Li no Expresso que a ministra da Juventude e Modernização informou que o Governo decidiu criar um Grupo de Trabalho para combater o bullying escolar. O Grupo apresentará os primeiros resultados(?!) em Dezembro.
Confesso que tenho muita pouca
esperança nos resultados dos Grupos de Trabalho. Como é habitual constituem-se
Grupos de Trabalho basicamente por duas razões, por tudo e por nada. A questão
é o que, de facto, pouco acontece ou muda após os “resultados” do Grupo de
Trabalho. Nas mais das vezes surgem mais alguns dados que não acrescem ao que
já se sabe, aparecem algumas ideias ou boas intenções que, quase sempre, não
passam disso mesmo e poucas mudanças nas áreas que são objecto do trabalho do
Grupo de Trabalho.
No entanto, pode ser que este
Grupo de Trabalho seja uma mais-valia face ao contexto actual em que o bullying
é fonte de sofrimento e mal-estar para muitas crianças, adolescentes e jovens.
A ver vamos.
Relativamente ao fenómeno do
bullying e em particular do cyberbullying, não há muito de novo a dizer, continua
a ser fonte de sofrimento para muitas crianças e jovens e, naturalmente, uma
fonte de preocupação para famílias, professores e técnicos. No ano lectivo
22/23 a GNR registou 140 crimes de bullying e cyberbullying no ano lectivo
22/23. No entanto, esta será apenas uma parte pequena do volume de episódios,
muitos dos quais sem divulgação.
Importa insistir nesta questão e
retomo algumas notas.
Um relatório da Agência dos
Direitos Fundamentais da União Europeia divulgado em Maio afirmava que cerca de
66% dos alunos portugueses da comunidade LGBTIQ sofreram bullying ou foram
humilhados na escola.
Um trabalho que aqui referi,
“Global estimates of violence against children with disabilities: an updated
systematic review and meta-analysis”, divulgado em 2022 na The Lancet Child & Adolescent
Health, mostrou com indicadores alarmantes, mas, lamentavelmente, não
surpreendentes. Cerca de uma em cada três crianças ou adolescentes com
deficiência é vítima de algum tipo de violência, física, emocional, sexual ou
negligência. No caso mais particular do bullying verifica-se um significativo
nível de vitimização, cerca de 40% das crianças com deficiência terá sido alvo
deste tipo de comportamento. O bullying presencial, violência física, verbal ou
social como bater, pontapear, insultar, ameaçar ou excluir é mais comum, 37%,
do que o cyberbullying (23%).
O estudo recorreu a dados
relativos a mais de 16 milhões de crianças de 25 países, recorrendo ao
tratamento de 98 estudos, realizados entre 1990 e 2020, de que 75 respeitam a
países de mais elevados rendimentos e 23 relativos a sete países de baixo ou médio
rendimento.
Os dados conhecidos no que
respeita ao bullying e considerando que não correspondem ao universo de
ocorrências, mostram a necessidade de uma séria reflexão e intervenção nos
contextos educativos que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das
relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência emocional, etc.
O cyberbullying parece ser
actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying
presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana,
pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s)
agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento
infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e
inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a
um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro
trabalho citado acima e que merece leitura.
Também por estas razões é
fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.
Em termos globais e como já
referi, a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos
que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes
formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias
a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais
se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores,
técnicos ou funcionários.
Este cenário determinaria, só por
si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem
minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.
Neste contexto e dada a gravidade
e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes
dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem
sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade,
nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.
Neste universo e mais uma vez
importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais
conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta
intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais
de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com
alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por
castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam
por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição,
quando for caso disso.
Esta utilização mostra a
necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais
para que pais, professores e alunos possam obter informação e suporte.
Entretanto estão criados vários portais e estão disponíveis alguns canais de
denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores,
técnicos e, naturalmente, alunos.
Lamentavelmente, parte importante
das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra
a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das
insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre
esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.
A existência de dispositivos de
apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes,
designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de
supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o
argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não
fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre
mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes
evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar e sofrimento a que, por vezes,
não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.
Estes sinais não devem ser
ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.
Esperemos que o Grupo de Trabalho
seja ponto de partida num caminho adequado, minimizar o risco de sofrimento
para muitas crianças, adolescentes e jovens.
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