domingo, 31 de dezembro de 2017

COM VOTOS DE BOM ANO, PREVISÕES PARA 2018

Como é habitual, à entrada de um novo ano são mais do que muitas as tentativas de prever os dias que nos aguardam.
Acotovelam-se "opinadores", comentadores, estudiosos, analistas, especialistas, politólogos, "pessoas conhecedoras" (uma espécie em levar em conta), enfim, uma infinidade de tudólogos que em tudo quanto é comunicação social se "engarrafam" na produção de infalíveis previsões.
Não tenho os dotes necessários nem a intenção de substituir quem quer que seja pelo que deixo um modesto contributo no que respeita a previsões desejando que chegue um Ano à medida das vossas expectativas.
Diz-me a experiência que é sempre de grande e comprovada utilidade.
Bom Ano para Todos.


E SE, POR UMA VEZ, O ANO NOVO FOSSE MESMO ... NOVO!

Vamos então mudar de ano.
Estamos no tempo em que todas as falas e todos os escritos acabam num incontornável Bom Ano Novo. Muito de nós fazem mesmo questão de se preparar a sério para receberem o Ano Novo, de acordo com as posses de cada um, evidentemente. Aliás, o Ano que virá também virá de acordo com as posses de cada um. É sempre assim. E se não fosse?
E se por uma vez, só por uma vez, o Ano Novo fosse mesmo Novo. Por exemplo:
Ser Novo no respeito efectivo pela dignidade, pelos direitos básicos das pessoas e no combate sério e empenhado às desigualdades e à exclusão e pobreza.
Ser Novo na gestão da coisa pública com transparência, justiça e ao serviço das pessoas.
Ser Novo na definição de políticas dirigidas às pessoas e não ao sabor dos endeusados mercados e da agenda da partidocracia.
Ser Novo no recentrar das grandes questões da educação na qualidade dos processos educativos, na tranquilidade e no sucesso do trabalho de alunos e professores.
Ser Novo na construção de uma escola onde coubessem todos os alunos sem que o cumprimento de direitos e a qualidade da resposta pública a todos os que estão na idade de a frequentar pudesse, sequer, ser motivo de discussão.
Ser Novo no combate ao desperdício e à iniquidade de mordomias insustentáveis.
Ser Novo nos discursos e padrões éticos das lideranças políticas, económicas e sociais.
Ser mesmo Novo, estão a ver?
De repente, ao escrever estas notas, lembrei-me do Zé, um jovem com uma deficiência motora significativa com quem me cruzei há anos, que quando falava de alguns dos seus desejos de futuro terminava sempre da mesma maneira, “sonhar? sonhar não custa nada, viver é que custa”.
Que o Ano Novo vos (nos) seja leve.
Tão leve e tão novo quanto possível.

sábado, 30 de dezembro de 2017

AS NOVAS QUALIDADES DAS FAMÍLIAS

No Público encontra-se um trabalho interessante sobre as mudanças na configuração das famílias. Em 2016 17.1% dos bebés nasceram sem que os pais coabitem. Esta situação não parece decorrer de motivos como emigração mas de uma opção para alguns casais, manter relações “estáveis e duradoras” mas vivendo em casas separadas constituindo na expressão da demógrafa Maria João Valente Rosa, as “famílias solitaristas”. Esta opção é já mais frequente noutras paragens sob a designação “living apart together”.
Como se tem vindo a verificar a parentalidade deixou de se associar ao casamento, 52% dos bebés nascem fora do casamento e, parece, começa a não estar associada à partilha da mesma casa.
São regulares na imprensa as referências às emergentes e diferentes dinâmicas de constituição, organização e funcionamento dos “novos” agregados familiares acentuando as alterações observadas, algumas das quais desencadeando enorme discussão, como é o exemplo da co-adopção por casais homossexuais em que se misturam valores e ciência para sustentar diferentes entendimentos.
No entanto, do meu ponto de vista, quase sempre me parece que as diferentes abordagens não valorizam, por vezes nem referem, um aspecto que entendo relevante e que considero dos mais complexos desafios sociais que actualmente enfrentamos, a educação familiar, ou seja, o que é, o que deve ser, como deve ser a educação familiar em contextos altamente diferenciados e em mudanças permanentes.
Esta minha questão releva do entendimento de que independentemente da configuração a família, a educação familiar, é um bem de primeira necessidade para todas as crianças.
A verdade é que as enormes alterações que temos vindo a constatar no universo das famílias implicam uma séria reflexão sobre as suas implicações e impacto na educação familiar. O paradigma clássico, a família educativa e a escola instrutiva, mudou substantivamente o que não significa, obviamente, a alienação do papel educativo da família, mas sim atentar nas novas qualidades que esse papel vai assumindo, parafraseando Camões.
Desde logo porque, por questões de logística e funcionalidade, o tempo familiar para as crianças encolheu de forma dramática, os miúdos passam tempos infindos na escola sob um princípio a que até o MEC se lembrou de chamar de forma infeliz “Escola a tempo inteiro”. As famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter para o realizar. Tenho conhecido dezenas de pais que se sentem culpados e fragilizados por entenderem que não têm a disponibilidade de tempo e atitude que julgam necessária para os filhos. Esta culpa e fragilidade é, com frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois “temem estragar” o pouco tempo que têm com elas devido a um eventual conflito.
Uma outra questão prende-se com o modo e a dificuldade que muitos pais me referem sentir quando lidam com as crianças em situação de “duas famílias” mesmo em separações não litigiosas e com níveis de agressividade por vezes inquietantes. Mais uma vez, as inseguranças e algum sentimento de culpa estão presentes e contribuem para embaraços que levam os pais a pedir alguma ajuda. Como sempre digo, é preferível uma boa separação a uma má família, mas alguns pais sentem-se inseguros para construir cenários de educação familiar com qualidade quando têm a guarda das crianças repartida.
Tem vindo a crescer o número de situações de casais que apesar de separados continuam a coabitar o mesmo espaço ou que nem sequer assumem a separação, criando uma situação de "casados por fora" e "descasados por dentro", poderá implicar, quando existem filhos, algumas ansiedades e inquietações nos pais sobre a forma de lidar com um contexto em que aparentemente existe uma família, quando na verdade já são duas com uma ou mais crianças entre elas.
As crianças são resilientes e acomodam melhor eventuais dificuldades quando estão com adultos que delas cuidam e lhes dedicam afecto.
A experiência mostra, como referi acima, que a educação familiar se constitui como uma área extremamente complexa, não existem dois contextos familiares iguais sendo que, para além de tudo, se trata de um universo extremamente sensível a valores e convicções.
Assim sendo, importa estarmos atentos e procurar disponibilizar apoios e orientações nas situações em que os pais revelam e exprimem mais insegurança e dificuldades e que muitas vezes são fonte de grande sofrimento para todos os envolvidos. Estas situações são bem mais frequentes e graves do que julgamos.
E envolvem famílias de diferentes configurações, umas mais “velhas” outras mais “novas”.

À MESA NAS ESCOLAS

Lê-se no Público que a ASAE desencadeou 23 processos em escolas depois de uma acção de fiscalização às cantinas escolares.
A inspecção envolveu 129 no final do 1º período, portanto depois de vários casos de falta de qualidade e quantidade divulgados na imprensa e redes sociais.
Com o turismo em alta a restauração é habitualmente referida como uma das dimensões mais atractivas do nosso país. Felizmente os turistas, nacionais ou estrangeiros, não são clientes das cantinas escolares. Teriam de ser criteriosos na escolha.
As queixas têm sido recorrentes e abrangentes, referem a quantidade, a qualidade de alimentos e confecção e o próprio serviço, comida fria por exemplo.
Não é possível que se sucedam casos desta natureza e qua fiscalização pareça acontecer após as denúncias.
A escola, também na forma como os miúdos se alimentam, deve merecer a confiança da comunidade.
Nesta matéria estarão envolvidas questões relativas aos modelos de serviço, em outsourcing e sem regulação apropriada, a tentação do aumento do lucro hipotecando quantidade, qualidade e serviço, negligência e falta de fiscalização, pessoal insuficiente, etc., incluindo um acidente sempre possível.
A tudo isto importa dar resposta, nenhuma dúvida sobre isso.
No entanto, a fiscalização do serviço prestado por parte das entidades responsáveis não pode parecer reactiva, exige-se que seja preventiva. Não se pode falhar num serviço desta natureza. Trata-se do bem-estar dos miúdos e não só.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

ENSINO SUPERIOR E INCLUSÃO

Já é conhecido o Relatório do Grupo de Trabalho para as Necessidades Especiais constituído pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior como o objectivo de promover e garantir a inclusão de alunos com necessidades especiais no ensino superior.
Como referi na altura, a presença, ou de forma mais real a ausência, e as questões levantadas pela frequência de ensino superior por alunos com necessidades especiais não têm merecido a visibilidade e reflexão que justificam, a sua ”voz” é baixa pelo que me pareceu útil a decisão de constituir o Grupo de Trabalho.
Também afirmei que para além da necessidade de legislação e apoio adequados haverá que contar sempre com uma dimensão crucial, as barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante comunidade, incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário e de "educação especial" técnicos, os alunos com necessidades especiais e famílias. Referi ainda que com base na experiência as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais são fundamentalmente dirigidas aos alunos que mantêm as capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela existe. Referia-me aos alunos que não têm “diagnóstico” de problemas de natureza cognitiva. Assim sendo, esperava que esta situação viesse a ser considerada.
O Relatório finaliza com um conjunto de 67 recomendações e merece leitura atenta e discussão alargada.
Face ao que escrevi acima parece-me importante a sublinhar a Recomendação 23: “Recomenda-se a realização de um estudo sobre o acesso ao Ensino Superior das pessoas com dificuldades cognitivas, no qual se pondere a possibilidade de as IES disponibilizarem formação, não conferente de grau ou diploma, a  este grupo de estudantes.”
Apesar da questão da certificação e também da avaliação solicitarem análise mais aprofundada julgo que deve sublinhar-se o sentido da Recomendação, todos os jovens, todos, sublinho, podem caber no ensino superior.
No entanto, como também escrevi na altura da constituição do Grupo o primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.
A legislação, espera-se, é .uma ferramenta importante mas não resolve tudo.

OS NOMES QUE NOS DÃO

Anualmente ficamos a saber que nomes os pais entendem que devemos chamar aos que vão nascendo e também neste aspecto em 2017, sem surpresa, se registam algumas mudanças.
Nas raparigas a tradição ainda é o que era, Maria é o nome mais atribuído, Leonor sobe ao segundo lugar por troca com Matilde. Matilde mantém-se e desce a escolha de Leonor, Mariana e de Carolina. Nomes como Catarina, Diana, Daniela, Joana e Sara entraram claramente em perda quase deixam de ser escolhidos e Ana vai resistindo depois de ter passado muito empo no topo da escolha.
De registar ainda o aumento de nomes pouco usuais, Excel ou Jacymiily, por exemplo.
Nos rapazes mantém-se Santiago como nome mais escolhido perdendo João o segundo lugar para Francisco.
Devo dizer que tenho vindo a ficar um pouco inquieto com o rumo que a coisa tem vindo a tomar. Um mundo sem “Sónias Andreias”, sem “Cátias Vanessas”, sem “Sandras Cristinas”, sem “Tatianas”, sem “Fábios”, sem “Mauros”, vai ser certamente um mundo diferente. Também em trabalhos anteriores sobre esta matéria se registava já a tentativa de sofisticar um pouco as escolhas, mantém-se o popular João ainda que em terceiro, mas temos o Santiago, o Rodrigo, o Martim, o Tomás, o Santiago, o Afonso, a Mariana, a Matilde, a Beatriz, entre outras, que nos garantem, enfim, outra apresentação.
Mas o que me deixou mais apreensivo face a esta questão, é que, recordando um trabalho também sobre esta matéria há algum tempo divulgado, parece notar-se que o povo está mesmo a voltar as costas aos nossos mais gloriosos nomes, sobretudo nos rapazes, nomes como Manuel, António, José, Paulo, Carlos, etc. estão em queda. Será que vamos deixar de ter um Carlos Jorge, um António Manuel, um Manuel Carlos, um José Manuel, um António João, um Paulo Jorge, tudo nomes na nossa melhor tradição?
Os meus nomes, por exemplo, José e António desapareceram dos vinte primeiros na lista deste ano.
Até nos nomes! Estão a mexer com a nossa identidade.
É certo que existem uns nomes que todos os dias, em voz mais alta ou mas baixa, chamamos a alguém e que se mantêm e manterão, aí a tradição ainda é o que era, felizmente.
Por outro lado, considerando os nomes que se chamam e de que as pessoas não gostam, uma pequena história que há tempos aqui deixei.
"Gosto quando me chamam. Às vezes, muitas vezes, não me chamam.
Outras vezes chamam-me nomes que não são meus. Os crescidos chamam-me preguiçoso, distraído, parvo, bebé, coitadinho e outros nomes, sempre nomes que não são meus.
Os outros miúdos chamam-me badocha, gordo, bolacha, caixa de óculos, def e outros nomes, sempre nomes que não são meus.
Eu acho que as pessoas, todas as pessoas, só deviam ter um nome, o seu."

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

ESCOLA, EDUCAÇÃO E ECONOMIA

Achei interessante a entrevista de Maria Emília Brederode Santos, presidente do CNE, ao Público.
Não me surpreende dado o seu trajecto no universo da educação e o posicionamento que sempre foi assumindo e que tenho acompanhado. Neste espaço um breve cometário a uma afirmação e o sublinhar de uma ideia. 
De acordo com Maria Emília Brederode Santos, “Terá de haver um repensar da escola no seu todo para fazer evoluir esta cultura da escola para uma cultura algo diferente e penso que isso vai acontecer. Porque a economia está a pedir coisas diferentes.
Explicitando, “O que a economia hoje pede são competências diferentes daquelas que este modelo de escola desenvolve. Para além das competências digitais e do inglês língua estrangeira, requer-se hoje os chamados “soft skills”, ser capaz de colaborar, ter espírito de iniciativa.”
É verdade que logo em seguida sublinha que “não quer que a escola ande a reboque da economia” mas que a economia condiciona a escola.
Apesar deste esclarecimento a aparente ideia de que a eventual mudança na escola seja essencialmente condicionada pela economia que pede “um homem novo” merece uma enorme prudência.
A evolução das sociedades, no conhecimento e desenvolvimento, nas concepções, valores e visão sobre progresso, democracia, cultura, participação e mudança, nas concepções sobre bem-estar, qualidade de vida e sustentabilidade, etc. criam um universo bem para lá da “economia” que se associa ao próprio trajecto da escola e da sua cultura.
Por outro lado, talvez numa visão romântica e eduquesa, julgo que a educação no sentido mais nobre e a escola que começa obrigatoriamente aos seis anos se estende por doze e que desejavelmente continua já com os jovens e adultos num trajecto cada vez mais prolongado de formação e qualificação, devem assumir um papel proactivo e de “liderança” na construção e evolução das comunidades e não um papel reactivo de resposta às necessidades de uma das suas dimensões, a economia, por mais importante que seja.
A educação e a escola são essencialmente uma ferramenta de promoção de mudança e desenvolvimento que certamente incluirá um vasto conjunto de competências mas não se esgota nas solicitações da economia permeável a modelos e visões da mais variada natureza, alguns até me pouco recomendáveis como todos sentimos. É o que podemos encontrar no Perfil do Aluno para o Séc XXI e que, aliás, Maria Emília Brederode Santos aborda noutros pontos da entrevista.
Talvez um dia tenhamos oportunidade de conversar sobre isto.
Parece-me também importante sublinhar a referência à “intencionalidade educativa” no período dos 0 aos 3 anos e que julgo merecer atenção e desenvolvimento. Recordo que em 2016 correu uma petição pública com o objectivo de incluir a educação dos 0 aos 3 anos no sistema educativo. Como é sabido, a actual Lei de Bases do Sistema Educativo só contempla a educação a partir dos 3 anos. Esta extensão é sustentada e necessária.
A fundamentação é sólida mas para que tal possa acontecer torna-se necessário alterar a Lei de Bases do Sistema Educativo, sendo esse o propósito da petição.
Os fundamentos apresentados eram:
“Considerando que a educação dos 0 aos 3 anos é um direito da criança, reconhecido na Convenção dos Direitos da Criança (1989), ratificada por Portugal em 1990, considerando que importa haver uma unidade e sequência em toda a pedagogia para a infância, garantindo uma intencionalidade e continuidade educativas entre a creche (etapa 0 –3 anos) e o jardim de infância (etapa 3 – 6 anos) e em consonância com a Recomendação nº 3/2011 do Conselho Nacional de Educação, com as recomendações da OCDE - Early Childhood Education: from 0 to 6 e da União Europeia - Proposal for Key Principles for Early Childhood Education and Care (2014), é objetivo da presente petição solicitar a inclusão da educação dos 0 – 3 anos no sistema educativo, através da alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo, passando a educação pré-escolar a designar-se como educação de infância e destinando-se a todas as crianças desde o seu nascimento até à idade de ingresso no ensino básico, independentemente das entidades responsáveis pela sua promoção.”
Como há algum tempo escrevi no Público, a educação pré-escolar, chamemos-lhe educação de infância como é proposto nos fundamentos da petição e considerada dos 0 aos 6 anos, é bastante mais que a “preparação” para a escola e não deve enredar-se no entendimento de que é uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.
Na verdade, as crianças estão a preparar-se para entrar na vida, para crescer, para ser. A educação de infância num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que têm um valor por si só não entendidos como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escolar.
Este período, a educação de infância, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional de cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo que virão a ser e a fazer no resto da sua vida.

A DESCONSTRUÇÃO DO OVO

Provavelmente devido às alterações climáticas já nem a “silly season” acontece quando era habitual.
Ontem, por acaso, assisti a uma reportagem televisiva sobre a inauguração de um novo espaço de restauração numa conhecida superfície comercial.
Ao que era dito por vário intervenientes o “projecto”, como não podia deixar de ser nos tempos que correm, tem características “gourmet”. Para garantir que assim seja alguns dos responsáveis pelos “petiscos”,  são “chefs” estrelados, isso é têm estrelas Michelin, uau!!! Alguns "petiscos" referidos e para atestar a sua "gourmetice" têm nomes esquisitos, pelo menos para mim que até gosto e muito de "petiscar"
Às tantas, um dos “chefs” entrevistados sobre o “conceito” falou, espanto dos espantos, que serviria um bitoque. Pensei para comigo, a sério?! Um bitoque num espaço gourmet tão sofisticado é estranho.
Mas o “chef” esclareceu. O bitoque é servido com um ovo “desconstruído”. Ah pois é, faz-se a desconstrução do ovo, coze-se a gema separada da clara, frita-se a clara e depois a gema é colocada em cima. Dizia o “chef”, assim parece um ovo estrelado mas não é. Pois não, é um ovo desconstruído. Pobre bitoque!
Agora mais a sério, sou eu que que estou a ficar velho e esquisito?

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

OS CUSTOS DA DEMOCRACIA

Muitos de nós leremos sem um sobressalto a escabrosa narrativa sobre a aprovação na AR pela esmagadora maioria dos partidos representados das alterações à lei que enquadra o seu financiamento. Diremos qualquer coisa como “no que lhes interessa a eles, entendem-se”. A praxis de uma “partidocracia” pantanosa criou em nós uma espécie de imunidade, de habituação. É grave mas é assim.
De facto este processo vergonhoso é fortemente elucidativo de alguns problemas de saúde que afectam a nossa democracia.
Eu sei que PAN e CDS-PP votaram contra algumas das alterações. No entanto ainda recordo episódios que envolvem os dinheiros do CDS-PP e um famoso Jacinto leite Capelo Rego.
A propósito do financiamento público recordo que numa intervenção pública Marina Costa Lobo apresentou um estudo comparativo com 17 países europeus mais Israel e Austrália segundo o qual e com base no PIB, Portugal está no topo do rendimento anual dos partidos políticos.
É ainda relevante saber que que Portugal estava (estará ainda) entre os cinco países em que partidos recebem mais financiamento público.
Sou dos que entendem que a democracia tem custos e que dinheiros públicos podem ser empregues, com controlo, transparência e equidade como é óbvio, no apoio às actividades dos partidos justamente como forma de … promover a democracia.
Por outro lado, também entendo que os apoios financeiros privados para a actividade política devem ser fortemente regulados e escrutinados porque como se sabe … não há almoços grátis.
No entanto, é crucial assumir que se a democracia tem custos que podem justificar o financiamento a um dos pilares dos regimes democráticos, também tem custos elevados e inalienáveis de natureza ética, transparência, rigor e justiça. Tudo o que quiseram afastar com este processo que não podia ter acontecido.
Agora parece surgir alguma disponibilidade para "rever" posições ou avançar com justificações patéticas.
Como se diz na minha terra "tarde piaram". Se o "negócio" das "famílias partidárias" tivesse passado despercebido como desejariam face ao secretismo que envolveu o processo, como seria? 
O silêncio, é claro.

METEU-SE O NATAL, AGORA METE-SE O ANO NOVO

Como tanto gostamos de dizer, meteu-se o Natal e agora mete-se o Ano Novo.
Os dias que medeiam entre o Natal e o Ano Novo têm, do meu ponto de vista, um conjunto de características muito particulares. Fico sempre com a sensação de que os vivemos como não dias. Pode parecer uma ideia estranha mas vou tentar explicar.
Logo depois do Natal, ainda a recuperar do espírito natalício, entramos numa espécie de ressaca advinda da azáfama das prendas, dadas, recebidas ou sonhadas e da culpa resultante dos excessos. Acresce para muita gente o problema das trocas, ou porque já tinham o que receberam ou porque, por várias razões, não serve o que receberam.
Para que se não saia dos espaços comerciais o ânimo recupera-se entrando de imediato na época de saldos, descontos, promoções ou outra qualquer designação apelativa a mais umas compras. Trata-se do efeito terapêutico do mercado e do consumo.
Deste estado, passamos para os dias de aproximação ao Ano Novo que, independentemente do que de menos bom possamos racionalmente esperar, vivemos com a esperança de que seja mesmo novo e, sobretudo, Bom.
Iremos certamente trocar inúmeras mensagens e votos noutra azáfama que aparenta assentar numa ideia mágica dos tempos de miúdo que nos parece fazer acreditar em que se assim procedermos, o Ano Novo vai ser mesmo Novo e, repito, Bom. De tanto falarmos nele, ele vai convencer-se de que terá mesmo que ser assim.
É certo que de há uns tempos para cá, como devem ter dado por isso, foi desaparecendo o Próspero, basta que seja Bom, ou até mesmo que não seja pior do que este. Já era bem bom, por assim dizer.
É também muito provável que nos últimos dias do próximo Dezembro, o de 2018, estaremos com o mesmo sentimento a enunciar os mesmos discursos apesar das promessas optimistas de que ... a coisa está a mudar.
Alguns de nós tentarão de forma mais ou menos dispendiosa ou criativa encontrar uma maneira feliz e divertida, assim a entendemos, de entrar no Ano Novo. Pode até nem ser muito divertida mas vai parecer com toda a certeza. Este ano, talvez possa até já ser um pouco menos comedida nos custos, dizem que a coisa está um bocadinho melhor.
No entanto, como se sabe a crise quando nasce não é para todos e haverá réveillons para todas as bolsas. Acresce que muitas autarquias no seu espírito de missão e de serviço ao cidadão proporcionarão fantásticos espectáculos de fogo-de-artifício e música para que toda agente possa receber o Ano Novo sem grande custo.
O problema mais sério é que a 2 de Janeiro está aí o Ano Novo que, para muita gente, vai continuar velho e para muita outra gente não será Bom, longe disso.
Mas para um povo sereno e de brandos costumes como nós, haja saúde que é o principal, no resto … Bom, no resto … algum jeito se há-de dar.
Bom Ano.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

PROFESSORES EM FORMAÇÃO. A MAIS? A MENOS?

Agora que o Natal passou e aguardamos pelo Ano Novo voltemos à lida.
No JN de há uns dias e com relevo na primeira página afirmava-se o número de alunos nos cursos de formação de professores no ano passado era o número mais baixo dos últimos 20 anos.
Na peça e com bom senso alguns especialistas sublinhavam  o risco da ideia muito difundida da formação de professores a mais. Na verdade e a curto/médio prazo teremos necessidades para as quais corremos o risco de não ter resposta.
Recordando o Relatório “Perfil do Docente”, dados de 15/16, divulgado pela Direcção-Geral das Estatísticas da Educação e Ciência, apenas 399 docentes que trabalham em escolas públicas da Ed. Pré-Escolar ao E. Secundário têm menos de 30 anos de idade.
Em termos globais no grupo de 40 anos para cima temos na E. Pré-escolar 75.5%, no 1º ciclo 70.8, no 2º ciclo 82.6 e no 3º ciclo e E. Secundário 81.9%.
Como escrevi há algum tempo, num país preocupado com o futuro este cenário faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade.
Neste cenário parece evidente que muito rapidamente a necessidade de professores subirá fortemente e nem as oscilações da demografia permitirão sustentar a tese dos professores a mais.
Por outro lado e apesar do progresso verificado ainda contamos com uma das mais altas taxas de analfabetismo da Europa, segundo os Censos de 2011 e de acordo com a PORDATA, 5.15% de analfabetos em Portugal. Se a este cenário acrescentarmos o analfabetismo funcional, pessoas que foram escolarizadas mas que não mantêm competências em literacia, a situação é verdadeiramente prioritária.
Também por estas razões continuo a pensar que não temos professores a mais. Os custos pessoais e sociais para as pessoas nesta situação, em várias dimensões, e o impacto económico da falta de competências em literacia justificaria um fortíssimo investimento em minimizar a situação até ao limite possível. Como sempre trata-se de matéria de opções políticas e visão de sociedade.
A educação de adultos e a promoção de uma cultura de “aprendizagem ao longo da vida” é hoje uma área de forte investimento em diversos sistemas educativos mesmo em países taxas de alfabetização bastante acima das nossas.
No entanto, a procura mais baixa pela formação para professor, aliás considerada na informação recolhida junto dos adolescentes de 15 anos no PISA, também não deve ser dissociada de um outro conjunto de aspectos que na altura tive oportunidade de aqui referir e agora retomo.
Não creio que a este cenário, baixa na procura e na intenção de aceder à profissão de professor, sejam alheios alguns discursos produzidos sobre os professores que desvalorizam e empobrecem o seu estatuto social e a representação sobre a classe e que são produzidos, por exemplo, por “opinion makers” que frequentemente têm agendas implícitas e quase sempre estão mal informados.
Talvez também não seja alheia a instabilidade nas políticas educativas com impacto óbvio na estabilidade das carreiras e da sua valorização. Provavelmente em muitas famílias, as que mais probabilidades terão de ter filhos com melhor desempenho escolar, a profissão professor não é uma escolha incentivada ou, no mínimo, bem aceite.
Também alguns discursos vindos dos próprios representantes dos professores podem muitas vezes contribuir para equívocos e representações desajustadas sobre os professores e os seus problemas.
Julgo ainda que deve ser considerado o impacto de alterações nos valores, padrões e estilos e vida das famílias que fazem derivar para a escola, para os professores, parte do papel que competia(e) à família. Este trabalho é realizado, muitas vezes, sem qualquer tipo de apoio ou suporte, com cada professor entregue a si mesmo em climas institucionais pouco favoráveis.
Deste cenário resulta como tantas vezes tenho afirmado a necessidade da valorização dos docentes e da sua profissão de modo a que se torne mais atractiva.
É minha convicção de que professor é uma profissão com futuro e sem a qual … não há futuro.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

SONHOS DE NATAL

Hoje é dia de Natal. O Natal traz quase sempre algo de muito saboroso, os sonhos.
Amanhã já não é Natal. Não, o Natal não é quando um Homem quiser. Aliás, muitos homens não querem que seja Natal. Outros Homens, incluindo Homens pequenos não têm Natal.
E Sonhos? Amanhã haverá?
É necessário que sim. Em nome dos nossos Filhos, dos Filhos dos nossos Filhos, dos Filhos  dos ...
É um Sonho.
Bons Sonhos.

sábado, 23 de dezembro de 2017

SINAIS DOS TEMPOS

Como diz Camões “todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”.
Na Visão está um trabalho interessante sobre uma situação que começa a verificar-se com mais frequência, a existência de creches e jardins-de-infância a funcionar 24 horas por dia, durante 7 dias por semana.
Por razões diversas mais famílias sentem esta necessidade. Segundo o trabalho da Visão na zona da Grande Lisboa existirão mais de mil crianças envolvidas em rotinas menos habituais na frequência de instituições desta natureza mas o número de vagas disponíveis para este tipo de resposta será três vezes superior. Ao que parece a oferta será inferior à procura e muitas crianças ficam também aos fins-de semana, férias ou no Natal.
É mais um sinal dos tempos.
Vivemos tempos de mudança acentuada nos estilos de vida, de alteração de valores e prioridades, de menor regulação do trabalho, chamam-lhe “flexibilização”, de competição e “produtividade”, de comunidades sempre em movimento, em “trânsito”, sem parança e com rotinas em mutação.
Muitas famílias, muitas vezes sem capacidade de escolha ou também por opção, são envolvidas nesta engrenagem e, naturalmente, procuram soluções que minimizem as consequências. O mercado, evidentemente, procura responder a novas necessidades.
Também sobre as crianças e o seu dia-a-dia estes tempos produzem efeitos que em muitas circunstâncias não são particularmente amigáveis.
Acredito no esforço e competência das instituições e dos profissionais no sentido de proporcionar a melhor qualidade possível na vida das crianças que a esta resposta recorrem. Sei também que as crianças têm de uma forma geral uma resiliência e capacidade de adaptação extraordinárias embora seja necessário estarmos permanentemente atentos ao seu funcionamento.
No entanto, também sabemos que rotinas, família (no sentido dos laços de afecto e vinculação), estabilidade, segurança, são necessidades básicas e imprescindíveis para o desenvolvimento das crianças. Apesar de não esquecer que mesmo nas circunstâncias mais habituais também algumas famílias ou práticas institucionais podem ser tóxicas ou negligentes.
No entanto e por isto tudo … vale a pena pensar nos caminhos que queremos ou podemos percorrer.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O ALUNÃO. DE NOVO

Por estes dias, tempo em que as notas escolares foram conhecidas por alunos e pais sempre me lembro deste texto que gostava que um dia ficasse fora de uso, sim eu sei que é uma utopia mas não é grave, é só mais uma.
Acabou o primeiro período, reúnem-se os professores e atribuem-se as notas. A maioria dos miúdos, felizmente, sairá bem tratada do processo, os professores são gente que gosta, ensina, educa e cuida dos miúdos. Com notas mais ou menos elevadas ficarão contentes e o espírito natalício encarregar-se-á de os compensar também da forma possível, pois, como se sabe, o espírito natalício não é igual para todas as famílias, algumas terão até muito pouco espírito natalício.
Outros alunos, apesar de terem alguns resultados menos positivos, com o apoio dos professores e da família e, naturalmente, com o seu esforço, encararão o resto do ano com uma atitude positiva e de confiança assumindo a convicção de como se diz “vão lá”, “são capazes”. Assim deve ser.
Haverá ainda um grupo de alunos de quem a escola, mesmo estando no primeiro período, desistirá, às vezes sem se dar conta. São os miúdos que “não vão lá”, seja porque “com a família que tem não é possível”, “porque, coitado, não é muito dotado, já o irmão quando cá andou assim era”, “não se interessa por coisa alguma, não anda aqui a fazer nada” ou outra qualquer apreciação entendida como razão justificativa para a dificuldade. E teremos, finalmente, um grupo de alunos que desistem eles da escola, confirmando a antecipação do insucesso, desde já estabelecida.
Num tempo em que a grande orientação é reaproveitar e reciclar o que não serve ou não presta, talvez não fosse má ideia que os municípios, com a orientação do Ministério da Educação, procedessem à instalação de um novo recipiente nos ecopontos que quase sempre existem perto das escolas. Assim, junto do vidrão, do pilhão e dos outros contentores, colocar-se-ia um alunão, um recipiente onde se colocariam os alunos que não servem ou não prestam e esperar que algo ou alguém os recicle e devolva à escola novinhos, reciclados, cheios de capacidades, competências e capazes de percorrer sem sobressaltos o caminho do sucesso.
O problema é que somos uma sociedade de desperdícios, até de pessoas, e começamos logo nas pequenas.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

QUO VADIS ESPANHA E CATALUNHA?

O dia de hoje é também marcado pelas eleições na Catalunha. Qualquer que seja o resultado nada será como antes.
Como sabemos pela experiência de décadas, em Portugal todos ganham nos processos eleitorais, muito raramente alguém ou algum partido assume uma derrota e muito menos a responsabilidade por essa derrota.
Na Catalunha creio que independentemente do lado vencedor, independentista ou manutenção da integridade territorial e política actual, muito se irá perder.
Eu sei que votar é sempre uma vitória, a expressão livre de um voto é um pilar central de regime democrático e mais ainda o respeito pelos votos, todos os votos. Por outro lado e como já escrevi, não me pronuncio sobre a questão da independência da Catalunha.
No entanto, ao longo de todo este processo e considerando alguns acontecimentos e nos discursos inconsistentes e muito pobres de visão das lideranças envolvidas que pouco vão para além do imediatismo e da reacção formal ou da vertigem da emoção, uma coisa me parece razoavelmente clara.
Seja qual for o resultado na Espanha e a Catalunha abriram-se feridas que dificilmente sararão nos anos mais próximos. A troco de quê? As personagens menores que protagonizam este processo saberão responder?
A Guerra Civil não foi há assim tanto tempo e ainda perduram sequelas.
Que irá ficar de herança de toda esta narrativa? Como vai ser o "day after" sem diferenças significativas entre as duas posições em conflito?

"O TEMPO DE NATAL. UMA HISTÓRIA E UMA SUGESTÃO DE PRENDA"

"O tempo de Natal. Uma história e uma sugestão de prenda". Umas notas pela Visão online.
(…)”

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

PARADINHOS E GORDINHOS OU A GORDURA QUE JÁ NÃO É FORMOSURA

Desculpem lá a insistência. É habitual referir que o Natal é uma época de alguns excessos em matéria de alimentação. Seria bom que fosse apenas o Natal. Os tempos são todos de excesso e o problema sendo sério em todas as idades é particularmente preocupante com os mais novos.
Apesar de algum progresso que se regista ainda se verifica que 42,4% das crianças entre os 6 e os 8 anos ultrapassam o peso recomendado, 30,7% têm excesso de peso e 11,7% são obesas de acordo com dados do recente estudo, Childwood Obesity Surveillance Initiative, que avalia a situação relativa à nutrição infantil e é realizado em Portugal pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Estes indicadores vão no mesmo sentido dos encontrados num trabalho da Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil realizado durante o ano lectivo de 2016/2017 envolvendo 17698 crianças, entre os 2 e os 10 anos, de escolas do continente, Madeira e Açores e realizado no âmbito de um projecto “Heróis da Fruta – Lanche Escolar Saudável, mostrou que 28.5% (mais de uma em cada quatro) têm excesso de peso, 12.7% são obesas. O estudo também mostra em algumas semanas de envolvimento no Projecto as alterações positivas foram positivas.
De facto e desde há algum tempo a o excesso de peso e obesidade infantil é já um problema de saúde pública.
Recordo o Relatório “Health at a Glance: Europe 2016” da OCDE, segundo o qual em Portugal mais de uma em cada quatro crianças tem excesso de peso. Nas raparigas ultrapassa os 30% e nos rapazes temos 25%.
Acresce que no que respeita à actividade física e considerando a recomendação da OMS de uma hora diária de actividade física aos 11 anos só 16% das raparigas e 26% dos rapazes cumprem e aos 15 anos temos 5% das raparigas e 18% dos rapazes.
Estes dados estão em linha com os de relatórios anteriores e com estudos nacionais sobre os hábitos alimentares e estilo de vida dos mais novos.
Recordo um trabalho, creio ser 2014, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto sugerindo que aos 4 anos mais 87% das crianças ultrapassa já “os valores toleráveis de sal” para a sua idade. Crianças com dois e “têm consumos alimentares nada saudáveis”, aos dois anos, por exemplo
O “EPACI Portugal 2012 – Estudo do Padrão Alimentar e de Crescimento na Infância”, mostrou que 31.4% das crianças portuguesas entre os 12 e os 36 meses apresentam excesso de peso e 6.5% situações de obesidade.
A Direcção-Geral de Saúde e o ME têm vindo a determinar que nas escolas alimentos hipercalóricos, como doces ou bolos, não sejam expostos, devendo ficar visíveis aos olhos dos alunos os alimentos considerados mais saudáveis em como estão em curso medidas no sentido de baixar a publicidade a alimentos e bebidas com maior carga calórica.
Ainda um estudo divulgado de 2015 da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, encontrou 17% de rapazes e 26% de raparigas de quatro anos, sublinho, quatro anos, com excesso de peso e obesidade e níveis de colesterol elevados, um cenário verdadeiramente preocupante e de graves consequências futuras como já se verifica com o disparar de casos de diabete tipo II em crianças.
Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares e o combate ao sedentarismo, sobretudo nos mais novos.
No que respeita à actividade física, um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Um outro trabalho de 2012 da Faculdade de Motricidade Humana envolvendo cerca de 3000 alunos que evidenciava o efeito positivo da actividade física no rendimento escolar para além dos benefícios óbvios na saúde.
Também em 2012, um trabalho divulgado na Lancet referia que em Portugal, entre os adolescentes, dos 13 aos 15, quatro em cada cinco não são fisicamente activos.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam. Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais” mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema.
No entanto, como sabemos, o excesso de peso e os riscos associados não serão, para a esmagadora maioria das miúdos e graúdos nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.
Eu sei que à escola não compete tudo. Não pode, nem deve ser responsável por todos os problemas que afectem a população em idade escolar. Sei, sabemos, no entanto, que pela educação é que vamos lá.
Bom Natal com muita brincadeira e pouco açúcar e sem demasiadas calorias.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

ELE HÁ COISAS

Ele há coisas.
De acordo como o Relatório Indicadores de Integração de Imigrantes 2017 produzido pelo Observatório das Migrações Portugal com base no PISA de 2015, Portugal foi o país da OCDE em que na última década mais melhorou o desempenho dos alunos imigrantes e em que mais se reduziu a diferença entre os resultados dos alunos imigrantes e os alunos nacionais.
É um dado interessante e que merece registo.
Imagine-se agora o que seria se tivessem se em vez de “professores miseráveis” que produzem “resultados miseráveis nos alunos”, de professores que vivem de greve em greve, que atingem todos o topo da carreira com base no simples passar do tempo, que não têm avaliação no seu desempenho, etc. tinham professores mesmo bons? Daqueles que nós não temos.
Agora mais a sério, Como é evidente não tenho qualquer expectativa que este ou qualquer outro indicador positivo, apesar do muito que ainda está por fazer, altere um vírgula que seja nos discursos de gente opinadora e tudóloga como José Manuel Fernandes, Miguel Sousa Tavares ou de uma “coisa” chamada moita de deus, assim mesmo, com letra pequena que faz o papel menor de “caceteiro” de serviço.
Como já escrevi e me parece óbvio não são gente incompetente e ignorante, antes pelo contrário, sabem muito bem o que dizem. Trata-se de um processo intencional, manipulador, negando ou escondendo dados conhecidos, subordinado às agendas do costume, aos preconceitos do costume, à visão do costume.
Não sejamos ingénuos, é coisa política, pura e dura.

TPC E FÉRIAS

Há dois dias o Público tinha um trabalho com o sugestivo título, “Como não desesperar com os trabalhos de casa em tempo de férias?
Estavam expressas as opiniões de alguns especialistas sobre os trabalhos de casa nas férias e adiantavam-se alguns conselhos aos pais que, provavelmente, desesperarão com os TPC nas férias como se desesperam em tempo de aulas. Retomo algumas notas sobre esta questão cuja abordagem não é conclusiva, nem provavelmente alguma vez o será e merece ser discutida sem preconceitos e juízos fechados.
Como tenho referido frequentemente aqui e nos espaços de intervenção profissional, creio que o recurso aos TPC clássicos deve ser ponderado e, por maioria de razão, também no tempo de férias, sim, estamos a falar de férias.
Como é reconhecido em muitas famílias os TPC clássicos têm ainda o problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem ajudar os filhos mas não possuem habilitações para tal.
A propósito, sempre recordo um episódio pessoal em que numa reunião de pais em que participava e se discutia esta questão, dizia-me uma mãe, “o senhor, da maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa, chora a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz de lha dar.” Colocar os pais nesta posição não me parece positivo.
O recurso ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Naturalmente tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de "explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem aceder alimentando desigualdade de oportunidades.
Acontece ainda e deve sublinhar-se que os estudos sugerem que "é sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o tempo global de aprendizagem que está associado ao sucesso na aprendizagem”..
Dito isto e como não tenho uma posição fundamentalista creio que poderíamos distinguir com relativa facilidade o Trabalho Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens dos miúdos. O que acontece mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa.
É nesta perspectiva que também me parece dever ser analisada a questão dos TPC nas férias. Podemos promover e incentivar Trabalho em Casa que não tem de ser exclusivamente Trabalho de Casa.
Quando há algum tempo colaborei num trabalho da imprensa sobre esta questão afirmei, as férias devem ser isso mesmo, férias sem as mesmas rotinas e os mesmos trabalhos do tempo escolar.
Actividades como leitura, por exemplo, não é um TPC, um dever a cumprir, é algo que se deve incentivar.
A leitura é só um exemplo.
Bom Natal e Boas Férias.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR. DE PEQUENINO É QUE ...

Um dos muitos indicadores constantes do Relatório do CNE, “Estado da Educação 2016”, que merece reflexão e que alguma imprensa ontem abordou prende-se com o abaixamento da frequência da educação pré-escolar em particular por crianças de quatro e cinco anos entre 2012/2013 e 2015/2016 passou de 97,9% em 10/11 para 94,8% em 15/16.
As razões para tal podem prender-se, teria de ser confirmado, com os custos demasiado altos para muitas famílias da frequência de estruturas de educação pré-escolar.
No entanto, são mais conhecidos os efeitos positivos da sua frequência por parte das crianças, daí a preocupação com este abaixamento.
Recordo um trabalho de 2016 do DN que referia a existência de milhares de crianças em lista de espera para creches e jardins-de-infância no chamado sector social em as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias. Ainda segundo a peça do DN existiriam instituições em que o número de candidaturas é oito vezes superior à capacidade de resposta.
Talvez os dados agora divulgados concretizem esta situação que merece a maior atenção.
Apesar do actual governo de garantir o acesso à educação pré-escolar aos três anos e criar respostas acessíveis, física e economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três algo de imprescindível e urgente o caminho é complicado e requer provavelmente medidas mais sólidas, na criação de respostas e nos apoios às famílias.
Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...
Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade para os mais pequenos é uma delas.
No entanto, como há algum tempo escrevi no Público, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola e não deve enredar-se no entendimento de que é uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar. 
Na verdade, as crianças estão a preparar-se para entrar na vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que têm um valor por si só não entendidos como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escolar. Curiosamente o Ministro da Educação em entrevista escrita ao JL fala do "Ensino Pré-escolar".
Este período, a educação pré-escolar, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional de cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo que virão a ser e a fazer no resto da sua vida.

domingo, 17 de dezembro de 2017

AS NOTAS SAEM PARA A SEMANA

As aulas do primeiro período no ensino básico e secundário terminaram.
Na próxima semana, antes de se entrar mais a fundo no espírito natalício, depois das reuniões de avaliação a generalidade das famílias vai começar a dar atenção às notas. Não só às notas necessárias para a compra dos presentes de Natal, estas parecem estar a ser revistas em alta, mas também às notas escolares dos filhos que igualmente influenciam a compra de presentes, as boas notas são muitas vezes compensadas com presentes mas, sobretudo, contribuem para comprar futuros.
Alguns miúdos e adolescentes esperarão com serenidade, apenas com a ponta de ansiedade criada pela expectativa de ver confirmado o bom andamento do primeiro período. Destes, uns poucos, verão mesmo o seu nome e nota inscritos num quadro de honra. Receberão as felicitações da família pelo trabalho desenvolvido e, muito provavelmente, até verão essas felicitações e contentamento familiar sublinhados com o reforço dos presentes, merecem, trabalharam bem, toda a gente dirá. Estamos num tempo de produtividade.
Alguns outros miúdos esperam com a ansiedade da dúvida, será que o trabalho que realizaram e a generosidade dos “setôres” chegarão para a positiva, senão a tudo, pelo menos a quase tudo. É que os pais também tinham prometido “aquela” prenda se as notas fossem positivas, mesmo que não "boas", não esperam tanto.
Também existem alguns alunos que já nem a ansiedade pelas notas conseguem sentir, mesmo no primeiro período, sabem que vão ser más, o que não estranharão e as famílias, algumas, também não. É hábito. Destes, uns assumirão um discurso e pose de indiferença, precisam dessa pose e desse discurso para mascarar para fora o que o insucesso dói para dentro. Ninguém com saúde se satisfaz com o insucesso. As famílias não sabem que fazer e culpam a escola que as culpa a elas.
Alguns destes alunos receberão as más notas do primeiro período como uma espécie de “cheque pré-datado” passado pela escola, ou seja, estas serão também as notas do segundo e do terceiro período. Esta baixa expectativa é um forte contributo para que se cumpra o emitido no “cheque”, as más notas no futuro. Não tem que ser, não é o destino e não estão condenados ao insucesso. Era bom ter consciência do processo e recusar esse fatalismo.
Existe ainda um grupo mais pequeno de alunos que, por razões que eu não consigo compreender, não têm notas, são especiais, dizem, pelo que sendo alunos e trabalhando nas escolas não vêem, como todos os outros colegas, traduzida numa nota a sua participação na vida escolar. Será porque estando lá não participam, ou será que, apesar de participar e não tendo o mesmo "rendimento" ou sendo avaliados da mesma forma que os seus colegas, se entende, erradamente, que não se "justifica" uma nota, curiosamente, em contextos escolares que se afirmam "inclusivos". Talvez tenhamos ainda que caminhar no sentido de melhorar culturas, modelos e dispositivos de avaliação que acomodem todos os alunos.
Enfim, como em quase tudo na nossa vida, as notas são, muitas vezes, determinantes.
Boas férias e Bom Natal.

sábado, 16 de dezembro de 2017

SÓ UM TERÇO CHEGA AO SUPERIOR

Gostei de ler a entrevista da Secretária de Estado Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, a Professora Fernanda Rollo, ao DN.
Assim as políticas em matéria de ensino superior reflictam a sua visão. Em muitas dimensões são óbvios os constrangimentos.
É importante recordar e insistir que, contrariamente ao muitas vezes se entende, as famílias portuguesas enfrentam um dos mais caros sistemas de ensino superior da UE e da OCDE.
Ainda existe a perigosa e falsa ideia de que "somos um país de doutores". Na verdade, apesar da recuperação, temos uma das mais baixas taxas de pessoas com formação superior entre os países da OCDE. É fundamental insistir que não temos licenciados mais, temos desenvolvimento a menos e daí alguma dificuldade na absorção de mão-de-obra qualificada.
A qualificação é um bem de primeira necessidade.

A SÉRIO SENHOR MINISTRO?!

A divulgação do Relatório do CNE “Estado da Educação 2016” mereceu algumas referências dispersas na imprensa que sublinharam alguns dos muitos e interessantes dados do Relatório.
Uma das referências que terá suscitado mais exposição remete para as práticas dos professores nas quais predominam metodologias de natureza expositiva.
Como parece claro, não só pela leitura do Relatório e dos estudos que o sustentam, mas também pelo que sabe sobre o enorme e complexo conjunto de variáveis que estão associadas ao desempenho escolar dos alunos, desde variáveis individuais, estatuto sociodemográfico familiar ou idade e trajecto escolar por exemplo, contextuais, organizacionais, etc. será necessária uma enorme dose de prudência no estabelecimento de uma relação de causa efeito entre as metodologias dos professores e o insucesso de alguns alunos. O seu peso como variável explicativa do sucesso ou do insucesso não está avaliado no relatório embora não se possa, como é óbvio, negar a relação mas integrada no referido conjunto de variáveis.
No entanto, o voluntarismo ingénuo ou a visão menos competente do Ministro de Educação vêem a questão de outra maneira.
Ontem na Chamusca, lê no Público, pronunciou-se sobre a referência ao “método de ensino demasiado expositivo” e afirmou que esses dados dizem respeito ao ano lectivo 2015- 2016, cujo início "foi ainda da responsabilidade do anterior Governo".
Mais acrescentou o senhor Ministro, “Tivemos oportunidade de, sabendo nós como o estado da educação se apresentava nesse ano lectivo, poder desenvolver novas políticas públicas para dar resposta" à "estaticidade das salas de aula" através da "flexibilização e da autonomia curricular", declarou.
A sério Senhor Ministro?!
Talvez alguma cautela fosse aconselhada, olhe que estas coisas não são fáceis.
Como pode verificar no gráfico da pg. 28 que ilustra estes dados a divulgação foi em 2012 sendo agora recuperados no Relatório do CNE. Percebe o que isto quer dizer? Isso mesmo.
Por outro lado, acha mesmo que as “metodologias expositivas” que parecem predominar já estão em alteração fruto das “novas políticas públicas” de resposta à “estaticidade das salas de aula”? Com base em que avaliação conhecida? O projecto de flexibilização e autonomia curricular que, já o referi muitas vezes, me parece um caminho positivo está no seu início e em desenvolvimento tal como o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar. Talvez seja prematura esta conclusão.
Torço fortemente pelo sucesso do trabalho em curso, é o futuro do país que está em causa mas Senhor Ministro, a realidade não é projecção dos nossos desejos.
Há mais Educação, muito mais, para além das metodologias sem lhes negar a importância. Talvez até seja de pensar nas metodologias para decidir e realizar políticas públicas e mexer nas coisas certas da forma certa. A autonomia e e mudanças na natureza, organização e conteúdos do currículo é umas áreas a considerar.
No entanto, sublinho que a única forma de responder à diversidade de alunos e contextos passa por incrementar os níveis de diferenciação nas práticas pedagógicas e a existência de dispositivos de apoio competentes e suficientes às dificuldades de alunos e professores.
Mas aprecio a sua convicção. A época de Natal é um tempo de optimismo e alegria.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

OBRIGADO SENHORES

Obrigado senhores da Fitch, já não nos chamam lixo. É generosidade e compreensão a mais e da qual não somos merecedores. Logo dois níveis de uma vez só! É o espírito de Natal a realizar milagres.
É verdade que ainda estamos perto do lixo, mas já não somos lixo o que é muito importante.
Não é que não nos lixem na mesma.

DO SENTIDO DE ESTADO E DA CONSCIÊNCIA TRANQUILA

Nos últimos anos instalou-se no discurso de múltiplas figuras com responsabilidades políticas (mas não só) duas expressões que se tornaram impossíveis de ouvir sem um sobressalto. São elas o “sentido de estado” e a “consciência tranquila”.
Na verdade, imensas figuras que evidenciam comportamentos absolutamente deploráveis do ponto de vista ético e político e mesmo de natureza criminal sempre afirmam que o que disseram ou fizeram foi com “sentido de estado” e estão com a consciência tranquila.
Na maioria das situações estas afirmações são um insulto à nossa inteligência e sustentam a baixa credibilidade que a generalidade da classe merece por parte dos cidadãos e o afastamento destes do envolvimento cívico reduzido quase exclusivamente às incidências da partidocracia e ao aparelhismo partidário onde se aprende o “sentido de estado” e as técnicas de “tranquilização da consciência”.
Na verdade, em milhentas situações e de escala variável na “dimensão” das figuras envolvidas, “sentido de estado” remete mais para “servi-me do estado” e o recurso a “consciência tranquila” só pode justificar-se pelo ignorar intencional do que significa consciência.
Onde estão os meus "Vomidrine”? É uma náusea!

PAI COMPRA LÁ. NÃO

No Observador encontra-se uma peça que suscita alguma reflexão. Um trabalho “European Consumer Payment Report 2017, realizado pela Intrum Justitia em 24 países europeus mostra que os pais portugueses inquiridos são altamente permeáveis à pressão exercida pelos filhos para a realização de compras lavando a gastos superiores ao ajustado.
Os pais com 18-34 anos são os que mais assumem, 88%, gastar prendas que não deveriam e fazem-no por pressão, designadamente, a que associam às redes sociais.
A questão não é nova e todos os que lidamos com os mais novos conhecemos os seus efeitos. Recordo que já em 2015 a Direcção-Geral do Consumidor referia receber queixas sobre a utilização de crianças em publicidade mesmo em produtos que lhes não são destinados. Está utilização não é recente embora muitos pais não estejam suficientemente atentos. Como é evidente a estratégia é eficiente e, portanto, tentadora para os especialistas em marketing e publicidade.
Na verdade, alguns estudos nesta matéria, sugerem, surpreendentemente, que as crianças até aos 7 anos podem influenciar até 70% das decisões de compra da família, mesmo quando se trata de produtos que não lhes são directamente dirigidos. Esta influência mantém-se ao longo da infância e juventude.
Esta questão, a publicidade que tem por actores e suporte os miúdos e forma como nós adultos lidamos com isso, é complexa, envolvendo aspectos legais, considerando leis e direitos, educativos, culturais, sociais, etc. pelo que não é fácil a sua abordagem e gestão.
Será ingénuo pensar que quem produz bens destinados aos miúdos ou que cuja aquisição possa ser pressionada pelos miúdos, não tenha a tentação de que a mensagem publicitária seja o mais eficaz possível, ou seja, venda, não importa o quê, desde um alimento hipercalórico à última versão do videojogo ou as férias dos pais em locais atractivos para os miúdos.
Apesar das dificuldades que atravessamos, estamos num tempo de “és o que tens e se não tens … não és”, o que afectando os adultos, veja-se as situações de crédito malparado familiar por compras compulsivas e sem base económica sustentada, não pode deixar de influenciar os mais novos.
No entanto, acredito que podemos fazer alguma coisa junto dos pais e dos miúdos para tentar atenuar os efeitos deste cenário. As escolas poderiam ter um trabalho interessante debatendo com os miúdos, de todas as idades e de forma adequada, o papel da publicidade nas escolhas e nos gostos deles promovendo uma atitude mais consciente e crítica destes processos. Poderia também ser interessante conversar com os pais sobre o papel dos “presentes” e das “compras” nas dinâmicas e relações familiares, isto é, mais prendas e mais compras não é necessariamente melhor ou ainda sobre o papel da publicidade e a forma de lidar com a pressão desencadeada pelos filhos depois de verem “os ecrãs” ou as mensagens publicitárias.
Muitos pais acreditam ser imunes a esta “pressão” e não assumem essa influência que, no entanto, é comprovada. Em períodos como o que atravessamos, submersos em espírito natalício, este efeito é potenciado no âmbito das compras de Natal. Já tenho promovido de forma informal e com gente mais pequena o exercício de registar durante um período de tempo quanta publicidade lhes é dirigida ou procura envolvê-los na decisão dos pais. Quase sempre ficam admirados com a quantidade registada.
No quadro de valores que de mansinho se instalou, “és o que tens” os miúdos, através de eficazes estratégias de marketing, são bombardeados com ofertas sobre o que “todos têm” pelo que todos querem ter para poder ser, porque, como disse, “não tens não és”. Por outro lado, os pais, muitos pais, devido aos estilos de vida sentem-se desconfortáveis na relação com os filhos e são vulneráveis a esta “pressão” dos miúdos assumindo com dificuldade o Não, aspecto que também aqui tenho referido.
Neste quadro, se por um lado a educação escolar, no âmbito da formação alargada, pode incorporar reflexão sobre consumo e comportamentos, é fundamental que os pais se sintam à vontade e com firmeza para contrariar o que muitas vezes não passa de uma estratégia de consumo habilmente promovida por campanhas de marketing cuja regulação ética é ligeira, para ser simpático. Neste sentido os pais devem sentir que um Não que pode desencadear uma birra poupará no futuro várias outras birras e alguns outros dissabores. Aliás, os miúdos embora não gostem, como provavelmente qualquer de nós, PRECISAM DO NÃO.
Na verdade, apesar da sua complexidade é uma matéria a que por muitas razões vale a pena dedicar atenção.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

DA INDÚSTRIA DO SUCESSO ESCOLAR

Do recente Relatório do CNE, "Estado da Educação 2016", consta um dado, extraído aliás do TIMSS de 2015, algo que habitualmente é muito discretamente referido, as ajudas fora da escola, antes conhecidas por “explicações” e agora com designações mais sofisticadas como “Centro de Estudos”, “Ginásios”, etc., que, provavelmente, terão mais efeito “catch” no sentido de atingir o “target”.
Na página 33 lê-se que 61% dos estudantes do secundário referem ter aulas particulares de Matemática no sentido de melhorar o desempenho nos exames. A comparação com outros países é elucidativa tanto mais se considerarmos o respectivo nível de vida, sendo a Noruega um exemplo extremo.
Algumas notas.
De facto um passeio pelas proximidades das escolas mostra a abundância da oferta destes “Centros de Estado” a que se soma a oferta mais personalizada, as “explicações” em casa dos explicadores. O mercado está sempre atento.
Desde o início do ano lectivo mas sobretudo a partir das férias da Páscoa é frequente há já muito tempo o recurso significativo aos centros de explicações visando a “recuperação” para o terceiro período e, sobretudo, a preparação para os exames.
Face à reversão, como agora se diz, na realização de exames do 1º e 2º ciclo e a reintrodução das provas de aferição ter-se-á verificado já o ano passado um abaixamento da procura deste tipo de apoios mas que ainda assim e apesar das dificuldades das famílias se mantém em alta.
Apesar de nada ter contra a iniciativa privada desde que regulada e com enquadramento legal, várias vezes tenho insistido no sentido de entender como desejável que os apoios e ajudas de que os alunos necessitam fossem encontrados dentro das escolas e agrupamentos. O impacto no sucesso dos alunos minimizaria, certamente, eventuais custos em recursos que, aliás, em alguns casos já existem dentro do sistema.
Esta minha posição radica no entendimento de que a procura “externa” de apoios, legítima por parte das famílias, tem também como efeito o alimentar da desigualdade de oportunidades e da falta de equidade.
Recordo estudos recentes do CNE e da Fundação Francisco Manuel dos Santos que evidenciam algo de muito significativo apesar de bem conhecido e reconhecido, nove em cada dez alunos com insucesso escolar são de famílias pobres.
A ajuda externa ao estudo como ferramenta promotora do sucesso não está ao alcance de todas as famílias pelo que é fundamental que as escolas possam dispor dos dispositivos de apoio suficientes e qualificados para que se possa garantir, tanto quanto possível, a equidade de oportunidades e a protecção dos direitos dos miúdos, de todos os miúdos.
A substituição dos exames pelas provas de aferição não altera esta necessidade imperiosa, antes pelo contrário, torna-a ainda mais pertinente para que se possam corrigir e apoiar ao longo dos vários ciclos as dificuldades de alunos e professores.
O abaixamento verificado na procura que alguma imprensa divulga talvez traduza a menor importância atribuída pelas famílias às provas de aferição e às suas próprias dificuldades económicas.
As necessidades dos alunos poderiam ser atenuadas com o recurso a professores que já estão no quadro ou com contratos sucessivos. Também por estas razões a narrativa dos professores a mais é ... isso mesmo, uma narrativa.
De uma vez por todas, é necessário contenção e combate ao desperdício, mas em educação não há despesa há investimento.

NADA DE NOVO

Nada de novo.
O relatório do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, “Pessoas com Deficiência em Portugal — Indicadores de Direitos Humanos 2017”, ontem divulgado é claro nos constrangimentos que afectam os alunos com necessidades educativas especiais, as pessoas com deficiência e respectivas famílias no seu quotidiano.
Nas escolas continuam a faltar recursos, muitos alunos com necessidades especiais passam demasiado tempo em espaços específicos, os níveis de participação em actividades comuns da comunidade escolar são baixos, etc.
Os apoios especializados assentes num modelo errado, são quase caricaturais no tempo disponibilizado.
Tudo isto se passa em nome da inclusão, evidentemente.
É verdade que quando conhecemos a percentagem de alunos com necessidades educativas especiais que estão a frequentar a escolas regulares a visão é simpática.
A questão é que apesar das muito boas experiências fruto da qualidade e empenho da maioria dos docentes, de ensino regular e especializados, dos directores, dos técnicos, dos auxiliares, dos pais e encarregados de educação, muitos alunos com necessidades educativas especiais não estão “integrados”, estão “entregados”. Em nome da inclusão, é claro.
Como muitas vezes digo, nesta área o sistema é verdadeiramente inclusivo, acomoda toda a diversidade de práticas, desde a excelência ao atropelo dos direitos de alunos e famílias.
De resto e porque o universo das pessoas com deficiência é coerente, o Relatório sublinha continuidade dos níveis muito altos de pobreza e desemprego que as afecta, bem superiores ao que passa com a restante população.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

MICRO-HISTÓRIAS DA ESCOLA, "DO BRINCAR E APRENDER"

À saída do Jardim de Infância e a caminho de casa o Pai pergunta “que aprendeste hoje?”.
O filho, 4 anos e pouco de gente, responde “Nada, a escola é para brincar, não é para aprender”.
Fiquei inquieto, então não explicam ao meu neto que a “escola” tem de ser trabalho e sacrifício, só assim se aprendem as coisas da escola e se é “alguém” num mundo exigente e competitivo?
Que brincar é uma coisa inútil, que consome tempo e recursos não servindo para coisa alguma?
Será que o Simão se está a transformar num romântico ingénuo convertido ao eduquês?
Aqui para nós Simão, que ninguém nos ouve, tens razão, cresce devagarinho, não tenhas pressa. Brinca que aprendes sem te dar conta, como, aliás, ja aprendeste. Já sabes imenso, até me ensinas coisas.
Diverte-te.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

DA RARÍSSIMAS E DE OUTRAS COISAS MENOS RARAS

O caso da Raríssimas é apenas a mais recente e mediatizada face de um universo mais vasto.
O mundo das instituições e entidades que operam no chamado universo social, de apoio e ajuda aos mais vulneráveis em diferentes dimensões, é de grande dimensão e enraizado nas comunidades movimentando muitos milhões de euros.
Operando na área dos apoios e prestando serviços de natureza variada assume uma dimensão de poder ligada à necessidade sentida pelas pessoas, famílias e comunidades que é altamente tentador.
Neste cenário a teia e a escala de interesses envolvidos é vasta. Desde os interesses políticos próprios da partidocracia, do poder central ao poder regional, da gestão dos pequenos poderes locais e o caciquismo, dos projectos de poder pessoal e visibilidade, dos negócios e “oportunidades”, etc., de tudo poderemos encontrar.
Aliás e como muitas vezes refiro, muitas instituições fazem-me recordar o conhecido princípio de Shirky, com frequência as instituições tendem a alimentar os problemas para os quais supostamente são a solução, é a manutenção do seu poder ou mesmo da sobrevivência.
É necessário afirmar que não estou a tomar a árvore pela floresta ou a generalizar abusivamente, seria errado e injusto para a importância social e qualidade do trabalho desenvolvido por muitas instituições.
Estou apenas a dizer que importa regular e escrutinar de forma eficiente este universo. Importa dizer que esta regulação pode e dever ser feita também por entidades fora da administração e com independência reconhecida.
Não é tarefa fácil desde logo por naõ ter a certeza se exista genuíno interesse na promoção dessa regulação escrutínio. Nestas coisas a tradição ainda é o que era,  o centrão entende-se, veja-se o caso ... da Raríssimas.

A SIMPATIA E GENEROSIDADE DE ALGUMAS ESCOLAS

A Imprensa de hoje refere o habitual Relatório anual do Conselho Nacional da Educação, “Estado da Educação 2016”, que ainda não parece disponível no "site" pelo que algumas notas sobre um dos tópicos divulgados pela imprensa e que tem sido matéria sempre presente nos últimos relatórios, a “simpatia” e “generosidade” de algumas escolas que inflacionam as notas dos seus alunos. Dentro do padrão habitual, a maioria das situações ocorre em estabelecimentos privados.
Muitas vezes aqui tenho referido esta questão e vou repetir-me. Sendo certo que entre as escolas “simpáticas”, as que inflacionam as notas, predominam as escolas privadas, é evidente que no caso das escolas em que os alunos obtêm melhores resultados nos exames que nas avaliações internas predominam habitualmente as públicas, ou seja, o “facilitismo” das escolas públicas que alguns apregoam não será assim tão claro.
Também foi divulgado já em 2016 a abertura de alguns inquéritos cujos resultados desconheço
É público que em muitas zonas as escolhas de escola, sobretudo privadas mas também públicas, se decidem também em função deste conhecimento. Deve ser a isto que se chama liberdade da educação.
Aliás, curiosamente, segundo os dados do estudo da Universidade do Porto é justamente nos colégios sem contrato de associação, os que recebem “apenas” os alunos que entendem, que as notas internas são mais “inflacionadas”, por assim dizer. Aliás, uma investigação da Universidade do Porto mostrou como um ou dois valores a mais podem “valer” a entrada na universidade ou no curso que se quer.
Os responsáveis pelas escolas em que o “fenómeno” é mais evidente tentam explicá-lo de formas diferentes e em alguns aspectos até bastante curiosas, projecto pedagógico ou educativo da instituição, entendimento diferenciado sobre o próprio papel da avaliação interna, etc. No mesmo sentido, o Director da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, sempre criativo, apresentou há algum tempo uma justificação em torno de "estratégias pedagógicas" que é uma peça de antologia.
Ainda no domínio do que se passa no âmbito das avaliações internas seria interessante verificar o que acontece, sobretudo em estabelecimentos privados, nas disciplinas não sujeitas a exame nacional.
No entanto, do meu ponto de vista, afirmo-o de há muito, a questão central radica numa questão central, a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam também as outras modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do ensino artístico especializado ou recorrente em que também se verificam algumas "especificidades", por assim dizer.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela.
A situação existente, não permite qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos, o que até torna estranha a passividade aparente por parte das universidades e politécnicos, instituições sempre tão ciosas da sua autonomia. Parece-me claro que o ensino superior fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção de quem o frequenta não está interessado na dimensão logística e processual envolvida.
Os resultados escolares do ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do facto da média de conclusão do ensino secundário ser o único critério utilizado para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas inflacionadas em diversas circunstâncias.
Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior corremos o risco de lidar com situações desta natureza embora a transparência as possa minimizar.
Será que se chegará a algum entendimento sobre esta questão?

PS - Agora o Relatório já está disponível

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

INCLUSÃO E ENSINO SUPERIOR

Como o João Adelino Santos já assinalou no Incluso, foi publicado o Despacho n.º 10734/2017 que cria o Grupo de Trabalho para as Necessidades Especiais na Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (GT-NECTES).
(…)
(…)
De facto, a presença e as questões levantadas pela frequência de ensino superior por alunos com necessidades especiais não têm merecido a visibilidade e reflexão que justificam, a sua ”voz” é baixa pelo que pode ser útil o passo agora dado. Algumas notas repescados de textos anteriores sobre esta questão.
A percentagem de alunos com necessidades especiais relativamente aos alunos que frequentavam o ensino superior em 2013/2014 era de 0.36% o que talvez ajude a perceber a falta de “voz” para os seus problemas. No ano lectivo anterior foram preenchidas apenas 14% das vagas do contingente especial para alunos com deficiência. Este ano lectivo e pela primeira vez desde 2009 na primeira fase de candidatura ao ensino superior a procura é maior que a oferta o que é bom, a qualificação é um bem de primeira necessidade, para TODOS.
Se a estes dados acrescentarmos que a taxa de desemprego na população com deficiência é estimada em 70-75% e que o risco de pobreza é 25% superior à população sem deficiência e que Portugal se orgulha de ter perto de 98% dos alunos com necessidades especiais a frequentar as escolas de ensino regular no período de escolaridade obrigatória, temos um cenário que nos deve merecer a maior atenção.
Como tantas vezes tenho dito, aqui e nos espaços e contextos da lida profissional, a questão da presença dos alunos começa no que é feito no ensino básico e secundário.
Por outro lado é fundamental que com clareza, sem ambiguidades ou equívocos se entenda que após a escolaridade obrigatória os jovens, TODOS os jovens, têm três vias disponíveis formação profissional, formação escolar (ensino superior) ou mercado de trabalho (trabalho na comunidade, incluindo a economia social).
A realidade mostra que os jovens com necessidades especiais estão significativamente arredados destas vias e, voltamos ao mesmo, em muitas circunstâncias ao abrigo de práticas e modelos de resposta sob a capa da … inclusão. Muitos deles ficam entregados (não integrados) às famílias, o que alguém já designou como Ministério Casa ou encaminham-se para instituições onde, apesar de algumas experiências interessantes, se recicla a exclusão. As pessoas com NEE de diferente natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão. As instituições ou voltar para a família serão sempre um recurso e nunca uma via.
De novo, a inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com NEE de diferente natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão.
É também claro que no âmbito do ensino superior importa que se proceda a ajustamentos de natureza diversa, atitudes, representações expectativas, oferta formativa, custos, acessibilidades, e cursos e apoios ou, como disse, promover melhor articulação com o ensino secundário
Dados de 2014 mostram que 94 de 291 instituições do ensino superior afirmaram a existência de serviços de apoio para alunos com deficiência. Actualmente a esmagadora maioria dos estabelecimentos, públicos e privados afirma disponibilizar esses serviços.
No entanto, para além de aspectos mais evidentes como a acessibilidade, creio que o apoio pedagógico e a utilização de dispositivos diferenciados nos materiais de apoio das unidades curriculares, da diferenciação nos processos de avaliação ou o recurso às tecnologias, não serão os grandes obstáculos. Tenho alguma experiência de docência no superior com alunos com necessidades especiais e não sinto que sejam estas as questões centrais.
Também não creio que a questão central seja a existência obrigatória de “serviços de apoio” a alunos com deficiência embora tal possa depender da dimensão da instituição. Do meu ponto de vista, procurar responder da forma a adequada às necessidades de TODOS os seus alunos é a essência do trabalho de qualquer instituição educativa e de qualquer docente, com maior ou menor dificuldade.
A questão mais importante decorrerá, creio, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante comunidade, incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário e de "educação especial" técnicos, os alunos com necessidades especiais e famílias
Também é minha convicção de que as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que manterão as capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela existe. Estou a referir-me, evidentemente, aos alunos que não têm “diagnóstico” de problemas de natureza cognitiva.
No entanto, como disse, esta preocupação deveria ser mais alargada, estamos a falar de inclusão e agora, se quiserem, da minha utopia.
Porque não podem frequentar estabelecimentos de ensino superior? Sim, frequentar o ensino superior onde estão jovens da sua idade e em que a oferta formativa se for repensada e a experiência de vida proporcionada podem ser importantes.
Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens mas também por cá mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.
A legislação, espera-se é uma ferramenta útil mas não resolve tudo.