanto e como já tenho referido também entendo que a abordagem a estas matérias não tem necessariamente de ser “disciplinarizada”, mas esta é ainda uma outra questão.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global de qualidade que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Ainda uma nota sobre a razão da mudança as “amarras ideológicas. Acho sempre curiosas as discussões em torno das “questões ideológicas” designadamente no universo da educação. Tenho para mim que não existem políticas públicas de educação, ou de outra área, que sejam neutras, assépticas, imunes, etc. em matéria de valores sociais ou ideologia, seja tudo isto o que for.

Como há poucos dias escrevi, ao defender, por exemplo, princípios de educação inclusiva, já me tem acontecido ser “acusado” de produzir um discurso ideológico. Muito provavelmente, os meus interlocutores esperariam que me procurasse “defender” através da evidência científica. No entanto, a minha resposta começa habitualmente com algo como, “ainda bem que fui claro, o meu discurso corresponde a uma visão de sociedade, de educação e de escola. Agora vamos à evidência científica que a sustenta". Provavelmente, nas mais das vezes, ficamos na mesma, cada qual com a sua visão ideológica, pois claro.

Acontece ainda que, com frequência se confunde ideologia com partidarismo. Como já afirmei, tenho uma visão ideológica do mundo que me rodeia, mas não consigo encaixar-me numa visão partidária o que, naturalmente, será uma limitação da minha parte.

A verdade é que já cansa a forma habilidosa como muitas questões são abordadas em função da “ideologia” o que se tem escrito sobre esta mudança é esclarecedor.

Boa parte das pessoas que contestam o que afirmam constituir uma visão ideológica entende que o que defendem não tem carga ideológica, é asséptico, sendo que as ideias contrárias, essas sim, são sustentadas pela ideologia e devem ser combatidas. Os exemplos são múltiplos.

Tantas e tantas vezes tropeço com este entendimento que envolve uma outra dimensão menos explicitada, a ética. Tantos interlocutores me dizem com a maior tranquilidade que quando os estudos ou a experiência não vão ao encontro das suas ideias, certas e pragmáticas, os estudos são mal feios e contaminados pela ideologia ou que a experiência não serve de argumento. Quando discordo, o meu discurso é ideológico e o do interlocutor é correcto, asséptico do ponto de vista ideológico, obviamente, suportado com a evidência científica que ao meu é negado porque os estudos … são ideológicos. Sim, como disse, o que penso tem uma carga ideológica, é assim que entendo o mundo.

Na verdade, não acredito em visões de sociedade sem arquitectura ideológica, ética ou moral. Isso não existe, só por desonestidade intelectual se pode afirmar tal. O actual clima e discursos políticos todos os dias nos mostram exemplos, alguns bem preocupantes em termos de democracia e direitos humanos.

Como disse e reafirmo, há décadas que não tenho qualquer espécie de filiação partidária, não me orgulho nem me queixo, é assim que penso. No entanto, tenho posições que são de natureza ideológica sobre o que me rodeia e o que respeita à vida da gente.

Não as entendo como únicas, imutáveis ou exclusivas, aliás, gosto mais de discutir e aprender com alguém que também assim se posiciona, sem manha, sem a falsidade do “não tenho ideologia” como se isso fosse uma fonte de autoridade. Finalmente e considerando o que já tenho ouvido do actual Ministro, creio que não resistiu à pressão de uma direita não democrática, ignorante e retrógrada. Lamento.

Desculpem a extensão.

terça-feira, 22 de julho de 2025

AUMENTO DA NATALIDADE, UMA BOA NOTÍCIA

Por coincidência curiosa, umas notas relativas à natalidade na data em que fui pai algumas décadas lá para trás. 

Segundo dados do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e resultantes do “teste do pezinho”, nos primeiros seis meses de 2025, verifica-se um aumento de nascimentos (966) face a 2024 que tinha descido face a 2023. É também relevante que os distritos com maior subida percentual sejam do interior, Bragança, Portalegre e Beja.

Trata-se de uma boa notícia, mas ainda continuamos com um dos mais baixos índices de fecundidade da União Europeia. Acontece ainda que as mulheres são mães cada vez mais tarde e acentua-se a opção das famílias por apenas um filho.

As razões para este cenário preocupante serão múltiplas, mas o “custo” dos filhos em Portugal e a fragilidade das políticas de família terão certamente um peso significativo.

Apesar do programa de gratuitidade nas creches a falta de respostas e recursos a preços acessíveis para o acolhimento a crianças dos 0 aos 3, creches ou amas, e dos 3 aos 6 anos, a educação pré-escolar, constitui-se como um dos grandes obstáculos a projectos familiares que incluam filhos, levando aos conhecidos, reconhecidos e preocupantes baixos níveis de natalidade.

A alteração dos estilos de vida, a mobilidade e a litoralização do país, levam à dispersão da família alargada motivando a que os jovens casais dependem quase exclusivamente de respostas institucionais que, ou não existem, ou são demasiado caras.

É sabido que nos últimos anos muitas famílias sentiram enormes dificuldades em assegurar a permanência dos miúdos nas creches por razões económicas, assim como o acesso a uma vaga.

Neste quadro, a intenção actual de garantir o acesso à educação pré-escolar aos três anos e criar respostas acessíveis, física e economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três anos é imprescindível e urgente.

A promoção de projectos de vida familiar que incluam filhos implica também intervir nas políticas de emprego e protecção do emprego e da parentalidade, de forma séria, na discriminação e combate eficaz a abusos e a precariedade ilegal, na inversão do trajecto de proletarização com salários que não chegam para satisfazer as necessidades de uma família com filhos e custos elevados na educação apesar de uma escolaridade dita gratuita. É ainda importante perceber que o cenário actual e o que se perspectiva em matéria de política de imigração, por incompetência, xenofobismo e ignorância se repercutirão nos índices de natalidade que importa recuperar.

Estão a nascer mais crianças, precisamos de mais crianças, mas não podemos falhar no seu futuro.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

AGORA NO SUPERIOR. EM QUE CURSO?

 Está a decorrer desde hoje a 4 de Agosto a 1.ª fase do processo de candidatura ao ensino superior. Como sempre tenho feito nesta altura deixo umas notas sobre esta questão.

O processo que agora se inicia envolve uma primeira decisão que estará tomada e me parece de sublinhar, aceder a formação de nível superior. É uma decisão importante e positiva. Contrariamente ao que tantas vezes se ouve, não somos “um país de doutores”, antes pelo contrário, no contexto europeu ainda é necessário elevar a média de cidadãos com formação superior.

Coloca-se então a escolha do curso e as dúvidas que podem envolver essa decisão embora muitos dos que se vão candidatar já tenham definido a sua opção.

Para esta escolha a questão mais colocada pode ser assim enunciada, os jovens deverão seguir a sua motivação e interesses ou a escolha deve obedecer ao conhecimento do mercado de trabalho, isto é, nível de empregabilidade, estatuto salarial e saídas profissionais tão abordadas pela imprensa nesta altura?

Para muitos de nós, provavelmente, a resposta será fácil, seja num sentido ou no outro. Alguns dirão que cada jovem deve, obviamente, seguir o seu desejo, o seu gosto, só assim se realizará. Ideia romântica e sem noção da realidade que corre o sério risco de desembocar no desemprego, dirão outros, para os quais a escolha deve ser racional, pragmática, realista, o jovem deve procurar uma formação que lhe garanta, tanto quanto possível, saída profissional e para isso deve "estudar" o mercado e assim proceder à escolha. Os primeiros acharão que este entendimento pode levar a um risco de frustração e desencanto que podem instalar-se em quem "faz o que não gosta".

Na verdade, não será fácil a escolha para muitos jovens a que acresce, frequentemente, a pressão familiar ou de outras pessoas para a "escolha acertada".

Dito isto, sou dos que entendem que cada um de nós deve poder escrever, tanto quanto as circunstâncias o permitirem, a sua narrativa, cumprir o seu sonho. Por outro lado, a vida também nos ensina que é preciso estar atento aos contextos e às condições que os influenciam, sabendo ainda da volatilidade e rapidez com que hoje a vida acontece e a rápida variabilidade dos mercados de trabalho.

Nesta perspectiva, parece-me importante que um jovem, sabendo o que a sua escolha representa, ou pode representar nas actuais, sublinho actuais, condições do mercado de trabalho, a faça assente na motivação ou no projecto de vida que gostava de construir e, então, informar-se sobre as opções, sobre as escolas e respectivos níveis de qualidade a que pode aceder para se qualificar. A plataforma Infocursos, entre várias outras fontes, pode ser uma ajuda.

Finalmente, do meu ponto de vista, boa parte da questão da empregabilidade, mesmo em situações de maior constrangimento, relativiza-se à competência, este é o ponto fulcral.

Na verdade, o que frequentemente me inquieta é a ligeireza com que algumas pessoas parecem encarar a sua formação superior, assumindo logo aqui uma atitude pouco "profissional", cumprem-se os serviços mínimos e depois logo se vê. A formação académica é mais do que um título que se cola ao nome, é um imprescindível conjunto de saberes e competências que sustentam, alicerçam, um projecto de vida pessoal e profissional com melhores perspectivas de sucesso.

Mesmo em áreas de mais baixa empregabilidade, ou assim entendida, continuo a acreditar que, apesar dos maus exemplos que todos conhecemos, a competência e a qualidade da formação e preparação para o desempenho profissional, são a melhor ferramenta para entrar nesse "longínquo" mercado de trabalho.

Dito de outra maneira, maus profissionais terão sempre mais dificuldades, esteja o mercado mais aberto ou mais fechado.

Boa sorte e boa viagem para todos os que vão iniciar agora esta fase fundamental nas suas vidas.

domingo, 20 de julho de 2025

TEMPO DE FÉRIAS

 Estamos em pleno no tempo de férias escolares. Como costumo dizer, na minha idade este tempo não é de férias, é de repouso activo, mas estou a pensar nas férias dos miúdos.

Com as férias vem o habitual problema de muitas famílias, onde deixá-los.

Esta questão, apesar da tendência de generalização, afecta sobretudo as famílias de áreas mais urbanas com estilos e condições de vida que minimizam a disponibilidade de tempo ou de motivação para ocupar os mais novos.

Assim, é também nestas zonas que privilegiadamente tem vindo a emergir uma oferta de actividades diversificada e para diferentes bolsas envolvendo equipamentos e espaços sofisticadíssimos, com designações curiosas que, para além de ocupar as crianças, ainda se propõem contribuir para que os miúdos acedam a níveis extraordinários de desenvolvimento e competência nas mais variadas áreas, pois os miúdos de hoje têm de ser fantásticos e excelentes em tudo. Também autarquias e instituições sociais desenvolvem uma oferta que minimize assimetrias sociais.

Importa não esquecer que apesar de alguma evolução a menor oferta disponível para acolher crianças ou adolescentes com necessidades especiais é mais uma preocupação para as famílias envolvidas.

Quando eu era gaiato, antes do desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando como espaço livre o alcatrão, a oferta para os miúdos era basicamente constituída pelo mais acessível e barato dos equipamentos, a rua. Como os estilos de vida ainda tão tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na rua.

As actividades não eram muito sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas divertíamo-nos a sério, com calor, com frio, com chuva, mesmo à noite, nas férias. É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo fizeram-se ao trabalho.

Mas ainda arranjávamos tempo para brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.

Nessa altura os miúdos ainda podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras bactérias, os nossos pais também ainda não excelentes e fantásticos.

Muitas das actividades eram, por assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras. Algumas delas, já delas aqui contei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje, mas eram o máximo, a sério.

Andar horas de bicicleta ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins, com uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a curva adequada a servir de stick, são alguns exemplos.

Fazer tiro ao arco com arcos feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas variantes dos jogos com berlindes, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do lenço à barra, ou do toca e foge, experimentar a estratégia no jogar às escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas que fazíamos nos nossos tempos livres.

Nesse tempo havia tempo livre, os miúdos hoje quase não têm, têm inúmeras actividades e um ecrã demasiado tempo à sua. Mas são fantásticos e excelentes.

Às vezes não.

sábado, 19 de julho de 2025

QUANDO A IMPRENSA É NOTÍCIA

 De vez em quando a imprensa é ela própria o objecto da notícia. Leio no Público que o  Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste não aprovou o plano de insolvência apresentado pela Trust in News que detém títulos como a Visão, Caras, Ativa, o Jornal de Letras Artes e Ideias ou revista História. Como consequência da decisão judicial é determinado o encerramento da actividade.

Imagino que com esta decisão esteja verdadeiramente comprometida a continuidade destes títulos nas bancas ou no digital embora ainda exista a esperança de que os títulos possam ser comprados e mantidos.  Sentirei particularmente a eventual perda do JL e da Visão na qual colaborei inúmeras vezes, com crónicas regulares durante algum tempo em múltiplas peças relativas ao mundo da educação.

É um lugar-comum, mas uma imprensa de qualidade é um dos alicerces da democracia e nunca como hoje se tornou tão necessária.

É recorrente, não só em Portugal, a discussão da questão da sobrevivência da imprensa e, naturalmente, da sua independência face aos poderes, político e económico, designadamente. Sabemos das tentativas recorrentes de controlo político da imprensa, como também sabemos da eventual agenda implícita dos investimentos dos grupos e poderes económicos na imprensa. São vários os exemplos recentes. Sabemos que a sustentabilidade económica da imprensa é condição necessária, mas não suficiente para a sua independência e por isso os tempos são difíceis.

Por outro lado, a evolução do próprio mundo da imprensa, a evolução exponencial do universo do on-line, a conjuntura económica inibidora de gastos das famílias em bens “não essenciais” e, caso particular de Portugal, o baixo nível de hábitos de leitura e consumo da imprensa escrita, produzem dificuldades de sobrevivência de títulos de qualidade, chamados de referência, abrindo caminho à chamada imprensa tablóide que, apesar das oscilações, se mantém relativamente saudável, o que se entende. São também tablóides os tempos. A esta realidade soma-se a explosão das redes sociais e o consumo de “notícias” através destes suportes diluídas em manipulação e desinformação potenciadas pela IA. Acresce ainda a eventual falha dos modelos de gestão das empresas detentoras.

Como leitor de jornais ou revistas desde muito novo, é sempre com inquietação e tristeza que penso nestas questões e vou assistindo ao abaixamento das tiragens e, finalmente, ao desaparecimento.

Numa entrevista ao Público há já algum tempo, um especialista, Tom Rosenstiel, afirmava que se o jornalismo deixar de ser rentável e, como tal, correr o risco de desaparecimento, as democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico" e parece que os tempos actuais confirmam a afirmação de Rosenstiel.

Creio que a cidadania de qualidade exige uma imprensa não só voltada para o imediatismo da espuma dos dias e quero acreditar que, apesar das mudanças em tecnologia e das incidências do mercado, os jornalistas e a imprensa nos seu diversos suportes saberão adaptar-se. Quero acreditar que a imprensa nos seus diversos modelos e suportes será como os dias, nunca acabam. Se forem jornais, revistas ou imprensa em suporte audiovisual com ética, deontologia, valores democráticos, informa séria e competente, resistirão.

No entanto, parecem-me inquietantes os potenciais efeitos que a precariedade e a fragilidade da situação profissional de muitos jornalistas possam tornar a sua função ainda mais vulnerável, trata-se da sobrevivência, às questões da qualidade e, como é referido, a constrangimentos em matéria de ética e deontologia.

No mesmo sentido, a fragilidade do jornalista enquanto profissional e dos próprios títulos é também favorável à existência de pressões de várias origens e com impacto potencial inquietante no papel que se espera que a imprensa cumpra em sociedades abertas e democráticas.

Talvez, estas notas suportem o que para quem acompanhe diariamente a imprensa portuguesa se torna razoavelmente claro, a existência de agendas e critérios editoriais, uns mais explícitos, outros mais dissimulados, mas evidentes, que constroem narrativas em que o jornalista mal pago, com um lugar precário e pressionado num órgão de CS sem garantia de sobrevivência, é apenas um peão executivo.

Não é de agora, mas este quadro agrava a natureza da relação dos poderes, designadamente do poder político, com a comunicação social que tem algumas particularidades interessantes.

Se estivermos atentos, reparamos como todos se procuram servir da comunicação social para a defesa dos seus interesses pessoais, partidários, institucionais, económicos, etc. Nada de novo, sabemos o peso que a comunicação social tem nas sociedades actuais e nos últimos tempos também temos tido sucessivos episódios ilustrativos dessas nebulosas relações.

Nesta matéria, para além das consequências óbvias destes comportamentos, parece-me particularmente irritante a forma quase infantil, está um pouco na moda este tipo de infeliz comparação, mas não resisto, como algumas figuras reagem ao ser abordadas pela imprensa sobre assuntos sobre os quais, por várias razões, não lhes interessa discorrer. Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho nada a acrescentar”, “desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar dessas matérias,” “no estrangeiro não comento questões nacionais”, etc., etc. Este pessoal desenvolve assim uma espécie de surdez selectiva, só ouve o que lhe convém, de mutismo selectivo, só fala do que lhe convém, de cognição selectiva, só conhece o que lhe convém.

No entanto, são também estas as figuras que directamente ou através de terceiros, lambem as botas às redacções e aos jornalistas (quanto mais influentes melhor) e pedem, exigem, tempo de antena quando tal serve os seus diferentes interesses. Por outro lado, é também patético e preocupante assistir ao trânsito entre redacções e lugares de assessoria e em gabinetes políticos numa promiscuidade que mina a solidez ética da classe.

Parece-me ainda preocupante o peso que na imprensa assumem os “comentadores”, ocupam mais espaço que as notícias, vendem agendas, mascaram-se de jornalistas quando, na sua maioria, mais não são que “papagaios” dos poderes ou dos aspirantes a poderes.

Para combater este pântano seria necessária uma imprensa forte, não proletarizada e precária que pudesse cumprir a sua imprescindível função.

A imprescindível sobrevivência da imprensa, da boa imprensa, para além da qualidade e competência do seu próprio trabalho, também se garante na escola, nos hábitos de leitura, na educação, na cidadania.

sexta-feira, 18 de julho de 2025

OS TEMPOS DA ESCOLA - UMA PETIÇÃO

 As notas de hoje servem para divulgar uma petição relativa aos tempos da escola:

 🎓☀️ Pela Antecipação do Fim do Ano Letivo no 1.º Ciclo do Ensino Básico!

As crianças do 1.º ciclo do ensino básico passam mais de 8 horas por dia na escola, mesmo em junho, mês marcado por ondas de calor cada vez mais intensas. Muitas salas de aula ultrapassam os 30.ºC, sem condições de refrigeração, tornando o ambiente impróprio para aprender.

Pedimos ao Ministério da Educação que, a partir do ano letivo 2025/2026 e seguintes, antecipe o fim do ano letivo para o final da primeira quinzena de junho.
Esta medida é urgente para proteger o 
bem-estar, a saúde e a qualidade de aprendizagem dos nossos filhos e alunos.

📢 Assina e divulga esta petição e ajuda-nos a dar voz às crianças!

✍️ [Link da petição] https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT126159

 

Algumas notas que, do meu ponto de vista, contribuem para sustentar a oportunidade e necessidade do que se pede e que muitas vezes aqui tenho abordado..

Os alunos portugueses entre o 1.º e o 6.º ano têm um número médio de horas lectivas mais alto que a média da UE, 874 horas obrigatórias face a 738 na média da EU, conforme o Relatório Education at a Glance, 2023, da OCDE.

É verdade que no contexto europeu existem sistemas com maior número de aulas, mas, curiosamente, as horas de aula são mais elevadas que a média, considerando horário curricular e AEC.

Não será fácil o estabelecimento de um consenso sobre a “melhor” organização dos tempos da escola, as comparações internacionais devem ser cautelosas pois as variáveis a considerar são múltiplas, a organização curricular, a realização dos exames, clima ou o parque escolar são algumas das que importa não esquecer e analisar.

Num país com as nossas condições climáticas, tal como genericamente no sul da Europa, e considerando boa parte do nosso parque escolar, aulas prolongadas até ao Verão são, frequentemente, algo de penosamente sufocante.

Reconhecendo que a guarda das crianças nos horários laborais das famílias é um problema sério e que entendo, também creio que não pode ser resolvido prolongando até ao “infinito”, a infeliz ideia de “Escola a Tempo Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”, a estadia dos alunos na escola. A “overdose” é sempre algo de pouco saudável. No que respeita aos tempos escolares já sabíamos, como referi acima, que os alunos portugueses, sobretudo no início da escolaridade, têm umas das mais elevadas cargas horárias. Como bem se sabe, mais horas de trabalho não significam melhor trabalho e os alunos portugueses já passam um tempo enorme na escola. Talvez seja de introduzir nesta equação a variável “áreas disciplinares e currículos”, considerando o número de áreas ou disciplinas, duração das aulas, organização de anos e de ciclos, etc.

Assim sendo, seria desejável reflectir sobre os tempos da escola com tempo, prudência e participação dos diferentes envolvidos e com base em evidência recolhida em diferentes cenários.

É neste sentido que se enquadra a petição.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

RESULTADOS DOS EXAMES FINAIS, QUE LEITURA PERMITEM?

 Foram finalmente divulgados os resultados dos exames nacionais do 9.º ano. Uma síntese dos resultados.

As médias estão próximas das verificadas em 2024, 52 pontos em Matemática, um ponto acima de 2024, 58 em Português, um abaixo do ano anterior.  Em Português, 31% dos alunos não teve nota positiva e em Matemática 51%, ligeiramente acima de 2024.

Relativamente ao Secundário, das 25 disciplinas avaliadas, 15 tiveram resultados mais baixo que em 2024, algumas com descidas ligeiras outras mais significativas,  História A ou Geometria A, por exemplo.

Que leitura podemos fazer dos resultados?

Como indicador fundamental de avaliação externa a análise está comprometida à partida porque pela natureza das provas, com a potencial variação do seu grau de dificuldade, torna-se difícil a comparação com anos anteriores. As opiniões de professores e alunos sobre o grau de dificuldade mostra isso mesmo. Este ano pretendia-se iniciar uma série que permitisse essa comparação mantendo um conjunto de questões nos exames que permitissem sucessivas comparações. Com se sabe a forma como decorreram os exames do 9.º invalidarão, provavelmente, esse objectivo.

Sendo a avaliação externa uma ferramenta crítica na regulação de qualidade dos sistemas educativos, importa que os dispositivos utilizados possibilitem a construção de “retratos” robustos e comparáveis dos trajectos escolares. Considerando este objectivo, seria necessário que a construção dos exames contribuísse para que fosse possível prevenir potenciais enviesamentos.

Por outro lado, também podemos considerar a existência de uma “gestão política” dos resultados. Recordo uma afirmação de 2015 do então presidente do Conselho Científico do IAVE em Coimbra, referindo a possibilidade de alterar médias com pequenas mudanças em pouquíssimas questões.

Assim, os exames cumprem a função de certificação de conclusão do secundário e, sobretudo, sustentar o acesso ao superior. Neste cenário, parece-me de repensar o modelo de acesso ao superior.

Desde logo creio que o modelo actual promove uma desvalorização do próprio ensino secundário que deveria ser considerado e percebido como a finalização de um ciclo de estudos e não como a antecâmara do superior e a sala de explicações para preparação para os exames, aliás ouve-se com frequência o desconforto de docentes de ensino secundário como este quadro. Na verdade, sentem o seu trabalho com os alunos hipotecado ao peso dos exames e não à formação a adquirir no ensino secundário nas diferentes disciplinas. Apesar das alterações realizadas a questão mantém-se.

Por outro lado, a situação actual favorece, como é sabido e reconhecido, a iniquidade assente na "simpatia generosa" de algumas escolas, maioritariamente privadas, que inflacionam a avaliação interna dos alunos ou o florescimento de um nicho de mercado, as explicações ou centros de estudo, dirigido à preparação para os exames com custos não acessíveis a boa parte das famílias.

Assim, parece-me ser adequado entender que a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.

Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário.

O acesso ao ensino superior será um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela com também sugere a recomendação do CNE divulgada em 2020. Seriam exigidos, naturalmente, dispositivos de regulação deste processo.

Parecer-me-ia mais ajustado que as classificações, internas e externas no ensino secundário consituíssem apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países. É óbvio que este processo exigiria regulação eficiente e o envolvimento do ensino superior público e privado.

Para minimizar equívocos reafirmo que a questão não está na existência ou importância dos exames finais do secundário que não me parece colocar grandes dúvidas.

Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior não valorizamos o ensino secundário no que lhe é próprio e ainda corremos o risco de lidar com situações de “enviesamento” decorrentes da estrutura de exame ou do grau de dificuldade escolhido, bem como de negócios que sendo úteis a alguém, não o serão, obviamente, para a maioria das famílias.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS

 Estava escrito nas estrelas. Por “constrangimentos técnicos” que não se conhecem ainda não foram divulgados os resultados dos exames do 9.º ano sendo que pais de alunos de 15 escolas foram contactados no sentido de que devem decidir se aceitam a nota que atribuída na prova de Matemática ou,  em circunstâncias especiais, repetir a sua realização. Aliás, é estranho  que se peça uma decisão aos pais antes de conhecido o resultado do exame, uma situação que não parece aceitável. Acresce que a segunda fase dos exames se inicia dia 18 e ... qual é a pressa?

Como é óbvio, agora não adianta o lamento e também sabemos que nada está imune a problemas, mas parecia claro e previsível que as condições de realização dos exames em formato digital estavam longe de poder garantir que se realizassem sem incidentes.

Prevaleceu a pressa da “transição digital” caminho que é inevitável, mas deve ser percorrido com prudência e segurança.

O mundo da educação é um mundo de resolução de problemas, pelo aluno, pelos alunos, pelos professores e técnicos, pelos pais e encarregados de educação, pelas escolas, pelos agrupamentos, pelos diferentes serviços públicos … Cabe às políticas públicas, na sua generalidade e, no caso, de educação, que a construção das respostas para esse mundo de problemas se processe com competência e recursos adequados.

Quando assim não é, as políticas públicas fazem parte dos problemas da educação. Mas não é uma inevitabilidade.

terça-feira, 15 de julho de 2025

E AGORA?

 E agora? Afinal …

A Direcção-geral de Estatísticas da Educação e da Ciência divulgou a “Avaliação de Impacto do Projeto-Piloto dos Manuais Digitais (PPMD) nas Aprendizagens dos Alunos”. E não é que, considerando avaliações internas e externas, não se verificaram diferenças significativas no desempenho dos alunos.

Estes resultados vêm ao encontro de estudos da mesma natureza e com robustez verificados noutros sistemas e educativos e sustentam a decisão do MECI de não permitir a utilização dos manuais digitais no 1.º ciclo e condicionar o uso no 2.ºciclo.

Por preguiça, estou no Alentejo e com muito calor, deixem-me retomar o que aqui deixei há dias quando se conheceu a decisão do MECI.

Era necessário que se inflectisse a utilização precoce de manuais digitais. Um Relatório da Unesco divulgado em 2023, “Technology in education: A tool on whose terms?” é um bom contributo para sustentar esta decisão assim como o que vai conhecendo de iniciativas e análises em diferentes sistemas educativos que pretendem repensar ou já ajustaram a utilização dos recursos digitais, casos da Noruega e Suécia.

Na verdade, felizmente, parece em perda o inquietante “deslumbramento digital”. Alguma evidência robusta sugere a maior prudência relativa à “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também sustenta a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

Apesar do seu enorme potencial as ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não promovem sucesso só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é que pode potenciar a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de aprendizagem.

É certo que múltiplos estudos e experiências valorizam estes recursos nos processos de ensino e aprendizagem pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos, mas, não podem passar a ser o tudo no trabalho escolar.

Neste contexto e como já tenho afirmado, com base no que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando aparentemente contraditórios parece de considerar.

1 – O contacto precoce com as tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos, para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática. Os tempos da pandemia mostraram isso mesmo.

2 – O computador/tablet, kits robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são A ferramenta, não substituem a escrita manual e a leitura em papel, não substituem a aprendizagem do cálculo, não substituem coisa nenhuma, são “apenas” mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento. Reafirmo a importância atribuída à leitura em papel e à escrita manual em termos de desenvolvimento e aprendizagem.

3 - O que dá qualidade e eficácia aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.

4 - Para alguns alunos com necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente ferramenta e apoio para acesso ao currículo.

5 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o material possa ser rentabilizado. São por demais conhecidas as dificuldades sentidas nas escolas com os recursos e acessibilidade.

6 – Finalmente, como em todo o trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do trabalho de alunos, professores e escolas. Estes dispositivos devem incluir avaliação externa.

Como referi acima, não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelo que se julga que serão as "salas de aula do futuro" faça esquecer os problemas das salas de aula do presente.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

DA DECÊNCIA

 É impossível ir ouvindo sem um enorme sobressalto os discursos produzidos na imprensa e nas redes sociais, obviamente, e conhecendo o aumento de episódios de agressão verbal e física "apenas" pela razão do outro ser diferente ou percebido como diferente. Mais do que questões de natureza ideológica, trata-se de uma questão política naturalmente, mas sobretudo de natureza ética, cívica e … decência.

Existem linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas e estão a ser ultrapassadas e de forma cada vez mais inquietante ignorando o quadro de valores que regula, ou deve regular, o discurso e comportamento social.

Do que se tem ouvido, lido e conhecido, comentar o quê? Como?

Para um tipo que em jovem adulto passou pela mudança verificada em Abril de 74 e conheceu o tempo antes e o tempo depois interroga-se e inquieta-se, porque falhámos, que mundo estamos a construir?

Estamos num tempo de perplexidade e dúvida face ao crescimento de discursos populistas e demagógico, apelando à intolerância, ao xenofobismo e a valores de direita radical muitos deles atentatórios de direitos humanos básicos. Os exemplos são muitos, primeiro lá por fora e agora também por cá vão-se multiplicando réplicas deste caminho que nos deixa inquietos face ao futuro e criando ambientes de onde eclodem os ovos da serpente.

Milhões de excluídos e pobres e de jovens sem presente e sem futuro são um alvo fácil para discursos populistas e radicais.

As sementes de mal-estar que que estes milhões de pessoas carregam, muitos deles desde criança são muito facilmente capitalizadas e mobilizadas.

Como aqui há dias escrevia, a mediocridade da generalidade das lideranças e o que lhes permitimos fazer criaram, por exemplo, um mundo de desigualdade e exclusão. É aqui, insisto, que nasce o que nos assusta.

É esta a batalha que não podemos perder e estou cheio de dúvidas se a estamos a ganhar. Também passa pela educação, pela escola, pela formação cívica e pela cidadania.

Duas notas de leitura que merecem reflexão, “O doce nome dos meus alunos” de Lurdes Figueiral e “A cloaca” de Pacheco Pereira, ambos no Público.

domingo, 13 de julho de 2025

MALTRATAR NÃO É GOSTAR

 No Público encontra-se uma peça sobre um universo que continua a ser fonte de forte inquietação, a violência nas relações de namoro.

Nos últimos cinco anos, a PSP recebeu mais de 9000 denúncias por violência no namoro, em 2024 foram mais de 1400 queixas, e sabemos que muitas situações não são objecto de denúncia. Por outro lado, é ainda de valorizar os indicadores relativos a um fenómeno de “normalização” de comportamentos de violência por parte de adolescentes e jovens, associado ao que nas redes sociais se divulga e fomenta.

De acordo com trabalho produzido pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto em colaboração com a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género no âmbito do Projecto “ART’THEMIS+UMAR Jovens e divulgado no início do ano, 66% (2978) dos jovens que já namoraram referiram ter sofrido, pelo menos, uma das 15 formas de violência definidas e questionadas.

Num outro trabalho realizado pela UMAR com financiamento da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género divulgado em 2024 e citado na peça do Público envolvendo 6152 jovens entre o 7.º e o 12.º considerando duas dimensões, legitimação e prevalência dos indicadores de violência, também se encontram dados inquietantes.

É significativo que 68,1% dos inquiridos legitimam pelo menos um tipo de violência, sendo que controlo (54,6%) e violência psicológica (33,5%) são os mais referidos sendo ainda que 27,9% dos jovens consideram normal ser insultado numa discussão.

No que respeita a tipos de violência a que foram sujeitos, 63% dos jovens referem que já estiveram numa relação em que passaram pelo menos por um tipo de violência.

Assim, 43% refere a proibição de estar ou falar com alguma pessoa, 39,9% viveram pelo menos uma forma de violência psicológica, 20,4% de perseguição, e 18,4% de alguma forma de violência sexual, nomeadamente serem obrigados a beijar, e 11% sofreram violência física. É ainda de considerar aforma como também se está a consolidar e aumentar formas de violência através das redes sociais.

São indicadores suficientes para que nos sintamos apreensivos, são jovens que nos dizem isto.

O que torna a situação ainda mais complexa é a manutenção sem grandes alterações destes indicadores ao longo dos anos, incluindo trabalhos com estudantes do ensino superior, o que talvez ajude a perceber como a violência doméstica parece indomesticável.

Os dados convergem no indiciar do que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais. Acresce que, como referi, boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.

Este conjunto de dados é preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é surpreendente, lamentavelmente. Os dados sobre violência doméstica em adultos que permanece indomesticável deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os dados muitos trabalhos sobre violência no namoro e que se mantêm inquietantes. Aliás, nos últimos anos a maioria das queixas de violência doméstica registadas pela APAV foram de mulheres jovens embora seja um drama presente em todas as idades.

Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é criticamente relevante a percentagem de jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus-tratos.

Como todos os comportamentos fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais, mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância, torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de protecção e apoio a eventuais vítimas.

Só uma aposta muito forte na educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria. É uma aposta que urge e tão importante e sublinha a necessidade óbvia de matérias desta natureza serem objecto de abordagem na educação escolar sendo que não terão de o ser de uma forma “disciplinarizada”. Não me parece que haja outro caminho.

Entretanto e enquanto não muda, "só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?".

Não, não se pode acreditar. “maltratar não é gostar”.

Retomo como iniciei. Apesar dos dias inquietantes que vivemos e para os quais não estávamos preparados, talvez seja de não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano de muita gente.

sábado, 12 de julho de 2025

DA APRENDIZAGEM E DA ENSINAGEM

 Para fugir a uma agenda que é um mundo de inquietações volto ao meu refúgio de bem-estar, os dias do Alentejo.

Estes últimos dias têm sido particularmente animados com os netos aqui no monte.

Ontem ao jantar e ainda a propósito dos doze anos do Simão completados há dias, a conversa foi uma espécie de regresso ao passado, as histórias deles quando eram mais pequenos.

Uma das que voltou da memória para o presente aconteceu nos quatros anos do Simão e foi assim:

E isto, sabes o que é?

Sei, é um farol.

É mesmo, boa, aprendeste na escola?

Não, descobri. Ensinei-me.

Na verdade, é também assim que os miúdos aprendem, a ensinar-se.

Se tiverem tempo e circunstância é claro.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

PROIBIR NÃO SERÁ SUFICIENTE

Foi confirmada a anunciada proibição da utilização de telemóveis no 1.º e 2.º ciclos e algum condicionamento na utilização no 3.ºciclo.

Face às questões levantadas com a utilização pelos mais novos (e não só) bem como o movimento no mesmo sentido que se verifica noutros sistemas educativos era uma decisão esperada assente nos riscos para a nome da saúde e bem-estar de crianças e adolescentes.

Apesar de conhecermos avaliações positivas de experiência de interdição do uso de telemóveis em algumas escolas e que se registam, não creio que a “simples” proibição do telemóvel na escola sustentará só por si que, terminado o período de proibição, se mantenha uma relação continuada diferente com os ecrãs. Basta atentar à nossa volta.

Muitas vezes aqui tenho tratado esta questão e recupero a referência a um trabalho publicado pela The Lancet relativo a uma investigação realizada pela Universidade de Birmingham envolvendo mais de mil alunos de 30 escolas secundárias. O estudo teve como objectivo avaliar o impacto da proibição de utilização de telemóveis nas escolas no comportamento dos estudantes, na saúde mental e no desempenho escolar.

Os resultados “sugerem que as políticas escolares restritivas actuais não influenciam significativamente a utilização do telemóvel e das redes sociais nem se traduzem em melhores resultados ao nível dos domínios mentais, físicos e cognitivos”. 

Verifica-se ainda que não diminui o tempo de exposição a ecrãs, boa parte dos alunos “compensam” a restrição da escola com mais tempo em casa.

Também abordei esta questão em muitas sessões de trabalho com pais com filhos de diferentes idades e tenho sustentado que, ainda que se possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e desregulado, as decisões de proibição não me parecem consensuais. Aliás, também não tenho a convicção de que uma estratégia de proibição, só por si, devolva crianças e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso o que não significará, necessariamente, uma “lei seca” para telemóveis que não garante que, libertos da proibição, os bons hábitos de utilização se mantenham.

A que também não é rara a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem e sustentada pelo quadro legal que ainda vigora.

Neste contexto, creio que importa também colocar a questão a questão a montante, a utilização que todos damos a estes dispositivos. Seria muito interessante e desejável que se discutisse a sério (incluindo crianças e jovens) nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos, pais e/ou profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento. A sobreutilização por parte dos adultos parece-me ser uma variável crítica desta equação e se não conseguirmos todos esta regulação não podemos pedir à escola que o faça com sucesso e de forma continuada no tempo.

Como também tenho referido, creio que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece estar a emergir, a não utilização dos manuais digitais no 1.º ciclo também agora decidida refreando o deslumbramento pela “transição digital” que, como ontem escrevi, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

A ver vamos com a coisa evoluirá por cá, mas não me parece que a proibição de telemóveis nas escolas venha a ter o efeito regulador que todos desejamos. A regulação do uso por parte dos adultos, pais em particular, poderia ter um efeito potenciador mais positivo minimizando a tentação dos mais novos de “compensar” em casa a “companhia” do telemóvel que não têm na escola ou a sobreutilização depois de terminada a proibição.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

IDEOLOGIA E EDUCAÇÃO

 Foi aprovada pelo MECI a anunciada a reformulação da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, a primeira mudança da “reforma curricular” que também estará em curso a partir do próximo ano lectivo.

Segundo o primeiro-ministro pretende-se “reforçar o cultivo dos valores constitucionais" e garantir que seja liberta “das amarras de projectos ideológicos ou de facção”.

Do que já se sabe, são criados oito domínios, direitos humanos, democracia e instituições políticas, desenvolvimento sustentável, literacia financeira e empreendedorismo, saúde, media, risco e segurança rodoviária, pluralismo e diversidade cultural.

Estes oito domínios que serão operacionalizados através da definição de aprendizagens essenciais substituem os dezassete temas actualmente definidos para a disciplina, como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado.

Aguardemos pela definição das aprendizagens essenciais que serão definidas.

Até lá umas notas de reflexão global.

Sabemos como os estilos de vida actuais têm colocado graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares alimentando o que considero um dos vários equívocos no universo da educação, a afirmação de uma visão de “Escola a Tempo Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”. O modelo é bem recebido por muitos pais e tolerado por muitos outros por falta de alternativas.

Importa relembrar que para os alunos mais novos e de acordo com o que está definido legalmente, considerando o horário curricular, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à Família, a estadia dos alunos na escola pode atingir bem mais de 40 horas semanais se os pais necessitarem. Muitos alunos estão mesmo nas escolas 50h ou mais por semana.

Importa também acentuar que fora dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as condições, exprime também com demasiada frequência descontrolo e conflitualidade. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos.

Sabemos também que a ideia de que a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas.

Um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis que, evidentemente, não constituem as famílias que ficaram muito inquietas com a abordagem realizada em algumas escolas no âmbito da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, embora, naturalmente, muitos aspectos possam ser discutidos.

Não é possível que a leitura regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”, violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa, contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados, insegurança, medo, receio, etc. São ainda preocupantes os indicadores relativos a violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam os padrões de consumo de álcool ou droga.

Neste contexto parece-me claro a que a abordagem de matérias actualmente definidas ou, na versão agora anunciada, contemplando oito domínios acima referidos são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

No entanto e como já tenho referido também entendo que a abordagem a estas matérias não tem necessariamente de ser “disciplinarizada”, mas esta é ainda uma outra questão.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global de qualidade que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Dito isto deixem-me olhar para a fonte do mal, a “ideologia”.

Acho sempre curiosas as discussões em torno das “questões ideológicas” designadamente no universo da educação. Tenho para mim que não existem políticas públicas de educação, ou de outra área, que sejam neutras, assépticas, imunes, etc. em matéria de valores sociais ou ideologia, seja tudo isto o que for.

Ao defender, por exemplo, princípios de educação inclusiva, já me tem acontecido ser “acusado” de produzir um discurso ideológico. Muito provavelmente, os meus interlocutores esperariam que me procurasse “defender” através da evidência científica. No entanto, a minha resposta começa habitualmente com algo como, “ainda bem que fui claro, o meu discurso corresponde a uma visão de sociedade, de educação e de escola. Agora vamos à evidência científica que a sustenta". Provavelmente, nas mais das vezes, ficamos na mesma, cada qual com a sua visão ideológica, pois claro.

Acontece ainda que, com frequência se confunde ideologia com partidarismo. Como já afirmei, tenho uma visão ideológica do mundo que me rodeia, mas não consigo encaixar-me numa visão partidária o que, naturalmente, será uma limitação da minha parte.

A verdade é que já cansa a forma habilidosa como muitas questões são abordadas em função da “ideologia”.

Boa parte das pessoas que contestam o que afirmam constituir uma visão ideológica entende que o que defendem não tem carga ideológica, é asséptico, sendo que as ideias contrárias, essas sim, são sustentadas pela ideologia e devem ser combatidas.

Tantas e tantas vezes tropeço com este entendimento que envolve uma outra dimensão menos explicitada, a ética. Tantos interlocutores me dizem com a maior tranquilidade que quando os estudos ou a experiência não vão ao encontro das suas ideias, certas e pragmáticas, os estudos são mal feios e contaminados pela ideologia ou que a experiência não serve de argumento. Quando discordo, o meu discurso é ideológico e o do interlocutor é correcto, asséptico do ponto de vista ideológico, obviamente, suportado com a evidência científica que ao meu é negado porque os estudos … são ideológicos. Sim, como disse, o que penso tem uma carga ideológica, é assim que entendo o mundo.

Na verdade, não acredito em visões de sociedade sem arquitectura ideológica, ética ou moral. Isso não existe, só por desonestidade intelectual se pode afirmar tal.

Como disse e reafirmo, há décadas que não tenho qualquer espécie de filiação partidária, não me orgulho nem me queixo, é assim que penso. No entanto, tenho posições que são de natureza ideológica sobre o que me rodeia e o que respeita à vida da gente.

Não as entendo como únicas, imutáveis ou exclusivas, aliás, gosto mais de discutir e aprender com alguém que também assim se posiciona, sem manha, sem a falsidade do “não tenho ideologia” como se isso fosse uma fonte de autoridade.