quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

PSICÓLOGOS, PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO


Há uns dias foi disponibilizado no sítio da Direcção Geral de Educação um documento relevante, “Orientações para o Trabalho em Psicologia Educativa nas Escolas”.
Citando o documento, “Estas Orientações construídas num diálogo intenso e construtivo com a Ordem dos Psicólogos Portugueses visam apoiar os psicólogos nas suas actividades, sobretudo tendo em conta a produção de nova legislação sobre inclusão e currículo e o desenvolvimento de várias medidas de apoio ao desenvolvimento de um sentimento de pertença em cada aluno: apoio tutorial específico, programas integrados municipais sinalização precoce de dificuldades, reforço da educação estética e artística, entre tantas outras medidas que visam a geração de um sentimento de bem-estar junto dos alunos”.
Ainda segundo as orientações as Finalidades situam-se no âmbito da Educação, Saúde e bem-estar, Emprego e Equidade Social.
Uma primeira nota de perplexidade, tanto maior quanto o documento foi produzido em colaboração com a Ordem dos Psicólogos, o que é Psicologia Educativa. A OPP tem como especialidade reconhecida neste âmbito “Psicologia da Educação” e entre as especialidades avançadas também reconhecidas pela OPP não consta Psicologia Educativa. Aliás, em termos nacionais e internacionais a designação Psicologia da Educação ou Psicologia Educacional são as mais consensualmente aceites. Não percebo a opção embora tenha algumas ideias que não cabem nesta reflexão.
Quanto ao conteúdo das Orientações julgo tratar-se um documento interessante, com um papel regulador do trabalho dos psicólogos e das expectativas existentes na comunidade e que muitas vezes são desajustadas. O documento também se enquadra no Referencial Técnico para os Psicólogos Escolares (outra vez uma problema de designação de que a DGE não se livra) e enquanto regulador contribui para minimizar a “balcanização” das práticas em que cada técnico reproduz a sua visão o os modelos que formaram que sendo diferente, o que só por si não constitui um problema , também dificulta a construção de uma “cultura” de pertença e desempenho profissional nos psicólogos que integram o sistema educativo.
No entanto, o grande problema é que definir Orientações para as actividades dos psicólogos pressupõe que … existam psicólogos. Como é óbvio existem mas longe de estarem de acordo com as necessidades.
De facto,  a presença dos psicólogos em contextos educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores, incluindo a tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão e insuficiência no sentido da sua concretização.
Recordo que no final do ano passado no V Seminário de Psicologia e Orientação em Contexto Escolar o Secretário de Estado da Educação, João Costa, reafirmou a “indispensabilidade de ter psicólogos nas escolas" sublinhando o seu contributo essencial para o sucesso académico e bem-estar dos alunos. Já este ano e também no documento que justifica estas notas se volata a sublinhar a sua importância.
Recorrentemente, o ME considera prioritário promover o alargamento do número de técnicos e a estabilidade da sua presença nas comunidades educativas. De facto não é um discurso novo, é apenas algo que tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui escritas e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, tenho formação em psicologia da educação.
O ME tem definido o objectivo de atingir um rácio nas escolas que passe dos actuais 1/1700 para um psicólogo para cada 1100 alunos.
De acordo com dados da Ordem dos Psicólogos Portugueses que presumo estarem ainda actuais, o sistema educativo público terá em falta cerca 500 psicólogos. Acresce que a maioria destes técnicos é contratada anualmente e, frequentemente, com atrasos no início de cada ano com consequências negativas.
Também segundo dados da OPP, no ensino privado o rácio é de 1/785 alunos o que, evidentemente, não significará que as instituições de ensino privado suportem recursos humanos desnecessários.
Conheço situações em que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo com mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que não serve adequadamente os destinatários como, evidentemente, compromete os próprios profissionais.
Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um técnico de psicologia.
Nos últimos tempos e como já referi, o ME tem permitido que as escolas contratem a empresas psicólogos para prestação de serviços educativos aos seus alunos. Estes serviços envolvem o trabalho de psicólogos bem como de outros técnicos, por exemplo terapeutas, e desempenham funções em diferentes áreas de trabalho da escola.
O quadro orientador da intervenção dos psicólogos nos contextos escolares definido pelo ME, sendo um documento positivo é evidentemente incoerente com a falta de recursos, é inaplicável em muitas situações face ao alargado espectro de funções e actividades previstas.
Não quero, nem devo, discutir aqui a natureza específica, quer em termos de adequação, quer de qualidade da intervenção dos técnicos, designadamente na área da psicologia.
No entanto, como já tenho referido, continuo convicto de se verifica em muitas situações uma sobrevalorização da intervenção dos psicólogos na área da orientação vocacional desequilibrando a intervenção necessária em áreas como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais, só a título de exemplo.
Creio que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos. Trata-se, também aqui, de mais uma entrega de serviço público aos mercados.
Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?
Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são necessários.
Este último entendimento contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de outros países aconselha e o discurso que o ME subscreve. Aliás, de acordo com Cor Meijer, director da Agência Europeia para a Educação Inclusiva e Necessidades Especiais, afirmou no encontro que referi, “Os psicólogos escolares são essenciais para a educação inclusiva".
A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme equívoco, que, além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
No entanto, a reflexão sobre os conteúdos, regulação e modelos de intervenção são de outro espaço e oportunidade.
Estando já perto do final da carreira profissional ainda aguardo que a importância e prioridade sempre atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos se concretizem de forma suficiente e estável.

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