domingo, 16 de dezembro de 2018

A "DESMANUALIZAÇÃO" DO ENSINO


A imprensa divulga que a Escola Básica e Secundária de Carcavelos decidiu a não utilização dos manuais escolares como material obrigatório. A medida envolve os alunos do 5º ao 11º ano.
Jugo importante sublinhar esta decisão que sei não ter sido fácil. O grupo liderado pelo Professor Adelino Calado trabalhou com professores, pais e alunos no sentido de contrariar uma cultura de excessiva manualização ainda presente no nosso sistema educativo apesar de outras experiências muito positivas no sentido minimizar a sua importância. Também não foi fácil convencer o ME a trocar os vouchers destinados ao fornecimento dos manuais gratuitos por apoio para aquisição de tablets, a ferramenta de trabalho de todos os alunos. Aliás, a questão ainda não está totalmente resolvida o que mostra o que está por fazer em matéria de autonomia das escolas.
Como regularmente aqui tenho afirmado esta excessiva “manualização” tem óbvias implicações didáctico-pedagógicas e, naturalmente, económicas pelo peso nos orçamentos familiares.
Se considerarmos duas recentes e importantes alterações no sistema educativo, o novo quadro em matéria de currículo, o DL 55/2018, e a perspectiva de flexibilidade que o informa e actual legislação em matéria de educação inclusiva, o DL 54/2018, percebe-se que um peso excessivo dos manuais não é coerente com flexibilidade e autonomia e muito menos com diversidade e diferenciação pedagógica. É minha convicção que esta questão se associa a algumas das dificuldades e sobressaltos que se vão conhecendo neste período de ajustamento e mudança que, como sabemos, não acontece por decreto.
Apesar de como disse se conhecerem múltiplas experiências bem-sucedidas em muitas salas de aula, dada a natureza da estrutura e conteúdos curriculares, corre-se o risco de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização” ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor será, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
Esta abordagem é, claramente, pouco amigável á resposta à diversidade, muitos alunos não “cabem” no manual e nos seus cadernos de actividades.
É verdade que a minimização da dependência dos manuais envolve um conjunto de variáveis que devem ser consideradas.
Passará por uma verdadeira gestão e organização diferenciadas em matéria curricular que torne mais amigável uma gestão uma reorganização e flexibilização curricular que, por sua vez, permita a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes potenciando, por exemplo, a acessibilidade que as novas tecnologias oferecem como, aliás, é o trabalho desenvolvido na Secundária de Carcavelos.
Passará pelo ajustamento no número de alunos por turma de modo a permitir melhores níveis de diferenciação pedagógica e, assim, acomodar outros suportes ao processo de ensino e aprendizagem.
Passará ainda por maior autonomia de escolas e professores e recursos que acomodem dispositivos de apoio, tutorias por exemplo, que diversifiquem e diferenciam as formas e materiais de trabalho bem como respondam mais eficazmente à diversidade entre os alunos. A Secundária de Carcavelos tem um trajecto que não tem sido fácil afirmação da sua autonomia na construção do seu projecto educativo e de funcionamento.
Creio que seria importante caminharmos no sentido aqui apontado de atenuar a fórmula instalada que de forma simplista se pode enunciar, o manual formata operacionalmente o currículo, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.
É possível caminhar numa perspectiva de “desmanualização” do nosso trabalho escolar, as experiências em diferentes escolas e agrupamentos, da rede pública e privada que se vão conhecendo sustentam e reforçam a sua possibilidade.

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