É inevitável. Umas notas sobre a
decisão do Ministério do Ensino, perdão, da Educação, da Ciência (alguma) e da “I”rradicação,
perdão, da Inovação, relativa aos conteúdos da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento
erradicando a abordagem à saúde sexual e sexualidade.
Andou bem o MECI, vejamos porquê.
Como é reconhecido os estilos devida
actuais permitem, felizmente, uma enorme disponibilidade de tempo dos pais para o contacto
com os filhos e também sabemos que a generalidade das famílias assume essa
disponibilidade evidenciando uma forte e contínua relação e diálogo familiar.
Acresce que, apesar de algumas excepções sem significado, são reconhecidamente sólidas
as competências educativas da generalidade das famílias.
Na mesma linha sabemos que à
família compete a educação e à escola o ensino ainda que, erradamente, se tenha
instalado a ideia “woke” que a escola também educa. Não, a escola deve ensinar a
ler e escrever o suficiente para entender o o “digitalês” a actual língua de comunicação
de boa parte dos mais novos.
A escola deve também ensinar
qualquer coisa no âmbito dos números que seja suficiente para que a
generalidade dos alunos possa aceder, lá está, aos dispositivos digitais e IA
que resolverá os seus problemas.
Assim, a escola não tem que
abordar conteúdos como História, Filosofia, Arte ou domínios das áreas das
Ciências Sociais porque, obviamente, são áreas que, sendo imprescindíveis à
formação das pessoas, pertencem à área da Educação que, como escrevi acima, é
da responsabilidade das famílias que, obviamente, estão na sua generalidade em
condições e com disponibilidade para o fazer sem o risco dos seus filhos
ficarem à mercê de ameaças ideológicas e aceder a competências, autonomia,
conhecimento e e análise que podem que
lhes podem fazer mal.
Neste sentido também se percebe
algum movimento de “deskilling”na formação de professores que se tornará muito
mais económica e suficiente par poderem tomar contas das crianças na escola e
ensinar qualquer “coisinha” enquanto as crianças esperam pela educação dada em
casa.
Uma outra justificação que me
parece clara para a decisão do “apagão” dos conteúdos das áreas da Educação Sexual
e Sexualidade prende-se com o conhecimento de quem se move nestas áreas e
comprovado por múltiplos estudos, que as fontes de conhecimento em matéria de
Sexualidade por parte dos mais novos são os colegas e os meios digitais. Lá
está a necessidade da proficiência do “digitalês”. Assim sendo não se
justificará a intervenção da escola pois os crianças e adolescentes têm como
aprender, falam entre si e trocam dúvidas e saberes. É bonita a cooperação no
desenvolvimento.
Ainda em relação às fontes, em conversas
com pais ouvi com alguma frequência algo como “o meu filho(a) ainda não nos
perguntou nada” pelo que, presumem, os filhos não têm dúvidas em matéria de
sexualidade.
Uma referência ainda ao que é
conhecido sobre movimentos nas redes sociais relativos a bullying de género com
maior vitimização das raparigas, da
proliferação vídeos e incentivos a comportamentos disruptivos, o
fenómeno dos “incels” que, frequentemente têm consequências devastadoras, mas
mostra a eficiência da acção educativa das famílias e, obviamente, o erro de
permitir a intervenção da escola nestas áreas.
No mesmo sentido, também se sabe
que taxa de violência sexual e abusos sobre menores perpetrada, por vezes por
menores e maioritariamente sobre as raparigas é residual em Portugal.
Percebe-se, pois, a decisão
tomada pelo MECI, que não terá resistido à pressão.
Bom, agora mais a sério porque dada
a natureza das questões assim deve ser é absolutamente inaceitável esta decisão
como muito bem inúmeras pessoas com saber e experiência em matéria de desenvolvimento,
comportamento e bem-estar de crianças e adolescentes têm afirmado, por exemplo,
a Professora Margarida Gaspar de Matos.
Neste cantinho retomo o que tenho
afirmado aqui e em muitos espaços profissionais envolvendo professores,
técnicos e pais sublinhando a questão que sustenta as mudanças decididas pelo
MECI, a libertação “das amarras de projectos ideológicos ou de facção”.
A proposta em discussão defines
oito domínios, direitos humanos, democracia e instituições políticas,
desenvolvimento sustentável, literacia financeira e empreendedorismo, saúde,
media, risco e segurança rodoviária, pluralismo e diversidade cultural que
serão operacionalizados através da definição de aprendizagens essenciais
substituem os dezassete temas actualmente definidos para a disciplina.
Sabemos como os estilos de vida
actuais têm colocado graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda
das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia
dos miúdos nas instituições escolares alimentando o que considero um dos vários
equívocos no universo da educação, a afirmação de uma visão de “Escola a Tempo
Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”. O modelo é bem recebido por
muitos pais e tolerado por muitos outros por falta de alternativas.
Importa relembrar que para os
alunos mais novos e de acordo com o que está definido legalmente, considerando
o horário curricular, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a
Componente de Apoio à Família, a estadia dos alunos na escola pode atingir bem
mais de 40 horas semanais se os pais necessitarem. Muitos alunos estão mesmo
nas escolas 50h ou mais por semana.
Importa também acentuar que fora
dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as
condições, exprime também com demasiada frequência descontrolo e
conflitualidade. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc.,
tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos. Temos elevadas taxas de
violência no namoro, são preocupantes os indicadores relativos a abusos e
violência sexual sobre menores e entre menores como são inquietantes o volume
de casos de violência a través das redes sociais e a problemática em
crescimento dos designados “incels”.
Sabemos também que a ideia de que
a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não
forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos
conhecimentos em múltiplas áreas.
Um sistema público de educação
com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais
extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de
oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de
uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais,
económicas e familiares mais vulneráveis que, evidentemente, não constituem as
famílias que ficaram muito inquietas com a abordagem realizada em algumas
escolas no âmbito da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, embora,
naturalmente, muitos aspectos possam ser discutidos.
Neste contexto parece-me claro a
que a abordagem de matérias relativas à Saúde Sexual e Sexualidade associadas
aos outros domínios são fundamentais ao longo do processo de formação de
crianças, jovens e adultos.
No entanto e como já tenho
referido também entendo que a abordagem a estas matérias não tem
necessariamente de ser “disciplinarizada”, mas esta é ainda uma outra questão.
Nas sociedades contemporâneas um
sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência
obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para
a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através
de uma educação global de qualidade que se minimiza o impacto de condições
sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.
Ainda uma nota sobre a razão da
mudança as “amarras ideológicas. Acho sempre curiosas as discussões em torno
das “questões ideológicas” designadamente no universo da educação. Tenho para
mim que não existem políticas públicas de educação, ou de outra área, que sejam
neutras, assépticas, imunes, etc. em matéria de valores sociais ou ideologia,
seja tudo isto o que for.
Como há poucos dias escrevi, ao
defender, por exemplo, princípios de educação inclusiva, já me tem acontecido
ser “acusado” de produzir um discurso ideológico. Muito provavelmente, os meus
interlocutores esperariam que me procurasse “defender” através da evidência
científica. No entanto, a minha resposta começa habitualmente com algo como,
“ainda bem que fui claro, o meu discurso corresponde a uma visão de sociedade,
de educação e de escola. Agora vamos à evidência científica que a
sustenta". Provavelmente, nas mais das vezes, ficamos na mesma, cada qual
com a sua visão ideológica, pois claro.
Acontece ainda que, com
frequência se confunde ideologia com partidarismo. Como já afirmei, tenho uma
visão ideológica do mundo que me rodeia, mas não consigo encaixar-me numa visão
partidária o que, naturalmente, será uma limitação da minha parte.
A verdade é que já cansa a forma
habilidosa como muitas questões são abordadas em função da “ideologia” o que se tem escrito sobre esta mudança é esclarecedor.
Boa parte das pessoas que
contestam o que afirmam constituir uma visão ideológica entende que o que
defendem não tem carga ideológica, é asséptico, sendo que as ideias contrárias,
essas sim, são sustentadas pela ideologia e devem ser combatidas. Os exemplos
são múltiplos.
Tantas e tantas vezes tropeço com
este entendimento que envolve uma outra dimensão menos explicitada, a ética.
Tantos interlocutores me dizem com a maior tranquilidade que quando os estudos
ou a experiência não vão ao encontro das suas ideias, certas e pragmáticas, os
estudos são mal feios e contaminados pela ideologia ou que a experiência não
serve de argumento. Quando discordo, o meu discurso é ideológico e o do
interlocutor é correcto, asséptico do ponto de vista ideológico, obviamente,
suportado com a evidência científica que ao meu é negado porque os estudos …
são ideológicos. Sim, como disse, o que penso tem uma carga ideológica, é assim
que entendo o mundo.
Na verdade, não acredito em
visões de sociedade sem arquitectura ideológica, ética ou moral. Isso não
existe, só por desonestidade intelectual se pode afirmar tal. O actual clima e
discursos políticos todos os dias nos mostram exemplos, alguns bem preocupantes
em termos de democracia e direitos humanos.
Como disse e reafirmo, há décadas
que não tenho qualquer espécie de filiação partidária, não me orgulho nem me
queixo, é assim que penso. No entanto, tenho posições que são de natureza
ideológica sobre o que me rodeia e o que respeita à vida da gente.
Não as entendo como únicas,
imutáveis ou exclusivas, aliás, gosto mais de discutir e aprender com alguém
que também assim se posiciona, sem manha, sem a falsidade do “não tenho
ideologia” como se isso fosse uma fonte de autoridade. Finalmente e considerando o que já tenho ouvido do actual Ministro, creio que não resistiu à pressão de uma direita não democrática, ignorante e retrógrada. Lamento.
Desculpem a extensão.