A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), divulgou o relatório “Educação em Números” analisando as taxas de retenção e abandono no ensino básico e no secundário relativas a 23/24. Os dados mostram alguma proximidade com os resultados de 22/23 com um ligeiro agravamento no 2º ciclo.
No 1.º ciclo verificou-se 1,9% de
retenção e abandono, no 2.º ciclo, 3,9%, no 3.º ciclo, 6,2% e no secundário, 9,6%.
Importa referir que estes valores
englobam retenção e abandono, mas tratando-se da escolaridade obrigatória a
retenção será a base das taxas referidas.
Retomo o que aqui tenho referido
com alguma regularidade. Estas taxas de retenção, ou dito de outra maneira, o
sucesso que também mostram, a “passagem de ano”, traduzem-se, de facto, na aprendizagem de
competências e conhecimentos ou teremos de considerar que ter sucesso é a “a
passagem de ano” na velha fórmula de “transita, mas não progride”? Conhecem-se relatos de escolas em que se verifica alguma “pressão” para a “transição”.
Esta questão é sustentada pelas
discrepâncias sérias entre os resultados dos percursos de sucesso, as
avaliações internas e os resultados dos nossos alunos em estudos internacionais
ou nas provas de aferição, agora MoDa, e exames nacionais, a avaliação externa.
Dito isto, também quero com muita
clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como
ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si,
não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto. No entanto, basta
olhar para as caixas de comentários a textos da imprensa sobre esta matéria,
para perceber como esta crença está instalada.
Vejamos algumas referências.
Recordo um Relatório do CNE de 2017 no âmbito do Projecto aQeduto em parceria
com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, em que se realizou uma análise ao
custo de medidas de combate ao insucesso escolar. Parece-me perfeitamente
actual do ponto de vista da reflexão necessária.
Em termos económicos e recorrendo aos estudos
já desenvolvidos o impacto económico da retenção é estimado em cerca de 6000€
por aluno em cada ano. Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment
Foundation, o Projecto aQeduto identifica o grau de eficácia e custo económico
de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a
retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso
de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente,
promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.
Estes dados são importantes, mas a sua substância não é nova.
Também no Relatório
“Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed”
divulgado pela OCDE em 2017 se referia que o “chumbo”, a retenção, é para os
alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação
posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.
De facto, definitivamente, não
adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma,
repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme
os estudos mostram.
Confesso sempre alguma surpresa e
dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da
retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se
está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam
sem saber".
Nesta conformidade e do meu ponto
de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou
o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem
estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da
percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente
ineficaz medida do chumbo.
Este discurso não tem
rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria
"administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem
sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção
resolve o problema do insucesso.
É essencial promover e tornar
acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e
competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do
chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente
os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que
inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a
pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em
Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPCs e explicações,
dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao
estatuto económico.
É claro que mudanças estruturais
têm custos pelo que será de considerar a necessidade de investimento sério em
educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta
para 2030.
Uma primeira referência à
dimensão associada aos professores, modelo de carreira valorizada, justa e
atractiva.
É imprescindível é dotar as
escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar
tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam.
É necessário promover a
desburocratização asfixiante e reflectir sobre modelos de governança das
escolas mais adequados, competentes e participados.
Com real autonomia, com mais
recursos e com modelos organizativos mais adequados e desburocratizados as
escolas poderiam certamente fazer mais e melhor. que quem vem de fora numa
passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria
ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.
Escolas com mais auxiliares,
auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes
domínios.
Directores de turma com mais
tempo para os alunos e professores com menos alunos poderiam desenvolver
trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.
Psicólogos e outros técnicos em
número mais adequado poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas
acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.
Mediadores que promovessem
iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a
experiência mostra-o, um investimento com retorno. Repetindo e sintetizando, os
professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos.
Uma nota final para sublinhar a
necessidade de estabilização curricular e da questão da avaliação e percurso
escolar dos alunos e reafirmar a importância da avaliação externa como
reguladora do trabalho realizado.

1 comentário:
chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://files.comunidades.net/constated/Relatorio_Mapeamento_CONSTATED.pdf
O projeto CO/\/STATED - A Construção Social de Estatísticas da Educação analisa criticamente os modos como as estatísticas educativas são produzidas, classificadas e utilizadas no contexto português. Esta investigação insere-se num quadro mais amplo de intensificação da quantificação nas sociedades contemporâneas, frequentemente caracterizado como “sociedade métrica”1 ou “era da medição”2, em que se observa a consolidação de um “regime numerocrático de poder-saber”3.
Inspirado pela noção de “dispositivos” proposta por Foucault4, o estudo reconhece que os números e indicadores, longe de serem neutros, operam como instrumentos de construção de realidades e como mediadores das relações de poder. A cultura da medição, amplamente reforçada pela auditoria e pela expansão das tecnologias da informação, tem moldado de forma significativa os processos educativos, incluindo a crescente dependência de indicadores como rankings escolares e avaliações padronizadas.
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