De vez em quando a imprensa vai-nos relatando casos de miúdos, quase sempre adolescentes, que saem de casa, aliciados pelos alçapões da net, por reacção a qualquer desconforto, atrás de uma ingénua história de amor ou tentados pela adrenalina de uma aventura.
Quase sempre, felizmente, estas histórias têm final feliz. A mais recente foi a da menina de Vagos, a Sara, que primeiro se suspeitava ter sido atraída através da net para um episódio potencialmente grave, mas que acabou num passeio alargado com o namorado em reacção, ao que parece, ao tipo de relacionamento familiar.
Neste tipo de situações parece-me importante reparar menos no seu valor facial e mais no que pode estar a montante da sua ocorrência. Refiro-me ao mal-estar em que muitos miúdos adolescentes vivem, muitas vezes sem que as próprias famílias, professores ou colegas dêem conta. Alguns sinais que possam ser visíveis são, por vezes, desvalorizados e entendidos como "coisas da idade", um equívoco que pode sair caro.
Retomo algumas notas de um texto que há algum tempo poisou no Atenta Inquietude sobre este mal-estar que assombra a vida de alguns miúdos.
Os tempos estão difíceis e crispados para os adultos, seguramente para boa parte dos adultos, e para os miúdos a estrada também não está fácil de percorrer. Alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família. Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um bairro insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vive ou o paraíso onde se acolhe e se sente protegido. Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e um projecto para a vida é apenas mantê-la. Alguns convencem-se que a escola não está feita para que nela caibam. Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar.
Alguns destes miúdos vão carregar para a escola a dor de alma que sentem mas não entendem, por vezes.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos miúdos, nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado e também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.
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