segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

COM VOTOS DE BOM ANO, PREVISÕES PARA 2019


Como é habitual, à entrada de um novo ano são mais do que muitas as tentativas de prever os dias que nos aguardam.
Apesar da dificuldade da tarefa, acotovelam-se "opinadores", comentadores, estudiosos, analistas, especialistas, politólogos, "pessoas conhecedoras" (uma espécie em levar em conta), enfim, uma infinidade de tudólogos que em tudo quanto é comunicação social se "engarrafam" na produção de infalíveis previsões.
Não tenho os dotes necessários nem a intenção de substituir quem quer que seja pelo que, como é habitual, deixo um modesto contributo no que respeita a previsões desejando que chegue um Ano à medida das vossas expectativas.
Diz-me a experiência que é sempre de grande e comprovada utilidade.
Bom Ano para Todos.


domingo, 30 de dezembro de 2018

A CAMINHO DE UM SONHO OLÍMPICO


Finalmente. Os prémios atribuídos a atletas paralímpicos por bons resultados em Jogos Paralímpicos, Campeonatos do Mundo ou Campeonatos da Europa estão equiparados aos dos outros atletas em competições da mesma natureza. Os prémios, para além de equiparados, também foram aumentados. A portaria que o determina foi publicada no dia 27 e é uma boa notícia neste final de ano.
No entanto, se bem se recordam, o apoio à preparação de atletas olímpicos é de geometria variável, ou seja, se forem atletas olímpicos têm acesso a um apoio social significativamente superior aos atletas olímpicos que são cidadãos com deficiência, chamam-lhes atletas paralímpicos. Recordo que na votação do OGE para 2018 a Assembleia da República chumbou com votos contra do PS e a abstenção do PSD um processo faseado de equiparação.
Ao que foi dito o brutal impacto financeiro da medida, 700 000 euros, torna a argumentação do “centrão” é patética, para ser simpático.
Também por estas razões insisto numa das minhas utopias, um dia teremos apenas Jogos Olímpicos em que todos as provas, de todos os desportistas, se realizem no mesmo espaço de tempo e nos mesmos espaços físicos de acordo, evidentemente, com as exigências específicas.
Não é impossível em termos de organização e assim como não consigo aceitar que uma piscina pública seja frequentada por um grupo de pessoas com deficiência em “horário próprio” com "pistas reservadas", também acho que as pessoas, todas as pessoas, podem competir num mesmo evento nas respectivas provas.
Lembro-me sempre da afirmação de Biesta, a história da inclusão é a história da democracia e, do meu ponto de vista, também passa por aqui.
Só depende de nós.
Sim, eu sei, é um sonho olímpico. Será, mas não é seguramente paralímpico.

OS RESULTADOS A MATEMÁTICA. SERÁ DESTINO?


Lê-se no Público que foi publicado sexta-feira o despacho que cria o Grupo de Trabalho anunciado em Março com o objectivo vai estudar o “fenómeno do insucesso” a Matemática no ensino básico e secundário e produzir um conjunto de recomendações no sentido de melhorar o ensino, aprendizagem e avaliação da Matemática.
O trabalho começará por analisar a evolução dos resultados a Matemática nas duas últimas décadas, o registo das taxas de sucesso, das taxas de recuperação, dos programas da disciplina, da eficácia de medidas de apoio e das metodologias de ensino, entre outras dimensões. Pretende-se aferir da eficácia e eficiência dos diferentes planos e medidas dirigidas à melhoria das aprendizagens e à promoção do sucesso escolar adaptados nos últimos anos. O Grupo produzirá um relatório que será colocado em consulta pública.
Recorde-se que dois grupos de trabalho criados em 2016 direccionados para o básico e para o secundário consideraram existirem “inúmeros constrangimentos” ao nível dos currículos nos currículos em vigor referindo entre outros aspectos, a extensão excessiva dos programas não susceptíveis de serem cumpridos no tempo disponível e as “metas curriculares demasiado ambiciosas” que impacto negativo na aprendizagem da generalidade dos alunos.
O Grupo de Trabalho é constituído por professores do ensino básico, secundário e superior e coordenado por Jaime Carvalho e Silva, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. O caderno de encargos é pesado, esperemos que resulte.
De facto, apesar de alguma melhoria nos resultados do PISA cujas provas diferem dos exames nacionais os resultados a Matemática continuam preocupantes, nota negativa superior a 50% no 9º ano e no 12º a média é acima do 10 mas as baixas notas a Matemática estão a condicionar seriamente a escolha de formação superior levando a uma distorção da procura.
Os resultados a Matemática ao longo da escolaridade obrigatória estarão associados, não numa relação de causa-efeito, a múltiplas variáveis incluindo variáveis de natureza sociodemográfica como a escolaridade dos pais.
Por outro lado e como os grupos de trabalho criados em 2016 importa considerar a dimensão modelo e conteúdos curriculares. Outras variáveis como o  número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica terão também algum peso e algumas vezes já aqui referimos estas questões.
É neste conjunto de variáveis e na intervenção adequada que julgo residir a chave para alterar e reconstruir a relação dos alunos com a Matemática e melhorar o seu desempenho.
No entanto, acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes mas que a experiência e a evidência mostram ter também algum impacto.
São variáveis de natureza mais psicológica como, por exemplo, a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso, os alunos de meios menos carenciados percebem-se como mais capazes de aprender matemática.
Finalmente, uma referência a uma dimensão nem sempre considerada mas que julgo pertinente neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e às vezes bem que “parece”. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.
De facto, este tipo de discursos não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se. Aliás, é conhecido que muitos alunos escolhem trajectos escolares tendo como critério “fugir” da Matemática.
Não fica fácil a tarefa dos professores mas no limite e como sempre será a escola a fazer a diferença. Não podemos falhar apesar da dificuldade do caderno de encargos. Não podemos estar condenados a ter maus resultados a Matemática.
Aguardemos as recomendações do Grupo de Trabalho agora criado.

sábado, 29 de dezembro de 2018

METEU-SE O NATAL, AGORA METE-SE O ANO NOVO

Como tanto gostamos de dizer, meteu-se o Natal e agora mete-se o Ano Novo.
Os dias que medeiam entre o Natal e o Ano Novo têm, do meu ponto de vista, um conjunto de características muito particulares. Fico sempre com a sensação de que os vivemos como não dias. Pode parecer uma ideia estranha mas vou tentar explicar.
Logo depois do Natal, ainda a recuperar do espírito natalício, entramos numa espécie de ressaca advinda da azáfama das prendas, dadas, recebidas ou sonhadas e da culpa resultante dos excessos. Acresce para muita gente o problema das trocas, ou porque já tinham o que receberam ou porque, por várias razões, não serve o que receberam.
Para que se não saia dos espaços comerciais o ânimo recupera-se entrando de imediato na época de saldos, descontos, promoções ou outra qualquer designação apelativa a mais umas compras. Trata-se do efeito terapêutico do mercado e do consumo.
Deste estado, passamos para os dias de aproximação ao Ano Novo que, independentemente do que de menos bom possamos racionalmente esperar, vivemos com a esperança de que seja mesmo novo e, sobretudo, Bom.
Iremos certamente trocar inúmeras mensagens e votos noutra azáfama que aparenta assentar numa ideia mágica dos tempos de miúdo que nos parece fazer acreditar em que se assim procedermos, o Ano Novo vai ser mesmo Novo e, repito, Bom. De tanto falarmos nele, ele vai convencer-se de que terá mesmo que ser assim.
É certo que de há uns tempos para cá, como devem ter dado por isso, foi desaparecendo o Próspero, basta que seja Bom, ou até mesmo que não seja pior do que este. Já era bem bom, por assim dizer.
É também muito provável que nos últimos dias do próximo Dezembro, o de 2019, estejamos com o mesmo sentimento a enunciar os mesmos discursos apesar das promessas optimistas de que ... a coisa está a mudar.
Alguns de nós tentarão de forma mais ou menos dispendiosa ou criativa encontrar uma maneira feliz e divertida, assim a entendemos, de entrar no Ano Novo. Pode até nem ser muito divertida mas vai parecer com toda a certeza. Este ano, talvez possa até já ser um pouco menos comedida nos custos, dizem que a coisa está um bocadinho melhor.
No entanto, como se sabe tristezas não pagam dívidas e haverá réveillons para todas as bolsas. Acresce que muitas autarquias no seu espírito de missão e de serviço ao cidadão proporcionarão fantásticos espectáculos de fogo-de-artifício e música para que toda agente possa receber o Ano Novo sem grande custo.
O problema mais sério é que a 2 de Janeiro está aí o Ano Novo que, para muita gente, vai continuar velho e para muita outra gente não será Bom, longe disso.
Mas para um povo sereno e de brandos costumes como nós, haja saúde que é o principal, no resto … Bom, no resto … algum jeito se há-de dar.
Bom Ano.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

FRONTEIRAS E MUROS


Por estes dias aqui no Alentejo e para descansar um pouco da lida no Monte, é sempre pesada, fomos dar uma volta por uma zona de que gostamos muito nas várias épocas do ano, os bosques de castanheiros na zona de Aracena e Aroche na estrada para Sevilha.
Entre Vila Verde Ficalho e Rosal de la Frontera ao passar pelo local da antiga fronteira a memória acendeu-se.
As minhas viagens ao estrangeiro começaram por volta dos meus 12 ou 13 anos com idas a Badajoz ou, bastante mais longe, a Sevilha, possibilitadas horas de costura da minha mãe e de um dinheiro extra vindo do trabalho a prémio do meu pai, serralheiro no Arsenal do Alfeite.
Nessas viagens a passagem das fronteiras do Caia ou de Ficalho eram sempre momentos tensos que se viviam em silêncio e com algum temor. Recordo que batíamos palmas quando passávamos a fronteira na vinda, a Guarda não descobriu ou não quis descobrir as garrafas de Coca-Cola que vinham escondidas na roupa. Sim, a Coca-Cola era proibida em Portugal.
Ainda durante vários anos e já mais velho passei por várias experiências pouco positivas em fronteiras, lembro-me, por exemplo, de revistas, demoras e dúvidas que me tocavam com frequência e de episódios complicados para entrar na Holanda, na Alemanha ou na antiga República Checa.  
Entretanto e aos poucos a Europa foi ficando sem fronteiras e em 2019 fará 30 anos que caiu uma das linhas de separação mais simbólicas na Europa, o Muro de Berlim.
No entanto e é esse o meu ponto, como diria Bob Dylan, The Times They Are A-Changin'.
Desde 2015 a quase totalidade da Europa assiste sem grandes sobressaltos das suas lideranças à decisão de outras e variadas lideranças de promover a construção de fronteiras, muros e barreiras de arame farpado ou invisíveis mas eficazes alimentando a vida de terror e drama de muitos milhares de pessoas a viver num inferno que, também, foi ateado pela incompetência de decisões políticas dessas mesmas lideranças.
Talvez a relativa tranquilidade com que se assiste à construção de muros e barreiras em diversos pontos acabe por não ser estranha. Creio que ainda não há muito tempo não anteciparíamos que um referendo no Reino Unido ditasse o Brexit cujos efeitos ainda não são conhecidos. Aliás, o próximo ano não se afigura que possa trazer mudanças positivas na Europa, as nuvens são negras. 
Os muros vão sendo construídos nas nossas vidas conduzindo no limite à construção de "condomínios de um homem só" rodeado de barreiras para que ninguém entre.
Alguns muros são menos visíveis mas também não são facilmente transponíveis..
Na verdade, existem muros que transformam a vida de muitas crianças, jovens e adultos, sobretudo e como sempre dos mais vulneráveis, numa permanente corrida de obstáculos em que são atropelados alguns dos seus direitos.
Estes muros são constituídos, por um lado, por constituído por dimensões mais tangíveis, falta de recursos humanos e técnicos, barreiras físicas e acessibilidade, insuficiência de apoios de natureza social, etc.
Por outro lado, boa parte deste muro é constituído por dimensões de outra natureza, desvalorização dos problemas das minorias, intolerância, o entendimento de que os direitos humanos são de geometria variável e dependentes da conjuntura, ou seja, se existir mais dinheiro, teremos mais direitos.
Muitas crianças, jovens e adultos estão ou sentem-se excluídos ou “tolerados” num canto das suas comunidades e são também eles refugiados de um quotidiano que os maltrata e é tantas vezes insuportável.
As comunidades, mais do que a mediocridade das suas lideranças, não podem deixar que estes muros se mantenham e, mais grave, que se construam novos muros e barreiras.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

UMA LUZ AO FIM DO APAGÃO


Sem surpresa o Presidente da República vetou o diploma do Governo relativo à contagem do tempo de serviço dos professores. A sustentação do seu veto assenta no recentemente aprovado OGE para 2019 que, tal como o de 2018, determina a negociação entre governo e professores, a questão deve “ser objecto de processo negocial”.
Desde o início de todo este processo parece claro que só mesmo negociando o conflito seria resolvido e os direitos cumpridos.
Para além da “obrigação de negociar” há ainda a considerar que o Parlamento deverá discutir votar a proposta da Iniciativa Legislativa de Cidadãos “visando a votação em plenário de uma proposta de lei destinada à “consideração integral do tempo de serviço docente prestado durante as suspensões de contagem anteriores a 2018, para efeitos de progressão e valorização remuneratória." Não foi fácil a sua aceitação pelos Serviços Da Assembleia mas irá ser discutida e votada.
Como há dias escrevi tenho alguma curiosidade sobre o que se irá seguir. Antecipo que as contas eleitorais e a caça ao voto dos professores serão mais determinantes que a apreciação da bondade da pretensão dos docentes que, aliás, não parece suscitar dúvidas, trata-se de cumprir o quadro legal. As diferentes bancadas farão discursos, alguns carregados de oportunismo e hipocrisia cheios de amor e compreensão pela justiça das posições esquecendo óbvias responsabilidades. Os deputados do PS ficarão, por assim dizer, "entalados" e será interessante perceber a sua posição. Se considerarmos que a iniciativa não mereceu o apoio das duas maiores estruturas de representação sindical dos docentes a expectativa sobre as contas a partidocracia aumenta.
O que me parece significativo é que o veto do Presidente e o resultado, qualquer que seja o sentido da votação na AR, influenciarão seguramente o conflito instalado entre ME e professores e sublinha a importância e urgência do inevitável processo negocial, única forma de o ultrapassar.
Creio que o Governo terá já percebido que nesta altura, o mal-estar, o cansaço, a indignação e desesperança que afectam os professores sustentam um clima e uma atitude de crítica que está para além da esfera de influência dos sindicatos e tem impacto no clima das escolas e no seu trabalho.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

A MEDIATIZAÇÃO DA POBREZA


Escrevi este texto no final da tarde de ontem mas apenas hoje que já não é Natal o divulgo, não queria atrapalhar o espírito natalício, seja lá isso o que for. Na verdade, o Natal não é quando um homem quiser.
A não ser num exercício romântico em torno da ideia do clochard francês que escolhe a rua como acto de resistência e projecto de vida, o sem-abrigo é, por natureza e condição, isso mesmo, um sem-abrigo.
Numa sociedade que procura e promove os níveis de bem-estar que já atingimos e que nunca nos satisfazem, a falta de um abrigo, é, creio, a mais despojada das condições sendo que modelos de desenvolvimento e políticas dirigidas a mercados e não a pessoas têm produzido legiões de desabrigados.
Um abrigo, uma casa, grande ou pequena, constitui uma espécie de céu protector para cada um de nós. É também verdade, que não basta o abrigo para ser protector, nas mais das vezes, para além da falta de abrigo existe um mais sério problema de abandono e solidão.
De vez em quando, por diferentes razões, agora porque é Natal e as consciências obrigam, descobre-se a existência de sem-abrigo e pessoas sós nas nossas cidades, Então, durante algum tempo, aparecem ad nauseam notícias e peças televisivas que "cobrem" iniciativas variadas, almoços, jantares, distribuição de bens, etc., muitas vezes de um nível intrusivo absolutamente inaceitável. Já perdi a conta às reportagens sobre os jantares de Natal que estão a ser "oferecidos" a "pobrezinhos" de Lisboa, do Porto e de outras cidades do País.
As entrevistas, de uma forma geral, são obscenas e insultam a dignidade dos entrevistados, "este senhor" ou "esta senhora" que têm uma refeição "muito boa", "estou muito contente", "está tudo muito bem", têm um aspecto lavadinho e composto e agradecem muito a quem lhes oferece tal experiência muito caridosa.
Não questiono, evidentemente, a genuína intenção das pessoas e instituições que se disponibilizam para minimizar dificuldades, muitas delas durante todo o ano, embora o problema não seja o cobertor mas, fundamentalmente, o abrigo e a solidão. As pessoas e as instituições desenvolvem um trabalho e um esforço notáveis. A minha questão é o lado voyeurista e quase predatório com que boa parte da comunicação social, sobretudo televisiva, trata pessoas a que poucas vezes dedica atenção. As perguntas e reportagens, sem decoro nem respeito, que esforçados e incompetentes “profissionais” realizam são quase insultuosas e atentatórias dos direitos das pessoas. Esta forma de mediatização da pobreza, sazonal como é evidente, é um verdadeiro escândalo que nos deveria envergonhar a todos, a começar pelos (ir)responsáveis editoriais.
As pessoas sem-abrigo, "só" não têm abrigo, não são adereços fornecidos por uma qualquer produção para montar espectáculos televisivos. Ainda lhes restará, acredito, o que ninguém pode perder, a dignidade.

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

SONHOS DE NATAL

Hoje é dia de Natal. O Natal traz quase sempre algo de muito saboroso, os sonhos.
Amanhã já não é Natal. Não, o Natal não é quando um Homem quiser. Aliás, muitos homens não querem que seja Natal. Outros Homens, incluindo Homens pequenos não têm Natal.
E Sonhos? Amanhã haverá?
É necessário que sim. Em nome dos nossos Filhos, dos Filhos dos nossos Filhos, dos Filhos  dos ...
É um Sonho.
Bons Sonhos.
É bom não esquecer ainda que como disse Sebastião da Gama, pelo sonho é que vamos. E é na educação que começa o sonho.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

BOM NATAL


Bom Natal. Dos simples. Com Tempo, com Afecto.



POLÍTICAS DE FAMÍLIA. É POSITIVO MAS AINDA NÃO CHEGA


A secretária de Estado da Igualdade em entrevista ao DN e a propósito do programa para a conciliação família e trabalho apresentado pelo governo, referiu o aumento da oferta de creches em Lisboa e Porto onde, naturalmente, se verificam as maiores dificuldades. A secretária de estado inscreve esta e outras medidas na promoção da natalidade. Algumas notas.
Em 2016 Portugal o terceiro índice de fecundidade mais baixo da EU, 1,36 nascimentos por mulher, sendo que em 2017 também nasceram menos crianças. Acontece ainda que as mulheres são mães cada vez mais tarde e acentua-se a opção por apenas um filho.
As razões para este cenário preocupante serão múltiplas mas o custo dos filhos em Portugal e a ausência de verdadeiras políticas de família terão certamente um peso significativo.
Recordo entre outros trabalhos o relatório "Starting Strong 2017" da OCDE, que apesar de assentar em dados de 2013 reforça este entendimento. As famílias portuguesas são das que realizam mais esforço para assegurar educação pré-escolar. Dito de outra maneira, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para a infância.
A falta de respostas e recursos a preços acessíveis para o acolhimento a crianças dos 0 aos 3, creches ou amas, e dos 3 aos 6 anos, a educação pré-escolar, constitui-se como um dos grandes obstáculos a projectos familiares que incluam filhos, levando aos conhecidos e preocupantes baixos níveis de natalidade.
A alteração dos estilos de vida, a mobilidade e a litoralização do país, levam à dispersão da família alargada de modo a que os jovens casais dependem quase exclusivamente de respostas institucionais que, ou não existem, ou são demasiado caras.
Neste quadro a intenção actual de garantir o acesso à educação pré-escolar aos três anos e criar de forma significativa respostas acessíveis, física e economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três anos é imprescindível e urgente.
Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...
Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade para os mais pequenos é uma delas.
Este período, creche e educação pré-escolar, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional de cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo que virão a ser e a fazer no resto da sua vida.
A promoção de projectos de vida familiar que incluam filhos implica também intervir nas políticas de emprego e protecção do emprego e da parentalidade, de forma séria, na discriminação e combate eficaz a abusos e a precariedade ilegal, na inversão do trajecto de proletarização com salários que não chegam para satisfazer as necessidades de uma família com filhos e custos elevados na educação apesar de uma escolaridade dita gratuita.

domingo, 23 de dezembro de 2018

BOM NATAL E UMA SUGESTÃO DE PRESENTE


Para muitas famílias a época de Natal traz uma questão, que oferecer aos miúdos. Eles já têm tudo, dizemos nós, os adultos. Eles acham que não, pedem tudo, aprenderam com a gente. A aproximação do Dia introduz a ansiedade da compra, do presente como preferimos designar, que ainda não fizemos. Provavelmente será hoje que é Domingo e todas as lojas esperam por nós. Tentando ajudar deixo uma sugestão.
Trata-se de um presente que apesar de nem sempre parecer fácil é sempre possível encontrar.
Trata-se um presente que pode ser usado de múltiplas formas e por isso é estimulante e fomenta a criatividade.
Trata-se de um presente que pode ser usado por várias pessoas.
Trata-se de um bem de primeira necessidade e que muitos miúdos não têm tanto quanto precisariam.
Trata-se, finalmente, de um presente objectivo, quantificável, como agora se pretende que tudo seja.
Porque não oferecer tempo aos mais novos?
E já agora. Porque não oferecer tempo também aos adultos que andam à nossa beira?
Bom Natal.

sábado, 22 de dezembro de 2018

E AGORA?

O conflito entre docentes e ME conheceu um novo desenvolvimento.
Como é do conhecimento público, foi desencadeada fora da esfera sindical uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos “visando a votação em plenário de uma proposta de lei destinada à “consideração integral do tempo de serviço docente prestado durante as suspensões de contagem anteriores a 2018, para efeitos de progressão e valorização remuneratória."
Depois de várias vicissitudes, para ser simpático, os serviços da Assembleia da República aceitaram finalmente a proposta que está agora na Comissão de Educação sendo discutida em Janeiro.
A iniciativa legislativa de cidadãos é um dispositivo legal que possibilita a grupos de cidadãos a apresentação de projectos de lei. É a primeira que se regista após a última alteração legal.
Tal como em outras iniciativas de âmbito legislativo os grupos parlamentares poderão apresentar as suas próprias propostas e será votada em plenário.
Tenho alguma curiosidade sobre o que se irá seguir. Antecipo que as contas eleitorais e a caça ao voto dos professores serão mais determinantes que a apreciação da bondade da pretensão dos docentes que, aliás, não parece suscitar dúvidas, trata-se de cumprir o quadro legal. As diferentes bancadas certamente farão juras de amor aos professores e à justiça das suas posições, esquecendo algumas responsabilidades. Os deputados do PS ficarão, por assim dizer, "entalados" e será interessante perceber a sua posição. Se considerarmos que a iniciativa não mereceu o apoio das duas maiores estruturas de representação sindical dos docentes a expectativa sobre as contas a partidocracia aumenta.
O que me parece significativo é que qualquer que seja o sentido da votação na AR o resultado influenciará seguramente o conflito instalado entre ME e professores e reforça a importância e urgência do inevitável processo negocial, única forma de o ultrapassar.

PARTIU CATALINA PESTANA

Partiu Catalina Pestana. Um trajecto de vida de uma dimensão cívica notável sempre na defesa intransigente do bem-estar de crianças e jovens.
Entre outras funções foi provedora da Casa Pia de Lisboa num tempo particularmente duro e exigente face ao processos relativos aos abusos sobre os alunos.
A sua advocacia dos direitos e da dignidade de tantas crianças maltratadas deixou um exemplo.
Descansa em paz Catalina.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

DOS COLETES AMARELOS


Estava convicto que as manifestações convocadas para hoje não teriam a adesão de que alguns falavam. Não temos na nossa história recente movimentos desta natureza com impacto e a suscitar adesão significativa. As manifestações com mais gente, salvo algumas excepções, recordo a manifestação dos professores em 8 de Março de 2008, ocorrem ligadas às máquinas sindicais ou partidárias que, em muitos casos, não se dissociam.
No entanto, também é minha convicção que muita gente sentirá, não digo uma raiva, mas uma grande inquietação a crescer nos dentes. Esta inquietação decorre de mal-estar no presente e parece também associada a angústias, perplexidades e dúvidas face ao futuro. Neste contexto creio que apesar da forma como correu hoje esta iniciativa voltará.
O quadro internacional é assustador, os movimentos populistas, extremistas e xenófobos ganham espaço e capitalizam com a criação de “responsáveis” essa inquietação e mal-estar. Já conhecemos esta narrativa e os seus efeitos trágicos. A mediocridade das lideranças, a manipulação e desinformação através das redes sociais e da mais despudorada e criminosa campanha de produção de “realidade” a que muita gente adere é mais um poderoso ingrediente.
Julgo que o caminho terá necessariamente de passar pelo recentrar do desenvolvimento no bem-estar das pessoas que liderará o funcionamento das economias e dos mercados abertos. Não podemos aceitar o aumento da concentração da riqueza e das disparidades em escala global ou nacional, a insustentabilidade do ambiente, a exclusão e a pobreza alimentados com os mercados a liderar.
Urge um regresso à política no sentido mais robusto e ético do termo, a promoção do bem- estar das pessoas.
Há pouco cruzei-me com umas dezenas de “coletes amarelos”. Três grupos de crianças do pré-escolar bem arrumadas no passeio de regresso à escola todas equipadas de colete amarelo e acompanhadas por adultos também identificados. Terão mostrado que existem e esperam um presente e, sobretudo, um futuro sustentados e sustentáveis.
Não podemos falhar.

PS – Verdadeiramente deplorável e vergonhoso foi o acompanhamento das manifestações por parte da imprensa televisiva. Quase que exigiam aos manifestantes que se tornassem violentos, agredissem alguém, insultassem quem quer que fosse para que o “directo” fosse estimulante. Boa parte do trabalho da imprensa é parte do problema mas, tem que se dizer, a imprensa tem de obrigatoriamente fazer parte da solução.

DAR PRESENTES E CONSTRUIR FUTUROS

O espírito natalício é incontornavelmente marcado pelos presentes oferecidos sobretudo aos mais pequenos.
imprensa já incorporou o tema na sua abordagem ao “espírito natalício” e surgem inúmeros trabalhos com sugestões e conselhos aos pais.
Por outro lado e como acontece todos os anos a publicidade direcciona-se em força para os miúdos  recorrendo a todos os suportes e fórmulas estimulando o consumo, os pedidos, a que os pais dificilmente resistem.
Será ingénuo pensar que quem produz e promove produtos para crianças e quem gere os ecrãs, assuma uma preocupação com o equilíbrio entre o natural interesse das crianças por brinquedos e a natural vontade dos pais de proporcionarem prendas aos filhos, sobretudo numa época, o Natal, que está transformada num centro comercial decorado a vermelho e com barbas e num tempo em que cada vez mais “só se é o que se tem” e “ter mais é ser mais”.
No entanto, acredito que podemos fazer alguma coisa junto dos pais e dos mais novos para tentar atenuar os efeitos deste cenário.
As escolas poderiam ter um trabalho interessante debatendo com os miúdos, de todas as idades e de forma adequada, o papel da publicidade nas escolhas e nos gostos deles promovendo uma atitude mais consciente e crítica destes processos. É uma questão de formação e cidadania.
Poderia também ser interessante conversar com os pais sobre o papel dos “presentes” nas relações familiares, isto é, mais prendas não é igual a gostar mais e também não dever ser um modo de aquietar a sua própria consciência por uma menor atenção ou disponibilidade, sobre o papel da publicidade e a forma de lidar com a pressão desencadeada pelos filhos depois de verem os ecrãs e toda a restante e imensa publicidade.
Pode não ser claro, mas a minha ideia não é estragar o Natal, é ter um Natal por medida em vez de um Natal pronto a consumir
Aliás, apesar do significado óbvio que os presentes assumem como sinal de afecto, em particular nesta altura, continuo convencido que a questão essencial não tem a ver com os presentes que podemos ou queremos dar aos miúdos mas com os futuros que com eles preparamos, esses sim, verdadeiramente importantes.
Bom Natal.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

SEM FIM À VISTA


A cada dia que passa e com os discursos produzidos parece cada vez mais difícil a resolução de forma equilibrada do conflito entre Governo e professores. Em cada reunião realizada as posições parecem ficar mais longe. Agora surgem representantes dos pais e encarregados de educação manifestando a sua preocupação, legítima sublinhe-se, com as consequências do prolongamento do conflito mas estranhamente “pedindo bom senso aos professores” pois "a recuperação de parte do tempo de serviço proposta pelo governo já é maior do que a que se registou noutras profissões". O presidente da Confap ter-se-á esquecido de pedir “bom senso” ao ME que tem também é parte envolvida.
Insisto em algumas notas a propósito dos 9A, 4M e 2D mais conhecidos nos últimos tempos com tanta informação, "des”informação, "fake news", "factos alternativos" e "habilidades discursivas".
Julgo que toda esta questão, sobretudo para quem conhece o que é e tem sido o cenário político e as opções em matéria de economia e finanças, por exemplo, em Portugal nos últimos anos, já não é uma questão de euros no OGE para 2019, está para além disso.
Creio que o Governo não percebeu ou não quer perceber que nesta altura, o mal-estar, o cansaço, a indignação e desesperança que afectam os professores sustentam um clima e uma atitude de crítica que está para além da esfera de influência dos sindicatos e tem impacto no climas das escolas e no seu trabalho. Por outro lado, pode acontecer que a tutela espere justamente que o cansaço acabe por sair vencedor de um conflito que, como a generalidade das situações de conflito, deveria ser resolvido numa perspectiva de concertação entre os envolvidos. Quando assim não acontece, os efeitos podem ser pesados mas, naturalmente, será uma questão de opção.
Parece-me claro. Imaginemos que qualquer de nós no desempenho da sua profissão não vê considerado para os efeitos previstos no quadro legal que a regula parte do tempo. Defender que tal decisão não é adequada não é uma “exigência” é a expressão de um direito.
No entanto, a recorrente afirmação da “exigência” e da falta de “bom senso”  dos professores contribui, implícita ou explicitamente, para criar ruído e diabolizar a classe docente o que, lamentavelmente, não é raro como repetidamente tenho escrito. Recorrentes intervenções públicas de que Miguel Sousa Tavares, Correia de Campos ou Paulo Trigo Pereira ou agora o presidente da Confap são apenas exemplos de uma dimensão ética inaceitável. Nada de estranho ou fora de algumas agendas.
Se a estrutura da carreira, do acesso, dos mecanismos de progressão e os efeitos no estatuto salarial não são adequados, justos, claros, etc. então que se desencadeiem os processos conducentes à sua eventual alteração, mas não misturemos tudo para criar confusão.
O quadro legal em vigor, gostemos ou não, é o que deve ser cumprido, é uma questão de direito. Entender o contrário é um risco embora saibamos que em Portugal existe alguma tendência para entender a lei como indicativa e não como imperativa, ou seja, é de geometria variável.
O que deveria estar em causa é o modo e o faseamento no cumprimento da lei. E isto, mais uma vez, só se consegue negociando. Ponto.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

DO MAL-ESTAR DOS MAIS NOVOS


É hoje divulgado o mais recente estudo "A Saúde dos adolescentes Portugueses", o de 2018, que integra o estudo internacional Health Behaviour in School-aged Children, da responsabilidade da OMS, realizado de quatro em quatro anos e coordenado em Portugal pela excelente equipa da Professora Margarida Gaspar de Matos, Aventura Social. Será de leitura obrigatória para compreensão do universo dos adolescentes e jovens portugueses. Lamentavelmente não posso assistir à sua apresentação hoje em Lisboa.
Dado o volume e natureza dos dados, 6997 jovens de Portugal continental, do 6º, 8º e 10º ano, por agora e do que é conhecido uma referência a um dos dados mais preocupantes apesar de não se ter agravado desde a última edição do estudo (2014), o mal causado a si próprio, a automutilação.
Os dados de 2018 referem que 19,6% dos alunos do 8º e do 10º ano assumiram ter-se magoado de propósito pelo menos uma vez nos 12 meses anteriores à resposta ao inquérito. Os dados de 2014 estavam em 20,3%.
Alguns estudos internacionais apontam para cerca de 10% da população em idade escolar com comportamentos de automutilação pelo que os dados encontrados em Portugal são, de facto, preocupantes.
Na verdade, os comportamentos de automutilação em adolescentes são mais frequentes do que muitas vezes pensamos e devem ser encarados com preocupação. E os casos que vão sendo conhecidos são apenas isso, os conhecidos, a ponta do iceberg.
Também um estudo da Universidade de Coimbra, creio que divulgado em 2017, que envolveu 2.863 adolescentes, entre os 12 e os 19 anos, a frequentar o 3.º ciclo e o ensino secundário em escolas do distrito de Coimbra refere que cerca de 20% afirma já ter desencadeado comportamentos autolesivos pelo menos uma vez na vida. Recordemos ainda o recente episódio conhecido por “Baleia Azul” e outros da mesma natureza.
É justamente por esta dimensão e as suas potenciais consequências que me parece fundamental entender tudo isto como um sinal muito forte do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem e a verdade é que em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Este mal-estar e o que daí pode emergir decorrem de situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo nas suas diferentes formas ou relações degradadas na família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social que serão indutoras de comportamentos autodestrutivos.
Começa também a surgir como causa deste mal-estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.
Os tempos estão difíceis e crispados para muitos adultos e também para os miúdos a estrada não está fácil de percorrer.
Como disse, alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família.
Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um espaço, nem sempre um espaço físico, insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos mas perdidos.
Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e que um projecto para a vida é apenas mantê-la ou que nem isso vale a pena.
Alguns convencem-se ou sentem que a escola não está feita para que nela caibam e onde podem ser vitimizados.
Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar fazendo diferente.
Alguns transportam diariamente um fardo excessivamente pesado e que os torna vulneráveis.
Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário pois muitos destes adolescentes e jovens terão evidenciado no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa ou na escola, espaço onde passam boa parte do seu tempo. Aliás, alguns testemunhos ouvidos no âmbito dos recentes e mediatizados casos mostram isso mesmo.
De facto, em muitos casos, designadamente, em comportamentos de automutilação ou estados mais persistentes de tristeza e isolamento, pode ser possível perceber sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações.
O sofrimento e mal-estar induzem uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam sofrimento a si próprios o que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também extraordinariamente significativos.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos mais novos nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado. Também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Alguns destes miúdos carregam diariamente uma dor de alma que sentem mas nem sempre entendem ou têm medo de entender.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.
Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um adolescente dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.
Muitos pais, mostra-me a experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda por se sentirem impotentes e perplexos.
O resultado de tudo isto pode ser trágico e obriga-nos a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos adolescentes e dos jovens."
Desculpem a insistência nestas questões, para mais neste tempo de Natal, mas é necessário. 

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

BONS ALUNOS NUMA TURMA, MAUS ALUNOS PARA OUTRA TURMA, A CHAVE DO SUCESSO. SERÁ?

Como na altura referi no Atenta Inquietude em 2015/2016 iniciou-se na em duas escolas Madeira uma experiência de constituição de turmas por nível de desempenho, bons e maus alunos. A medida foi alvo de alguma polémica como seria previsível.
Ontem o Público divulgava que nestes três anos a Escola Básica dos 2.º e 3º ciclos do Caniço diminuiu a retenção de 20,8% para 4% e a Escola Básica 2,3 de Estreito de Câmara de Lobos baixou de 11% para 3.1%.
A conclusão que aparentemente se retira é que juntar alunos maus numas turmas e alunos bons noutras turmas é bom para todos. Aliás, o título da peça do Público é ilustrativo, Separar alunos para melhorar os resultados? Nestas escolas resulta. Será?
Não, não me parece.
Segundo o Director da EB 2/3 do Estreito de Câmara de Lobos, “as turmas de recuperação (as dos maus alunos) sempre tiveram mais meios pedagógicos do que as restantes”.
Também afirmou que as turmas tinham um máximo de 16 alunos e que as turmas contavam com dois professores por disciplina.
Em 2016, numa fase intermédia do projecto, já com resultados positivos e que também comentei no blogue se afirmava que os alunos com mais dificuldades tiveram “mais apoio pedagógico”, as turmas têm um número de alunos razoável, um máximo de 15 e em Português, Matemática e Inglês ou Língua Estrangeira a presença de dois professores em simultâneo na sala.
Parece-me claro que o sucesso do trabalho de alunos e professores, que registo e me deixa satisfeito, não decorrerá da homogeneidade das turmas, algo que evidentemente não existe pois não se conhecem dois alunos iguais.
Na verdade se a homogeneidade fosse uma ferramenta de sucesso, todas as turmas que existem em muitas escolas constituídas por alunos “descamisados”, maus alunos, repetentes, mal comportados, desmotivados, etc., teriam de imediato sucesso, seriam homogéneas.
A verdade é que não têm. Esta medida já existiu em tempos com as turmas de nível e quem conhece a realidade sabe que os resultados dos alunos "maus" continuaram, genericamente maus, o povo diz junta-te aos bons e serás como eles, junta-te aos maus e serás pior do que eles.
O que fomenta o sucesso é “mais apoio pedagógico” aos alunos com mais dificuldades.
O que fomenta o sucesso é um "número de alunos por turma razoável" e que permite um melhor trabalho e mais atenção individual como os estudos mostram e levaram o ME ao abaixamento do número de alunos por turma.
O que fomenta o sucesso é o recurso a dispositivos como o "par pedagógico", dois professores em simultâneo nas disciplinas em que os alunos experimentam mais dificuldades.
Generalizem medidas desta natureza e teremos melhor trabalho de alunos e professores.
Não é sustentável afirmar que a variável que contribuiu para os bons resultados atingidos é a homogeneidade das turmas. É ainda perigoso que esta leitura possa legitimar decisões na constituição das turmas, guetizando alunos sem resultados se as outras variáveis não forem consideradas. Como muitas vezes não são.
Quanto ao impacto, parece óbvio que a diversidade é sempre preferível a uma falsa homogeneidade. As atitudes de discriminação negativa não apresentam nenhuma espécie de vantagem pessoal ou social, guetizam, estigmatizam e promovem quer nos bons, quer nos maus, uma relação desconfiada e tensa facilitadora de problemas.
As dificuldades escolares gerem-se com apoios e recursos que terão certamente de ser diferenciados mas não podem, não devem, implicar a criação de “guetos” para os “maus” ou de "condomínios" para os "bons".

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

AVALIAÇÃO E INCLUSÃO


Estamos em plena época de formalização da avaliação escolar do primeiro período.
A avaliação de desempenho é sempre uma matéria complexa pelo que também na educação escolar tal se verifica.
São sempre mais as dúvidas que as certezas sobre o que avaliar, o que medir, com que critérios, com que normas, com que grau de diferenciação, com que dispositivos, etc.
Quando consideramos a diversidade dos alunos incluindo os que têm necessidades especiais a situação torna-se ainda mais exigente.
O novo quadro legal em matéria de educação inclusiva tem como visão, bem como já tenho escrito, considerar a todos os alunos e não os que por algum tipo de justificação se consideravam ter alunos com necessidades educativas especiais embora seja de não esquecer num excesso de voluntarismo que as dificuldades severas que alguns alunos sentem são … específicas e devem ser consideradas como tal, não podendo ser “normalizado” o olhar sobre eles sob pena de conduzir à exclusão mesmo colocados nas salas com os seus colegas.
Este entendimento, do meu ponto de vista, torna o processo de avaliação ainda mais complexo, pois o enquadramento dos alunos nas várias tipologias de medidas (ainda uma forma de categorização continua presente, em diferentes alíneas envolvendo diversas estruturas curriculares torna ainda mais complexo o processo de avaliação e classificação.
É claro para todos que avaliar não é medir mas também é medir e classificar pois as decisões em matéria de progressão e intervenção decorrem de todo o processo de avaliação nas suas múltiplas funções.
Os testemunhos conhecidos em vários espaços e de diferentes formas sobre o que vai acontecendo pelas escolas nesta matéria ilustram com muita clareza a enorme sombra de dúvidas sobre o processo que mostram todos os intervenientes, professores do ensino regular, docentes de educação especial, técnicos e pais que estão genuinamente empenhados em que todo corra o melhor possível.
Às dúvidas, muitas, surgem respostas que com frequência começam por “eu acho …”, “nós decidimos …”, “na minha escola”, “no meu grupo …”, etc.
Eu sei que todos os processos de mudança estão sujeitos a dúvidas e sobressaltos. Também sei, como tantas vezes disse, que era necessário alterar o quadro anterior. Também sei que o actual quadro legislativo é conceptualmente e em termos de visão um ganho substantivo.
No entanto, continuo a entender que o processo de mudança ganharia se fosse desenvolvido assente num processo de transição regulada e apoiada nas escolas e agrupamentos.
Já tenho escrito que nem sempre se consegue “fazer as coisas certas e fazer certas as coisas”. Como se diz na frase atribuída a Bismarck “A política é a arte do possível” também na educação se passa o mesmo, é arte do possível. Felizmente, a esmagadora maioria dos profissionais da educação tornam-na diariamente possível. Os alunos agradecem e sentem-se melhor.

domingo, 16 de dezembro de 2018

A "DESMANUALIZAÇÃO" DO ENSINO


A imprensa divulga que a Escola Básica e Secundária de Carcavelos decidiu a não utilização dos manuais escolares como material obrigatório. A medida envolve os alunos do 5º ao 11º ano.
Jugo importante sublinhar esta decisão que sei não ter sido fácil. O grupo liderado pelo Professor Adelino Calado trabalhou com professores, pais e alunos no sentido de contrariar uma cultura de excessiva manualização ainda presente no nosso sistema educativo apesar de outras experiências muito positivas no sentido minimizar a sua importância. Também não foi fácil convencer o ME a trocar os vouchers destinados ao fornecimento dos manuais gratuitos por apoio para aquisição de tablets, a ferramenta de trabalho de todos os alunos. Aliás, a questão ainda não está totalmente resolvida o que mostra o que está por fazer em matéria de autonomia das escolas.
Como regularmente aqui tenho afirmado esta excessiva “manualização” tem óbvias implicações didáctico-pedagógicas e, naturalmente, económicas pelo peso nos orçamentos familiares.
Se considerarmos duas recentes e importantes alterações no sistema educativo, o novo quadro em matéria de currículo, o DL 55/2018, e a perspectiva de flexibilidade que o informa e actual legislação em matéria de educação inclusiva, o DL 54/2018, percebe-se que um peso excessivo dos manuais não é coerente com flexibilidade e autonomia e muito menos com diversidade e diferenciação pedagógica. É minha convicção que esta questão se associa a algumas das dificuldades e sobressaltos que se vão conhecendo neste período de ajustamento e mudança que, como sabemos, não acontece por decreto.
Apesar de como disse se conhecerem múltiplas experiências bem-sucedidas em muitas salas de aula, dada a natureza da estrutura e conteúdos curriculares, corre-se o risco de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização” ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor será, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
Esta abordagem é, claramente, pouco amigável á resposta à diversidade, muitos alunos não “cabem” no manual e nos seus cadernos de actividades.
É verdade que a minimização da dependência dos manuais envolve um conjunto de variáveis que devem ser consideradas.
Passará por uma verdadeira gestão e organização diferenciadas em matéria curricular que torne mais amigável uma gestão uma reorganização e flexibilização curricular que, por sua vez, permita a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes potenciando, por exemplo, a acessibilidade que as novas tecnologias oferecem como, aliás, é o trabalho desenvolvido na Secundária de Carcavelos.
Passará pelo ajustamento no número de alunos por turma de modo a permitir melhores níveis de diferenciação pedagógica e, assim, acomodar outros suportes ao processo de ensino e aprendizagem.
Passará ainda por maior autonomia de escolas e professores e recursos que acomodem dispositivos de apoio, tutorias por exemplo, que diversifiquem e diferenciam as formas e materiais de trabalho bem como respondam mais eficazmente à diversidade entre os alunos. A Secundária de Carcavelos tem um trajecto que não tem sido fácil afirmação da sua autonomia na construção do seu projecto educativo e de funcionamento.
Creio que seria importante caminharmos no sentido aqui apontado de atenuar a fórmula instalada que de forma simplista se pode enunciar, o manual formata operacionalmente o currículo, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.
É possível caminhar numa perspectiva de “desmanualização” do nosso trabalho escolar, as experiências em diferentes escolas e agrupamentos, da rede pública e privada que se vão conhecendo sustentam e reforçam a sua possibilidade.

sábado, 15 de dezembro de 2018

DA IMPRENSA


A Time considerou Personalidade do Ano 2018 Jamal Khashoggi, o jornalista saudita assassinado na Turquia, e outros profissionais da imprensa que sofreram ataques ou correram riscos na busca e divulgação da verdade, “Guardiões e a luta contra verdade” como lhes chamou a revista.
Os tempos vão negros. Esta negrura exige mais do que nunca uma imprensa autónoma e independente que na luta pela verdade combata … a imprensa e todos os que trabalham e se alimentam de “fake news”, “factos alternativos” ou da fabricação da “pós-verdade”. Há uns anos numa entrevista ao Público, Tom Rosenstiel, especialista em comunicação, afirmava que se o jornalismo, (os jornais), deixar de ser rentável e, como tal, corra o risco de desaparecimento, as democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico".
É este o risco quando falham os “guardiões na luta contra a verdade”.
No entanto, a imprensa tem que cumprir o seu papel, terá de ser proactiva e não reactiva.
Se analisarmos o nosso quotidiano nesta matéria creio que boa parte da imprensa é, frequentemente complacente com as lideranças económicas e políticas mas também frequentemente esta complacência assenta no seu próprio alinhamento. Em qualquer dos casos um mau serviço prestado à cidadania.
Acho deplorável que muitos profissionais da imprensa aceitem a forma como algumas figuras reagem ao ser abordadas pela imprensa sobre assuntos sobre os quais, por várias razões, não lhes interessa discorrer. Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho nada a acrescentar”, “desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar dessas matérias,” etc., etc. Desenvolvem assim uma espécie de surdez selectiva, só ouvem o que lhes convém, de mutismo selectivo, só falam do que lhes convém, de cognição selectiva, só conhecem o que lhes convém.
As mesmas figuras que directamente ou através de terceiros, lambem as botas às redacções e aos jornalistas (quanto mais influentes melhor) e pedem, exigem, tempo de antena quando tal serve os seus diferentes interesses.
Algumas dessas figuras quando, quase sempre fruto do alpinismo partidário, ascendem a alguma forma de poder conseguem ainda ir mais longe nessa relação com a imprensa, se não lhes agrada calam-na ou atacam-na como também não é raro. É um método velho e intemporal, Trump e tantos outros que o digam.
Neste cenário, profundamente irritante e patético, sinto que nos insultam, que nos consideram destituídos, como se por não abordarem as diferentes matérias, elas não existam ou, noutros processos, que somos manipulados de forma nem sempre perceptível pela opacidade das situações.
É grave a existência de uma comunicação social, boa parte dela, passiva e resignada, que não confronte as figuras públicas com estes comportamentos, não os denuncie, e que acorram solícitos quando essas figuras entendem que têm algo a dizer, as mais das vezes, irrelevante. Também lhes convém esta subserviência interesseira que alguns mantêm, também têm as suas agendas. Às vezes são recompensados.
Recordo que em 2017 o Sindicato dos Jornalistas apelou a que a classe "boicote" as conferências de imprensa ou declarações em que não sejam permitidas questões. É de recordar que no Congresso dos Jornalistas realizado em Janeiro foi aprovada por unanimidade uma decisão no mesmo sentido, as iniciativas com a proibição de perguntas não seriam noticiadas.
Como é evidente esta decisão não teve qualquer consequência e recorrentemente assistimos a estas deploráveis situações.
Levada a sério e posta em prática poderia ser um forte contributo para combater o modo como muitas lideranças entendem o papel da imprensa, serve para divulgar apenas a mensagem que lhes interessa mostrando-se indisponíveis para responder a questões. A imprensa é apenas um veículo publicitário dos seus produtos ou “verdades”.
Para além desta atitude seria ainda desejável que quando colocam questões, os jornalistas façam as perguntas adequadas e não uma encenação de diálogo que mais não é que um monólogo a dois, ou seja, independentemente das perguntas, o inquirido fala do que quer sem que isso lhe seja cobrado. É importante o movimento de “fact check” que vai emergindo mas é preciso mais.
Sei que não é fácil mas também tenho a convicção de que seria uma forma de proteger a própria imprensa e o seu papel insubstituível como um dos pilares das sociedades abertas e democráticas.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

O ALUNÃO. De novo.


Estamos no final das aulas do primeiro período e das reuniões de avaliação. Por estes dias, tempo em que as notas escolares serão conhecidas por alunos e pais, sempre me lembro deste texto que gostava que um dia ficasse fora de uso, será uma utopia mas não é grave, é só mais uma.
A maioria dos miúdos, felizmente, sairá de forma positiva do processo de avaliação, os professores são gente que gosta, ensina, educa e cuida dos miúdos. Com notas mais ou menos elevadas ficarão contentes e o espírito natalício encarregar-se-á de os compensar também da forma possível, pois, como se sabe, o espírito natalício não é igual para todas as famílias, algumas terão até muito pouco espírito natalício.
Outros alunos, apesar de terem alguns resultados menos positivos, com o apoio dos professores e da família e, naturalmente, com o seu esforço, encararão o resto do ano com uma atitude positiva e de confiança assumindo a convicção de como se diz “vão lá”, “são capazes”. Assim deve ser.
Haverá ainda um grupo de alunos de quem a escola, mesmo estando no primeiro período, desistirá, às vezes sem se dar conta. São os miúdos que “não vão lá”, seja porque “com a família que tem não é possível”, “porque, coitado, não é muito dotado, já o irmão quando cá andou assim era”, “não se interessa por coisa alguma, não anda aqui a fazer nada” ou outra qualquer apreciação entendida como razão justificativa para a dificuldade. E teremos, finalmente, um grupo de alunos que desistem eles da escola, confirmando a antecipação do insucesso, desde já estabelecida.
Num tempo em que a grande orientação é reaproveitar e reciclar o que não serve ou não presta e que se desenha uma chamada “municipalização” da educação talvez não fosse má ideia que os municípios, com a orientação do Ministério da Educação, procedessem à instalação de um novo recipiente nos ecopontos que quase sempre existem perto das escolas. Assim, junto do vidrão, do pilhão e dos outros contentores, colocar-se-ia um alunão, um recipiente onde se colocariam os alunos que não servem ou não prestam e esperar que algo ou alguém os recicle e devolva à escola novinhos, reciclados, cheios de capacidades, competências e capazes de percorrer sem sobressaltos o caminho do sucesso.
O problema é que somos uma sociedade de desperdícios, até de pessoas, e começamos logo nas pequenas.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

PSICÓLOGOS, PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO


Há uns dias foi disponibilizado no sítio da Direcção Geral de Educação um documento relevante, “Orientações para o Trabalho em Psicologia Educativa nas Escolas”.
Citando o documento, “Estas Orientações construídas num diálogo intenso e construtivo com a Ordem dos Psicólogos Portugueses visam apoiar os psicólogos nas suas actividades, sobretudo tendo em conta a produção de nova legislação sobre inclusão e currículo e o desenvolvimento de várias medidas de apoio ao desenvolvimento de um sentimento de pertença em cada aluno: apoio tutorial específico, programas integrados municipais sinalização precoce de dificuldades, reforço da educação estética e artística, entre tantas outras medidas que visam a geração de um sentimento de bem-estar junto dos alunos”.
Ainda segundo as orientações as Finalidades situam-se no âmbito da Educação, Saúde e bem-estar, Emprego e Equidade Social.
Uma primeira nota de perplexidade, tanto maior quanto o documento foi produzido em colaboração com a Ordem dos Psicólogos, o que é Psicologia Educativa. A OPP tem como especialidade reconhecida neste âmbito “Psicologia da Educação” e entre as especialidades avançadas também reconhecidas pela OPP não consta Psicologia Educativa. Aliás, em termos nacionais e internacionais a designação Psicologia da Educação ou Psicologia Educacional são as mais consensualmente aceites. Não percebo a opção embora tenha algumas ideias que não cabem nesta reflexão.
Quanto ao conteúdo das Orientações julgo tratar-se um documento interessante, com um papel regulador do trabalho dos psicólogos e das expectativas existentes na comunidade e que muitas vezes são desajustadas. O documento também se enquadra no Referencial Técnico para os Psicólogos Escolares (outra vez uma problema de designação de que a DGE não se livra) e enquanto regulador contribui para minimizar a “balcanização” das práticas em que cada técnico reproduz a sua visão o os modelos que formaram que sendo diferente, o que só por si não constitui um problema , também dificulta a construção de uma “cultura” de pertença e desempenho profissional nos psicólogos que integram o sistema educativo.
No entanto, o grande problema é que definir Orientações para as actividades dos psicólogos pressupõe que … existam psicólogos. Como é óbvio existem mas longe de estarem de acordo com as necessidades.
De facto,  a presença dos psicólogos em contextos educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores, incluindo a tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão e insuficiência no sentido da sua concretização.
Recordo que no final do ano passado no V Seminário de Psicologia e Orientação em Contexto Escolar o Secretário de Estado da Educação, João Costa, reafirmou a “indispensabilidade de ter psicólogos nas escolas" sublinhando o seu contributo essencial para o sucesso académico e bem-estar dos alunos. Já este ano e também no documento que justifica estas notas se volata a sublinhar a sua importância.
Recorrentemente, o ME considera prioritário promover o alargamento do número de técnicos e a estabilidade da sua presença nas comunidades educativas. De facto não é um discurso novo, é apenas algo que tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui escritas e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, tenho formação em psicologia da educação.
O ME tem definido o objectivo de atingir um rácio nas escolas que passe dos actuais 1/1700 para um psicólogo para cada 1100 alunos.
De acordo com dados da Ordem dos Psicólogos Portugueses que presumo estarem ainda actuais, o sistema educativo público terá em falta cerca 500 psicólogos. Acresce que a maioria destes técnicos é contratada anualmente e, frequentemente, com atrasos no início de cada ano com consequências negativas.
Também segundo dados da OPP, no ensino privado o rácio é de 1/785 alunos o que, evidentemente, não significará que as instituições de ensino privado suportem recursos humanos desnecessários.
Conheço situações em que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo com mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que não serve adequadamente os destinatários como, evidentemente, compromete os próprios profissionais.
Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um técnico de psicologia.
Nos últimos tempos e como já referi, o ME tem permitido que as escolas contratem a empresas psicólogos para prestação de serviços educativos aos seus alunos. Estes serviços envolvem o trabalho de psicólogos bem como de outros técnicos, por exemplo terapeutas, e desempenham funções em diferentes áreas de trabalho da escola.
O quadro orientador da intervenção dos psicólogos nos contextos escolares definido pelo ME, sendo um documento positivo é evidentemente incoerente com a falta de recursos, é inaplicável em muitas situações face ao alargado espectro de funções e actividades previstas.
Não quero, nem devo, discutir aqui a natureza específica, quer em termos de adequação, quer de qualidade da intervenção dos técnicos, designadamente na área da psicologia.
No entanto, como já tenho referido, continuo convicto de se verifica em muitas situações uma sobrevalorização da intervenção dos psicólogos na área da orientação vocacional desequilibrando a intervenção necessária em áreas como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais, só a título de exemplo.
Creio que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos. Trata-se, também aqui, de mais uma entrega de serviço público aos mercados.
Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?
Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são necessários.
Este último entendimento contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de outros países aconselha e o discurso que o ME subscreve. Aliás, de acordo com Cor Meijer, director da Agência Europeia para a Educação Inclusiva e Necessidades Especiais, afirmou no encontro que referi, “Os psicólogos escolares são essenciais para a educação inclusiva".
A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme equívoco, que, além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
No entanto, a reflexão sobre os conteúdos, regulação e modelos de intervenção são de outro espaço e oportunidade.
Estando já perto do final da carreira profissional ainda aguardo que a importância e prioridade sempre atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos se concretizem de forma suficiente e estável.

EMPREGO E DEFICIÊNCIA. OS RISCOS DA POBREZA E EXCLUSÃO


É hoje divulgado mais um relatório do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos. Os indicadores já conhecidos relativos à situação das pessoas com deficiência em matéria de emprego mostram que a situação tem continuado a agravar-se.  
Entre 2011 e 2017, o registo de pessoas com deficiência em situação de desemprego no Instituto de Emprego e Formação Profissional subiu 24%. Como indicador comparativo baixou 34.5% na população geral.
Se considerarmos as pessoas com deficiência moderada a taxa de emprego está 20% abaixo da população geral mas nas situações de deficiência grave é 50 %. A insuficiência grave nos dispositivos de apoio compromete a sobrevivência com dignidade e fora do limiar de pobreza.
As alterações legislativas no que respeita a quotas de emprego no sector privado podem ser um contributo e aguardam promulgação.
Existindo no sector público desde 2001 o seu incumprimento é evidente. Com dados de Dezembro de 2017, a Administração Pública contratou desde 2010 46 pessoas com deficiência em 24 mil vagas e até essa altura ainda não teria sido contratado ninguém nesta condição.
Elucidativo das preocupações do chamado estado social.
A este propósito também é de registar que nas Grandes Opções do Plano para 2018 o Governo identificou a inclusão de pessoas com deficiência ou incapacidade como uma prioridade central. Nesta perspectiva, afirmava-se pretender desenvolver políticas que sustentem a igualdade de oportunidades definindo medidas como o estabelecimento de quotas no mercado de emprego destinadas a pessoas com deficiência ou incapacidade ou acções de formação profissional no sistema regular de formação e o incremento de estágios profissionais em empresas e organizações do sector público e social.
Por princípio, não simpatizo com o recurso ao estabelecimento de quotas para solução ou minimização de problemas de equidade ou desigualdade. As razões parecem-me óbvias, justamente no plano dos direitos, da equidade e na igualdade de oportunidades.
No entanto, também aceito que o estabelecimento de quotas possa ser um passo e um contributo para minimizar a discriminação. No entanto, é estranho, ou nem por isso, que seja a Administração a não cumprir o que para si estabeleceu em 2001.
E na verdade a questão do emprego de pessoas com deficiência é uma questão de enorme relevância importando sublinhar que começa na qualidade, adequação e competência dos processos educativos e formativos desde as primeiras idades. O problema do emprego das pessoas com deficiência não começa e não se resolve considerando "apenas" o que fazer após a idade de entrada no mercado de trabalho ou, dito de outra maneira, no final da escolaridade obrigatória. 
Apesar de evidente recuperação nos níveis de desemprego as pessoas com deficiência continuam altamente vulneráveis a este problema como os dados hoje divulgados mostram.
No Relatório de 2014, "Monitorização dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência em Portugal", divulgado no âmbito da terceira conferência anual da Associação Europeia de Estudos da Deficiência, indiciava que existem empresas que usam indevidamente os apoios estatais para a contratação de pessoas com deficiência obrigando estes trabalhadores a estágios sucessivos e a uma situação de precariedade. Este expediente é, aliás usado com outros grupos, jovens, por exemplo.
As pessoas com deficiência em Portugal têm uma taxa de risco de pobreza 25% superior à das pessoas sem qualquer deficiência.
Sabemos que os recursos são finitos e os tempos de contenção, mas pode-se afirmar que para as pessoas com deficiência os tempos sempre foram de recursos finitos e de contenção, ou seja, as dificuldades são recorrentes e persistentes.
Creio também que é justamente no tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais reguladas.
Os números sobre o desemprego nas pessoas com deficiência são dramaticamente elucidativos desta maior vulnerabilidade. A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego e formação profissional adequada, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes.
Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis.
As pessoas com deficiência e as suas famílias fazem parte deste grupo.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

OS MIÚDOS ACREDITAM NO PAI NATAL


A imprensa, tal como muitas outras áreas tem produtos sazonais. Um exemplo são as peças dedicadas à crença no Pai Natal e eventuais efeitos. Que me desse conta a época deste ano foi há alguns dias inaugurada pelo DN com o qual, aliás, já colaborei em anos anteriores sobre esta questão.
Na peça e como é habitual são ouvidos alguns profissionais na área da infância que, genericamente, não entendem, e bem, haver qualquer problema nessa crença mágica das crianças. No entanto, alguns revelam alguma inquietação como os efeitos negativos da mentira alimentada pelos pais, risco que nesta matéria não me parece relevante. Sem demagogia, inquietam-me mais os miúdos que não acedem ao encanto do encanto e existem muitos com vidas desencantadas.
Nesses trabalhos é frequente ouvirmos as crianças afirmar convictamente a sua crença no Pai Natal bem como pais que, conforme as suas convicções, alimentam ou desincentivam a crença no Pai Natal.
No entanto, deixem-me afirmar mais uma vez e com toda a certeza, os miúdos acreditam no Pai Natal. Eu tenho a certeza, já fui Pai Natal e vi, senti, como eles acreditavam em mim.
Nunca percebi muito bem porquê, mas ao longo da minha vida desempenhei várias vezes a função, a escolha dever-se-ia, provavelmente, à proeminente mochila que carregava à frente, agora um pouco mais pequena, felizmente, e às barbas brancas que de há muito me acompanham.
Não pensem que é uma tarefa fácil, não é não senhor. Passar umas horas dentro de um fato quentíssimo com umas barbas ainda mais quentes que insistem em deixar a boca cheia de pêlos não é muito simpático. Mas os miúdos acreditam no Pai Natal e isso ajuda a aliviar o desconforto. Felizmente, naquela altura ainda não tinham inventado os Pai Natal que sobem às varandas, caso assim fosse desistiria mesmo, sou um rapaz demasiado pesado para o alpinismo, dado a vertigens, sendo ainda que as noites são demasiado frias para se poderem passar pendurado na varanda de cada um.
Numa das vezes em que fui Pai Natal de serviço, há já muitos anos, cena de que ainda possuo uma memória perfeita, lembro-me do ar aflito e preocupado de um gaiato que insistiu o tempo todo junto de mim para que não me esquecesse do que queria como presente, Moto Ratos, creio que se tratava de umas personagens de banda desenhada em voga na altura.
E o miúdo, sempre que me lembrava os Moto Ratos e fazia-o sempre que comigo se cruzava, tal era o desejo, explicava-me com os olhos muito abertos e com muitos gestos como se ia para casa dele para eu não me enganar no caminho. E não me enganei, Pai Natal que é Pai Natal cumpre sempre. Confirmei depois que ele recebeu os desejados Moto Ratos, claro, o Pai Natal não falha.
Deve ser bom acreditar no Pai Natal. Aliás, deve ser bom acreditar. Por isso, disse num dos trabalhos em que colaborei, deixem as crianças acreditarem no Pai Natal até que queiram ou que precisem. Não lhes roubem o encanto em nome de um qualquer conjunto de pós-modernices educativas. O meu neto Simão chegou ontem à conclusão que o deixou contente que o Pai Natal quando vinha lá do Norte onde é a terra dele passava primeiro em Paranhos da Beira e só depis vinha para Almada que é mais cá em baixo conforme estávamos a ver no globo terrestre. Ficou muito contente, o Simão estará em paranhos á espera dele, do Pai Natal. 
Vão ter o resto da sua vida para acreditar e desacreditar, para desacreditar e voltar a acreditar. Provavelmente, numa busca incessante pelo encanto perdido quando descobrimos que o Pai Natal não existe.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

O PLANEAMENTO E A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO. CONTRIBUTO PARA A SUA SIMPLIFICAÇÃO


Estamos na última semana de aulas, temos as avaliações que decorrem da planificação realizada e sustentam o planeamento para o segundo período.
Julgo ser consensual que a intervenção em educação deve, tanto quanto possível, ser flexível, diversificada e económica (desburocratizada) na sua planificação e também no seu desenvolvimento e avaliação. Neste sentido, um pequeno e despretensioso contributo para a simplificação de processos de planificação e consequente avaliação.
Este contributo radica nas múltiplas queixas de que o trabalho dos docentes e das escolas está excessivamente burocratizado e de que as recentes alterações em matéria de currículo e enquadramento da educação inclusiva continuam a alimentar com a “mais-valia” vinda da “inovação” e da “mudança de paradigma”.

1 – Definir e justificar as áreas curriculares ou disciplinas a integrar. (gráfico)
2 – Definir e fundamentar os conteúdos curriculares a serem trabalhados. (grelha excel)
3 – Definir e fundamentar os objectivos, competências, aprendizagens e saberes a desenvolver e adquirir pelos alunos. (grelha excel)
4 – Definir e justificar os princípios metodológicos e quadro teórico do trabalho a desenvolver. (grelha excel)
5 – Definir e justificar as actividades e materiais a mobilizar nas situações de aprendizagem. (grelha excel)
6 – Definir e justificar a participação de cada docente. (grelha excel)
7 – Definir e fundamentar os dispositivos e calendário de avaliação considerando os diferentes objectivos e funções dos processos avaliativos. (inventariar os instrumentos/grelhas a utilizar)
8 – Apresentar o Projecto nas inúmeras reuniões a realizar na escola. (fazer o PowerPoint ou o Prezi)
9 – Reformular o Projecto de acordo com a análise realizada nas várias reuniões.
10 – Apresentar o Projecto aos Encarregados de Educação.
11 – Definir os instrumentos de registo e apresentação dos resultados. (grelhas excel)
12 – Se sobrar algum tempo tentar fazer qualquer coisinha com os alunos.
13 - Construir um portfolio de trabalhos e registos para expôr e divulgar o Projecto desenvolvido em eventos variados ao logo do ano ou em encontros de avaliação, de inspecção, de consultores, de especialistas, de técnicos dos serviços do ME e autarquias, etc.
14 - …

Iniciar novo ciclo de Planificação desta forma simplificada e amigável.




segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

#TOGETHERFORVERA


Pela primeira vez coloco no blogue um post integral retirado do Facebook. Foi colocado pela Marcelina Souschek e tenho a certeza de que não se zangará.
A Marcelina foi contactada pela direcção da escola alemã frequentada em Portugal pela sua filha Vera avisando-a de que não pode transitar para o 10º ano. A Vera tem T21. Pode continuar na escola mas mantendo-se no 9º ano. A proibição de continuação para o 10º ano é imposta por responsáveis alemães que tutelam a escola.
É impossível ler sem sentir uma raiva a crescer nos dentes. Entretanto os colegas da escola desencadearam um movimento contra a decisão #togetherforvera.
Parece-me importante sublinhar os dois movimentos, a decisão contra por parte das autoridades educativas atentatória dos direitos e da dignidade da Vera e de todas as pessoas e, por outro lado, o significado da posição tomada já por centenas de colegas da Vera defendendo a sua permanência na escola e no trajecto que deve ser.

"A semana passada fui apanhada mais uma vez na curva, ando sempre a ser apanhada, sempre quando menos espero, lá vem aquele murro no estômago.
Quem tem miúdos com dificuldades conhece bem estas situações, está tudo bem e de repente numa reunião que nem era para ser, lá está uma pessoa que não estavas à espera, numa de já agora que está aqui, aproveito para falar consigo. Neste momento sabes logo que o que vem não vais gostar.
Ora, a Boa, que não era Nova era a informação de que a minha filha deveria sair da escola no fim do ano, se quiser pode repetir o 9º ano em vez de seguir pra o 10ºano. Gentis! Devia ser o momento em que devia ter agradecido, nem sei porque não o fiz. Pode repetir o 9ºano com outro grupo. Que ideia magnifica, solução mega pedagógica, não fossem professores diria que nunca tinham ouvido falar nesta coisa da pedagogia.
A conversa além de inesperada foi das mais estranhas que já tive, ainda a estou a digerir. Fui ainda informada de que há um homem mau que trabalha no ministério da educação alemão, que proíbe que a Vera siga para o 10º ano. Este Senhor mau no ministério lá longe deixou claro que, se a aluna, que frequenta a escola desde os três anos ousar pôr o pezinho no 10º ano a escola será invadida de uma tal fiscalização que retirará a autorização de passar aos alunos futuros diplomas de 12ºano. Tão mau, mais mau não há. Sem rei, nem roque, este senhor provavelmente nunca ouviu falar de CDPD, deve até achar, se é que esta história é verdade, que há pessoas de primeira e pessoas de segunda. Até fiquei com medo. Enquanto ainda nem sei bem o que fazer ou pensar, nas redes sociais começou um movimento, que não esperava. Colegas da Vera iniciaram um movimento, que em menos de duas horas se tornou viral. Mais de 500 alunos aderiram (por enquanto) ao #togetherforvera, porque não concordam com a decisão da direção da escola e do homem mau. Nem sabem da existência dele, nem eu sei quem é, mas que ele existe, existe.
Ainda não sei qual será o desfecho deste episódio, mas sei que a Vera conseguiu que os jovens tivessem a capacidade de perceber o que está certo, porque a conheceram, parece que esta coisa dos direitos humanos é, afinal, uma questão quase intuitiva. Triste direção e homem mau que não o entendem.
Que orgulho nestes miúdos. Não é a juventude que está perdida, são os velhos que se julgam sábios e detentores do poder. A foto foi feita pelos miúdos que amanhã irão pintar um V na cara e cada vez que um professor lhes perguntar dirão “Vera gehört zu uns“ (Vera belongs to us). Parece que ainda têm mais planos, que não sei quais são."