Confirma-se genericamente o que se esperava com a decisão do IAVE de diminuir substancialmente o número de perguntas com resposta opcional nos exames finais do secundário, o abaixamento significativo das notas.
Se a intenção da decisão terá sido combater o enviesamento verificado
no ano passado, a subida das médias, o resultado foi produzir novo
enviesamento, um abaixamento significativo de notas e, naturalmente, de médias
o que, claramente coloca os alunos que se candidatam este ano ao ensino
superior numa situação de desvantagem. Apenas Português, Filosofia e História
se mantiveram no mesmo patamar sendo muito significativa a descida das notas em
Matemática.
Os alunos que no ano passado se confrontaram com uma
estrutura mais “amigável” com várias perguntas de resposta opcional terão
realizado a sua candidatura ao superior em condições mais favoráveis que os
alunos deste ano, as médias são mais baixas, independentemente do nível de
conhecimento dos dois grupos. Acresce ainda a leitura que os resultados finais
merecerão em termos comparativos se os exames têm estruturas diferentes, tal
como aconteceu comparando os exames de 2019 com os de 2020.
Quando penso nestas questões sempre recordo que em 2015
causou alguma polémica a afirmação do então Presidente do IAVE numa conferência
referindo uma gestão política dos exames, exemplificando que uma alteração
cirúrgica numa ou duas perguntas seria suficiente para que as médias subissem
ou descessem conforme a “encomenda”.
A situação criada está a motivar o pedido de aumento das
vagas definidas para alguns cursos, medida que o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior ainda não aceitou, mas também não rejeitou.
Este cenário, vem, mais uma vez sublinhar a necessidade de
repensar o modelo de acesso ao ensino superior que recorrentemente refiro.
Desde logo creio que o modelo actual promove uma desvalorização
do próprio ensino secundário que deveria ser valorizado e percebido como a
finalização de um ciclo de estudos e não como a antecâmara do superior e a sala
de explicações para preparação para os exames, aliás ouve-se com frequência o
desconforto de docentes de ensino secundário como este quadro. Na verdade,
sentem o seu trabalho com os alunos hipotecado ao peso dos exames e não à formação
a adquirir no ensino secundário nas diferentes disciplinas.
Por outro lado, a situação actual favorece, como é sabido e
reconhecido, a iniquidade assente na "simpatia generosa" de algumas
escolas, maioritariamente privadas, que inflacionam a avaliação interna dos
alunos ou o florescimento de um nicho de mercado, as explicações ou centros de
estudo, dirigido à preparação para os exames com custos não acessíveis a boa
parte das famílias.
Assim, parece-me ser adequado entender que a conclusão e
certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino
superior deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação
realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido
pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino
secundário.
O acesso ao ensino superior será um outro processo que
deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela com
também sugere a recomendação do CNE divulgada em 2020. Seriam exigidos,
naturalmente, dispositivos de regulação deste processo.
Parecer-me-ia mais ajustado que as classificações, internas
e externas no ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de
ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão
organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em
muitos países. É óvio que este processo exigiria regulação eficiente.
Sublinho minimizando equívocos que a questão não está na
existência ou importância dos exames finais do secundário que não me parece colocar
grandes dúvidas.
Enquanto não se verificar a separação da conclusão do
secundário da entrada no superior não valorizamos o ensino secundário no que
lhe é próprio e ainda corremos o risco de lidar com situações de “enviesamento”
decorrentes da estrutura de exame ou do grau de dificuldade escolhido bem como
de negócios que sendo úteis a alguém não o serão, obviamente para a maioria das
famílias.
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