Como frequentemente acontece lembrei-me do meu pai, hoje, em particular, porque se cumpre mais um ano, já são muitos, sobre a sua partida injusta de uma vida que ainda tinha muita estrada para andar.
A enorme capacidade que nós temos de lidar com a tragédia faz com que a saudade que de mansinho substitui a dor e a perplexidade, se alimente de uma memória que se tece, sobretudo, com as coisas mais bonitas, embora as menos bonitas não se apaguem.
Uma das muitas razões pelas quais o meu pai foi meu pai, foi contar imensas histórias, quase sempre de improviso. Não tínhamos televisão, líamos algumas obras que ele trazia do Arsenal do Alfeite onde era serralheiro, ouvíamos alguma rádio e lembro-me sobretudo das histórias, todos os dias inventadas. A memória destas histórias acendeu-se porque, em muitas delas, entrava um personagem que dava pelo estranho nome de Arranja Moinhos, não me perguntem porquê. Era fantástico o “Arranja Moinhos”, sempre que a história entrava numa fase mais complicada, fosse qual fosse a situação ou as dificuldades que os personagens enfrentassem, lá aparecia o Arranja Moinhos que tudo resolvia, tudo tratava e a história, claro, acabava bem para descanso dos fascinados ouvidores eu, o meu primo e, com frequência, mais um ou outro miúdo da vizinhança, naquele tempo ainda havia vizinhos em vez de condóminos.
Pensei como agora, um tempo em que a história de que somos personagens parece tão atrapalhada e cheia de enleios, como se diz no Meu Alentejo, seria interessante ver surgir o Arranja Moinhos no meio do nevoeiro, por assim dizer.
Tenho a certeza que ele havia de encontrar uma maneira de nos safar. O meu pai dizia que ele era capaz de resolver tudo.
E eu, eu continuo a acreditar no meu pai.
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