sexta-feira, 25 de julho de 2025

DO MAL-ESTAR DOS DOCENTES

 A FNE realizou um inquérito no final de Julho que envolveu 4638 docentes do pré-escolar ao secundário construindo um olhar sobre a profissão em diferentes dimensões. Para estas notas consideremos alguns indicadores.

Verifica-se um nível levado, 95,8%, de insatisfação relativamente ao estatuto remuneratório face ao volume de trabalho exigido, 94,4% afirmam que gostam da profissão, mas 73,2% não incentivariam um jovem a ser professor. No entanto, cerca de oito em cada dez docentes diz sentir-se realizado no exercício profissional.

O comportamento dos alunos é uma fonte de preocupação significativa, 96,3%, sendo que 51% entende que o grau de indisciplina na sala de aula aumentou significativamente face ao ano anterior. Como mais preocupantes problemas no comportamento são referidos a incapacidade de seguir regras, 63,2%, com a conversa em sala de aula, 33,6%, a não realização do trabalho incluindo os trabalhos de casa, 15,3%. É ainda referido o abuso na utilização dos telemóveis (ex: mensagens de texto, câmaras fotográficas), 14,8%.

Este conjunto de dados não é surpreendente e sublinha o mal-estar na lasse docente estando em linha com os resultados encontrados no estudo divulgado  em Dezembro de 2024 realizado pelo Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-Estar, da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo a 2024, coordenado pela Professora Margarida Gaspar de Matos, que envolveu 390 professores e que apesar da prudência face à dimensão da amostra vai no mesmo sentido que os dados agora conhecidos no trabalho da FNE.

Numa escala de 1 a 10, 62% dos docentes referem portam uma satisfação com a vida igual ou superior a sete. No entanto, metade afirma sentir-se nervoso, 50,4%, triste, 48,4%, irritado ou de mau humor, 49,2%, pelo menos uma vez por semana. É ainda de considerar que 18,3% refere frequentemente está tão triste que parece não aguentar.

Como sinais de mal-estar, 45,6% refere dificuldades em adormecer, dois terços dizem que recentemente sentiram agitação, dificuldade em relaxar, assumindo ter reagido excessivamente a determinadas situações e sentido irritabilidade.

É ainda interessante recuperar os dados do estudo anterior da FNE, divulgados em Agosto de 2024 com a participação de 3750 docentes.

Em termos globais, quase 90% entendem que a profissão não é socialmente reconhecida, 53,1% afirmam gostar muito de ser professor, mas apenas 12% se sentem valorizados. Dos inquiridos, 89% identificam como dimensões críticas, as pouco ou nada atractivas perspectivas de carreira que 95% consideram não estar ao nível das competências e qualificações que lhes são exigidas.

É ainda referido por 86% o excesso de trabalho e a carga burocrática. A avaliação de desempenho constitui uma preocupação para dois terços dos respondentes e três em cada quatro afirmam-se preocupados ou muito preocupados com a progressão na carreira.

Como tantas vezes aqui tenho abordado e recuperando notas já escritas, os problemas que envolvem a classe docente e as suas consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer a realidade. Nos últimos anos têm sido recorrentes as referências, relatórios e estudos evidenciando a preocupante falta de professores, o envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a baixa atracção dos mais jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.

O modelo de governança das escolas é também apontado com frequência como motivo de mal-estar e desmotivação.

Por outro lado, existem algumas sombras que podem sugerir um parece ter-se desenhado um processo questionável e preocupante de “desprofissionalização”. No entanto, também é de registar que de uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.

Este quadro, de um mal-estar reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo, crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo (quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.

Nunca a profissão docente esteve tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de defender a qualidade da escola pública e a valorização de todos os profissionais que a “constroem” diariamente. Os tempos que vivemos sublinham uma questão e outra de forma crítica.

Múltiplas acções e decisões políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os portugueses mais confiam.

A atenção que tem estado centrada nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons Professores.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de carreira e de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência, empenho e atracção pela profissão.

Urge o ajustamento nas políticas públicas de educação, e não só. Este caminho está a esgotar-se e o futuro parece comprometido, atentemos nos resultados mais recentes da avaliação dos alunos. Não vale a pena negar a realidade.

E o futuro não pode esperar.

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