terça-feira, 31 de agosto de 2021

DA OFERTA NO ENSINO SECUNDÁRIO

 O ensino secundário integra na oferta formativa quatro cursos científico-humanísticos, Ciências e Tecnologias, Línguas e Humanidades, Ciências Socioeconómicas e Artes Visuais.

De acordo com a imprensa de hoje apenas 214 das 594 escolas públicas e privadas disponibilizam os quatro cursos. Só em 45.7% dos concelhos (127) existe essa oferta, em 49 existem dois cursos e em 8 concelhos apenas 1 sendo que 33 concelhos não têm ensino secundário.

O inverno demográfico não explica por si só este cenário preocupante.

A extensão da escolaridade obrigatória fez, obviamente, aumentar a população que frequenta o secundário. No entanto, políticas públicas, incluindo na educação, promoveram a desertificação do interior e desencadearam movimentos de encerramento de escolas que, tal como acontece com outras áreas, trabalho, serviços ou saúde, são polos de fixação ou atracção de populações, ou seja, a sua inexistência é mais uma justificação para as famílias, não incluam filhos nos seus projectos de vida, abandonem essas áreas ou não se sintam atraídas para nelas se instalar.

Neste contexto parecem-me desadequadas as afirmações de um responsável da Direcção da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas ao Observador, “Não há oferta porque não há procura”.

Vejamos um exemplo muitas vezes referido, sabemos que procura por bibliotecas ou espaços culturais é potenciada pela sua existência, não pela sua ausência. Dito de outra maneira, criar leitores ou consumidores de bens de cultura passa por criar oferta e não por aguardar uma procura que sustente a disponibilidade da oferta.

No caso da oferta do secundário, admito que em situações muito particulares possa não chegar na sua globalidade a todos os concelhos (com a configuração actual) o que exigirá apoios ajustados a deslocação e estadia de adolescentes e jovens da sua zona de conforto familiar e de residência, sempre, recordo, em situações de excepção.

Por outro lado, parece-me imprescindível que se repensem os critérios relativos ao efectivo de mínimo exigido para abertura de turmas e fazer um esforço para alargamento da oferta.

A sua inexistência pode implicar a desistência do prosseguimento de estudos ou, eventualmente, uma segunda escolha o que em qualquer das situações compromete a construção de projectos de vida pessoal mais sólidos, por maior qualificação e na área que se pretende e fomenta o abandono das famílias criando uma dificilmente ultrapassável circunstância, não procuram porque não há e não há porque não procuram.

Mais uma vez, as políticas públicas exigem opções, os recursos são finitos, mas com regulação e competência, sem desperdício, também sabemos que, simplificando, em educação não há despesa, há investimento.

domingo, 29 de agosto de 2021

TEMPO DOS PÉS DE BURRO

 A vida por aqui no monte envolve um conjunto de rotinas ao longo ao ano. No final de Agosto e início de Setembro é altura da limpeza dos “pés de burros” das oliveiras, os rebentos que surgem na base do troco e à Sua volta. Com enxada ou sacho forte e tesoura de podar o trabalho faz-se.

As oliveiras que considero as árvores mais bonitas do nosso património ficam ainda mais bonitas quando limpas e tem a vantagem de ser mais fácil estender os panos para colher a azeitona lá mais para a frente.

Começámos este fim-de-semana a tarefa e tivemos sorte, apesar da ausência do Mestre Zé Marrafa a recuperar de um incómodo de saúde, a equipa de trabalho estava reforçada.

O Valter e eu, a espaços que as costas já não são o que eram, no corte dos “pés de burro”, o Simão a carregá-los com a minha ajuda para a caixa do tractor e o Tomás dentro da caixa a aproveitar o peso dos seus cinco anos para que caibam mais. Depois juntamos todo o material cortado, é triturado e no final do Inverno temos um excelente composto para melhorar a terra

Como dizia o Simão, temos uma bela equipa. É verdade Simão, é excelente.

Espero que o envolvimento do Simão e do Tomás nesta lida não seja visto como um caso de aproveitamento de mão-de-obra infantil.

Na verdade, até acho que os trabalhos realizados com a ajuda dos netos aqui no Monte, regar, colher fruta e produtos da horta ou abrir covas para plantar couves ou semear pepinos e curgetes por exemplo, são aprendizagens essenciais, para recorrer a um termo em agenda. Acresce que gostam e divertem-se o que também é importante.

Para esta tarde, apesar de um tempo mais fresco que anuncia Setembro ficam mais uns mergulhos no tanque de rega.

E são, também assim, os dias do Alentejo. Sorte de quem os vive.

sábado, 28 de agosto de 2021

AO VIVO

 Em entrevista ao DN, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior afirmou ter solicitado às instituições de ensino superior que as aulas do próximo ano lectivo funcionem em regime presencial para todos os alunos.

Os recursos digitais são excelentes ferramentas inscritas num quadro de ensino presencial ou no âmbito de projectos de ensino a distância em contextos e modelos específicos e para ofertas formativas também diferenciadas.

Como é óbvio, também sei que o ser presencial não garante, só por si, qualidade no ensino e na aprendizagem. A qualidade nos processos educativos é uma matéria complexa e associada a múltiplas variáveis.

No ano lectivo passado, quando se iniciou o segundo semestre eu sabia que, em termos formais, o meu último semestre de aulas. Também já tinha decidido e acordado com as autoridades académicas não parar completamente, as aulas fazem-me falta.

A verdade é que poucos dias depois pararam as aulas presenciais e acho que, talvez em Junho, tenha ainda realizado uma conversa com alunos lá onde tudo acontece, isso mesmo, na sala de aula.

Espero que as condições permitam o efectivo regresso ao ensino presencial o que me permitirá continuar por mais algum tempo e não levar como memória os alunos fechados num ecrã.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

DO ENGRAÇADISMO

Retomo um tópico que já por aqui tenho abordado. É sempre difícil ser juiz em causa própria, no entanto, atrevo-me a dizer que me considero um tipo com algum sentido de humor e que gosta de se rir, com e de.

Mas se existe algo que me abespinha mesmo é a onda de “engraçadismo” que invade a comunicação social para não falar das redes sociais em que é uma praga irritante, por vezes de fontes imprevisíveis. O humor é uma coisa, o “engraçadismo” é outra coisa bem diferente e profundamente irritante. O humor é uma ferramenta de protecção da saúde mental, o engraçadismo é um produto tóxico.

Para quem conhece o ambiente das salas de aula dos diferentes anos de escolaridade ou no superior é um clássico, o miúdo esperto que adora lançar piadas sem piada, fazer cenas bué d’engraçadas apenas para chatear o "setôr", para se rir muito de si mesmo e, sobretudo, para que o seu grupo de apoiantes se ria e o ache "mesmo fixe", mesmo esperto.

Também em casa conhecemos o mesmo estilo, “armar” em engraçado sem graça.

Mas o que me tira mesmo do sério são os adultos que cultivam o “engraçadismo” convencidos do seu enorme humor e, para mim estranhamente, com adeptos. Esta síndroma afecta até gente com todos os graus de qualificação e em múltiplas áreas e dirigido até ao que de engraçado tem … nada.

Talvez esteja mesmo a ficar velho e com a paciência guardada para o imprescindível, mas nos putos entendo e tolero, faz parte do crescimento, nos adultos irrita, é muito umbiguismo para o meu gosto.

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

OUTRA HISTÓRIA DE FÉRIAS

 Neste tempo de férias uma história com férias, duas férias.

No último dia de aulas, a Ana foi à biblioteca da escola entregar um livro. Quando estava para sair, o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, disse-lhe adeus e desejou-lhe boas férias. A Ana riu-se.

Vão ser boas Velho, vou ter duas férias.

Duas férias, Ana? Como é isso?

Primeiro, vou de férias com a minha mãe, com o amigo dela, o João, e com o Manel que é filho do João. Depois, vou de férias com o meu pai, a amiga dele, a Sara, e com o Tito que é o filho da Sara.

Estás contente?

Claro. Eles são todos fixes e a gente farta-se de brincar. Brinco mais do que brincava quando vivia com o pai e a mãe. Eles estavam sempre um bocado chateados e a gente não brincava muito. Já viste, Velho? Tinha uma família chata e agora tenho duas famílias mesmo fixes.

Sorte a tua, Ana, boas férias.

O Professor Velho tem razão, as crianças são bem capazes de lidar com duas famílias se os adultos ajudarem. Tantas vezes afirmo que é preferível uma boa separação a uma má família com pais casados por fora e descasados por dentro. Esta situação não passa despercebida às crianças e nem sempre têm ferramentas para lidar com ela.

Boas férias.

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

PARTIU CHARLIE WATTS

 Iria acontecer um dia. Partiu Charlie Watts um dos Rolling Stones cuja música faz parte da banda sonora da minha vida até hoje . São muitos anos de partilha.

Charlie Watts terá sido o mais tranquilo dos Rolling Stones, mas marcou a sua batida, uma batida inconfundível que com a voz de Mick Jagger perdurará.

Fica uma das mais icónicas músicas, "(I can’t get no) Satisfaction", um bom exemplo da batida dos Stones pelas mãos e pés de Charlie Watts num registo de 1965.



terça-feira, 24 de agosto de 2021

UM SONHO OLÍMPICO

 Hoje iniciam-se em Tóquio os Jogos Paralímpicos, a competição olímpica para pessoas com deficiência, como sabem a competição olímpica para pessoas, por assim dizer … normais, chamam-se Jogos Olímpicos. Portugal estará representado por 33 atletas e, certamente por razões de espaço, em nenhuma primeira página de hoje dos jornais desportivos nacionais, perdão jornais futebolísticos nacionais, está referenciado o evento.

É também por razões como esta que insisto numa das minhas utopias, um dia teremos apenas Jogos Olímpicos. Todas as provas, de todos os desportistas, se realizarão no mesmo espaço de tempo e nos mesmos espaços físicos de acordo, evidentemente, com as exigências específicas.

Não me parece impossível em termos de organização e assim como tenho dificuldade em aceitar que uma piscina pública seja frequentada muitas vezes por um grupo de pessoas com deficiência em “horário próprio” com "pistas reservadas", também acho que as pessoas, todas as pessoas, podem competir num mesmo evento nas respectivas provas.

Lembro-me sempre da afirmação de Biesta, a história da inclusão é a história da democracia e, do meu ponto de vista, também passa por aqui.

Só depende de nós.

Sim, eu sei, é um sonho olímpico. Será, mas não é seguramente paralímpico.

domingo, 22 de agosto de 2021

VIDAS ADIADAS

 No DN encontra-se um trabalho elucidativo sobre os efeitos do modelo de colocação de professores. São testemunhos de professores, pessoas, já com muitos anos de serviço, que percorrem o país procurando alguma estabilidade profissional.

Esta instabilidade é vivida com custos severos do ponto de vista económico, muitos docentes mantêm duas residências, familiares, separação forçada de filhos e cônjuges e até, do meu ponto de vista, emocional com potenciais riscos no bem-estar e desempenho profissional.

Este cenário releva, obviamente, de medidas de política educativa com erros de décadas e outros mais actuais. Por outro lado, o modelo de gestão da colocação de professores carece de óbvia alteração, designadamente, caminhando numa perspectiva de regionalização e localização que acompanhe a necessária e regulada autonomia das escolas e promova estabilidade.

Muitos professores, alguns com muitos anos de experiência, vivem vidas adiadas, sem estabilidade, mantendo a dependência familiar ou adiando a vida familiar própria.

Parece também adiada a esperança e a confiança num futuro melhor.

sábado, 21 de agosto de 2021

DO DESEMPENHO ESCOLAR DOS ALUNOS, OUTRA VEZ

 Parece destino. Sempre que são conhecidos indicadores de desempenho dos alunos portugueses no âmbito da escolaridade obrigatória ficamos de novo a saber que, genericamente, os níveis de sucesso têm vindo a aumentar ainda que com algumas oscilações, que a retenção não tem impacto significativo na melhoria do desempenho, que os alunos com famílias de mais baixo estatuto social e económico são os que apresentam piores resultados ou que a Matemática é a disciplina em que os alunos expressam mais dificuldade. Nada de novo, lamentavelmente.

Também nada de novo em muitos comentários produzidos sobre esta questões designadamente, no que respeita à retenção, mas já lá iremos, pela enésima vez.

Em 2018 o CNE divulgou o Relatório “Estado da Educação, 2017” onde já constavam indicadores de 2016/2017 analisados em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos no âmbito do Projecto aQeduto incluindo numa vertente económica. Em termos económicos e recorrendo aos estudos já desenvolvidos o impacto económico da retenção é estimado em cerca de 6000€ por aluno em cada ano.

Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identificou o grau de eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.

Estes dados são importantes, mas a sua substância não é nova como se continua a constatar.

Recordo que no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE em 2017 se evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.

De facto, definitivamente, não adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram.

Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários às notícias sobre estas questões é elucidativa.

Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

Este discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção, só por si, resolve o problema do insucesso.

Difícil, mas essencial será promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPC e explicações, dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico. É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes modelos curriculares e carga lectiva finalizando sempre com algum tipo formação profissional. Esta diferenciação não deve acontecer em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".

A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.

É o que ainda não consguimos fazer acontecer de forma consistente e sustentada em Portugal.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

DA PERCEPÇÃO SOCIAL DE AUTORIDADE

 O tempo de férias sugere a abordagem de matérias leves compatíveis com o lazer. A questão é que os tempos vão de chumbo por diversas razões e nem a “silly season” é o que era. Desculpem, portanto, estas notas sobre uma questão que não tem nada de leve.

Continuam a surgir com regularidade referências a agressões a profissionais de saúde. Na imprensa de hoje refere-se mais um caso, agora no Hospital Beatriz Ângelo.

Na verdade, os indicadores, neste âmbito são preocupantes. Considerando a pré-pandemia no primeiro trimestre de 2020 foram registadas cerca de 500 agressões, de diferente natureza incluindo física, nos serviços de saúde públicos e privados. Trata-se de um valor semelhante ao que se registou em 2017 e metade do número de casos registados na totalidade de 2019.

Estes níveis de ocorrência são ainda mais preocupantes se considerarmos a frequência com outras classes, professores e agentes de autoridade, por exemplo, são também alvo de comportamentos agressivos com tipologia variada e alguns de significativa gravidade.

As dificuldades genéricas das pessoas, os contextos funcionais e a qualidade percebida ou sentida na resposta dos serviços estarão associadas aos comportamentos. No entanto, sem minimizar estas variáveis, designadamente no que respeita aos serviços de saúde, parece-me também pertinente reflectir numa outra perspectiva, a auto-regulação dos comportamentos individuais.

Na análise a esta questão e de uma forma necessariamente breve, creio que vale a pena considerar dois aspectos que julgo essenciais, a mudança na percepção social de autoridade e de traços de autoridade e o sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a estes fenómenos.

Uma observação minimamente atenta às mudanças sociais, culturais e económicas nas últimas décadas, permite, creio, constatar como tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade.

Entre outras profissões, os médicos e enfermeiros, mas também professores, agentes de autoridade ou magistrados, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição profissional, como fontes de autoridade, como também os velhos, curiosamente. Tal processo alterou-se, a profissão ou a idade já não conferem “autoridade” que regule a relação e iniba a utilização de comportamentos de agressão. Dito de outra maneira, a identificação como médico ou enfermeiro, através da "bata", polícia com a "farda" ou professor com o "peso social" da função e da escola, ou os “cabelos brancos” da idade, já não são, por si sós, reguladores dos comportamentos. Estas mudanças implicam uma reflexão profunda, pois sendo um fenómeno ainda "novo", não poderemos recorrer unicamente às soluções "velhas".

Quero sublinhar que este entendimento não tem rigorosamente a ver com a ideia do "respeitinho" ou do medo e muito menos com dar cobertura a "autoritarismo" e abusos de poder de quem quer que seja sobre quem quer que seja.

O segundo aspecto que me parece de considerar remete para um ambíguo e abrangente sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a "grandes", o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, parece importante um trabalho no âmbito da formação cívica no sistema educativo, dispositivos e recursos de apoio e na formação de profissionais para a gestão e prevenção de situações de conflito, bem como um discurso político e social consistente de valorização da autoridade, não do autoritarismo.

Também por razões desta natureza e dado o clima de agressividade e crispação demasiado presente nas relações interpessoais, presenciais ou virtuais, me parece perfeitamente justificada a existência de uma abordagem escolar para todos os alunos e de acordo com a idade de questões relativas a cidadania e desenvolvimento.

Sabemos, que contrariamente ao “autoritarismo”, a autoridade não é atribuída ou devolvida por decreto. A autoridade assenta em competência, valorização, respeito, maturidade cívica, solidez ética, etc.

Por outro lado, finalmente, é ainda fundamental que se agilizem e sejam divulgados processos de punição e responsabilização séria dos casos verificados o que contribuirá para combater a percepção de impunidade.

Como em múltiplas áreas do nosso funcionamento em comunidade e do desenvolvimento pessoal, pela educação é que vamos.

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

CALL CENTER

 

- Sim, boa tarde, precisava de … está certo.

- Sim, boa tarde, era para … sim, eu aguardo.

- Sim, boa tarde, seria possível que … certo, eu espero.

- Sim, boa tarde, os seus colegas com quem já falei sugeriram-me que … outra vez?

- Sim, boa tarde, antes de passar a chamada eu queria … mas tem de ser assim?

- Sim, boa tarde, liguei no sentido de … mas ainda não é consigo?

- Sim, boa tarde, depois de várias tentativas acho que finalmente posso … com quem?

- Sim, boa tarde, estou há já algum tempo a tentar solicitar que … mas creio que com esse já falei.

- Sim, boa tarde, agradecia que … de novo?

- Sim, boa tarde, eu apenas desejava … muitíssimo obrigado.

(finalmente uma informação objectiva, estou em lista de espera)



quarta-feira, 18 de agosto de 2021

EU COMO O QUE QUERO, OU NÃO?

 Foi publicada ontem regulamentação relativa aos produtos alimentares a consumir nas escolas, bufetes e máquinas a partir do próximo ano lectivo,

A lista de produtos que deixam de estar disponíveis é extensa e inclui, como seria previsível, alguns dos alimentos de maior consumo entre os mais novos e não só.

A regulamentação de matérias que impliquem comportamentos no âmbito dos estilos de vida, consumo de álcool e tabaco são bons exemplos, despertam sempre alguma reactividade e alguns discursos que referem o excesso de intromissão em áreas que consideram do foro das liberdades individuais.

Entendo os discursos, mas compreendo e aceito que comportamentos que se transformam em sérios problemas de saúde pública possam ser objecto de regulação sem ferir os direitos e liberdades individuais. Creio no entanto, que nesta como noutras matérias também é dispensável algum fundamentalismo beatificante.

E a verdade é que apesar de alguma melhoria que se vinha a verificar a obesidade infantil é um problema sério em Portugal a que se junta o sedentarismo.  Também creio que os últimos tempos terão tido efeitos negativos nesta matéria.

Neste cenário parece-me adequado que nas políticas públicas se incluam a promoção de hábitos alimentares mais saudáveis apesar das reacções que possam suscitar ainda que, como disse acima com regulação e sem fundamentalismos.

Se todas as políticas públicas têm este efeito, promoção de bem-estar, bom, isso é uma outra questão.

terça-feira, 17 de agosto de 2021

DO BEM-ESTAR DOS MAIS NOVOS

 Ainda há poucos dias a propósito da divulgação de um trabalho da Universidade de Calgary, no Canadá sobre o impacto da pandemia no bem-estar e saúde mental dos mais novos abordei esta questão. Ontem, no Público estava uma peça sobre a mesma matéria que dada a sua relevância retomo.

No período de Março a Maio deste ano os episódios de urgência de pedopsiquiatria no Centro Hospitalar Universitário do Porto aumentaram 95% face ao mesmo período em 2019. Em Lisboa, no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, as listas de espera para uma consulta de pedopsiquiatria aumentaram para dois meses na primeira infância e para entre quatro a cinco meses na adolescência.

Também neste Hospital e como há dias referi, o número de crianças e jovens que tiveram contacto com a pedopsiquiatra através de serviço de urgência aumentou quase 50% no início de 2021 face ao mesmo período do ano passado.

Têm sido múltiplos os estudos que referem esta questão, a deterioração da saúde mental de crianças e jovens, mas também de adultos, no quadro da pandemia. O confinamento que se associou a isolamento e falta de rede social, as dificuldades de diversa ordem sentidas nos contextos familiares terão dado um contributo significativo.

Deste quadro resulta a necessidade de atenção à saúde mental, normalmente um parente pobre das políticas públicas de saúde.

O impacto da pandemia nas aprendizagens tem sido muito referido, por vezes até de forma que me parece excessiva, e está a ser objecto de uma intervenção específica, Plano 21/23 Escola + que iremos acompanhando. Para além disso, seria importante que a esta recuperação no plano das aprendizagens estivesse associada a uma forte preocupação com o bem-estar e saúde mental de crianças e jovens e com necessidade de respostas oportunas. Por outro lado, em qualquer das questões devem evitar-se discursos catastrofistas que assustam e podem deixar os pais, crianças e adolescentes numa situação ainda mais fragilizada. Importa sim a atenção aos sinais de mal-estar que que crianças e jovens podem evidenciar e que nem sempre “não são significativos”, “são coisas da idade” ou “passam com o tempo”

Retomando o que já escrevi, crianças e jovens que passam mal, não aprendem, vivem pior e correm riscos sérios de comprometer o futuro pelo que os apoios e respostas não podem, não devem, falhar.

Como o povo diz, é de pequenino que se torce o … destino.

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

BOAS NOTÍCIAS

 Num tempo em que as boas notícias parecem escassas merecem registo duas referências positivas na mesma área, a qualificação e desenvolvimento pessoal.

Na primeira semana de candidatura ao ensino superior registaram-se mais de 37 000 estudantes procederam à candidatura. Trata-se de um número 50% acima para igual período de candidatura entes da pandemia. Se se confirmar este ritmo um número bastante significativo de alunos no ensino superior no próximo ano lectivo.

A segunda notícia, do mesmo universo da anterior, refere que, de acordo com o INE e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, a taxa de escolarização com o ensino superior na população entre os e os 34 anos voltou a aumentar no 2º trimestre de 2021 para mais de 45% mantendo-se acima da meta europeia estabelecida.

São de facto duas boas notícias que se articulam.

O patamar de desenvolvimento das sociedades actuais exige dos cidadãos níveis de qualificação que promovam e alimentem esse desenvolvimento. Paralelamente, também só a qualificação sustenta a construção de projectos de vida individuais com potencial de sucesso, desenvolvimento pessoal e bem-estar.

Como tantas vezes escrevo e afirmo, a qualificação é um bem de primeira necessidade.

domingo, 15 de agosto de 2021

SER PEQUENO

 Dado o inexorável movimento dos dias cumpro hoje mais um marco de uma estrada que já vai ficando longa. Na minha terra era costume, creio que ainda é muito frequente em Portugal, referir que quando se celebra um aniversário, se é "pequeno". Assim sendo, hoje sou "pequeno", coisa que não é nada fácil imaginar e muito menos conseguir.

Embalado por essa ideia lembrei-me de quando era mesmo pequeno, tentação que parece inevitável cada vez que ficamos mais velhos.

Lembrei-me de como brincava, ao que brincava e com quem brincava, quase sempre na rua.

Depois lembrei-me de como brincava com o meu filho, quando ele era pequeno, grandes viagens em grandes brincadeiras.

Agora brinco com os meus netos, são eles os pequenos. Muito a gente se diverte. E havemos de nos divertir ainda mais a brincar. Palavra de avô.

A este propósito e com já vos tenho dito e, certamente, alguns estranharão, acho que por estes dias os miúdos brincam pouco.

Eu sei que os tempos são diferentes e os estilos de vida mudaram significativamente. No entanto, não me parece que sejam razões suficientes. A questão é, creio, de outra natureza.

As brincadeiras já não brincadeiras, passaram a chamar-se actividades. E os miúdos têm muito pouco tempo para brincar, é quase todo destinado a actividades, muitas actividades, que, dizem, são fantásticas, fazem bem a tudo e mais alguma coisa, promovem competências extraordinárias e é preciso ser excelente.

Deixem os miúdos brincar, faz-lhes bem, é mesmo a coisa mais séria que fazem e, como sabem, é importante lidar desde pequeno com coisas sérias.

Aqui no Alentejo está um tempo muito áspero de calor. É verdade que a presença dos netos é sempre refrescante o que ajuda a que se brinque e hoje como sou pequeno ainda nos entendemos melhor.

O tanque de rega alimentado por uma nascente que, felizmente, este ano corre farta permite brincadeiras mais frescas.

E assim se vai escrevendo a narrativa de um homem de sorte, eu.


sábado, 14 de agosto de 2021

ANDAR DE BICICLETA

 Apesar de entender a pertinência da iniciativa não deixo de achar alguma estranheza na ideia de ser a escola a ensinar a andar de bicicleta.

Como sempre, alguma competência que é julgada útil vai engordar o trabalho da escola restando saber até quando a escola aguentará o contínuo aumento de solicitações.

Na imprensa é referido que o Governo investirá três milhões de euros em bicicletas para que alunos do 2 ciclo, sim, do 2º ciclo, possam aprender a andar de bicicleta fomentando a actividade lúdica ou desportiva e a mobilidade sustentável.

É verdade que os estilos de vida e rotinas diárias se alteraram, as crianças tendem a desenvolver outro tipo de actividades pelo que várias escolas e agrupamentos ou autarquias têm desenvolvido iniciativas no mesmo sentido.

Recordo que a Câmara de Torres Vedras desenvolveu uma iniciativa, “Mini-Agostinhas”, que envolvendo numa 1ª fase alunos do 1º e 2º ano de três escolas fomentou a aprendizagem do andar de bicicleta. Como afirmava um professor envolvido, muitas crianças acedem primeiro ao “tablet” que à bicicleta.

Recupero ainda o que escrevi há algum tempo a propósito de uma iniciativa semelhante numa escola básica de Lisboa na qual, também de acordo um dos responsáveis, numa turma de 4º com 25 a alunos, 80% não sabia andar de “bina”.

A experiência de andar de bicicleta está de facto ausente da vida de muitas crianças. Por questões da segurança, a alteração da percepção de valores, equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos e, sobretudo, a mudança nos estilos de vida, o brincar e, sobretudo, o brincar na rua começa a ser raro.

Embora consciente de variáveis como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos ao circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos as comunidades. Seria muito bom que as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.

Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.

Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

A notícia e as notas, que alinhei fizeram-me também recordar com imensa ternura e nostalgia a minha bicicleta de adolescente, lá muito para trás no tempo numa estória que já por aqui passou.

Tive a sorte de ter uma bicicleta desde gaiato pequeno, oferta de tios generosos, por isso sempre me habituei a bicicletas até porque foi o veículo de transporte familiar até à adolescência, altura em que o orçamento lá de casa possibilitou a aquisição de uma motorizada para a família e na qual todos nos revíamos embevecidos.É certo que continuávamos em duas rodas, mas sempre tinha motor.

Já mais crescido, a economia familiar tinha limites apertados e não chegava para uma bicicleta nova de roda 28 pelo que desenvolvi um empreendedor plano. Recolhia cobre de fios velhos de instalações eléctricas e latão, sobretudo dos casquilhos das lâmpadas, que trocava no ferro-velho do Gato Bravo por peças para a minha bicicleta. O quadro, as rodas, selim, o guiador, os travões, o dispositivo de iluminação com o dínamo na roda e a minha bicicleta foi crescendo, linda, através do que se poderia designar por um modelo pioneiro de “assembling”, com a ajuda sabedora e companheira do meu pai, um conhecedor de bicicletas e, sobretudo, um especialista em gente miúda. Não vos posso dizer a cor da minha bicicleta porque teve várias, era uma bicicleta personalizada.

De vez em quando, conseguia outro guiador, outro selim e a minha amada e invejada bicicleta sofria um “restyling”, até mudanças ganhou. Grandes voltas percorremos nós, quase sempre com o Zé Padiola, tantas idas à Costa da Caparica e à Fonte da Telha, sempre por estradas que há quarenta anos ainda nos permitiam andar de bicicleta sem os riscos actuais.

É verdade que eu e ela também testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta.

Era uma diversão a sério. Que saudades da minha bicicleta.

Ainda agora, ainda que não tanto quanto queria, ando de bicicleta sempre com gozo, tal como o fazem os meus netos.

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

OS DIAS QUENTES DO ALENTEJO

 Chegaram os dias de calor áspero ao Alentejo. Já começaram os alertas e mesmo com uma agenda tão carregada de inquietações vão surgir as inevitáveis e patéticas reportagens sobre o modo como os alentejanos lidam com o calor, tal como surgem nos dias de frio com o pessoal de Trás-os-Montes.

No fim da manhã comentava com o Mestre Zé Marrafa como ele me é pesado quando chega.

O Velho Marrafa lá me disse, acho que para me agradar, que achava que embora estivesse calor, o problema é mais à noite quando ao fim de muitos dias de calor, de calma, as casas já não arrefecem. De dia anda-se na lida e "não tem dúvida", expressão peculiar no Alentejo e, em particular, no Mestre Zé.

Numa de indivíduo atento e informado referi a informação sobre os alertas de calor ainda previstos para os próximos dias.

O Velho Marrafa, por simpatia e generosidade alentejanas, não disse o que lhe terá passado pela cabeça, certamente qualquer coisa como "tão sempre a inventar molengas", foi mais comedido e considerou engraçado essa "coisa dos alertas". Então, dizia ele, estão a avisar-nos que faz calor no Alentejo, estamos no Verão queriam o quê? O Alentejo sempre teve calor no Verão, uns dias mais ásperos que outros, mas sempre quentes. A gente lida com o calor, anda mais coberto e bebe mais água. Deviam avisar a gente, continuava o Mestre Zé, era se viesse aí frio agora em Agosto, que a gente ainda estranhava e se constipava, e ria-se com aqueles olhos pequeninos pretos debaixo da pala do boné, a boina como ele lhe chama, que lhe protege a cabeça do calor, é claro.

Calor no Alentejo não é nada de novo, sempre assim é e sempre assim foi, mas a verdade é que talvez o Mestre Marrafa esteja a esquecer ou a desconhecer que o mal que temos feito à Terra também trará mais calor e durante mais tempo.

Bom, lá mais para o fim da tarde vou regar as alfarrobeiras que estão lindas.

Mas está mesmo calor.

E são assim os dias, quentes, do Alentejo.

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

HISTÓRIAS DE FÉRIAS

 Como muitas vezes digo produzindo alguns sorrisos, a idade traz algumas vantagens interessantes. A primeira é uma espécie de inimputabilidade, se a impaciência ou cansaço me fizerem soltar alguma expressão menos “própria” o que há umas décadas seria “má educação” agora, com alguma generosidade, é considerado algo como, “engraçado, com aquela idade e fala assim". É óptimo, um dia vão saber isso.

A segunda vantagem da velhice é ter história(s) para contar, os mais novos que lidam comigo ouvem-na(s) com frequência e de diferente natureza. Talvez seja por isto que dei comigo a pensar como eram as minhas férias lá bem para trás no tempo. Aliás, não íamos de férias, estávamos de férias, só não tínhamos escola.

Quando eu era gaiato, antes do desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando como espaço livre o alcatrão, a oferta de férias para os miúdos era basicamente constituída pelo mais acessível e barato dos equipamentos, a rua. Como os estilos de vida e o quadro de valores ainda tão tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na rua, sempre na rua.

As actividades não eram muito sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas divertíamo-nos a sério nas férias, com calor, com frio, com chuva, mesmo à noite. É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo fizeram-se ao trabalho.

Mas ainda arranjávamos tempo para brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.

Nessa altura os miúdos ainda podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras bactérias, os nossos pais também ainda não eram excelentes e fantásticos sempre na busca de orientações e “coaching” para promover a excelência dos filhos.

Muitas das actividades eram, por assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras. Algumas, já delas aqui contei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje, mas eram o máximo, a sério.

Andar horas de bicicleta, os poucos que tinham, ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins, com uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a curva adequada a servir de stick, realizar corridas com carros de rolamentos de esferas construídos e decorados por nós, construir carros com canas, são alguns exemplos.

Fazer tiro ao arco com arcos feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas variantes dos jogos com berlindes ou do pião, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do lenço à barra, ou do toca e foge, experimentar a estratégia no jogar às escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas que fazíamos nos nossos tempos livres.

Nesse tempo havia tempo livre, os miúdos hoje quase não têm. Mas são fantásticos e excelentes.

Às vezes ... não.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

DA SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

 Nos últimos dias alguma imprensa fez referência a um trabalho realizado pela Universidade de Calgary, no Canadá em que foram analisados 29 estudos de diferentes países envolvendo 80879 crianças e jovens. Como dado mais relevante constata-se que um em cada quatro crianças ou jovens tem sintomas de depressão elevados e um em cada cinco apresenta sintomas de ansiedade altos devido à pandemia da covid-19.

Complementando recordo que em Março deste ano foi divulgado que em alguns hospitais se registou um aumento do número de crianças e jovens que chegaram ao serviço de urgência com problemas de ansiedade ou humor. No Hospital D. Estefânia, por exemplo, o número de crianças e jovens que tiveram contacto com a pedopsiquiatra através de serviço de urgência aumentou quase 50% no início de 2021 face ao mesmo período do ano passado.

Têm sido múltiplos os estudos que referem esta questão, a deterioração da saúde mental de crianças e jovens, mas também de adultos, no quadro da pandemia. O confinamento que se associou a isolamento e falta de rede social, as dificuldades de diversa ordem sentidas nos contextos familiares terão dado um contributo significativo.

Deste quadro resulta a necessidade de atenção à saúde mental, normalmente um parente pobre das políticas públicas de saúde. 

O impacto da pandemia nas aprendizagens tem sido muito referido e está a ser objecto de um plano específico, Plano 21/23 Escola +. Seria importante que a esta recuperação no plano das aprendizagens estivesse associada a uma forte preocupação com a saúde mental de crianças e jovens mobilizando os recursos necessários.

Crianças e jovens que passam mal, não aprendem, vivem pior e correm riscos sérios de comprometer o futuro pelo que os apoios e resposta não podem, não devem, falhar.

Como o povo diz, é de pequenino que se torce o … destino.

terça-feira, 10 de agosto de 2021

DA PROVA DE OBSTÁCULOS. DE NOVO

 Recorrendo a diversos depoimentos o Público apresenta um trabalho elucidativo sobre os obstáculos de diferente natureza que as pessoas com deficiência enfrentam no acesso a espaços e eventos culturais.

Não é nada de novo, apenas mais uma chamada de atenção sobre o que está ainda por fazer no respeito dos direitos, de todos os direitos, e bem-estar das pessoas com deficiência. São por demais evidentes as dificuldades em áreas como, educação, saúde, trabalho e emprego, segurança social, acessibilidades, autonomia, independência ou autodeterminação.

De facto, as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, as suas famílias e muitos professores e técnicos de diferentes áreas sabem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades para, no fundo, assegurar não mais do que algo básico e garantido constitucionalmente, os seus direitos. É assim que as comunidades estão organizadas, pelo que não representa nada de extraordinário e muito menos um privilégio.

Como também é evidente, as minorias são sempre mais vulneráveis, falta-lhes voz.

Afirmo recorrentemente que os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como cuidam das minorias.

Lamentavelmente estamos num tempo em que desenvolvimento nem sempre significa bem-estar para todas as pessoas.

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O FERRARI DE CANA

 Nestes últimos dias o meu Alentejo ficou mais cheio, os netos estiveram connosco. Numa das noites no telheiro, durante a "converseta" habitual que termina o dia do neto Grande, o Simão, o assunto levou a uma viagem lá para trás no tempo.

A coisa começou com uma pergunta, “Avô, como é que brincavas?”. Começámos então uma visita às brincadeiras e aos brinquedos da minha infância.

A parte que mais o fascinou foi mesmo a dos brinquedos, na maioria feitos por nós, por vezes com alguma ajuda, a vida não era fácil. Dos que não fazíamos e eram mais acessíveis tínhamos os incontornáveis berlindes e os piões que felizmente permitiam diversos jogos para variar.

Às tantas falei-lhe dos carrinhos feitos com canas e arame dos fardos de palha, material que abundava naquele tempo. Os olhos do Simão brilhavam com a descrição e para ele perceber melhor fiz uns bonecos para ilustrar.

No entanto, a adrenalina subiu quando de repente me lembrei que tinha guardado algures o último carro de canas que tinha feito. Há perto de 20 anos tinha feito um para o meu sobrinho que também lá estava no Monte e guardámos o “veículo”.

Não era dos mais “sofisticados” que tinha feito, mas para demonstração estava ainda muito bem.

Quando viram o “Ferrari de Cana” o Simão e o Tomás não lhe deram descanso até se virem embora e o Simão já achava que nós, os miúdos do meu tempo, tínhamos muita sorte por termos aqueles brinquedos tão “fixes”.

Tenho para mim que daqui a alguns anitos teremos uma converseta sobre a “sorte” dos miúdos do meu tempo.

Ficou então combinado que temos de fazer dois carros de cana novos, com atrelados, com báscula, com faróis, etc. e quando conseguir encontrar rolamentos ainda fazemos um carrinho de rolamentos.

Talvez não seja má ideia levar os miúdos a viajar no tempo e a construir o que já quase não se faz. Tenho acerteza de que vão gostar ... todos, miúdos e crescidos.

Fica a foto do “Ferrari de Cana”. São também assim os dias do Alentejo e a magia da avozice.



sábado, 7 de agosto de 2021

A ESCOLA PODE FAZER A DIFERENÇA

 Numa peça do Público abordam-se as experiências positivas realizadas num agrupamento em Beja e numa secundária de Amarante que, de acordo com a peça, terão um impacto positivo nas aprendizagens e na relação com a escola de alunos que por diversas razões expressam alguma dificuldade.

Não conheço a realidade abordada, mas sei que é possível que as escolas e os professores, não sendo a solução para os todos os males do mundo, façam a diferença e se tornem uma dimensão essencial na construção de projectos de vida positivos para os seus alunos. Algumas notas de natureza global.

A escola, no seu sentido genérico, não tem responsabilidade directa por décadas de políticas urbanísticas, sociais, educativas, económicas que produzem exclusão e pobreza.

A escola, no seu sentido genérico, não tem responsabilidade directa na manutenção de estereótipos, preconceitos ou representações sociais sobre pessoas ou grupos.

A escola não tem, evidentemente, qualquer responsabilidade relativamente à situação excepcional causada pela pandemia.

No entanto, é pela escola que também passam as consequências deste cenário e as alterações positivas que desejamos que aconteçam. No caso da pandemia e após o gigantesco esforço realizado a partir de Março e que sempre importa reconhecer a escola continua a enfrentar dificuldades acrescidas.

Ainda assim, não sendo por milagre, não sendo por acaso, não sendo por mistério, com recursos e visão a escola, cada escola, pode e deve fazer a diferença e contrariar os riscos e as dificuldades que aguardam sobretudo as crianças nascidas no lado menos confortável da vida, mas que também podem envolver qualquer criança de qualquer família.

Apesar de todas as dificuldades são possíveis as boas práticas que merecem divulgação e reconhecimento.

Do meu ponto de vista, tantas vezes aqui afirmado, a questão central será a valorização da escola pública. Esta valorização deverá assentar em quatro eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos, autonomia e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, a promoção de um projecto sólido de promoção de qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada, terceiro eixo, diferenciação de metodologias, diferenciação progressiva e não prematura dos percursos de educação e formação para responder à diversidade dos alunos e, quarto eixo, dispositivos de apoio oportunos, suficientes e competentes às dificuldades de alunos e professores.

Este entendimento, do meu ponto de vista, não carece de uma cansativa retórica em torna da inovação e, muito menos, da revolução sempre anunciada nas nossas escolas com novos paradigmas alimentada por uma nuvem de iniciativas e projectos que muitas vezes não têm grande potencial de mudança e alimentam pequenas ou grandes agendas.

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

DA AVALIAÇÃO DE PROFESSORES

 Quem acompanha o universo da educação conhece a polémica em que a avaliação de professores tem estado permanentemente envolvida. Nos tempos que correm também assim acontece.

Uma das questões mais discutidas é a definição de quotas em matéria de avaliação, ou seja, está limitada a atribuição dos níveis qualitativos superiores.

Já muitas vezes me tenho aqui referido a esta matéria que tenho alguma dificuldade em perceber como se pode promover o mérito se, simultaneamente, se definem quotas para a excelência. Mais uma vez vejamos. Se um qualquer profissional, à luz dos critérios, sejam quais forem, que avaliam a qualidade do seu desempenho, merecer uma avaliação de excelente, tem, necessariamente, de obter esse patamar, dizer-lhe que é excelente, mas já não cabe na quota de excelência é atacar o mérito e incentivar a desmotivação.

O cenário actual abra a porta múltiplas abordagens, a um enorme risco da arbitrariedade e, naturalmente à inaceitável situação de professores com excelente trabalho se verem impedidos de que esse trabalho seja reconhecido, por vezes com a conivência de colegas e direcções.

São recorrentes as referências a situações que acontecem nas escolas e que são todo menos um processo justo e transparente, qualidades imprescindíveis a qualquer sistema da avaliação de profissionais.

Do meu ponto de vista, a insistência, a acontecer, na manutenção de quotas é manter um terrível equívoco que se pode traduzir, simplificando, no enunciado, “és excelente, tem paciência, mas já não cabes”.

Não entendo.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

AGORA NO SUPERIOR, EM QUE CURSO?

 Inicia-se amanhã o processo de candidatura ao ensino superior. Como sempre tenho feito nesta altura deixo umas notas sobre esta questão.

O processo que agora se inicia envolve uma primeira decisão que estará tomada e me parece de sublinhar, aceder a formação de nível superior, é uma decisão importante e positiva. Contrariamente ao que tantas vezes se ouve, não somos “um país de doutores”, antes pelo contrário, no contexto europeu ainda é necessário elevar a média de cidadãos com formação superior.

Coloca-se então a escolha do curso e as dúvidas que podem envolver essa decisão embora muitos já tenham definido a sua opção.

Para esta escolha a questão mais colocada pode ser assim enunciada, os jovens deverão seguir a sua motivação e interesses ou a escolha deve obedecer ao conhecimento do mercado de trabalho, isto é, nível de empregabilidade, estatuto salarial e saídas profissionais tão abordadas pela imprensa nesta altura?

Para muitos de nós, provavelmente, a resposta será fácil, seja num sentido ou no outro. Alguns dirão que cada jovem deve, obviamente, seguir o seu desejo, o seu gosto, só assim se realizará. Ideia romântica e sem noção da realidade que corre o sério risco de desembocar no desemprego, dirão outros, para os quais a escolha deve ser racional, pragmática, realista, o jovem deve procurar uma formação que lhe garanta, tanto quanto possível, saída profissional e para isso deve "estudar" o mercado e assim proceder à escolha. Os primeiros acharão que este entendimento pode levar a um risco de frustração e desencanto que podem instalar-se em quem "faz o que não gosta".

Na verdade, não será fácil a escolha para muitos jovens a que acresce, frequentemente, a pressão familiar ou de outras pessoas para a "escolha acertada".

Dito isto, sou dos que entendem que cada um de nós deve poder escrever, tanto quanto as circunstâncias o permitirem, a sua narrativa, cumprir o seu sonho. Por outro lado, a vida também nos ensina que é preciso estar atento aos contextos e às condições que os influenciam, sabendo ainda a volatilidade e rapidez com que hoje em dia a vida acontece e rápida variabilidade dos mercados de trabalho.

Nesta perspectiva, parece-me importante que um jovem, sabendo o que a sua escolha representa, ou pode representar, nas actuais, sublinho actuais, condições do mercado de trabalho, faça a sua escolha assente na motivação ou no projecto de vida que gostava de construir e, então, informar-se sobre as opções, sobre as escolas e respectivos níveis de qualidade a que pode aceder para se qualificar. A plataforma Infocursos, entre várias outras fontes, pode ser uma ajuda.

Finalmente, do meu ponto de vista, boa parte da questão da empregabilidade, mesmo em situações de maior constrangimento, relativiza-se à competência, este é o ponto fulcral.

Na verdade, o que frequentemente me inquieta é a ligeireza com que algumas pessoas parecem encarar a sua formação superior, assumindo logo aqui uma atitude pouco "profissional", cumprem-se os serviços mínimos e depois logo se vê. A formação académica é mais do que um título que se cola ao nome, é um imprescindível conjunto de saberes e competências que sustentam um projecto de vida pessoal e profissional com melhores perspectivas de sucesso.

Mesmo em áreas de mais baixa empregabilidade, ou assim entendida, continuo a acreditar que, apesar dos maus exemplos que todos conhecemos, a competência e a qualidade da formação e preparação para o desempenho profissional, são a melhor ferramenta para entrar nesse "longínquo" mercado de trabalho.

Dito de outra maneira, maus profissionais terão sempre mais dificuldades, esteja o mercado mais aberto ou mais fechado.

Boa sorte e boa viagem para todos os que vão iniciar agora esta fase fundamental nas suas vidas.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

O RAPAZ EMBIRRANTE

 Era uma vez um Rapaz. Lá na escola onde andava não se dava bem com os colegas. Até se dava mesmo mal. Passava o tempo a meter-se com eles, a atrapalhar o que estavam a fazer ou as brincadeiras do recreio. Entrava pelas conversas adentro.

Era, como se costuma dizer, um rapaz embirrante, daqueles que aborrecem, irritam. Como era de esperar o Rapaz quase sempre acabava por ficar na outra margem dos grupos.

Os professores iam tentando que as relações entre o Rapaz e os colegas fossem melhores, mas não conseguiam grandes resultados e, invariavelmente, chegavam à conclusão que, sendo o Rapaz tão embirrante, ninguém poderia gostar dele e, com aquele feitio, também não poderiam obrigar os colegas a tal.

Uma vez, na sala de professores, a Setôra Sílvia comentou os modos do Rapaz embirrante com o Professor Velho, aquele que já não dá aulas, está na biblioteca e fala com os livros.

O Professor Velho ouviu as histórias do Rapaz embirrante, ouviu- um tempinho e depois pensou alto.

Talvez os outros miúdos não gostem do Rapaz porque perceberam, sentiram, que o Rapaz não gosta dele. Se espreitássemos com cuidado para dentro do Rapaz poderíamos tentar perceber porque é que ele não gosta de si. As pessoas só gostam dos outros quando gostam de si.

terça-feira, 3 de agosto de 2021

DE ENVIESAMENTO EM ENVIESAMENTO

 Confirma-se genericamente o que se esperava com a decisão do IAVE de diminuir substancialmente o número de perguntas com resposta opcional nos exames finais do secundário, o abaixamento significativo das notas.

Se a intenção da decisão terá sido combater o enviesamento verificado no ano passado, a subida das médias, o resultado foi produzir novo enviesamento, um abaixamento significativo de notas e, naturalmente, de médias o que, claramente coloca os alunos que se candidatam este ano ao ensino superior numa situação de desvantagem. Apenas Português, Filosofia e História se mantiveram no mesmo patamar sendo muito significativa a descida das notas em Matemática.

Os alunos que no ano passado se confrontaram com uma estrutura mais “amigável” com várias perguntas de resposta opcional terão realizado a sua candidatura ao superior em condições mais favoráveis que os alunos deste ano, as médias são mais baixas, independentemente do nível de conhecimento dos dois grupos. Acresce ainda a leitura que os resultados finais merecerão em termos comparativos se os exames têm estruturas diferentes, tal como aconteceu comparando os exames de 2019 com os de 2020.

Quando penso nestas questões sempre recordo que em 2015 causou alguma polémica a afirmação do então Presidente do IAVE numa conferência referindo uma gestão política dos exames, exemplificando que uma alteração cirúrgica numa ou duas perguntas seria suficiente para que as médias subissem ou descessem conforme a “encomenda”.

A situação criada está a motivar o pedido de aumento das vagas definidas para alguns cursos, medida que o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior ainda não aceitou, mas também não rejeitou.

Este cenário, vem, mais uma vez sublinhar a necessidade de repensar o modelo de acesso ao ensino superior que recorrentemente refiro.

Desde logo creio que o modelo actual promove uma desvalorização do próprio ensino secundário que deveria ser valorizado e percebido como a finalização de um ciclo de estudos e não como a antecâmara do superior e a sala de explicações para preparação para os exames, aliás ouve-se com frequência o desconforto de docentes de ensino secundário como este quadro. Na verdade, sentem o seu trabalho com os alunos hipotecado ao peso dos exames e não à formação a adquirir no ensino secundário nas diferentes disciplinas.

Por outro lado, a situação actual favorece, como é sabido e reconhecido, a iniquidade assente na "simpatia generosa" de algumas escolas, maioritariamente privadas, que inflacionam a avaliação interna dos alunos ou o florescimento de um nicho de mercado, as explicações ou centros de estudo, dirigido à preparação para os exames com custos não acessíveis a boa parte das famílias.

Assim, parece-me ser adequado entender que a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.

Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário.

O acesso ao ensino superior será um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela com também sugere a recomendação do CNE divulgada em 2020. Seriam exigidos, naturalmente, dispositivos de regulação deste processo.

Parecer-me-ia mais ajustado que as classificações, internas e externas no ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países. É óvio que este processo exigiria regulação eficiente.

Sublinho minimizando equívocos que a questão não está na existência ou importância dos exames finais do secundário que não me parece colocar grandes dúvidas.

Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior não valorizamos o ensino secundário no que lhe é próprio e ainda corremos o risco de lidar com situações de “enviesamento” decorrentes da estrutura de exame ou do grau de dificuldade escolhido bem como de negócios que sendo úteis a alguém não o serão, obviamente para a maioria das famílias.

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

PROXIMIDADE E DISTÂNCIA

 No Público encontra-se uma referência ao relatório da OCDE, “The state of higher education - One year in to the COVID-19 pandemic”. Uma nota sobre um dos aspectos abordados.

Levando em consideração as avaliações das experiências recentes e uma sondagem da responsabilidade da European Students’ Union em que a maioria dos estudantes inquiridos manifestou preferir o ensino presencial, a OCDE recomenda que, apesar do necessário incremento da utilização dos recursos digitais, este não deve substituir a relação entre alunos e entre alunos e professores. São ferramentas de enorme potencial permitindo diferentes opções, mas de forma complementar ao trabalho presencial.

Como é óbvio e a nossa experiência recente bem evidenciou é crítica a existência de recursos adequados e acessíveis a todos os intervenientes.

Parece-me pertinente esta recomendação e talvez contribua para esfriar o entendimento que a certa altura me pareceu começar a existir de que estávamos perante um novo paradigma, mais um, o digital, já lhes perco a conta, e que chegaríamos ao futuro através do ensino não presencial. Estamos a falar do ensino superior, mas se considerarmos o básico e secundário ainda me parece mais importante a recomendação.

No entanto, o ensino à distância pode mesmo constituir-se como alternativa em contextos e modelos específicos e para ofertas formativas também específicas.

O ensino à distância, quando de facto é ensino à distância e não aulas através de um suporte digital, disponibiliza um conjunto enorme e importante de ferramentas, mas, num quadro global dos sistemas de ensino, do básico ao superior, não substitui o ensino presencial.

Como já aqui escrevi, mesmo já para além da carreira docente formal, terminou o ano passado, cada aula que ainda lecciono só ganha mesmo sentido quando tenho os alunos à beira, próximos, inteiros.

Como sabem, estar à vista não é estar próximo. Aliás, esta questão da proximidade e da distância começa cedo, tantos miúdos que estando à vista dos pais, não estão tão próximos quanto precisariam, uns e outros.

domingo, 1 de agosto de 2021

OS DIAS DO ALENTEJO

 Os que por aqui vão passando conhecem o Mestre Zé Marrafa, um Homem que nos ajuda já há muitos anos nas tarefas do Monte. O Mestre Zé, já com 80 anos cumpridos e bem compridos que a vida de trabalho começou aos 9 anos, teima continuar na lida e nas lérias.

Neste sábado, foi tempo de plantar as primeiras couves. Estavam nos criadores já preparadas e a pedir para irem para a terra para se fazerem.

Encharcou-se a terra dois dias antes para que ficasse mais branda e pudesse ser fabricada depois com a motoenxada. Faltava abrir os regos e plantar as couves. Esta era a tarefa do Mestre Zé e enquanto for capaz é só dele.

O que sempre me impressiona e já trabalhamos juntos há quase 30 anos é o seu apego e brio nestas tarefas.

As couves são dispostas de uma forma que acho notável, coisa de “engenhêro” para permitir uma rega mais fácil, a água entra no primeiro rego e de mansinho chega ao último para frescura e crescimento das couves e para nosso contentamento daqui a umas semanas.

Terminada a tarefa e como sempre, o Mestre Zé insiste em sublinhar como tudo é feito. Ao longo destes quase 30 anos teima de forma persistente e empenhada em fazer de mim um Alentejano, um Alentejano de cá, do Alentejo, e não um Alentejano de lá, que vem ao Alentejo de tempo em tempo. É verdade que eu me esforço, quando a gente gosta a gente aprende melhor. Não sou um Alentejano de nascença, sou um Alentejano dos afectos, é no Alentejo que que me sinto em casa.

E são também assim os dias do Alentejo.