A FNE realizou um inquérito no final de Julho que envolveu 4638 docentes do pré-escolar ao secundário construindo um olhar sobre a profissão em diferentes dimensões. Para estas notas consideremos alguns indicadores.
Verifica-se um nível levado,
95,8%, de insatisfação relativamente ao estatuto remuneratório face ao volume
de trabalho exigido, 94,4% afirmam que gostam da profissão, mas 73,2% não
incentivariam um jovem a ser professor. No entanto, cerca de oito em cada dez docentes
diz sentir-se realizado no exercício profissional.
O comportamento dos alunos é uma
fonte de preocupação significativa, 96,3%, sendo que 51% entende que o grau de
indisciplina na sala de aula aumentou significativamente face ao ano anterior.
Como mais preocupantes problemas no comportamento são referidos a incapacidade
de seguir regras, 63,2%, com a conversa em sala de aula, 33,6%, a não
realização do trabalho incluindo os trabalhos de casa, 15,3%. É ainda referido
o abuso na utilização dos telemóveis (ex: mensagens de texto, câmaras
fotográficas), 14,8%.
Este conjunto de dados não é surpreendente
e sublinha o mal-estar na lasse docente estando em linha com os resultados
encontrados no estudo divulgado em
Dezembro de 2024 realizado pelo Observatório da Saúde Psicológica e do
Bem-Estar, da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo a
2024, coordenado pela Professora Margarida Gaspar de Matos, que envolveu 390 professores
e que apesar da prudência face à dimensão da amostra vai no mesmo sentido que
os dados agora conhecidos no trabalho da FNE.
Numa escala de 1 a 10, 62% dos
docentes referem portam uma satisfação com a vida igual ou superior a sete. No
entanto, metade afirma sentir-se nervoso, 50,4%, triste, 48,4%, irritado ou de
mau humor, 49,2%, pelo menos uma vez por semana. É ainda de considerar que
18,3% refere frequentemente está tão triste que parece não aguentar.
Como sinais de mal-estar, 45,6%
refere dificuldades em adormecer, dois terços dizem que recentemente sentiram
agitação, dificuldade em relaxar, assumindo ter reagido excessivamente a
determinadas situações e sentido irritabilidade.
É ainda interessante recuperar os
dados do estudo anterior da FNE, divulgados em Agosto de 2024 com a participação
de 3750 docentes.
Em termos globais, quase 90%
entendem que a profissão não é socialmente reconhecida, 53,1% afirmam gostar
muito de ser professor, mas apenas 12% se sentem valorizados. Dos inquiridos,
89% identificam como dimensões críticas, as pouco ou nada atractivas perspectivas
de carreira que 95% consideram não estar ao nível das competências e
qualificações que lhes são exigidas.
É ainda referido por 86% o
excesso de trabalho e a carga burocrática. A avaliação de desempenho constitui
uma preocupação para dois terços dos respondentes e três em cada quatro
afirmam-se preocupados ou muito preocupados com a progressão na carreira.
Como tantas vezes aqui tenho
abordado e recuperando notas já escritas, os problemas que envolvem a classe
docente e as suas consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há
muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer
a realidade. Nos últimos anos têm sido recorrentes as referências, relatórios e
estudos evidenciando a preocupante falta de professores, o envelhecimento da
classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a baixa atracção dos mais
jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e
valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos
de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar
e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.
O modelo de governança das
escolas é também apontado com frequência como motivo de mal-estar e
desmotivação.
Por outro lado, existem algumas
sombras que podem sugerir um parece ter-se desenhado um processo questionável e
preocupante de “desprofissionalização”. No entanto, também é de registar que de
uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.
Este quadro, de um mal-estar
reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo,
crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional,
constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos
porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo
(quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda
me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social
e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e
educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a
dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos
professores.
Nunca a profissão docente esteve tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de
defender a qualidade da escola pública e a valorização de todos os
profissionais que a “constroem” diariamente. Os tempos que vivemos sublinham
uma questão e outra de forma crítica.
Múltiplas acções e decisões
políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm
contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e
comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar
dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os
portugueses mais confiam.
A atenção que tem estado centrada
nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo
que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos
seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e
também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a
verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons
Professores.
A valorização social e
profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta
imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e
reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de carreira e de
avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam
competência, empenho e atracção pela profissão.
Urge o ajustamento nas políticas
públicas de educação, e não só. Este caminho está a esgotar-se e o futuro
parece comprometido, atentemos nos resultados mais recentes da avaliação dos
alunos. Não vale a pena negar a realidade.
E o futuro não pode esperar.
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