sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O TRABALHO EM PORTUGUÊS E MATEMÁTICA

O I de hoje divulga os resultados do Relatório 2010 do Gabinete de Avaliação Educacional e que revelam a inquietante mas não inesperada fragilidade dos alunos entre o 8º e o 12º no domínio dos mecanismos básicos, leitura, interpretação, escrita e educação matemática, traduzida na resolução de problemas. Estes dados vêm arrefecer o entusiasmo emergente dos progressos verificados no âmbito do Programme for International Students Assessment – PISA.
A situação recorrente de resultados aquém do desejado não é um uma questão nova e para além de algumas iniciativas do ME, como o Plano Nacional de Leitura ou o Plano de Acção para a Matemática, as escolas tentam através de dispositivos de apoio próprios minimizar as dificuldades de muitos alunos. Dado o volume de dificuldades e os recursos das escolas, estas iniciativas acabam, necessariamente, por ter como destinatários menos alunos do que o justificado.
A este propósito e também por outras razões, tenho com alguma frequência expresso a urgente necessidade de ajustamentos sérios nos conteúdos e organização curricular.
Se repararmos no caso do 2º e 3º ciclo, os alunos para uma base de 25,5 horas semanais de trabalho têm 3 horas de Português, repito 3 horas de Português e 3 horas de Matemática. Não cabe aqui uma análise mais aprofundada, mas apenas por comparação e no 2º ciclo existem 3 horas de Educação Visual e Tecnológica e 2 horas e 15 m de Inglês.
Creio que de uma forma geral se entende que o correcto domínio da língua de trabalho, o português, é um requisito fundamental para as aprendizagens em todas as áreas curriculares, bem como a literacia matemática, base do conhecimento científico. Não se compreende, portanto, o pouco peso curricular dado ao português e à educação matemática, sobretudo no 2º ciclo em pleno processo de aquisição das ferramentas básicas de domínio da língua nas suas várias dimensões.
Creio que independentemente da boa vontade de escolas e docentes ou de planos de natureza supletiva, a questão central remete para mais e melhor trabalho em dois domínios essenciais, a língua portuguesa e a educação matemática.

O GRAU DE LIBERDADE NA ESCOLHA DA ESCOLA

O Público de hoje apresenta uma peça que me parece um oportuno contributo para um debate que este ano esteve particularmente vivo no universo da educação, a liberdade de escolha das escolas por parte dos encarregados de educação. Neste debate e no sentido de prevenir eventuais situações de discriminação por questões económicas tem sido peça central a defesa do chamado cheque educação. Há pouco tempo o Público entrevistou o Professor Herbert J. Walberg, especialista em Economia da Educação, sublinho especialista em Economia da Educação e um defensor do cheque educação como garante da liberdade de escolha por parte dos pais relativamente à escola dos filhos. O Professor Walberg cita o exemplo da Suécia e de algumas experiências dos EUA. Na Suécia, a escola escolhida pelos pais, pública ou privada, é obrigada (esta é uma questão central) a aceitar qualquer criança e os resultados são positivos.
No sentido de tornar mais claro o meu entendimento sobre esta questão, devo sublinhar que entendo a existência de um subsistema educativo de ensino privado como absolutamente necessária para, por um lado permitir alguma liberdade escolha, ainda que condicionada, por parte das famílias e, por outro lado, como forma de pressão sobre a qualidade do ensino público.
No entanto, mais uma vez, refiro algo que é bem conhecido de todos os que de alguma forma lidam com o universo da educação. Muitas instituições de ensino privado não receberão nunca alguns alunos independentemente de os pais terem no fim de cada mês um voucher para pagarem a mensalidade. Não é uma questão económica é uma questão de defender a instituição de situações de risco que lhe comprometam a imagem de excelência ou a posição nos rankings, sejam os dos resultados escolares sejam os do "capital social" que detêm. O trabalho de hoje do Público ilustra claramente esta situação. Os estabelecimentos de ensino privado, sobretudo os de natureza mais exclusiva, são profundamente selectivos na população que acolhem. São referidos, o recurso ao “pedigree”, às notas, aos testes de conhecimento e até, a discutível utilização de testes de desenvolvimento pelos respectivos serviços de psicologia. Como no trabalho também se refere, não basta ter filhos, perdão, carros de alta cilindrada para garantir a admissão, o processo é altamente selectivo. Por outro lado, conhecem-se também estabelecimentos de ensino privado de onde, com baixíssima tolerância, alunos com algum insucesso e ou problemas do comportamento são "convidados" a sair para que se não comprometa a imagem e o estatuto da escola. Como já tenho afirmado, seria aliás interessante e um bom serviço prestado a este debate, uma investigação por parte da imprensa aos mecanismos de acesso aos colégios mais "cotados" e aos dispositivos de "convite" à saída sempre que alguma coisa corre menos bem.
Por outro lado, é também conhecido que mesmo entre escolas públicas se verificam práticas de selecção que, aliás, não há muito tempo foram referidas por alguma imprensa mais atenta.
Reafirmando a necessidade de existência de um subsistema privado, insisto de há muito, que a melhor forma de proteger a liberdade de educação, é uma fortíssima cultura de qualidade, rigor e exigência na escola pública e uma acção social escolar eficaz e oportuna. Assim teremos mais facilmente boas escolas, públicas ou privadas.

BALANÇO DE UMA LETRA SÓ, D

No final de 2009 amanhei um pequeno texto a que chamei "2009 de A a Z” no qual procurei fazer um pequeno balanço do ano que terminava utilizando o velho abecedário como organizador.
Este ano tentava o mesmo exercício e depois de alguma dificuldade inesperada, comecei a entender que o balanço de 2010 se poderia fazer partindo apenas de uma letra, a letra D.
O ano fica marcado pelo Desemprego que atingiu números impensáveis e implicou as maiores dificuldades para muitos milhares de portugueses, além, é claro da Dívida e do Déficice.
Entre as consequências dificilmente quantificáveis da crise em que nos encontramos mergulhados emerge a Dignidade roubada a muita gente, seja pela falta de trabalho, seja pela exclusão e pobreza.
O aumento do número de pessoas em risco de pobreza, muitas delas ainda crianças, representa uma enorme Desilusão e Derrota precisamente em 2010, o Ano Europeu contra a Pobreza e a exclusão Social.
Também podemos afirmar, creio, que 2010, veio acentuar a Desconfiança com que os que os discursos das lideranças políticas e económicas são percebidos por boa parte dos cidadãos.
Um dos aspectos que, lamentavelmente, permaneceu inalterável em 2010 foi a Desconfiança dos cidadãos face à justiça. Esta desconfiança é uma das maiores ameaças à qualidade da nossa vida cívica e mantém-se, é estrutural.
Na senda do que têm sido os últimos anos, a educação, melhor dizendo, a política educativa continuou à Deriva, agora em estilo materno-voluntarista sorridente. Medidas reactivas, avulsas e com pouca coerência entre si continuam a caracterizar a actuação do ME.
Não posso deixar de referir algo que me parece marcar o ano que caduca. De mansinho, parece ter-se instalado uma Desesperança, um sentimento proibido, inibidor, onde pode crescer a desistência do futuro.
No entanto, felizmente, cada um de nós terá vivido certamente Dias bonitos que nos vão ficar também como memórias de 2010.
Tentando manter uma atitude e uma visão realistas, considero-me um optimista cauteloso, acredito que, por princípio, o que está para vir vai ser melhor do que o que já passou, se fizermos por isso. Assim, como não podia deixar de ser, Desejo-vos um bom ano.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

PARA ALÉM DA CRIMINALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR

Tal como há algum tempo foi anunciado o Governo prepara legislação no sentido de criminalizar o fenómeno da violência escolar e, sabe-se agora, estender aos familiares dos alunos as condenações por violência sobre membros da comunidade educativa. Algumas notas sobre esta questão bem complexa.
Em primeiro lugar uma referência à função professor. A imagem social dos professores tem vindo a sofrer uma erosão significativa, alguns estudos e a chamada "opinião pública" reflectem-no. As razões são variadas e dificilmente compatíveis com este espaço mas creio que uma boa parte da política educativa dirigida aos professores nos últimos anos, uma boa parte dos discursos dos lideres sindicais e os discursos ignorantes e irresponsáveis de alguns "opinion makers" têm dado um bom contribuo para que, em termos sociais, a imagem dos professores se desvalorize. Este processo mina de forma muito significativa a relação que pais e alunos têm com os professores, ou seja e sendo deselegante, "uma classe de gente que não trabalha", "que não se interessa pelos alunos", "que não quer ser avaliada", etc., (basta ver muitos dos comentários on-line a notícias que envolvem professores), não é, obviamente uma classe que mereça respeito pelo que se instala de mansinho um clima de reacção, desconfiança e fraqueza que minimizam o exercício da autoridade. Os pais e alunos que agridem e ofendem professores são uma espécie de "braço armado" dessa imagem social induzida.
Por outro lado, a cultura profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é ainda marcada por um excesso de individualismo. Quero dizer com isto que, lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou negligência muitas direcções de escolas e agrupamentos não vão muito longe na definição de dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à presença de dois professores, por exemplo, que dariam aos professores apoio e confiança para o trabalho com os seus alunos.
Para além da criminalização das ofensas físicas a professores, urge caminhar no sentido de reconstruir a imagem social dos professores como fonte imprescindível de autoridade, saber e importância e, paralelamente, incentivar a construção nas escolas de dispositivos leves e ágeis de apoio aos professores de forma a que cada um não se sinta entregue a si próprio e com receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em que um docente se pode sentir.
Este caminho é da responsabilidade de todos, ministério, sindicatos, direcções de escola, pais, professores e alunos.
A segunda nota remete para a instituição escola. Em primeiro lugar, a escola é, será sempre, um reflexo do contexto económico, social e cultural, bem como do sistema de valores em que se integra. Neste quadro, em tempos de violência, a escola espelha essa violência, em tempos de sentimento de insegurança, a escola espelha essa insegurança, em tempos de sentimento de impunidade, a escola espelha esse sentimento de impunidade. Por tudo isto não é possível, como alguns discursos o fazem, responsabilizar exclusivamente a escola, por estas situações. A escola fará certamente parte da solução mas não é, não pode ser, A solução, esta passará por intervenções concertadas no âmbito das comunidades.
Um segundo aspecto prende-se com o trabalho com as famílias. Muitos casos de violência escolar estão associados, não estou a falar de uma relação de causa-efeito, à acção negligente ou menos competente por parte das famílias. Continuo fortemente convicto de que nas escolas devem ser criados dispositivos, com recursos, humanos e de tempo por exemplo, para trabalho sistemático e estruturado com as famílias. Com as metodologias mais frequentes, reuniões de pais e convocatória para famílias problemáticas irem à escola, que se revelam ineficazes, a maioria dos pais nem sequer aparece, creio que será muito difícil alterar ou, pelo menos, minimizar os efeitos das variáveis familiares nos comportamentos dos miúdos.
Um outro aspecto ainda dentro da instituição escola, prende-se com o facto conhecido de que os problemas mais significativos sentidos nas escolas, indisciplina, violência, delinquência, bullying, etc. ocorrem, obviamente, nas salas de aula e, sobretudo nos espaços de recreio. Deixando de lado, de momento, a sala de aula parece-me fundamental que se dê atenção educativa aos tempos e espaços de recreio escolar.
Em muitas escolas a insuficiência de pessoal auxiliar não permite a ajustada supervisão desses espaços. Por outro lado, a sua formação em matérias como supervisão educativa e mediação de conflitos, por exemplo, e, ou, o entendimento que têm das suas competências, muitas não valorizadas pela própria comunidade, leva a alguma negligência ou receio de intervenção.
Talvez não seja muito popular mas digo de há muito que os recreios escolares são dos mais importantes espaços educativos, aliás, muitas das nossas memórias da escola, boas e más, passam pelos recreios. Neste sentido, defendo que a supervisão dos intervalos deveria ser da responsabilidade de docentes. A reestrutura da enorme carga burocrática do trabalhos dos professores, dos modelos de organização e funcionamento das escolas, por exemplo, poderiam libertar horas de docentes para esta supervisão que me parece desejável.

AINDA O ESPÍRITO NATALÍCIO - Outro diálogo improvável

Olá Filipa, por aqui?
Olá Mariana, tive que vir ainda à procura de umas luvas, tenho tantos pares mas já não gosto. Encontrei umas fantásticas, giríssimas e com um preço óptimo. E convosco, o Francisco e o Martim estão bem?
O Francisco está óptimo, super-cansado com o trabalho antes do Natal. Com os problemas com o pessoal e com as mudanças que é preciso fazer na empresa, tem chegado sempre tarde. Ainda bem que vamos uns dias para a praia, sempre se descansa desta agitação. As pessoas estão sempre a reclamar. O Martim está bem, hoje foi com os primos para o Centro Social para ajudar a organizar umas ofertas para os pobres. Foi óptimo, assim ando mais descansada e não ando com ele atrás a pedir para comprar tudo. O Manuel e a Maria?
A Maria está óptima, teve notas excelentes, é uma das melhores do colégio, ficámos super-contentes e como lhe prometemos vamos fazer uns dias de neve. Ela adora a neve, é como o Manuel que não prescinde de uns dias nesta altura. Por isso é que vim procurar umas luvas, tenho sempre tanto frio mas o hotel é óptimo. Foram os dois participar num encontro com pessoas carenciadas organizado pela empresa do Manuel, mas eu não tenho paciência, demoram-se imenso e nunca sei do que hei-de falar com as pessoas.
Desculpa mas tenho uma mensagem do Francisco, já está à minha espera. Boas férias para vós, encontramo-nos no ginásio em Janeiro. Bom ano.
Só espero estar uns dias ao sol na piscina. Bom ano também para ti, para o Manuel e para a Maria.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

É ASSIM TIPO VALE TUDO

A propósito da Tese de Doutoramento apresentada na Universidade do Minho e agora anulada por motivo de plágio, algumas notas.
O Centro de Estudos Sociais da Faculdade Economia da U. de Coimbra tem a decorrer um estudo nacional sobre a questão da fraude académica. Nos estudos preliminares surgiu um indicador de que 37.6% dos inquiridos aceita a fraude desde que “não prejudique ninguém”. A este dado, ainda que preliminar, pode acrescentar-se um estudo da Universidade do Minho há tempos divulgado referindo que as situações de “copianço” envolvem três em cada quatro estudantes.
Também há algum tempo, a propósito do acréscimo das situações de plágio que se verificam em todos os níveis de ensino, do básico à formação pós-graduada, doutoramentos incluídos, bem como artigos científicos, me referi à natureza da relação ética que estabelecemos com o conhecimento e que os alunos replicam. Aliás, no estudo da U. do Minho, dos alunos que admitem copiar, 90% afirmam fazê-lo desde sempre.
O conhecimento é entendido como algo que se deve mostrar para justificar nota ou estatuto, não para efectivamente deter, ou seja, importante mesmo é que a nota dê para passar, que o curso se finalize, que a tese fique feita e se seja doutorado ou que se possa acrescentar mais um artigo à produção científica num mundo altamente competitivo. Que tudo isto possa acontecer à custa da manhosice, do desenrasca mais ou menos sofisticado, são minudências com as quais não podemos perder tempo.
No entanto, é bom termos consciência que esta questão não é um exclusivo nosso, a experiência mostra isso com clareza. De qualquer forma, não deixa de ser uma preocupação e justifica que as escolas, do básico ao superior, se envolvam nesta tentativa de construção de relação com o conhecimento mais sólida em termos éticos.
O caminho passa pelo estabelecimento obrigatório de códigos de conduta com implicações sancionatórias severas e com uma atitude formativa e preventiva durante as aulas.
O trabalho será sempre difícil pois o contexto global ao nível dos valores e da ética dos comportamentos e funcionamento social é, só por si, um caldo de cultura onde o copianço e o plágio, por vezes, não passam de "peanuts", é a cultura do desenrascanço, não importa como.

CORTA-SE A EITO E DESENRASQUEM-SE

Ao conhecer a determinação cega do corte de 5.5% nos orçamentos das escolas para 2011, lembrei-me desta expressão característica, “vai a eito”, ou seja, "fecha os olhos e foge em frente” numa interpretação livre.
O desespero e a pressa nunca foram bons conselheiros. É conhecido e por demais referido o desperdício na administração pública central, regional e autárquica. Também admito que possa existir algum desperdício na gestão orçamental das escolas e agrupamentos pelo que, com crise ou sem crise, este desperdício deveria ser combatido. Estranhamente parece ter-se acordado para esta realidade só porque existe uma crise, caso contrário, tudo poderia continuar na mesma.
O que se torna difícil é entender que se determine de forma administrativa, sem perceber especificidades e contextos, um corte orçamental e o seu montante. As escolas e agrupamentos tem características particulares desde, por exemplo, a natureza e idade dos equipamentos e recursos, as necessidades de pessoal, os contextos sociais e geográficos em que se inscrevem, as necessidades que apresentam face aos problemas (diferentes) que enfrentam, etc., etc.
É fácil determinar no Terreiro do Paço, com o óbvio assentimento resignado da Ministra da Educação, um corte cego e esperar que os directores das escolas façam o resto.
Só que este resto pode dar mau resultado. O desinvestimento em educação é a pior medida política que se pode tomar.
Do meu ponto de vista, mesmo em crise e por estarmos em crise, a educação tem que sempre ser entendida como área de investimento, maior ou menor, com uma gestão racional e responsabilizada e nunca como um terreno onde se corta a eito e sem realizar “trabalho de casa”. Pode pagar-se muito caro este tipo de decisões.
Na educação não pode valer o “é assim para todos e desenrasquem-se”.

FALSAS PROMESSAS - Outro diálogo improvável

Temos que protestar, não está certo.
Concordo contigo.
Prometem, prometem, mas depois não cumprem.
É mesmo, por isso temos que protestar.
Vêm com a conversa da crise, que é preciso fazer cortes e que temos de começar a poupar, é só conversa.
Pois é, cheira mas é a desculpas.
Andaram o tempo todo sempre com promessas, que ia ser bom, que conseguiria ter o que era necessário e chega-se à hora, não cumprem e vêm com cenas.
Mas eles não cortam nada. Estão como é costume, para nós é que a crise não permite aceder ao que precisamos e queremos.
E todos os anos tem vindo a ser pior.
É verdade que estes problemas não acontecem com todos e por isso há muitos que não dizem nada estão numa boa.
Sabes como é, há sempre pessoal que se safa, mesmo quando as coisas estão mais complicadas.
Temos mesmo que protestar, não pode ser, só tive doze prendas neste Natal, deram-me um portátil novo mas não me deram o iPad.
Eu tive mais sorte que tu, tive quinze, deram-me o iPad, mas tinham-me prometido um telemóvel mais fixe do que os que já tenho e disseram que já não podiam.
Vamos fazer barulho.
Tem de ser.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

CULTURA OU CUSQUICE?

A imprensa dita de referência, por vezes, engana-se na referência. O Público na secção Cultura noticia que Elton John e o marido David Furnish foram pais de um menino, Zachary, que é saudável e deixou os pais "muito felizes e orgulhosos".
Ainda bem que o menino é saudável e que os pais estão felizes e orgulhosos, é assim que se deseja e espero que todos sejam felizes, mas c'os diabos, esta é uma notícia a incluir na secção Cultura? Com que critérios? Quais os contornos em matéria de Cultura que a situação apresenta?
Na página on-line, à hora que escrevo o texto esta informação "cultural" está acompanhada pela notícia sobre a consagração da Igreja do Sagrado Coração de Maria como monumento nacional e da homenagem que se vai realizar por artistas portugueses ao radialista António Sérgio, um dos grandes nomes da rádio em Portugal durante décadas.
Estranhos critérios estes que levam  a que o Público confunda "Cultura" com "cusquice", da mais manhosa, é de sublinhar.
Ou será que a noticia é assim trabalhada por outro tipo de critérios que não têm a ver com "Cultura"?

DE QUE FOGEM OS MIÚDOS?

De vez em quando a imprensa vai-nos relatando casos de miúdos, quase sempre adolescentes, que saem de casa, aliciados pelos alçapões da net, por reacção a qualquer desconforto, atrás de uma ingénua história de amor ou tentados pela adrenalina de uma aventura.
Quase sempre, felizmente, estas histórias têm final feliz. A mais recente foi a da menina de Vagos, a Sara, que primeiro se suspeitava ter sido atraída através da net para um episódio potencialmente grave, mas que acabou num passeio alargado com o namorado em reacção, ao que parece, ao tipo de relacionamento familiar.
Neste tipo de situações parece-me importante reparar menos no seu valor facial e mais no que pode estar a montante da sua ocorrência. Refiro-me ao mal-estar em que muitos miúdos adolescentes vivem, muitas vezes sem que as próprias famílias, professores ou colegas dêem conta. Alguns sinais que possam ser visíveis são, por vezes, desvalorizados e entendidos como "coisas da idade", um equívoco que pode sair caro.
Retomo algumas notas de um texto que há algum tempo poisou no Atenta Inquietude sobre este mal-estar que assombra a vida de alguns miúdos.
Os tempos estão difíceis e crispados para os adultos, seguramente para boa parte dos adultos, e para os miúdos a estrada também não está fácil de percorrer. Alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família. Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um bairro insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vive ou o paraíso onde se acolhe e se sente protegido. Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e um projecto para a vida é apenas mantê-la. Alguns convencem-se que a escola não está feita para que nela caibam. Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar.
Alguns destes miúdos vão carregar para a escola a dor de alma que sentem mas não entendem, por vezes.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos miúdos, nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado e também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.

REVELA POUCO, REVELA OU REVELA BASTANTE- Outro diálogo improvável

Bom, colegas, não adianta mais discussão, temos que continuar com os "revelas" relativamente ao Francisco. Agora temos a "Sociabilidade", que acham?
Acho que Revela.
Eu acho que revela pouco.
Não me parece, na minha disciplina revela.
Na minha o Francisco até revela bastante.
Lá estamos outra vez. Revela pouco, revela ou revela bastante?
Mas é estranho, se na "Participação e cooperação revela bastante" como é que na Sociabilidade revela pouco?
Se calhar temos é que ver o que é estamos a entender por "Sociabilidade".
Não vamos começar a discutir outra vez os conceitos. Não saímos daqui, ainda falta o "Sentido de responsabilidade" e a "Auto-confiança".
O "Sentido de responsabilidade" ainda é mais difícil, o Francisco é tão inconstante.
Já lá vamos, primeiro temos que decidir sobre o que colocamos em "Sociabilidade". Parece-me que se não nos entendemos será melhor votar para ser mais rápido.
Por mim tudo bem.
Por mim também.
Parece que todos estamos de acordo, vamos então votar se o Francisco revela pouco, revela ou revela bastante "Sociabilidade".

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O HABITUAL DESPUDOR ÉTICO

A nova lei de financiamento dos partidos preparada, como não podia deixar de ser, pelos partidos e contestada por vários sectores da sociedade portuguesa mas promulgada pelo Presidente da República foi, para não variar, construída de modo a proteger os interesses da partidocracia, mais precisamente os interesses do chamado centrão. Não é certamente coincidência o acordo entre PS e PSD sobre a lei.
Uma das alterações que parecem estar previstas num dos alçapões da nova legislação, na linha da manhosice e dos alçapões na legislação à portuguesa, é que, conforme o Público, as multas aplicadas aos partidos podem ser consideradas despesas partidárias. Como as despesas são a base de cálculo das subvenções estatais acontece que os partidos vão receber da nossa parte as verbas que pagam em coimas. Dito de outra maneira, legisla-se a impunidade.
Considerar-se-ia anedótico eu contabilizar as multas de trânsito nas minhas despesas e ser ressarcido dessas despesas pela administração fiscal no acerto de IRS. É da mesma natureza o tratamento dado às multas aos partidos.
A questão é que não é uma anedota, é apenas mais uma machada na rastejante dimensão ética que a partidocracia instalou no cenário político português. O despudor ético parece não ter limites encontrando sempre novas formas de expressão. Não é possível que as lideranças que toleram e promovem tais práticas venham produzir discursos e apelos à mobilização e à confiança dos cidadãos, falta-lhes autoridade e sobra desconfiança.

O HOMEM É FEITO PARA PERMANECER DE PÉ

A Cruz Vermelha francesa tem um pequeno vídeo de apoio e promoção às suas actividades que tem como frase chave "L´homme est fait pour rester debout".
Nunca como agora e muito provavelmente nos tempos mais próximos, esta afirmação ganhou sentido.
O espírito natalício, para além histeria do consumo é também caracterizado por um movimento em torno da ideia de solidariedade para com os mais desprotegidos pelos azares da vida e pelas consequências devastadoras dos sistemas de valores e modelos de desenvolvimento que assumimos como promotores de bem-estar que de facto são, mas não para todos, longe disso. Por estes dias multiplicam-se as referências nos jornais televisivos a iniciativas de solidariedade, recolha de bens, refeições, oferta de brinquedos, etc. etc., tendo como destinatários todos os grupos que compõem o mosaico social da exclusão. São mobilizados miúdos e graúdos em sucessivos eventos que produzem discursos generosos que, na sua maioria, me parecem genuínos e bem intencionados.
A experiência diz-nos que passada a influência do espírito natalício tudo, quase tudo, retoma a normalidade das coisas. Afinal, sempre houve ricos e pobres, dizia a minha Avó Leonor céptica face à utopia de Abril que de todos queria fazer ricos, achava ela.
Em várias das reportagens que uma despudorada imprensa teima em produzir, surgem histórias de vida que são paradigmas de exclusão, de sobrevivência, de ausência de futuro e das quais desapareceram, ou quase, os vestígios do que mantém os Homens de pé, a dignidade.
São sempre histórias de dignidade perdida ou roubada e das quais transparece uma desesperança que incomoda e nos deixa a inquietação de ver gente dobrada ao peso da irreparável perda da dignidade.
O Homem é feito para permanecer de pé.

domingo, 26 de dezembro de 2010

AS CRIANÇAS ABANDONADAS, REJEITADAS E ADOPTADAS

O JN refere num trabalho interessante e fora do espírito natalício de plástico que nos cai em cima, com crise ou sem ela, que este ano pelo menos 40 bebés foram abandonados nas maternidades. De acordo com dados provisórios recolhidos pelo jornal, 20 bebés foram mesmo abandonados e os outros dados para adopção por falta de condições ou por vontade das mães. Deixando de lado as dificuldades e morosidade que os processos de adopção ainda revelam apesar de algumas alterações introduzidas, algumas notas sobre estas questões, as crianças abandonadas, rejeitadas e adoptadas.
Existe uma outra realidade, menos perceptível em termos globais, mas conhecida por aqueles que lidam de mais perto com as crianças e que remete para a quantidade enorme de situações de crianças abandonadas e rejeitadas dentro das famílias, algumas destas famílias até com um funcionamento aparentemente normal.
Pode parecer estranha esta abordagem, mas muitas crianças vivem em famílias, vários tipos de família, que, por variadíssimas razões as não desejam, as não amam, apenas as toleram, cuidam, pior ou melhor, sobretudo nos aspectos "logísticos". Em alguns casos, são mesmo crianças a que "não falta nada", dizem-nos. Na verdade falta-lhes o essencial, um colo de uma família.
Quando penso nestas situações lembro-me sempre de uma expressão que ouvi já há algum tempo a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”. Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas.
Existem mais crianças a viver narrativas desta natureza, abandonadas e ou rejeitadas dentro da família, do que se pode imaginar.

O ESSENCIAL E O ACESSÓRIO

Como dizia há algum tempo, a propósito da diminuição do número de adjuntos dos directores de escolas e agrupamentos, uma das consequências óbvias, do meu ponto de vista, da redução do número de escolas, da criação de mega-agrupamentos e da alteração do modelo de gestão das escolas é a facilitação do controlo político do sistema alicerçado nas Direcções Regionais de Educação. Como me parecia claro, diminuindo o número de lugares torna-se bastante mais fácil esse controlo político a que toda a gente da partidocracia almeja. Neste cenário, que é um dado adquirido, as alterações já verificadas não parecem reversíveis, diminuir o número de adjuntos é uma medida no mesmo sentido., agilizar o mando.
Hoje, o Público refere-se às mudanças nos suplementos remuneratórios dos directores, subdirectores e adjuntos. A alteração agora determinada à tabela a utilizar, reordenando os níveis remuneratórios relativamente ao número de alunos da escola ou agrupamento, implicará em muitas situações um abaixamento da massa salarial.
Não tenho dados que me permitam avaliar o impacto financeiro desta medida no orçamento do ME, presumo que seja pouco significativo. Também não tenho especial simpatia pela discussão muito permeável à demagogia e ao populismo sobre o ajustamento dos montantes em causa e parto do princípio que funções de direcção devem ser objecto de diferenciação salarial.
No entanto, para além destas questões, política e económica, parece-me bem mais importante reflectir sobre o modelo de organização e funcionamento das escolas. Repare-se, por exemplo, na quantidade infindável de estruturas de poder intermédio existentes nas escolas. Existe um número muito significativo de estruturas de coordenação de variadíssima natureza, com um conjunto de competências cujo enunciado enche páginas de legislação e que se traduzem em custos processuais, burocracia e tempo dedicado pelos professores a actividade não lectivas ou de planificação que, do meu ponto de vista, constituem um constrangimento sério à qualidade e eficácia do funcionamento das escolas.
O número de adjuntos ou a redução pouco significativa em termos globais dos suplementos remuneratórios, são, do meu ponto de vista, questões importantes em termos políticos mas acessórias em termos de qualidade, apesar da opinião pública acolher bem, por princípio, o corte no salário "deles", dos que mandam.
A questão central, insisto, é a simplificação e a desburocratização dos modelos de organização e funcionamento das escolas e agrupamentos.

sábado, 25 de dezembro de 2010

UMA HISTÓRIA DE NATAL MUITO PEQUENINA E UM BOCADINHO SEM JEITO, POR ASSIM DIZER

De acordo com a tradição naquela família, ao fim da noite de Natal chegava o momento mais aguardado, a abertura dos presentes que estavam ao pé da árvore de Natal.
Como também era habitual e devido à impaciência da espera os mais novos eram sempre os primeiros.
Assim, o Francisco, com a autoridade dos seus oito anos, começou ansiosamente a desembrulhar os muitos presentes que lhe estavam destinados. A cada um a euforia aumentava. Ficou delirante com o telemóvel e a consola nova que os pais lhe ofereceram e não fosse a vontade de conhecer o resto das prendas já não largaria os novos companheiros o resto da noite.
Recebeu ainda um portátil mais pequeno e mais recente do que já tinha, uma série de videojogos já adaptados à nova consola e uns fones de última geração.
O Francisco estava verdadeiramente nas nuvens ou, por assim dizer, completamente submerso pelo espírito natalício.
Por fim apenas restava por abrir o presente do Avô Velho, um embrulho pequeno e discreto. O Francisco, com a agitação ao alto, abriu-o e mostrou um caderninho de capa dura e beje que tinha escrito na capa com a letra certinha e redonda do Avô Velho "As minhas histórias". O Francisco deitou-lhe um olhar rápido e pousou-o num canto onde ficou o resto da noite.
Quando toda a gente se foi deitar o Avô Velho ficou mais um pouco na sala e percebeu que já não era deste mundo. Devagarinho, para não acordar ninguém enfiou-se pela chaminé e partiu.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

UM DIA SEM HISTÓRIA

Hoje, ao que parece, não acontece algo de especialmente relevante, ou extraordinário.
Para além, é claro, de se noticiarem dificuldades acrescidas para muitas pessoas face às dificuldades decorrentes da crise, designadamente do desemprego.
Para além, é claro, de se confirmar a tendência de aumento dos cortes em apoios com implicações pesadas para algumas famílias.
Para além, é claro, de continuar o triste espectáculo proporcionado pelas lideranças políticas mais preocupadas com a agenda dos interesses partidários do que com o bem comum, seja lá isso o que for.
Para além, é claro, das sempre presentes referências aos mercados e à enormidade da nossa dívida e da flutuação dos respectivos juros de acordo com o estado de espírito de umas tais agências de "rating".
Para além, é claro, das notícias dadas com a sensibilidade do costume sobre mais um assalto violento.
Para além, é claro, da referência discreta a um novo episódio de corrupção, utilização indevida de dinheiros públicos ou má gestão do que é de todos.
Para além, é claro, da divulgação das últimas birras de umbiguismo dessas figuras maiores, José Mourinho, "El especial" e Cristiano Ronaldo, mais conhecido por CR7, CR9, ou lá o que é.
Para além, é claro, da divulgação de mais um conjunto de alertas coloridos sobre, não reparei bem, frio, chuva, vento, calor, agitação marítima ou outra qualquer condição.
Para além, é claro, de mais uma notícia sobre um acidente com crianças e uns quantos desastres rodoviários devidos a negligência.
Para além, é claro, ...
Enfim, há dias assim, sem história. É apenas véspera de Natal.

IMAGENS - Nas levadas da Madeira

Foto de João Morgado - http://olhares.aeiou.pt/jgmorgado

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A NEGLIGÊNCIA É MAIS PERIGOSA QUE OS BRINQUEDOS

O Conselho de Ministros aprovou hoje nova legislação sobre a segurança dos brinquedos. Regista-se e aplaude-se a cautela.
Em trabalho recentemente publicado na imprensa alguns especialistas e a Associação para a Promoção da Segurança Infantil alertam para os riscos que os brinquedos, pela sua confecção ou utilização podem conter, acentuando que o facto de estar no brinquedo o símbolo CE não é suficiente como garantia de segurança. Alertam ainda para o papel dos pais como os "verdadeiros inspectores" da segurança dos brinquedos.
Acho interessante e oportuno, estamos à beira do espírito natalício, a preocupação com os brinquedos, mas gostava de sublinhar que continuamos a ser um dos países da Europa com taxa mais alta de acidentes domésticos envolvendo crianças. Como trágico exemplo, temos este ano um número já significativo de casos de crianças que caíram de janelas ou varandas Ainda há poucos dias se verificou nova tragédia.
O que me parece importante sublinhar é que num tempo em que os discursos e as práticas sobre a protecção da criança estão sempre presentes, é recorrente a referência aos perigos dos brinquedos, também se verifica um número altíssimo de acidentes o que parece paradoxal. Por um lado, protegemos as crianças de forma que, do meu ponto de vista, me parece excessiva face às suas necessidades de autonomia e desenvolvimento e, por outro lado e em muitas circunstâncias, adoptamos atitudes e comportamentos altamente negligentes e facilitadoras de acidentes que, frequentemente, têm consequências trágicas.
E não vale a pena pensar que só acontece aos outros.

O EFEITO PLACEBO

Desde há muito que, designadamente nas ciências da saúde e do comportamento, é conhecido o efeito placebo, ou seja, as pessoas sentirem-se melhor quando tomam um medicamento que não tem qualquer efeito terapêutico, sendo, nas mais das vezes, apenas um comprimido de açúcar. Muitos estudos suportam este efeito que, também desde sempre, tem levantado algumas reservas do ponto de vista ético pois, formalmente, está a enganar-se um indivíduo dando-lhe um "medicamento" que se sabe não ter efeito pelas suas características, devendo-se as eventuais melhorias à convicção das pessoas na "terapêutica" que estão a seguir. Actualmente, desenvolvem-se estudos que promovam a utilização do efeito placebo num quadro que não signifique "enganar" o doente, ou seja, avisando-o das características inócuas do medicamento mas esperando que o efeito se mantenha.
Se bem repararem no nosso cenário político, boas parte da nossa classe dirigente parece confiar no efeito placebo. Tomam medidas incompreensíveis, com pouco impacto na melhoria do bem-estar das pessoas e esperam que nós, só porque fomos informados das medidas, comecemos a sentir-nos melhores.
Reparem no caso do salário mínimo. No centro de uma profunda crise económica e na véspera de aumentos generalizados em sede de Concertação Social, Governo, Associações empresariais e a UGT acordam num aumento de 10 euros mensais em Janeiro, cerca de 33 cêntimos por dia, situação que se aplica a mais de meio milhão de portugueses. Em seguida toda a gente se congratula com o acordo e com a melhoria nas condições de vida das pessoas que vivem com tal montante.
Tais discursos, só mesmo acreditando no efeito placebo. Dizem-nos que o salário sobe, e nós, por convicção, passamos a viver com menos dificuldades.
Só que nesta matéria não existe efeito placebo, as pessoas bem gostavam de acreditar nas medidas, nos discursos, nas intenções e sentir-se melhor. Mas a realidade não é, par ninguém, a projecção dos nossos desejos.

O NATAL MÍNIMO NACIONAL

Pois é, a conversa nesta altura deveria ser sobre o Natal, a Consoada como também lhe chamamos. Deveríamos estar atentos à compra da quantidade enorme de presentes que despejamos com afecto por cima de familiares e amigos, sobretudo sobre as crianças.
Ao que parece, dizem-nos que estamos a movimentar mais dinheiro que o ano passado na mesma altura. Não será de estranhar, o espírito natalício é tão forte que até à crise resiste.
A questão é que, estranhamente e certamente para estragar o espírito natalício, existe meio milhão de portugueses a viver com menos de 475 € por mês, umas centenas de milhar com subsídios de desemprego e outros milhares nem isso têm, quando se sabe que vários bens essenciais vão aumentar mais do que a inflação em 2011.
A questão é que segundo o Tribunal de Contas, em 2009 o plano anti-crise custou cerca de 2,25 mil milhões sendo que 61% desta verba foi para ajuda à banca e apenas 1% se destinou ao trabalho.
A questão é que em 2010 um salário de topo médio corresponde a 14 salários mínimos e em 2011, o mesmo estudo referido no DN antecipa que o salário médio dos gestores de topo valerá 20 salários mínimos aumentando o fosso social que nos caracteriza.
Parecem de facto questões a mais para o espírito natalício pese embora a sua resistência. Por isso, é melhor esquecer e tratar de começar a embrulhar os presentes, muitos.

O PRESENTE DE NATAL

Numa época em que nos sentimos pressionados à oferta de presentes às pessoas da nossa rede social, termo na moda e, portanto, a utilizar, as dificuldades que atravessamos tornam mais difícil a escolha e limitam a disponibilidade.
Quando os destinatários dos presentes são os miúdos a coisa complica-se pois, para além dos eventuais custos, acontece com frequência que os miúdos já têm tanta coisa, a que muitas vezes sem qualquer utilidade o que torna a época mais complicada e a necessitar de imaginação.
Imbuído já do espírito de generosidade que caracteriza a época que se anuncia, não se esqueçam que é o tempo de sermos bons e nos mostrarmos incomodados com os que mal passam, dedicando-lhes um pensamento solidário ou um saco de compras depositado no Banco Alimentar que nos descansa a consciência, gostava de fazer uma sugestão de prenda, sobretudo para os mais novos, mas também interessante para muitos dos mais velhos.
Trata-se de algo que parecendo não ser muito fácil de encontrar não é assim tão difícil, se quisermos encontramos. É um bem que pode assumir diversos tamanhos, podemos oferecer a quantidade que acharmos por bem. Creio que é um presente que além de ser bonito é bastante útil podendo ser usado das mais variadas formas, em diferentes ocasiões e sempre com agrado. Apresenta também a vantagem de ser uma enorme necessidade, raramente se encontra alguém que não se queixe da sua falta pelo que, oferecendo este presente estamos, para além de expressar o afecto que sentimos pela pessoas a quem oferecemos, ainda ajudamos com algo de verdadeiramente necessário e, como já disse, útil.
Os mais pequenos vão adorar mais este presente do que muitos dos jogos e brinquedos com que frequentemente são submersos e os velhos que também o receberem vão sentir-se bem melhor.
Na verdade, acho mesmo uma boa ideia oferecer tempo às pessoas. É isso, este Natal podíamos poupar nos euros e oferecer tempo, tenho quase a certeza de que as pessoas vão gostar.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O IMPOSSÍVEL CONSENSO

Há poucas semanas o Presidente da República afirmou que a educação deveria ser um desígnio nacional assumido por todos. Disse ainda que a educação é uma pedra fundamental do nosso desenvolvimento, que a qualificação é imprescindível, que devemos mobilizar todos os meios ao nosso alcance, que é necessário proteger as crianças dos efeitos da crise, etc. etc., ou seja, a retórica do costume. Não foi certamente a primeira vez que um responsável político fez uma afirmação desta natureza, é, aliás, um discurso recorrente e repetido com insistência.
Hoje, cabe a vez aos dirigentes sindicais da FENPROF e da FNE de, em declarações no Público, fazer um apelo a "um consenso nacional sobre educação" com base num amplo debate sobre os estado da educação e no sentido de evitar as derivas políticas que caracterizam o sistema.
No entanto, na cultura e praxis política que temos tal entendimento é impossível, o Presidente e os dirigentes sindicais sabem-no bem, fazem parte do sistema, pelo que os seu discursos se inscrevem no próprio funcionamento do sistema e que conduz ao que temos.
A partidocracia instalada leva a que, na generalidade das matérias, os interesses partidários se sobreponham aos interesses gerais, a conflitualidade que sendo importante e muitas vezes estimulante e promotora de mudança, é assente em corporações de interesses e clientelas que inibem a definição de rumos e de perspectivas que visem o interesse geral.
No universo mais particular da educação, devido ao peso e impacto social do sector, é ainda mais óbvio a presença de interesses antagónicos que decorrem bem mais dos interesses da partidocracia do que a verdadeira preocupação com a qualidade dos processos educativos. Se atentarmos nos discursos habituais dos que se movem neste universo com alguma responsabilidade fica óbvia esta realidade.
Gostava de poder ter um discurso mais optimista, mas muito provavelmente continuaremos a assistir à continuidade da deriva e do digladiar de interesses partidários, promovendo política pequena onde era imprescindível política grande.

O ALUNÃO

Acabou o primeiro período, reúnem-se os professores e atribuem-se as notas. A maioria dos miúdos, felizmente, sairá bem tratada do processo. Com notas mais ou menos elevadas ficarão contentes e o espírito natalício encarregar-se-á de os compensar também da forma possível, pois, como se sabe, o espírito natalício não é igual para todas as famílias, algumas terão até muito pouco espírito natalício este ano.
Outros alunos, apesar de terem alguns resultados menos positivos, encararão, com o apoio dos professores e da família e, naturalmente, com o seu esforço o resto do ano com uma atitude positiva e de confiança assumindo a convicção de como se diz “vão lá”, “são capazes”. Assim deve ser.
No entanto, haverá um grupo de alunos de quem a escola, mesmo estando no primeiro período, desistirá. São os miúdos que “não vão lá”, seja porque “com a família que tem não é possível”, “porque, coitado, não é muito dotado, já o irmão quando cá andou assim era”, “não se interessa por coisa alguma, não anda aqui a fazer nada” ou outra qualquer apreciação entendida como razão. Muitos destes alunos, tal como a escola desiste deles, também eles desistirão da escola, confirmando a antecipação do insucesso, desde já estabelecida.
Num tempo em que a grande orientação é reaproveitar e reciclar o que não serve ou não presta, talvez seja de os municípios, com a orientação do Ministério da Educação, procederem à instalação de um novo recipiente nos ecopontos que quase sempre existem perto das escolas. Assim, junto do vidrão, do pilhão e dos outros contentores, colocar-se-ia um alunão, um recipiente onde se colocariam os alunos que não servem ou não prestam e esperar que algo ou alguém os recicle e devolva à escola novinhos, reciclados, cheios de capacidades e capazes de percorrer sem sobressaltos o caminho do sucesso.
O problema é que somos uma sociedade de desperdícios, até de pessoas, logo das pequenas.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

UMA SEGUNDA OPINIÃO, UM NICHO DE MERCADO

Num país onde habitualmente a opinião é confundida com saber e onde pululam opinadores profissionais, um serviço que disponibilize opiniões é algo que mostra visão empresarial.
Acresce que a emissão de opiniões se passa, neste caso, numa área, a saúde, em que a grande maioria dos cidadãos quando tem alguma dúvida é, obviamente, quando se sente mais fragilizado e disponível para “saber” tudo sobre o que se passa consigo.
Neste contexto, o aparecimento de um serviço, o Best Medical Opinion, que, por um mínimo de 100 € emite opiniões sobre a saúde do cidadão, vem ao encontro da fragilidade psicológica das pessoas potenciando o recurso ao serviço tornando-o, esperarão os promotores, uma fonte rentável o que não surpreenderá.
Ao que o Público noticia, num excelente serviço publicitário à empresa, estão envolvidos um grupo alargado de especialistas que, sem qualquer contacto com as pessoas, se propõem opinar sobre o que o cidadão deve fazer ou saber sobre a sua condição de saúde com base na análise dos exames complementares de diagnóstico.
A Ordem dos Médicos parece manifestar alguma reserva face a iniciativas desta natureza, estou a lembrar-me que há algum tempo ouvi um comentário cauteloso do Bastonário sobre estas práticas e importa também saber o que pensa a tutela, por isso vamos ver os desenvolvimentos. De qualquer forma, admitindo até que do ponto de vista formal o Best Medical Opinion tem base para existir, creio que em termos éticos e deontológicos, a iniciativa estará nos limites do aceitável, se é que pode ser aceitável.
Um bom negócio parece poder ser. Não é novo, a saúde sempre foi um excelente negócio.

ESCOLAS BEM ORGANIZADAS, GERIDAS E LIDERADAS MAS MELHORAM POUCO

Foram divulgados os resultados da avaliação externa dos agrupamentos e escolas realizada pela Inspecção-geral de Educação no ano lectivo 2009/2010. Num universo de 233 agrupamentos e 67 escolas apenas 4 estruturas educativas obtiveram "muito bom" nos cinco parâmetros considerados, "Resultados", "Prestação de serviços educativos", "Organização e gestão escolar", "Liderança" e "Auto-regulação e melhoria".
Neste espaço não é possível uma reflexão mais aprofundada sobre estes dados começando pelos instrumentos e metodologia de avaliação. Apenas algumas notas telegráficas.
O parâmetro "Capacidade de auto-regulação e melhoria" é o que merece uma avaliação menos positiva, quase metade das estruturas avaliadas não vai além do "Suficiente" o que contrasta com "Organização e gestão escolar" e "Liderança" em que 92% merecem "Muito bom". São dados curiosos.
Se bem entendo as escolas e agrupamentos estão muito bem organizadas, muito bem lideradas mas não têm capacidade de melhoria e regulação. Parece no mínimo estranho. Creio não estar enganado no entendimento de que a melhoria e regulação dependem da organização e gestão escolar e, obviamente, da liderança. Como entender pois, que agrupamentos e escolas bem organizadas, geridas e lideradas revelem uma menor capacidade de melhoria e regulação?
Do meu ponto de vista, já o tenho afirmado, o actual modelo de organização das escolas e do trabalho dos professores leva a que um número extraordinário de horas de trabalho dos docentes seja dedicado a um conjunto interminável de actividades, a inúmeras tarefas de natureza quase administrativa, para além das reduções inerentes à progressão na carreira e de outras funções não lectivas. Tudo isto contribui para que em termos práticos tenhamos um modelo menos eficiente e facilitador do trabalho dos alunos e os próprios professores, cujo empenho e profissionalismo esbarra muitas vezes com modelos inadequados de organização e funcionamento das escolas. Este quadro parece-me contribuir para entender a dificuldade de promover regulação e melhoria em estruturas que, paradoxalmente, se consideram "bem organizadas e geridas". Parece-me que não estão e este é um aspecto central.
Temo que a necessária discussão sobre os dados da avaliação se centre excessivamente em aspectos de forma e menos nos aspectos essenciais, as práticas que se desenvolvem, os modelos (no plural) de organização e do trabalho em sala de aula, os modelos de organização e funcionamento das escolas, o modelo e a organização da carreira docente envolvendo os conteúdos funcionais, etc., etc.

COMO É QUE CORREU? - Outro diálogo improvável

Então como é que te correu? A mim não correu mal de todo.
A mim nem por isso. O tempo não me deu para fazer tudo. Acho também que algumas coisas não me saíram muito bem.
Pois é, às vezes não estamos bem preparados.
Para alguns dos problemas até acho que estava preparado, outros não sabia mesmo como deveria ter feito.
Sabes que às vezes aparecem algumas questões com que nem estamos a contar e depois fica mais difícil resolver, mesmo quando já temos alguma experiência e achamos que sabemos.
Também apareceram umas fáceis e que se resolveram bem. Algumas até gostei mesmo de fazer.
É sempre assim, acho eu. Umas coisas mais difíceis, outras mais fáceis, mas temos que aguentar com o que aparece pela frente. Sabes qual é o problema maior?
Qual é?
Quando acabamos uma vida é que estamos preparados para viver outra.
Claro, muito provavelmente já correria melhor.
Bom, até à próxima.
Próxima, que próxima?
Tens razão, é o hábito.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

OS TEMPOS QUE NOS FALTAM

Um estudo hoje divulgado no Público realizado em 14 países da Europa sugere que os portugueses são os que mais dificuldades revelam em conciliar trabalho com vida pessoal. De facto, 84 % dos inquiridos revelam essa dificuldade sublinhando a falta de tempo para a família e amigos, para si próprios e companheiros e para actividades de lazer.
Já tenho referido aqui no Atenta Inquietude que uma das questões mais associadas aos estilos de vida que suportam os dados acima é o envolvimento dos pais no processo educativo escolar dos filhos. Com as circunstâncias de vida diária actuais não é fácil, sobretudo em zonas urbanas, a presença dos pais na escola com consequências óbvias. É certo que se verificarão algumas situações de negligência mas muitas das ausências decorrem da dificuldade de conciliar com a vida profissional.
Considerando este cenário, defendo há muito a pertinência de, em sede de Concertação Social, avançar com propostas de alteração legislativa, sobretudo, na organização horária do trabalho que poderia, essa sim, ter impacto na disponibilidade dos pais. Não me parece impossível que em muitas profissões os tempos de trabalho pudessem ter outra distribuição permitindo mais tempo com os filhos e menos tempo destes na escola.
Ainda a propósito da dificuldade de conciliar trabalho e vida pessoal deixo uma estória que há dias poisou no Atenta Inquietude.

Bom dia, venho apresentar uma queixa.
Com certeza, contra quem?
Contra muita gente.
Será, portanto, contra incertos. E apresenta queixa porquê?
Por roubo, roubaram-me tempo.
Muito bem, então roubaram-lhe tempo. Por favor, pode explicar um pouco melhor para eu poder registar a situação.
Eu já não tinha muito tempo porque nunca fui uma pessoa muito rica de tempo, mas o pouco que tinha roubaram-me. Fiquei sem tempo para estar com os meus filhos e brincar com eles. Este tempo faz-me muita falta, os miúdos andam tristes porque desde que me roubaram o tempo não consigo mesmo. Já não tenho tempo para descansar ou ler qualquer coisa como gostava de fazer. Não tenho tempo descansado para a minha mulher que também precisava do tempo que eu tinha e que partilhava com ela. No meu trabalho não tenho tempo para parar um minuto sem que alguém venho logo chamar a atenção. Fiquei sem o tempo que tinha para beber um copo com os meus amigos e trocar umas lérias que serviam para aliviar das coisas da vida.
Eu percebo o seu problema, mas como deve calcular não tenho tempo para queixas como as que apresenta.
Não tem tempo? Não me diga que também lhe roubaram o tempo. Até às autoridades, é demais.

NOVO SEGREDO DIPLOMÁTICO

O Atenta Inquietude após um exaustivo esforço para escrutinar informação verdadeiramente relevante para nós portugueses na massa de documentos disponibilizada pela Wikileaks, encontrou um telegrama subscrito por todos os embaixadores acreditados em Lisboa, resultante de uma reunião clandestina e que foi enviado às respectivas capitais.

"A situação em Portugal continua confusa e de difícil entendimento.
Os portugueses têm um país lindíssimo e conseguem estragá-lo com empreendimentos horrorosos e com modelos de desenvolvimento incompreensíveis.
Não conseguimos perceber como tendo um país tão bonito, tão variado e com uma dimensão simpática, passam o tempo livre dentro de centros comerciais.
Continua difícil entender boa parte do quadro legal que apenas parece ter natureza indicativa e não imperativa. Assim, cada pessoa ou entidade interpreta a lei da forma que lhe parece servir melhor os seus interesses e, naturalmente, quanto maiores são os interesses, maior a "facilidade" na interpretação da lei.
O cenário político em Portugal parece estar organizado para proporcionar o poder alternado aos maiores partidos e os portugueses estão progressivamente a desconfiar e a afastar-se da classe política que se entretém em disputas verbais inúteis a que chamam, curiosamente, discursos de estado.
Sendo um país que precisa de desenvolvimento não se compreende muito bem como deixam partir para os nossos países muitos dos portugueses mais qualificados porque não lhes proporcionam condições de fixação minimamente atractivas.
Como povo, continuam muito simpáticos, a receber bem, sempre prontos para uns dedos de conversa, sobretudo ao telemóvel e acham, uma boa parte, que o ideal de vida seria um subsídio do estado para dispensar o trabalho. Mantêm a reafirmada capacidade de achar que o que vem dos nossos países é sempre melhor do que o que aqui existe pelo que não investem e valorizam o que de muito bom têm e fazem.
De uma forma geral, o estado, as famílias e as pessoas gastam acima do que podem pelo que se carregam de dívidas levando ao desenvolvimento de uma actividade curiosa, a ginástica orçamental.
Neste contexto solicita-se orientação política sobre procedimentos a adoptar. Parece, no entanto, que não devem ser pressionados para mudar muito porque correm o risco de perder a graça e ficar como nós."

domingo, 19 de dezembro de 2010

A QUEDA DE UM ANJO

Mais uma tragédia a acrescentar às que já aconteceram este ano. Desta foi na Póvoa de Varzim, uma criança perde a vida ao cair de um quinto andar. As janelas, varandas, escadas ou piscinas, por exemplo, são um cenário muito ligado a episódios graves ou fatais para muitos miúdos, demais.
Continuamos a ser um dos países europeus em que acontecem maior número de acidentes domésticos com crianças. Nas mais das vezes verifica-se alguma negligência ou excesso de confiança da nossa parte, adultos, na vigilância dos miúdos a que se junta a inexperiência e à vontade próprias dos mais pequenos.
A culpa que alguém pode carregar depois de uma episódio desta natureza será, creio, suficientemente forte para que deixemos de lado o aspecto da culpabilização.
O que me parece importante sublinhar é que num tempo em que os discursos e as práticas sobre a protecção da criança estão sempre presentes, também se verifica um número altíssimo de acidentes mortais o que parece paradoxal. Por um lado, protegemos as crianças de forma que, do meu ponto de vista, me parece excessiva e por outro lado e em muitas circunstâncias, adoptamos atitudes e comportamentos altamente negligentes e facilitadoras de acidentes que, frequentemente, têm consequências trágicas.
E não vale a pena pensar que só acontece aos outros.

O FRIO DA INFÂNCIA

Nos tempos que percorremos, em que se envolvem o espírito natalício e sucessivos alertas coloridos por causa do frio, da falta de preparação das nossas casas e das dificuldades económias de muita gente para suportar os custos do aquecimento, lembrei-me de uma nota do muito interessante “O mundo” de Juan José Millás que assim fala, “Quem teve frio em pequeno, terá frio para o resto da vida, porque o frio da infância nunca desaparece”.
Creio que existem muitos miúdos que passarão algum frio e nem sempre conseguimos dar por isso. Acontece até que alguns deles sentem frio em ambientes muito aquecidos. É o frio que vem de fora, aquele de que falam os alertas coloridos, é o frio que está à beira, um bloco de gelo disfarçado de família ou de instituição de acolhimento e é o frio que vem de dentro e deixa a alma congelada. Do frio de fora, apesar de incomodar, acho que nos conseguimos proteger e proteger os miúdos, mas dos frios que estão à beira e dos que vêm de dentro nem sempre o conseguimos porque também nem sempre entendemos e estamos atentos ao frio que os miúdos passam.
Apesar de sentir confiança na resiliência dos miúdos expressa em muitíssimas situações de gente que sofreu e resistiu a experiências dramáticas, uns mais que outros naturalmente, parece-me fundamental que estejamos atentos aos frios da infância.
Muitas vezes, como diz Millás, quem teve frio em pequeno terá mesmo frio no resto da vida. Quando olhamos para muitos adultos à nossa volta parece claro o frio que terão passado na infância.

sábado, 18 de dezembro de 2010

O DESPERDÍCIO

No âmbito da crise entraram no vocabulário quotidiano termos como cortes e poupança, por um lado, e despesismo e desperdício por outro.
Do meu ponto de vista, muitas das Medidas tomadas e a forma como são divulgadas, misturam e alimentam equívocos em torno de questões de natureza diferente.
De facto, baixar salários é um corte que poupa dinheiro mas não é uma poupança. Poupança é, por exemplo, um acto de gestão pessoal ou institucional que procura manter ou adquirir um bem ou um serviço em condições mais favoráveis e com menos custo.
Por outro lado, despesismo e desperdício, são actos de má gestão individual ou institucional, ao serviço muitas vezes de interesses pouco claros, que deveriam ser combatidos e, se for o caso, punidos.
Neste cenário de crise, as medidas de natureza política não podem, não devem, meter no mesmo saco, cortes nos salários ou nos apoios sociais, poupanças nas compras de bens para a administração ou alterações na organização administrativa, por exemplo.
Insisto particularmente na questão do desperdício que é um dos mais gigantescos sugadouros de recursos, praticamente um poço sem fundo. O desperdício de que estou a falar está para além dos recursos financeiros e do melhor aproveitamento de recursos materiais. Estou a falar por exemplo de tempo, um bem de primeira necessidade, que se desperdiça em inutilidades, por má gestão ou organização, que se dedica a discussões estéreis e ruidosas seja em reuniões improdutivas ou em debates inconclusivos por incompetência, demagogia ou intenção.
Estou a falar do desperdício de competências e de pessoas que, por falta de oportunidade ou de políticas ajustadas, públicas ou privadas, são completamente subaproveitadas.
Lembro-me também de algo a que costumo chamar de “agitação improdutiva” que envolve muitíssimas situações de pessoas que aos mais diversos níveis e em diferentes circunstâncias se empenham, se esforçam, mas com baixos níveis de qualidade e rentabilidade por má gestão ou organização penalizadora das pessoas e das instituições.
Enfim, são múltiplos os exemplos de desperdício e são ainda mais e mais graves as consequências desta espécie de cultura instalada.
No entanto, é quase imoral que uma administração que se defronta com tal nível de desperdício e ineficácia faça cair sobre os cidadãos o preço da sua incompetência.
Quando era mais miúdo e sempre que estragava ou não aproveitava devidamente qualquer coisa, ouvia logo dos meus pais, “pensas que és rico”.
Eles não sabiam, mas nesta coisa de impostos e administração pública, os países mais ricos são os que menos desperdiçam.

IMAGENS - Tróia com a Arrábida à espreita


Foto de João Morgado - http://olhares.aeiou.pt/jgmorgado


sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A FOME QUE AMEAÇA O FUTURO

Lamentavelmente não é possível não retornar à questão das privações alimentares, fome coisa que gostávamos de acreditar erradicada, que começam atingir muitas crianças em Portugal. O Público de hoje faz-se eco das preocupações do Conselho de Autoridades de Saúde e da possibilidade de utilização das cantinas das escolas durante as férias e fins-de-semana para minimizar os problemas graves, cenário que muitas autarquias começam a encarar.
Há tempos um estudo sobre desigualdades sociais da responsabilidade do Observatório das Desigualdades do ISCTE, entre outros dados e com base nos indicadores de 2009, aponta para a existência de 23% de situações de pobreza para a população abaixo dos 18 anos. Evidencia-se também o risco de pobreza que afecta 500 000 pessoas no activo devido aos baixos salários, continuamos um dos países mais assimétricos da Europa pelo que ter trabalho não chega para fugir ao risco de pobreza. Por outro lado, um levantamento junto das autarquias dos distritos de Lisboa, Porto, Setúbal, Coimbra e Faro mostra que quase metade dos alunos da educação pré-escolar e do 1º ciclo recebe apoios sociais sendo que em alguns concelhos a percentagem de crianças carenciadas atinge os 65%, número verdadeiramente impressionante. Acresce que em muitos concelhos a maioria das crianças apoiadas integra o escalão A dos apoios, o que se destina aos agregados com rendimentos mais baixos.
Estes indicadores sobre as dificuldades que afectam a população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência alimentar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.
É por questões desta natureza que a contenção das despesas do estado, imprescindíveis, como sabemos, deveriam ser feitas com critérios de natureza sectorial e não de uma forma cega e apressada, mas naturalmente mais fácil e que, entre outras consequências, poderão empurrar milhares de crianças para situações de fragilidade e risco com implicações muito sérias.
Relembro a história que já aqui contei e que me aconteceu há uns anos em Inhambane, Moçambique, quando ao passar por uma escola para gaiatos pequenos o Velho Bata me dizer que se mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é, putos com fome não aprendem e vão continuar pobres.

PRECÁRIA DE VIDA

Segundo dados do INE citados no DN, 314 000 jovens não estudam nem trabalham. Este número atendendo à dimensão do país é absolutamente dramático. Além disso a OCDE divulgou há tempos que mais de metade dos jovens empregados até aos 24 anos têm empregos precários. Na mesma linha, também há algum tempo, o Banco de Portugal referia que em cada dez empregos novos, nove são precários.
Deste cenário e dos números do desemprego, resulta que os mais novos à entrada no mercado de trabalho são os mais vulneráveis ao desemprego e à precariedade quando, apesar da dificuldades, acedem a algum emprego.
Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem, obviamente, sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os indicadores mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais, a União Europeia já indicia a intenção de colocar a reforma nos 70 anos.
No entanto, um efeito muito significativo mas menos tangível desta precariedade no emprego, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída motivadora e que recompense. Podemos estar perante as gerações perdidas de que há algum tempo se falava.

O TEMPO DAS PRENDAS E DO NATAL

Um dia destes, já à entrada do espírito natalício um título na imprensa dizia qualquer coisa como "Os brinquedos mais desejados são os que se vêm no ecrã".
Não podia deixar de ser, o Natal está aí e, portanto, está aberta a época de caça, perdão de compras sugeridas. A publicidade nos “ecrãs” direcciona-se em força para os miúdos estimulando o consumo a que os pais dificilmente resistem, com ou sem crise, que a consciência que rói e estimula a culpa se aquieta com um monte de prendas e, por outro lado, sabem como é, é tão difícil dizer não.
Será ingénuo pensar que quem promove produtos para os miúdos e quem gere os “ecrãs”, assuma uma preocupação com o equilíbrio entre o natural interesse dos miúdos por brinquedos e a natural vontade dos pais de proporcionarem prendas aos filhos e demais criançada da família, sobretudo numa época transformada num centro comercial decorado a vermelho e com barbas e num tempo em que cada vez mais “só se é o que se tem” e “ter mais é ser mais”. No entanto, acredito que é possível e desejável fazer alguma coisa junto dos pais e dos miúdos para tentar atenuar os efeitos deste cenário e até existem algumas iniciativas já experimentadas com muito interesse, mas com pouca divulgação e algumas de carácter pontual.
As escolas poderiam ter um trabalho interessante debatendo com os miúdos, de todas as idades e de forma adequada, o papel da publicidade nas escolhas e nos gostos deles promovendo uma atitude mais consciente e crítica destes processos. Poderia também ser interessante conversar com os pais sobre o papel dos “presentes” nas relações familiares, isto é, mais prendas não é igual a gostar mais, não compram os afectos, sobre o papel da publicidade e a forma de lidar com a pressão desencadeada pelos filhos depois de verem “os ecrãs”.
Pode não ser claro, mas a minha ideia não é estragar o Natal, é ter um Natal por medida em vez de um Natal pronto a consumir.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

TAL PAI, TAL FILHO

Dados hoje divulgados pelo Eurobarómetro citados no Público evidenciam que nós portugueses não acreditamos na ascensão social, somos dos mais pessimistas e apontamos fundamentalmente as origens familiares e a falta de apoios como causas da pobreza. Na União Europeia a percepção média das causas de pobreza remete ara a falta de qualificações. Sobre estas questões algumas notas respigadas de textos anteriores e centradas sobretudo na questão da ascensão social, ou seja, a quebra do ciclo de tal pai, tal filho.
Desde sempre que os estudos, designadamente no âmbito da sociologia da educação, associam a carreira escolar e o estatuto profissional dos filhos ao nível de escolaridade e estatuto económico dos pais. Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade. Em Portugal verifica-se um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre os níveis escolar e salarial dos pais e os dos filhos é ainda mais forte o que relatórios da OCDE confirmam. O nível de escolaridade média dos portugueses é o segundo mais baixo da OCDE, apenas a Turquia está pior, situação que em 1960 já se verificava, ou seja, aumentámos o nível de escolaridade mas menos que todos os outros países, à excepção da Turquia. Os dados sublinham a incapacidade da escola de promover mobilidade social, ou seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o nível atingido pelos filhos. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno, haver quem se admirasse dos meus pais, um serralheiro e uma costureira, terem decidido que eu continuaria a estudar. Tal constatação que, insisto, todos conhecemos, não autoriza, portanto, o discurso irresponsável e ignorante, mas muitas vezes tolerado sem discussão na comunicação social, de que vivemos num país de doutores. Não, definitivamente, vivemos num dos países do mundo desenvolvido com uma das mais baixas taxas de escolarização.
Deste quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, a ascensão, ou seja, a escola que deveria ser parte da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante igualdade de oportunidades.
Do meu ponto de vista, muitas vezes aqui afirmado, a questão central é a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada e, terceiro eixo, diversificação dos percursos de educação e formação. Esta diversificação deve passar, e temos registado progressos nesta área, por uma oferta bastante mais variada ao nível do secundário possibilitando a muitas jovens completar este nível de ensino com competências profissionais, isto é que é fundamental. Também ao nível do ensino superior, com o trabalho no âmbito do ensino politécnico se criam condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados.
Não é certamente por acaso, que na generalidade dos países da União Europeia a percepção média das causas de pobreza radica na falta de qualificação, enquanto entre nós essas causas se percepcionam centradas no estatuto social da família.

TELEMÓVEIS

Na rotina da manhã cabe, por vezes e quando há tempo, a "companhia" de um noticiário televisivo. Um cidadão que está a preparar-se para durante mais um dia longo enfrentar o mundo, fá-lo-á mais preparado se estiver informado.
Às tantas, oiço o "pivot", como lhe chamam o que é um nome estranho mas aqui fica, informar que "a crise não afecta a venda de telemóveis, este ano já foram vendidos cerca de 4,5 milhões de aparelhos". Este número vai adicionar-se aos outros milhões já na posse dos portugueses transformando-nos num dos países com maior taxa de consumo destes aparelhos.
Fiquei satisfeito. Foi bom saber que mesmo em tempos de crise a nossa sociedade não abdica da comunicação e da comunicação com meios actualizados.
Conheço muitíssimas pessoas com vários aparelhos em utilização simultânea justificando, por exemplo, com a ligação aos diferentes operadores do mercado.
Se associarmos a esta frenética e enorme adesão aos telemóveis a presença nas redes sociais e a utilização da comunicação via mail, dificilmente teremos um minuto em que não estejamos em contacto com alguém, algures.
Só não percebo a razão porque me parece que as pessoas vivem, de uma forma geral, cada vez mais sós.

OS FORNINHOS OU OS EQUÍVOCOS DA COMUNICAÇÃO

Há muitos anos atrás, andava eu a começar a ser gente em termos profissionais e estava de conversa com a mãe do Luís. O Luís tinha na altura os seus cinco anos e era uma criança com Síndrome de Down.
No meio da conversa, a mãe do Luís refere que ele nos últimos dias só queria brincar aos forninhos, não deixava ninguém sossegado, sempre de volta das pessoas da casa que eram muitas, mais do que seria desejável para a dimensão da casa.
Sempre achei e acho que brincar é uma actividade extremamente séria, importante para toda a gente e imprescindível aos miúdos. Assim, achei por bem tecer algumas considerações sobre a importância de brincar e a colaboração das pessoas da casa nas brincadeiras com o Luís.
Aí a mãe põe um ar mais sério e algo embaraçada diz que é um bocado aborrecido esta ideia do Luís de brincar aos forninhos, que as pessoas ficam muito chateadas com ele e ela até fica um bocadinho envergonhada. Explicou-me a seguir que como a casa é muito pequena e existem alguns casais lá a viver, o Luís acaba por ver as cenas entre esses casais e depois quer imitá-los, ou seja, brincar aos forninhos.
Devo confessar que foi a minha vez de ficar embaraçado. Acabei por me rir para dentro a imaginar o Luís do alto dos seus quatro anos a assediar irmãs e cunhadas.
Este foi só um dos primeiros dos muitos equívocos que vim a descobrir, e descubro, na comunicação entre os pais e as instituições educativas.
Não foi dos mais graves.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

DISCUTIR O TERMÓMETRO NÃO BAIXA A FEBRE

E pronto, tinha de ser. Assente a poeira após as reacções aos resultados do PISA 2009, vêm as dúvidas. A escolha dos alunos e das escolas foi aleatória de acordo com as regras da OCDE e, portanto, podem considerar-se representativas e fiáveis do estado da arte da nossa população escolar de 15 anos ou, como algumas vozes afirmam, naquela forma de funcionar tão nossa e tão querida das práticas do ME deu-se um “jeitinho” na escolha das escolas e dos alunos?
A OCDE afirma não desconfiar dos procedimentos do ME e não divulga alunos e escolas por questões de confidencialidade, a Ministra afirma desconhecer os dados.
Sem informação transparente, que não sei se iremos conhecer, ficamos nas impressões, nas dúvidas, nos processos de intenção, na desconfiança, nos discursos achistas e tudologistas dos opinion makers, nas reservas face à fiabilidade dos resultados, nas posições decorrentes das agendas políticas ou corporativas dos vários actores envolvidos no universo da educação, enfim nada de novo no reino da educação.
Como tenho vindo a afirmar, mais do que esta cacofonia inconsequente importa pensar seriamente no que fazer para que tenhamos, de facto e sem equívocos, progressos nos resultados e competências dos nossos alunos. Deste ponto de vista, insisto na necessidade de alterações, que tardam, na organização e conteúdos curriculares, designadamente, no aumento dos tempos de trabalhos destinados ao português e à educação matemática, sobretudo nos 2º e 3º ciclos, três horas é manifestamente insuficiente.
Sem alterações substantivas nesta área, não adianta discutir o termómetro com que se mede a febre, esta não baixa.

A PRESSÃO DA EXCELÊNCIA

Num daqueles exemplos frequentes em Portugal de discrepâncias legais, as crianças que alguns serviços ou técnicos creditados atestavam como tendo níveis de desenvolvimento e precocidade excepcionais podiam entrar no 1º ano de escolaridade antes dos seis anos e poderiam concluir o 1º ciclo em três anos, ou seja, aos oito anos. No entanto, estranhamente, a lei apenas autorizava a entrada no 2º ciclo aos nove anos proporcionando uma espécie de licença sabática incompreensível. Nestas condições e de uma forma geral as escolas, como se entende, aceitavam as crianças.
Agora a situação foi ajustada em termos normativos mas admite que as crianças, por exemplo devido à data de nascimento, possam entrar mais cedo na escola sem que apresentem um quadro de capacidades excepcionais e também completar o 1º ciclo em três anos transitando assim para o 2 º ciclo com oito anos. Reparem que se este trajecto assim continuar e em tese, estes alunos poderão entrar no secundário com treze anos e no superior com quinze anos.
Esta situação requer, do meu ponto de vista, alguma reflexão. Conheço imensas situações de crianças que por pressão dos pais preocupados com a excelência e a competição são empurradas para a escola aos cinco anos e constantemente pressionadas para a obtenção de bons resultados escolares. Alguns professores referem frequentemente a dificuldade em lidar com esta pressão dos pais no sentido da excelência e da progressão rápida dos miúdos.
Como é previsível, algumas crianças por questões de maturidade ou funcionamento pessoal suportam de forma menos positiva esta pressão dos pais potenciando o risco de disfuncionamento, rejeição escolar e, finalmente, insucesso.
Parece-me assim que esta possibilidade de aceleração do percurso escolar, que em alguns casos se justificará, deverá ser administrada com cautela, atenção às particularidades individuais dos miúdos e à forma como se podem desenvolver estes processos.

A HISTÓRIA DO CONSUMIDOR

Era uma vez um rapaz chamado Consumidor. A história deste rapaz começou como é habitual, estava no sítio errado, à hora errada com a companhia errada. Sempre lhe disseram o que deveria dizer, o que deveria fazer, como deveria fazer. Mas naquele dia, ninguém das pessoas que sempre decidiam por ele estava por perto. É sempre assim. E ele não sabia decidir só, não estava habituado. E disse que sim. Só os rapazes que estão habituados a decidir são capazes de dizer que não, sobretudo aos outros rapazes. Nasceu assim mais um Consumidor.
Foi só a primeira vez que lhe faltou o não e nunca mais o recuperou.
A partir desse sim, muitos mais se seguiram porque cada vez mais o Consumidor tinha medo do não. Algum tempo depois, já não pensava, precisava, dependia.
Até que um dia, estas histórias acabam muitas vezes assim, só, outra vez sem ninguém por perto, o Consumidor foi consumido.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

ADOLESCENTES BONS, ADOLESCENTES MAUS

O estudo hoje divulgado coordenado por Margarida Gaspar de Matos, realizado no âmbito da Organização Mundial de Saúde, envolvendo uma amostra que acredito significativa e centrado nos estilos de vida e comportamentos dos adolescentes, contém um conjunto de dados muito interessantes.
Em primeiro lugar parece de sublinhar alguns aspectos que, de certa forma, contrariam a representação social sobre a adolescência e sobre os seus comportamentos, habitualmente negativa e pessimista. De facto, utilizando a expressão do Público parece estarmos em presença de uma geração exemplar, quando em termos sociais os discursos e visões são frequentemente catastrofistas. É, aliás, curioso verificar que muitos dos comentários on-line ao trabalho no Público são de negação dos resultados do estudo, ou seja, as pessoas centram-se na sua percepção da realidade e recusam acreditar nos aspectos mais positivos.
No entanto, importa não esquecer que temos problemas que envolvem os adolescentes e jovens que são significativos e não apenas “residuais” como refere Margarida Gaspar de Matos. A título de exemplo, alguns outros estudos, que merecem a mesma confiança, realizados, por exemplo pela universidade do Minho, indiciam que a prevalência do bullying é significativa no universo das escolas estudadas. Há poucos dias foi também divulgado um estudo sobre o consumo do álcool em que se constatava que embora menos pessoas consumissem, muitas das que consomem o fazem de forma excessiva, designadamente entre os jovens.
É ainda importante considerar que este estudo é centrado numa população até aos 15 anos e os seus resultados, em alguns aspectos, são animadores em termos de futuro, mas na faixa a partir dos 16, o grupo etário que até estava fora da influência da escolaridade obrigatória os problemas relativos aos estilos de vida e consumos são importantes como alguns estudos também evidenciam.
Em síntese, tal como os indicadores positivos emergentes do PISA são de saudar, continua a haver muito que fazer e a que estar atento no que respeita aos estilos de vida, comportamentos dos mais novos que se deseja ver traduzidos em projectos de vida positivos e viáveis.

A CONFLITUALIDADE NA EDUCAÇÃO

Não há mesmo volta a dar. O sistema educativo português parece condenado a uma dimensão de conflitualidade e instabilidade que lhe retiram serenidade e eficácia.
O ME bem se tem esforçado nos últimos tempos para introduzir e alimentar esta conflitualidade e instabilidade com medidas que, apesar de se assumirem, algumas com objectivos importantes e de necessária mudança, são muitas vezes incompetentes e obedecem a critérios dificilmente sustentáveis do ponto de vista da qualidade e equidade do sistema público de educação. Como exemplos pode citar-se todo o processo relativo à avaliação de professores, o processo dos mega agrupamentos e a direcção das escolas e agrupamento ou os avanços e recuos no processo de revisão curricular com o episódio recente do Primeiro-ministro anunciar no Parlamento o reforço obrigatório do ensino da Matemática no âmbito do Estudo Acompanhado que um projecto do ME em apreciação no Conselho Nacional de Educação se propõe extinguir. É uma deriva absolutamente desestabilizadora.
Por outro lado, numa atitude reactiva, mas também inscrita na profunda luta política em que a educação se transformou em Portugal, todos os parceiros envolvidos se acotovelam na defesa dos interesses que representam e que, frequentemente, são de natureza corporativa, profissional e, lamentavelmente, acabam por ser parte do problema e não parte da solução.
Não sou apologista de falsos consensos, a chamada paz podre, conseguida a todo o preço. A conflitualidade em educação, como noutras áreas, é, pode ser, um factor de desenvolvimento e crescimento.
Para isso, é preciso que se tornem claros os interesses em conflito e que, sobretudo, se perceba que os miúdos estão nas escolas e exigem que lhes proporcionem contextos educativos serenos e de qualidade.