A Time considerou Personalidade
do Ano 2018 Jamal Khashoggi, o jornalista saudita assassinado na Turquia, e
outros profissionais da imprensa que sofreram ataques ou correram riscos na busca e
divulgação da verdade, “Guardiões e a luta contra verdade” como lhes chamou a revista.
Os tempos vão negros. Esta
negrura exige mais do que nunca uma imprensa autónoma e independente que na
luta pela verdade combata … a imprensa e todos os que trabalham e se alimentam de “fake
news”, “factos alternativos” ou da fabricação da “pós-verdade”. Há uns anos
numa entrevista ao Público, Tom Rosenstiel, especialista em comunicação, afirmava que se o jornalismo, (os jornais), deixar de ser rentável e, como tal,
corra o risco de desaparecimento, as democracias poderão sofrer um
"cataclismo cívico".
É este o risco quando falham os “guardiões
na luta contra a verdade”.
No entanto, a imprensa tem que
cumprir o seu papel, terá de ser proactiva e não reactiva.
Se analisarmos o nosso quotidiano
nesta matéria creio que boa parte da imprensa é, frequentemente complacente com
as lideranças económicas e políticas mas também frequentemente esta
complacência assenta no seu próprio alinhamento. Em qualquer dos casos um mau
serviço prestado à cidadania.
Acho deplorável que muitos
profissionais da imprensa aceitem a forma como algumas figuras reagem ao ser
abordadas pela imprensa sobre assuntos sobre os quais, por várias razões, não
lhes interessa discorrer. Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho nada
a acrescentar”, “desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar dessas
matérias,” etc., etc. Desenvolvem assim uma espécie de surdez selectiva, só
ouvem o que lhes convém, de mutismo selectivo, só falam do que lhes convém, de
cognição selectiva, só conhecem o que lhes convém.
As mesmas figuras que
directamente ou através de terceiros, lambem as botas às redacções e aos
jornalistas (quanto mais influentes melhor) e pedem, exigem, tempo de antena
quando tal serve os seus diferentes interesses.
Algumas dessas figuras quando,
quase sempre fruto do alpinismo partidário, ascendem a alguma forma de poder
conseguem ainda ir mais longe nessa relação com a imprensa, se não lhes agrada
calam-na ou atacam-na como também não é raro. É um método velho e intemporal,
Trump e tantos outros que o digam.
Neste cenário, profundamente
irritante e patético, sinto que nos insultam, que nos consideram destituídos,
como se por não abordarem as diferentes matérias, elas não existam ou, noutros
processos, que somos manipulados de forma nem sempre perceptível pela opacidade
das situações.
É grave a existência de uma
comunicação social, boa parte dela, passiva e resignada, que não confronte as
figuras públicas com estes comportamentos, não os denuncie, e que acorram
solícitos quando essas figuras entendem que têm algo a dizer, as mais das
vezes, irrelevante. Também lhes convém esta subserviência interesseira que
alguns mantêm, também têm as suas agendas. Às vezes são recompensados.
Recordo que em 2017 o Sindicato
dos Jornalistas apelou a que a classe "boicote" as conferências de
imprensa ou declarações em que não sejam permitidas questões. É de recordar que
no Congresso dos Jornalistas realizado em Janeiro foi aprovada por unanimidade
uma decisão no mesmo sentido, as iniciativas com a proibição de perguntas não
seriam noticiadas.
Como é evidente esta decisão não
teve qualquer consequência e recorrentemente assistimos a estas deploráveis
situações.
Levada a sério e posta em prática
poderia ser um forte contributo para combater o modo como muitas lideranças
entendem o papel da imprensa, serve para divulgar apenas a mensagem que lhes
interessa mostrando-se indisponíveis para responder a questões. A imprensa é
apenas um veículo publicitário dos seus produtos ou “verdades”.
Para além desta atitude seria
ainda desejável que quando colocam questões, os jornalistas façam as perguntas
adequadas e não uma encenação de diálogo que mais não é que um monólogo a dois,
ou seja, independentemente das perguntas, o inquirido fala do que quer sem que
isso lhe seja cobrado. É importante o movimento de “fact check” que vai emergindo
mas é preciso mais.
Sei que não é fácil mas também
tenho a convicção de que seria uma forma de proteger a própria imprensa e o seu
papel insubstituível como um dos pilares das sociedades abertas e democráticas.
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