sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A FOME QUE AMEAÇA O FUTURO

Lamentavelmente não é possível não retornar à questão das privações alimentares, fome coisa que gostávamos de acreditar erradicada, que começam atingir muitas crianças em Portugal. O Público de hoje faz-se eco das preocupações do Conselho de Autoridades de Saúde e da possibilidade de utilização das cantinas das escolas durante as férias e fins-de-semana para minimizar os problemas graves, cenário que muitas autarquias começam a encarar.
Há tempos um estudo sobre desigualdades sociais da responsabilidade do Observatório das Desigualdades do ISCTE, entre outros dados e com base nos indicadores de 2009, aponta para a existência de 23% de situações de pobreza para a população abaixo dos 18 anos. Evidencia-se também o risco de pobreza que afecta 500 000 pessoas no activo devido aos baixos salários, continuamos um dos países mais assimétricos da Europa pelo que ter trabalho não chega para fugir ao risco de pobreza. Por outro lado, um levantamento junto das autarquias dos distritos de Lisboa, Porto, Setúbal, Coimbra e Faro mostra que quase metade dos alunos da educação pré-escolar e do 1º ciclo recebe apoios sociais sendo que em alguns concelhos a percentagem de crianças carenciadas atinge os 65%, número verdadeiramente impressionante. Acresce que em muitos concelhos a maioria das crianças apoiadas integra o escalão A dos apoios, o que se destina aos agregados com rendimentos mais baixos.
Estes indicadores sobre as dificuldades que afectam a população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência alimentar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.
É por questões desta natureza que a contenção das despesas do estado, imprescindíveis, como sabemos, deveriam ser feitas com critérios de natureza sectorial e não de uma forma cega e apressada, mas naturalmente mais fácil e que, entre outras consequências, poderão empurrar milhares de crianças para situações de fragilidade e risco com implicações muito sérias.
Relembro a história que já aqui contei e que me aconteceu há uns anos em Inhambane, Moçambique, quando ao passar por uma escola para gaiatos pequenos o Velho Bata me dizer que se mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é, putos com fome não aprendem e vão continuar pobres.

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