quarta-feira, 30 de setembro de 2020

LEVEM-ME À ESCOLA

 

No Público é referida a situação de alunos com necessidades especIais em vários agrupamentos de diferentes regiões ainda sentirem dificuldades ou mesmo impedimento de aceder à escola por falta de transporte escolar. O problema, ao que parece, está associado à transferência de competências para as autarquias e a questões de natureza processual.

As famílias mostram-se naturalmente preocupadas com os efeitos nos alunos que terá a sua ausência durante o início do ano lectivo.

Como é reconhecido os alunos com necessidades especiais incluíram o grupo de alunos que mais impacto negativo tiveram da forma como decorreu ao ano lectivo que acabou.

Também sabemos que as escolas, por razões óbvia e também com o enquadramento das orientações do ME utilizarão estas primeiras semanas para recuperação, consolidação, readaptação às rotinas e adaptação às novas rotinas.

A presença de todos os alunos desde o início era, pois, verdadeiramente importante, mas assim não está a acontecer e, para não variar, os mais vulneráveis, estão entre os mais afectados.

Os alunos e as famílias não estranharão, mas não tem que ser assim, não é o destino. Em políticas políticas públicas espera-se antecipação, planeamento e oportunidade.

Os últimos meses mostraram como uma escola à distância pode aumentar a distância para a escola para alguns alunos. A verdade é que a distância para a escola está associada à distância para o futuro. É que este passa pela escola.

terça-feira, 29 de setembro de 2020

MAYDAY, MAYDAY

 

Para um texto sobre a mesma questão de hoje, o envelhecimento da classe docente, em 2018 fui buscar este título a um artigo histórico de um dos meus Mestres, o Professor Joaquim Bairrão Ruivo, que também o usou com o sentido que tem na aviação. A situação continua mesmo grave e hoje retomo a questão recorrendo ao mesmo título.

O Público divulga os dados do relatório “Perfil do Docente 2018/2019” Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e os dados continuam a ser inquietantes e  com o passar do tempo e sem solução robusta , mais inquietantes.

Dos professores do quadro em 2018/2019, cerca de 63% têm idade igual ou superior a 50 anos, 60876 em 96203. No grupo dos professores contratados, 20567, nesta faixa etária existem 11%

Considerando os docentes do quadro, o grupo com maior efectivo, 22841, está faixa dos 55 aos 59 anos e nos contratados o grupo com maior número, 6888, é o da faixa dos 35 aos 39 anos.

Se considerarmos o início e o fim da carreira, grupo de docentes com menos de 30 anos existem 6 docentes no quadro 616 contratados. No grupo com 65 anos ou mais 34 docentes na 1896 estão no quadro e 34 estão contratados.

A situação é verdadeiramente assustadora justificando, deste ponto de vista, colocar o sistema educativo em alerta vermelho. Deixem-me recuperar algumas notas.

Acresce a esta situação que a pandemia implica um risco acrescido nas pessoas com mais idade o que, obviamente, amplia a já grave situação de receio e carência de docentes.

No Plano de Recuperação Económica e Social para Portugal 2010-2030 consta “investir num programa de reformas antecipadas negociadas com os professores mais idosos e alargar o recrutamento de novos professores jovens”. Não dá para esperar.

Há anos que sucessivos relatórios nacionais e internacionais têm alertado para gravidade do envelhecimento da classe docente, dos efeitos associados, e da certeza da falta de docentes a curto prazo que, aliás, já se faz sentir em alguns grupos.

O envelhecimento da classe docente não é um problema exclusivo do nosso sistema, mas é particularmente grave sendo que alguns países também afectados têm iniciativas já em desenvolvimento no sentido de o minimizar.

Acresce que recordando um trabalho do CNE por solicitação da Parlamento, até 2030 mais de metade do corpo docente, 57,8%, sairá para a aposentação. Para além da elevada idade média, considerando os modelos de selecção e recrutamento, é ainda significativo que, como também já era conhecido, em cinco anos a inscrição de alunos em cursos de formação para a docência baixou para metade.

Ao perfil dos docentes em termos de idade acresce que como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, associado a níveis pouco positivos de satisfação profissional a que se soma os riscos acrescidos da situação que atravessamos

Na verdade, este cenário só pode surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam na comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores.

Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens.

Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm desenvolvido políticas que contribuem para a desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais. Os últimos tempos têm sido particularmente elucidativos.

Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação por diferentes razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.

Com a previsível aposentação de milhares de professores num prazo relativamente curto teremos uma significativa falta de docentes. O problema é que muito pelo contributo de opinadores e por efeitos de algumas das políticas públicas em matéria de educação a profissão de professor perdeu capacidade de atracção como o trabalho do CNE também sublinha.

Parece clara a necessidade urgente de definir uma resposta oportuna e consistente a este trajecto. Pode passar por um programa de acesso voluntário a reformas antecipadas, mas obrigatoriamente terá de considerar a valorização da função docente.

Sabemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

Não parece difícil perceber porquê.

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

A QUALIFICAÇÃO É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE, DESCULPEM A INSISTÊNCIA

 

Como se antecipava desde o início da candidatura este ano registou-se o mais alto valor de sempre no número estudantes que entraram no ensino superior e ainda não se conhecem os números finais incluindo o ensino superior privado.

Estranhamente, parte significativa do que vejo escrito e opinado, não aponta o que isto pode significar de qualificação da população portuguesa, procura questionar e desvalorizar tal subida e "vendendo-a" como "produto contrafeito", negativo. Julgo que alguma prudência é requerida nestas "análises".

Aponta-se designadamente a maior facilidade dos exames, os efeitos do ano excepcional que se viveu em 19/20, às fórmulas de acesso e aos diversos canais que existem e, assim, muita gente no ensino superior será um problema. Não me é estranha a questão, quando em família se decidiu que eu estudaria até ao superior se assim o desejasse fosse capaz, também houve gente que se interrogou por que razão o meu pai, um serralheiro, “punha” o filho a estudar, era coisa só para alguns. uma estrada por onde não passávamos.

Quanto ao acesso e aos exames, quem me acompanha sabe de há muito anos defendo que sendo importante que existam exames finais do secundário, estes não devem ser quase que em exclusivo o critério de acesso o que cria vários outros efeitos que podem enviesar o acesso. O processo de candidatura ao superior deveria ser independente do processo de candidatura que considera como se sabe múltiplas vias o que me parece adequado.

Quanto ao aumento do número de alunos é claramente uma boa notícia.

Em sociedades desenvolvidas a qualificação é um bem de primeira necessidade. Em Portugal e durante muitos anos temos ouvido discursos como “não adianta estudar" que os indicadores sociais e económicos mostram estarem errados e são um autêntico tiro no pé de uma sociedade pouco qualificada como a nossa.

A tão divulgada ideia do “país de doutores” é falsa, em termos europeus continuamos  com uma das mais baixas taxas de qualificação superior em todas as faixas etárias incluindo as mais jovens. Aliás, talvez não consigamos cumprir a meta a que nos comprometemos com a UE para 2020, 40% de pessoas licenciadas entre os 30 e os 34 anos.

Este aumento de alunos coloca evidentemente e ainda bem, novas exigências de qualidade nos processos de formação e nos recursos disponíveis, mas mais uma vez é o que se espera de políticas públicas adequadas.

No entanto e considerando o que disse acima, tenho para mim que mais do preocupado com os alunos quando entram e como entram, interessa-me mais saber como saem e quando saem. Mais uma vez me lembro que quando entrei no superior tinha "estatuto" de aluno de baixo rendimento, era pouco interessado na generalidade das matérias do secundário, cumpria serviços mínimos e carregava na mochila muitas negativas e um “chumbo” pelo meio, sem esquecer alguns interesses e actividade indesejáveis na altura. No superior, no curso que queria, as minhas notas subiram e após uma carreira profissional acabada formalmente há pouco acho que não estive mal, passe o juízo em causa própria.

E para que os que agora entram acabem e acabem com boa formação precisamos de garantir os recursos em termos de apoios sociais que previnam o abandono, as famílias portuguesas são das que maiores custos suportam com a frequência de ensino superior.

Precisamos de equipas docentes e de investigação renovadas e competentes no ensino politécnico e universitário, público e privado.

Precisamos de investimento no ensino superior e na sua frequência que seja o garante da qualidade da formação e, portanto, do futuro.

Parece-me ainda, talvez fruto de algum irrealismo, que o conhecimento é construído com, pelas e para as pessoas. Neste sentido continuo a entender quem todos os cursos de ensino superior deveriam existir créditos obrigatórios para áreas como ética e filosofia.

Um dia, creio, assim será.

Entretanto, a todos e todas que agora vão começar esta estrada sejam bem-vindos(as) e bom trabalho.

domingo, 27 de setembro de 2020

QUE É ISTO GENTE?

 

No Expresso encontra-se uma peça referindo situações de escolas em que os alunos não têm acesso a recreio pelas razões que se intuem.

Os alunos de cada turma, agora chamam-se bolhas, permanecem no interior da sala de aula ou em corredores contíguos durante os intervalos de 5 ou 10 minutos. Estão de máscara e podem estar cinco horas nestas circunstâncias.

Que é isto, gente?

Em nome de quê? Da saúde dir-me-ão. Será? Estas circunstâncias fazem bem à saúde? Não creio, na peça refere-se situações de alunos com dificuldades de adaptação.

Parece-me claro que teremos de minimizar riscos, mas não pode valer tudo e o resultado nem sequer é garantido.

Sabemos que os alunos, querem, precisam, de estar na escola e, tanto quanto possível, em segurança.

No entanto, não podemos transformar a escola numa prova duríssima e intoxicante para a saúde mental, e não só, de todos os que nela desempenham funções.

Talvez possamos recorrer a espaços alternativos para algumas das actividades que não exijam equipamentos específicos, talvez sejam necessários mais recursos humanos.

Sim, talvez seja mais caro, mas não sei. Ponderando os efeitos negativos de meses de aulas naquelas condições vale a pena avaliar alternativas.

Em todo o caso, o objectivo das políticas públicas é a promoção do bem-estar de todos com a utilização dos recursos de todos. Depois é uma questão de prioridades. No fim será uma questão de responsabilidade.

sábado, 26 de setembro de 2020

GENTE "VONTADEIRA"

 

Por aqui no monte continua a limpeza dos pés de burro das oliveiras. As oliveiras são, do meu ponto de vista, as árvores mais bonitas do nosso património e limpas ainda mais bonitas ficam, para além de permitir estender os panos para a apanha da azeitona de forma mais simples e eficiente.

Este ano será fraco, muito fraco, pouca azeitona e ainda cairá muita até à apanha.

Como sempre, a lida é acompanhada das lérias.

Sem surpresa falávamos dos tempos estranhos e duros que atravessamos. Depois de muitas considerações o Mestre Zé conclui que um problema grande é que já não há muita gente “vontadeira”.

Ao fim de vinte e cinco anos de “companha” ele ainda me consegue surpreender. Por isso aguardamos os dois pelos próximos vinte cinco para continuar a lida e … as surpresas.

Bom, mas … Mestre Zé o que é a gente “vontadeira?

Ora, começa a responder-me com os olhos negros e pequenos a fixar-me como sempre que me explica alguma coisa que eu deveria saber ou perceber.

Já há poucas pessoas com vontade fazer bem as coisas, com vontade de pensar nos outros, com vontade de se preocupar em ajudar. As pessoas só têm vontade de si e de não se ralarem com os outros.

Pois é Mestre Zé, é capaz de ter razão, falta gente “vontadeira”.  

E atirámo-nos aos pés de burro ainda com mais vontade, somos “vontadeiros porra. Ainda não fica acabado hoje mas não é por falta de vontade.

E são também assim os dias do Alentejo.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A LER, "PORQUE FALHAM AS NAÇÕES COM TURMAS NUMEROSAS"

 

No Público encontra-se um texto de Paulo Prudêncio, “Porque falham as nações com turmas numerosas” que propõe uma reflexão estimulante em torno das políticas públicas e considerando um aspecto de forma mais particular, o número de alunos por turma.

Trata-se de uma questão recorrente e com uma abordagem frequentemente com equívocos. Como é sabido, em Junho foi reprovada no Parlamento uma redução do número de alunos por turma que sustentasse um trabalho educativo com mais qualidade e qualidade para todos no ano lectivo que agora se iniciou.

A este propósito retomo algumas notas que me parecem oportunas considerando as circunstâncias de uma parte significativa das nossas escolas e agrupamentos e os efeitos em muitos alunos da forma como decorreu a parte final do ano lectivo passado.

Actualmente e em consequência da alteração de uma das muitas “melhorias” introduzidas por Nuno Crato, as turmas do ensino básico e secundário têm entre 24 e 28 alunos e o ensino profissional entre 22 e 28 sendo que também no secundário se pode verificar a redução para 22 quando existirem na turma alunos com necessidades especiais. Talvez seja de recordar que esta medida existe de há muito no básico e nem sempre se aplica, provavelmente em nome da “inclusão”.

Antes de mais parece-me importante sublinhar um aspecto nem sempre valorizado quando se fala do número de alunos. Seria desejável que em conjunto com a análise e redução do efectivo de turma se considerasse um outro importante aspecto nem sempre valorizado, o número de alunos por professor. Muitos professores lidam com muitas turmas perfazendo números acima dos 120 ou 150 alunos. Parece dispensável explicitar as implicações negativas desta situação.

A revisão de estudos sobre o número de alunos por turma e o seu impacto mostra o que também conhecemos, existem vantagens em turmas de menor dimensão que podem ser mais ou menos significativas em função das variáveis em análise.

Parece-me de acentuar que os estudos sugerem com clareza a existência de impacto positivo no clima e comunicação na sala de aula, na maior facilidade de práticas educativas mais diferenciadas, no comportamento dos alunos, etc., o que, evidentemente deve ser considerado e tem uma importância crítica nas escolas actuais.

Alguns estudos, apenas centrados em resultados, não encontram diferenças significativas, mas também me parece que nem sempre são consideradas variáveis importantes, de contexto por exemplo, o que frequentemente também não é tido em conta nos discursos de alguns economistas da educação.

É também fundamental considerar as diferentes características dos diversos territórios educativos independentemente da sua classificação como TEIP. Na verdade, é necessário considerar as diferenças de contexto, isto é, a população servida por cada escola, as características e dimensão da escola, a constituição do corpo docente, os recursos disponíveis, etc. Importa ainda sublinhar que a qualidade e sucesso do trabalho de professores e alunos depende de múltiplos factores, sendo que a dimensão do grupo é apenas um, ou seja, importa considerar, vejam-se relatórios e estudos nesta área, as práticas pedagógicas, os processos de organização e funcionamento da sala de aula e da escola, recursos e dispositivos de apoios, bem como o nível de autonomia de cada escola ou agrupamento, entre outros. Daí a importância de promover uma autonomia real. Aliás, dentro do que entendo por verdadeira autonomia das escolas, estas deveriam ser a ter a competência para definir e organizar as turmas embora aceite a existência de orientações nesse sentido.

Aliás, também com base na autonomia das escolas poderiam ser consideradas outras opções como a presença de dois professores em sala de aula mesmo com um efectivo de turma mais elevado. Em algumas circunstâncias pode ser mais vantajosa que a redução do número de alunos por turma.

Acresce nesta matéria a importância da qualidade do trabalho em turmas com alunos com necessidades educativas especiais, sim existem alunos com necessidades especiais, o que, evidentemente, deve ser considerado na análise do efectivo de turma, desde logo cumprindo o que esteja legislado e acautelando a tentação de “inclusões administrativas” em que os alunos ficam “entregados” e não “integrados”.

Diga-se ainda que é quase dispensável referir a diferença entre trabalhar com 26 ou 28 alunos num estabelecimento privado de acesso “protegido” ou com o mesmo número de alunos num mega-agrupamento de uma escola pública em que um professor lida com várias turmas, centenas de alunos ou se desloca entre escolas para trabalhar.

Não só por esta razão, dimensão das turmas e qualidade do trabalho dos alunos, de todos os alunos, e dos professores, também me parece que deveria ser promovida uma verdadeira desburocratização do trabalho nas escolas e promovido algum ajustamento na sua organização e funcionamento o que certamente libertaria tempo de professores para trabalho em turma ou em apoios que promovessem qualidade.

Sei que mudanças neste sentido são politicamente difíceis e terão custos. No entanto, são imprescindíveis e os custos do insucesso e da exclusão são incomparavelmente mais caros.

Como fica claro no texto de Paulo Prudêncio.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

ENSINO PÚBLICO, ENSINO PRIVADO

 

De acordo com uma peça do DN, no arranque deste ano lectivo aumentou substancialmente a procura pelo ensino privado. Este aumento não será surpreendente dadas as circunstâncias em que decorreu o final do ano lectivo passado e o início deste ano. Torna-se claro que percepcionando as famílias, de forma ajustada ou não, que nas escolas do subsistema privado não encontrarão o mesmo contexto que nas escolas públicas, as que possuam estatuto económico suficiente tendem a considerar a opção pelo ensino privado.

De acordo com a peça existem colégios com lista de espera superior a mil alunos.

Esta situação, ainda que associada a um contexto atípico, vem sublinhar que, como frequentemente afirmo, sendo a existência de um subsistema de ensino privado próprio de sociedades abertas é também importante como forma de pressão reguladora sobre a qualidade da resposta pública. Por outro lado, também me parece de recordar que nem o ensino privado é garantia de qualidade nem o ensino público é o inferno. A excelência não é um exclusivo da escola pública nem do ensino privado e todo o sistema deve ser regulado.

A este propósito merece referência o relatório Balancing School Choice and Equity, elaborado pela OCDE com base nos dados do PISA de 2015 e divulgado em 2019.

De acordo com o este relatório, Portugal é um dos países em que o ensino privado mais é frequentado por alunos oriundos de contextos familiares mais favorecidos. A existência de contratos de associação não parece interferir significativamente neste quadro pois em 2015 apenas cerca 3% dos estabelecimentos de ensino privado estavam envolvidos. Assim, considerando também os tempos difíceis que atravessamos, julgo necessário recordar e reafirmar algo que nem sempre parece lembrado.

Só a educação e a rede pública de qualidade podem promover equidade e igualdade de oportunidades.

Só a educação e a rede pública de qualidade podem ser verdadeiramente inclusivas e receber TODOS os alunos.

Só a educação e rede pública podem chegar a todos os territórios educativos e a todas as comunidades.

Só a educação e rede pública de qualidade promovem mobilidade social em circunstâncias de equidade no acesso.

Para que tal possa ser cumprido a educação e a rede pública precisam de recursos materiais e recursos humanos valorizados e competentes.

As políticas públicas, em particular, as políticas educativas têm em cada momento histórico a inalienável responsabilidade de garantir que assim seja.

Os custos da educação e da rede pública de qualidade não são despesa, são investimento.

É isso que se exige. Em defesa da Educação e da Escola Pública. Em nome dos nossos filhos, dos filhos dos nossos filhos ...

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

EDUCAÇÃO E "OUTSOURCING"

 

Como tem sido reconhecido os alunos com necessidades especiais constituíram um dos grupos mais vulneráveis na situação estruturada durante o ano lectivo passado.

Considerando o mesmo tipo de razões, os efeitos no seu progresso educativo e de desenvolvimento, estes alunos e famílias continuam a solicitar, melhor, a exigir, dispositivos de apoio robustos, competentes e em tempo oportuno agora que recomeçaram as aulas e que estamos num período, de acordo com as orientações de ME, de consolidação e recuperação.

No Expresso aborda-se a questão do trabalho desenvolvido pelos Centros de Recursos para a Inclusão que financiados por verbas estatais desenvolvem apoios específicos nas escolas a alunos com necessidades especiais. É referido que devido a financiamento insuficiente ao acréscimo de custos com técnicos, psicólogos e terapeutas, as horas de apoio prestadas têm diminuído com consequências negativas para alunos e famílias agravadas pelas circunstância que vivemos.

Os aumentos nos salários dos técnicos, já previstos na lei, conjugados com a estagnação

Como de há muito tenho defendido e aqui referid, desde o início destes processos que me parece que deveria ser repensado todo o modelo no qual assenta a prestação de apoios especializados a alunos com necessidades educativas especiais a frequentar estabelecimentos de ensino regular e o papel das instituições de educação especial. Este modelo assenta num pecado original, a manutenção de sistema de educação especial, paralelo e a intervir nas escolas.

Nesta reflexão deve ser incluído o processo de avaliação e decisão sobre necessidades e apoios que carece de melhoria face a situações bem conhecidas por quem tem alguma proximidade estas matérias e às quais também já me tenho abordado.

A introdução de ajustamentos de natureza processual não muda significativamente o conjunto de problemas enormes verificados, falta de recursos, falta de apoios, tempos de apoio que seriam ridículos se não estivessem em causa crianças e jovens com problemas sérios, etc.

Este conjunto de problemas é bem conhecido por parte de milhares de famílias. Não estranham, mas sabem, sentem, que os seus direitos não são cumpridos.

Por outro lado, também o papel das instituições deve ser analisado pois fruto de uma característica comum a todo o nosso sistema educativo, a falta de regulação, coexiste o melhor e o menos bom sem que nada aconteça. As instituições devem ser essencialmente um recurso e não uma via.

Na verdade, apesar de boas práticas conhecidas e que merecem divulgação, em muitas circunstâncias desenvolve-se um trabalho inconsequente, assente em avaliações pouco consistentes, descontextualizado, mobilizando pouca participação e envolvimento nos contextos em que os alunos se inserem. Dito de outra maneira, o trabalho desenvolvido com estes alunos pode ser ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.

Qualidade e educação inclusiva, como com outras matérias, não são muito compatíveis com um modelo que assenta no "outsourcing", na falta de articulação, coerência e de um maior envolvimento das escolas, apesar de algumas boas práticas que se conhecem e do empenho e competência dos técnicos envolvidos.

Parece claro que para alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção dificilmente pode desenvolver um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola.

Em boa parte dos casos trata-se de alunos no cumprimento da sua escolaridade obrigatória para os quais os apoios são fundamentais.

Não é nada de novo, os mais vulneráveis são sempre os que sofrem mais.

Mas não é uma fatalidade, fazemos os dias assim, como cantam os Trovante.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

TELL ME "WHERE DO THE CHILDREN PLAY?"

 

Na passagem de olhos diária pela imprensa deparei com uma notícia no I que me alertou para mais um efeito desta situação excepcional e dura que vivemos desde Março. Os espaços privados para diversão e recreio para crianças ainda não abriram e não têm data prevista para que o possam fazer.

Para além dos óbvios efeitos económicos deste encerramento, têm equipamentos e equipas de técnicos inactivos, também se diminui a oferta para actividades das crianças.

Na verdade, nas escolas as crianças terão as suas actividades de jogo e brincadeira limitadas pelas orientações das tutelas, menos tempo de intervalo e contacto entre eles para além das regras de distanciamento físico. E a brincadeira e o jogo?

Os equipamentos públicos pelas mesmas razões estão interditos ou com utilização muito restrita.

Se considerarmos as actividades ao ar livre, já antes da situação pandémica o tempo usado pelas crianças portuguesas em actividades desta natureza era pouco, certamente por razões que se prendem com a dureza do nosso clima. Aliás, será por isso que as crianças dos países nórdicas que vivem em climas amenos são as que mais tempo de actividade têm ao ar livre. Na situação actual a situação deve ser ainda mais restritiva com as regras de distanciamento e não utilização de equipamentos públicos.

Onde brincarão as crianças? Sempre em casa? Que condições e disponibilidade?

Não vou repetir o que já tantas vezes aqui escrevi e se sabe sobre a importância do brincar no crescimento saudável das crianças.

Sublinho apenas e mais uma vez a importância de que todos os que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. e também obviamente os pais, , assumam como “guide line” para a sua intervenção a promoção do brincar.

Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.

Era bom escutar os miúdos e, desculpem a insistência, se lhes perguntarem vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que realizam, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser.

Mas, recuperando uma tema velho de Cat Stevens, (estranho chamar-lhe Yusuf), tell me, “Where do the children play?”







 

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

ENTRADA NA ESCOLA, PRONTIDÃO E MATURIDADE

 Segundo dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência no último relatório “Perfil do Aluno” relativo a 2018/2019, a taxa real de escolarização no 1º ciclo é de 95.8%. Dito de outra forma, um número significativo de alunos está fora do intervalo etário considerado como “frequência normal”, entre os seis e os nove anos.

As explicações para esta situação que carece de análise mais profunda e de acordo com alguns investigadores citados no Público podem remeter para um nível ainda elevado de retenção no 2º ano de escolaridade e/ou o facto aparente de alguns pais entenderem que os filhos não têm “maturidade” para entrar no 1º ano pelo que continuam a frequentar a educação pré-escolar mesmo com seis anos.

Sobre a questão da retenção já aqui muitas vezes tenho reflectido e considero que um “chumbo” no 2º ano de escolaridade, aos seis ou sete anos de idade, não é, por princípio uma solução, é um problema, a retenção não é uma ferramenta de progresso e aprendizagem.

Por agora umas notas mais centradas na questão da entrada na escola e a questão da “prontidão” ou “maturidade” que muitos pais e também alguns educadores ou professores equacionam na decisão sobre a entrada na escola.

De acordo com a lei em Portugal a entrada na escola é obrigatória para as crianças completem seis anos de idade até 15 de Setembro. As crianças que completam os seis anos entre 16 de Setembro e 31 de Dezembro, já depois do início do ano lectivo, podem matricular-se de forma condicional, ou seja, frequentam se existir vaga na escola. Existe ainda a possibilidade legal, com autorização específica, de que uma criança possa ver antecipada ou adiada em um ano a sua entrada na escola. Nestas circunstâncias colocam-se desde logo dúvidas relativas à idade adequada, sobretudo relativamente às crianças que entram com 5 anos, seja através da situação de condicional ou através de um pedido de antecipação.

De uma forma geral parece ser entendimento e prática em muitos países que os seis anos parecem ser uma idade ajustada para o início da escolaridade. Considerando a diversidade entre as crianças pode aceitar-se em alguns casos bem analisados que entrem mais cedo ou mais tarde. No entanto, creio que o melhor para a criança é que não se “acelere” este processo, tentação de muitos pais que assim antecipam vantagens futuras, mas que na verdade podem implicar alguns riscos para a criança que, naturalmente, devem ser acautelados. Também me parece ser necessário uma enorme precaução na avaliação da falta de “prontidão ou “imaturidade” que os levará a mantê-los em educação pré-escolar.

Em primeiro lugar importa sublinhar a importância de uma boa experiência de educação pré-escolar que é bastante mais que a “preparação” para a escola e não deve enredar-se no entendimento de que é uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no trajecto escolar.

Na verdade, as crianças estão a preparar-se para a vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que têm um valor por si e deve ser entendida como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escolar.

Este período, a educação pré-escolar, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional de cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo que virão a ser e a fazer no resto da sua vida pelo que deve resistir-se à tentação de a acelerar ou prolongar sem que exista justificação robusta.

Por outro lado, a "entrada" na escola, ou melhor, o processo de início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso educativo com sucesso.

O início da escolaridade envolve na verdade um conjunto de circunstâncias irreversíveis na vida dos miúdos, ou seja, quando corre mal já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo e em tempo oportuno. Para tal, importa que seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento bem-sucedidos geridas de forma diferenciada justamente pela diversidade dos alunos, a característica mais evidente em qualquer grupo.

Por outro lado, de há algum tempo a esta parte e como tenho constatado em muitas conversas com pais, mas também em contextos escolares, tem emergido com progressiva regularidade discursos e comportamentos que sugerem a instalação nem sempre muito consciente de uma enorme pressão sobre os miúdos para a excelência do seu desempenho e em múltiplos aspectos.

Na verdade, fruto dos estilos de vida, de alterações nos valores e cultura e das dificuldades genéricas que enfrentamos, tem vindo a instalar-se de mansinho em muitos pais, e também dentro das instituições educativas, uma atitude e um discurso de exigência e de pressão para a excelência no desempenho dos miúdos, a começar pelos resultados escolares.

A questão não tem, evidentemente, a ver com a natural atitude de exigência, mas um sim com a pressão muito forte para a produção e alto nível de rendimento e cada vez mais cedo pois, supõe-se, ganharão vantagens. E recoloca-se a questão da idade adequada com o eventual entendimento de alguns pais de que os seus filhos ainda não estão “prontos” para o sucesso e portanto, continuam na educação pré-escolar.

Por outro lado, o clima instalado relativamente à pressão para resultados e para excelência e à forma como o sistema educativo tem sobrevalorizado a medida contribui para alimentar de um ambiente educativo competitivo e selectivo que cria em muitas crianças uma pressão fortíssima para a excelência dos resultados e também contribuirão para explicar o nível bastante elevado da retenção no 2º ano. Não é raro, antes pelo contrário e de acordo com as disponibilidades das famílias, que a seguir à escola muitas crianças caminhem para os centros de explicações que acabam por funcionar como AAE, Ateliers de Actividades Escolares respondendo como um 2 em 1, tomam conta das crianças e melhoram, espera-se, o seu rendimento escolar.

Acresce que esta excelência que é exigida é extensiva a todas as áreas em que os miúdos se envolvem, devem ser excelentes a tudo tendo muitas crianças a sua vida transformada numa espécie de agenda, saltando de actividade em actividade numa agitação sem fim.

Acontece que algumas crianças, por questões de maturidade ou funcionamento pessoal, suportam de forma menos positiva esta pressão o que poderá gerar o risco de disfuncionamento, rejeição escolar e, finalmente, insucesso.

Também sei que em muitas destas actividades estará presente uma genuína preocupação dos seus responsáveis pela qualidade e adequação do trabalho que realizam com os miúdos. A questão é que esse trabalho é apenas um dos mil trabalhos com que se vai enchendo a vida dos miúdos.

A melhor forma de preparar os miúdos para o futuro é cuidar bem deles no presente, desejavelmente sem faltas, mas também sem excessos.


domingo, 20 de setembro de 2020

DA CORRIDA DE OBSTÁCULOS. MAIS UMA VEZ

 

O Instituto Nacional para a Reabilitação divulgou o relatório de 2019 relativamente à supervisão da lei que proíbe a discriminação de pessoas com deficiência.

O número de queixas aumentou 30% face a 2018, ano em que se tinha verificado uma descida. O relatório refere apenas uma contra-ordenação que originou uma coima o que é elucidativo e preocupante.

Das queixas recolhidas, mais de 44% referem-se questões de acessibilidade e 30% por queixas de violação de direitos.

Lamentavelmente nada de novo, como de novo nada têm estas notas dirigidas em particular para a questão das acessibilidades.

Em Fevereiro foi divulgado um relatório sobre acessibilidades em edifícios públicos elaborado pela Comissão para a Promoção das Acessibilidades e os dados mostraram como, apesar da legislação, são múltiplas as dificuldades no acesso de pessoas com mobilidade reduzida aos edifícios em que funcionam serviços públicos.

Como exemplo, em 45% dos edifícios públicos com mais do que um andar não há elevadores ou plataformas elevatórias, 42% destes edifícios não têm lugar reservado para pessoas com deficiência e apenas 64% têm balcões de atendimento adaptados do ponto de vista da altura.

Em primeiro lugar deve dizer-se que, como acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é positiva e promotora dos direitos das pessoas com deficiência, mas a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia que decorre, frequentemente, da falta de fiscalização relativa às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios. O relatório confirma-o.

Os problemas das minorias são, evidentemente, problemas minoritários.

Para além dos edifícios a questão da mobilidade e das acessibilidades que afecta muitos cidadãos com deficiência envolve áreas como vias, transportes, espaços, mobiliário urbano e, sublinhe-se, a atitude e comportamento de muitos de nós.

Boa parte dos nossos espaços urbanos não são amigáveis para os cidadãos com necessidades especiais mesmo em áreas com requalificação recente. Estando atentos identificam-se inúmeros obstáculos.

Quantas passadeiras para peões têm os lancis dos passeios rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de pessoas com mobilidade reduzida que recorrem a cadeira de rodas?

Quantas passadeiras possuem sinalização amigável para pessoas com deficiência visual?

Quantos obstáculos criados por mobiliário urbano desadequado?

Quantas dificuldades no acesso às estações e meios de transporte público?

Quantas caixas Multibanco são acessíveis a pessoas com cadeira de rodas?

Quantos passeios estão ocupados pelos nossos carrinhos, com mobiliário urbano erradamente colocado, degradados, criando dificuldades enormes a toda a gente e em particular a pessoas com mobilidade reduzida e inúmeros obstáculos?

Quantos programas televisivos ou serviços públicos disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os acessíveis à população surda?

Quantos Centros de Saúde ou outros espaços da Administração central ou local criam problemas de acessibilidade?

Quantos espaços de lazer ou de cultura mantêm barreiras arquitectónicas?

Quantos …?

Na verdade, apesar do muito que já caminhámos, as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, bem como as suas famílias e técnicos sabem, sentem, que a sua vida é uma árdua e espinhosa prova de obstáculos em múltiplas áreas, acessibilidades, educação, trabalho, segurança social, habitação, etc., muitos deles inultrapassáveis.

Lamentavelmente, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas ou económicas, por exemplo, entendem ser a geometria variável dos direitos, do bem comum e do bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

sábado, 19 de setembro de 2020

MAIS 1500 FUNCIONÁRIOS NAS ESCOLAS

 

Mais um anúncio. Desta vez é que é, mais 1500 funcionários serão contratados para as escolas e agrupamentos e ainda ficamos a saber que será concluído o longuíssimo processo de revisão dos rácios que determinam o número de auxiliares de educação por escola e agrupamentos.

Será desta?

O primeiro dia de plena presença dos alunos nas escolas mostrou o que se antecipava, as dificuldades de processar de forma escorreita, eficiente e, tanto quanto possível dentro das orientações em matéria de saúde, a entrada, estadia e saída das escolas. A situação agudizou-se pois, para complicar, esteve um dia de chuva.

Era previsível que assim fosse, é claro para quem conhece as escolas e a insuficiência do número de auxiliares de educação. A situação actual torna ainda mais evidente essa questão e a urgência da sua minimização.

Mais uma vez, os auxiliares de educação, insisto na designação, desempenham e devem desempenhar um importante papel educativo para além das funções de outra natureza que também assumem e que exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento. No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais e em algumas situações serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são efectivamente auxiliares de acção educativa. A situação que atravessamos potencia a importância do seu trabalho e da sua presença em número suficiente e com estabilidade.

Considerando tudo isto parece essencial o contributo dos auxiliares de educação para a qualidade dos processos educativos. Assim, é imprescindível a sua presença em número suficiente, que se mantenham nas escolas com estabilidade e que sejam formados, orientados e valorizados na sua importante acção educativa. Nos tempos que vivemos é ainda mais importante.

Qual será a parte que não se compreende?

A falta de auxiliares de educação, evidentemente.

As políticas públicas, sendo certo que muitas vezes têm uma natureza reactiva, o encerramento das escolas e a resposta de emergência estruturada com ensino à distância em Março com um esforço gigantesco foi um exemplo, não podem ser apenas reactivas.

É preciso que antecipem, planifiquem e operacionalizem medidas de melhoria, neste caso em educação, face a problemas identificados e significativos.

A falta de auxiliares de educação é um deles.

E quando chegarão às escolas estes novos 1500 funcionários. E serão mesmo novos? Chegam quando?

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

UM DIA CABANEIRO

 

Acho mais sinceros os dias de chuva. Nos dias que em chove ponho-me a pensar que não sou só eu que vivo arreliado. Depois, o cheiro da terra molhada é que me faz de novo animar.” (Almada Negreiros)

 

Já chove no Meu Alentejo. Está um dia cabaneiro como por cá se fala, bom para ficar na cabana, vento forte, muito forte, daquele que assobia nas árvores e no telhado do monte e chuva grada de vez em quando. Só falta o frio para parecer Inverno.

A terra gretada pela secura que parecia chorar lágrimas secas pela chegada da chuva, as lágrimas molhadas, já liberta o inconfundível cheiro de que falava Mestre Almada e que me deixa mais animado. E bem que é preciso algum ânimo, os tempos vão duros.

Esta chuva vai lavar o pó e tudo fica mais bonito.

Vai começar a aparecer algum verde na terra, que ficando mais branda da água que a amolece já pode ser fabricada e daqui a poucas semanas podem iniciar-se as sementeiras. Virá rapidamente o tempo das favas, dos alhos ou dos cereais, por exemplo.

Por outro lado, creio que a secura não tem estado a afectar só a terra. Sinto que as pessoas também se sentem secas, já com pouco ou nada para dar, cansadas, ansiosas por alguma mudança, às vezes nem sabendo exactamente o quê, que a desesperança mata o sonho.

Do qualquer  coisa que se leia relativamente à vida da gente transparece receio, ansiedade, decepção, desconfiança, revolta ... Este período que deveria ser a marcado pela festa do regresso às aulas é marcado pelo medo … do regresso às aulas.

Creio que cada um de nós gostaria que mudassem coisas diferentes, mas que mudassem. Para já que mudasse o cenário de saúde que assusta e de que não se vislumbra o fim.

Um problema sério é que também a confiança no futuro parece seca como a terra estava até ontem.

A terra vai ficar melhor, já chove no Meu Alentejo. E nós, as pessoas?

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

IMPERMEÁVEL E RESPIRÁVEL

 

Como todos os dias em que é possível saio bem cedo para uma caminhada que a idade e o gosto solicitam e o corpo agradece.

Passado pouco tempo começou a chover uma chuva grada, com vento. As primeiras águas depois do Verão que colocam um cheiro notável na terra.

Felizmente, sou um homem prevenido, levava uma daquelas peças de fibra que certamente com custos ambientais, que sendo praticamente impermeáveis se mantêm respiráveis e nos permitiram dispensar aqueles casacos mais clássicos em nylon que quando não metiam água da chuva por fora, nos deixavam encharcados por dentro promovendo um efeito de sauna.

Satisfeito com esta cómoda solução têxtil e embalado pelo passo lento, ia pensando nos dias que hoje atravessamos, sobretudo no regresso às escolas e na experiência complexa que os miúdos, toda a gente, aliás, estão a viver.

De repente lembrei-me com seria interessante que se inventasse uma forma de proteger a vida dos miúdos das intempéries que alguns deles têm à volta e tornar a vida um pouco mais confortável. Poderia ser criado um dispositivo de protecção que fosse quase impermeável às agruras dos tempos maus, protegendo-os das mais pesadas pois também é preciso passar por algumas e que, ao mesmo tempo, fosse respirável, ou seja, não fosse um dispositivo que os mantivesse numa redoma estanque e os asfixiasse, mas sim algo que lhes permitisse continuar a respirar, a viver. Um dispositivo desta natureza seria um bem precioso.

Mas esta é uma ideia completamente disparatada que seguramente foi motivada pela água que, entretanto, fui apanhando na cabeça, o casaco não tem capuz e o boné encharcou-se. 

Ninguém me mandou andar à chuva, mas soube bem, muito bem.


quarta-feira, 16 de setembro de 2020

DO CYBERBULLYING. DE NOVO

 No Público está divulgado um trabalho “Cyberbullying em Portugal durante a pandemia da covid-19” realizado por investigadores do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa que encontrou indicadores que merecem séria reflexão.

O trabalho for realizado durante os três meses de confinamento com 485 jovens dos 16 aos 34 anos.

Um primeiro dado, 61,4% disseram-se vítimas de cyberbullying mais do que uma vez e envolvendo comportamentos como insultos, partilha de fotos íntimas ou incitação ao suicídio.

Acresce que dos 41% que se assumiram como agressores, 29,4% mostraram-se indiferentes ao sofrimento sendo que 9,1% declararam mesmo ter sentido alegria e apenas 16% admitiram sentirem culpa.

Quanto às razões que levaram ao comportamento agressor, 41.1% responderam que o fizeram por brincadeira. Dos restantes, 23.9% referiram “vingança” e 10.2% por “afirmação perante colegas”.

Em termos de contexto importa ainda referir que durante este tempo 44,7% dos inquiridos afirmou ter passado cerca de seis horas por dia a navegar na Net, sobretudo nas redes sociais, 94,8% ou em blogues e na plataforma YouTube, 72,6%.

Os dados são de facto preocupantes e ainda é de considerar que pela idade dos inquiridos, muitos serão adultos teremos certamente alunos do ensino superior.

Algumas notas direccionadas sobretudo para os alunos que ainda frequentam a escolaridade obrigatória.

Desde logo parece-me de chamar a atenção que também por questões desta natureza se percebe a necessidade de uma área disciplinar trabalhada na escola, que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das relações interpessoais, a empatia e inteligência emocional, etc.

O cyberbullying parece ser actualmente a variante de bullying mais preocupante, não só num tempo de confinamento, por razões óbvias, mas mesmo em situação de ensino presencial como desejamos que seja no ano que agora começa.

Contrariamente ao bullying presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a um menor nível de empatia pelo outro o que transparece no estudo agora divulgado.

Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.

Em termos globais, sabe-se também que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores, técnicos ou funcionários.

Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.

Recordo um estudo com uma escala significativa divulgado na Lancet Psychiatry há já algum tempo que sugeria que o bullying pode assumir impactos negativos mais significativos no bem-estar psicológico dos adolescentes aos 18 anos que maus-tratos de adultos sofridos na infância. Mostra ainda que crianças maltratadas na infância são vítimas potenciais de bullying em adolescentes.

Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

Neste universo e mais uma vez importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.

Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Entretanto estão criados vários portais e disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.

Lamentavelmente, parte importante das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.

A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.

Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.

Estes sinais não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

É AMANHÃ

 

Uma pequena nota sobre amanhã, provavelmente, sem sentido.

Como tem sido amplamente anunciado de múltiplas formas a partir de quinta-feira todos os alunos, todos os professores, todos os técnicos e funcionários estarão no inferno. Ou não?

Não, não estarão no inferno, estarão nas escolas, onde a grande maioria quer estar e precisa de estar.

Estará tudo preparado e a correr bem. Não, não estará, que me lembre nunca se iniciou um ano lectivo em condições perfeitas.

Estarão todos os recursos necessários, humanos e materiais, prometidos, anunciados e, obviamente necessários? Não, não estarão.

As escolas vão iniciar o seu trabalho em condições verdadeiramente excepcionais para as quais não existe manual de instruções como não existe para condições “normais” seja lá isso o que for.

Será possível estabelecer risco zero com mais de um milhão e meio de pessoas, entre alunos, da educação básica e secundária, e profissionais nos espaços escolares públicos? Não, não podemos garantir embora precisemos de que estejam garantidas condições básicas e respostas prontas e eficientes.

Estamos com receios e inquietações? Sim estamos, sinal de lucidez e preocupação. Teremos que ajudar os mais novos a gerir emocionalmente e cognitivamente situações para as quais não estão preparados, estou a falar da educação pré-escolar até ao secundário? Sim é imprescindível que o façamos, sobretudo com os mais novos e mais vulneráveis.

E sabem por que razão escrevi estas notas e pensei outras da mesma natureza? Claro que não.

É que durante esta tarde estive uns minutos a conversar com os meus netos de quatro e sete anos que amanhã regressam ao jardim-de-infância e à escola. Não é ao inferno, não pode ser ao inferno.

Estão motivadíssimos e entusiasmados porque vão voltar à escola, às suas escolas, não ao inferno, insisto.

Eu também acho … mas estou preocupado, sobretudo com a forma como todos os envolvidos, em múltiplos patamares e funções, cumpriram ou vão cumprir a sua parte.

Eles vão cumprir a deles. Voltar.

 

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

DA SÉRIE "METE-ME ESPÉCIE"

 

Esta é das que me “mete mesmo espécie”.

Antes, uma nota. Sou um apaixonado pelo futebol e adepto do Benfica.

E depois a notícia. António Costa integra a Comissão de Honra da recandidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica.

Entendimento. Isto não podia acontecer. Ponto.

Finalmente, a preocupação ainda que sem estranheza. Há quem não perceba por que conjunto de razões, são muitas, tal coisa não poderia ser possível. A começar por António Costa.

Já deveria estar habituado, mas ainda "me mete espécie".

VÃO COMEÇAR AS AULAS

 

A partir de hoje e até quinta-feira iniciam-se as aulas. No entanto, em tempos tão estranhos e exigentes para todos, os discursos são menos sobre as aulas e mais sobre a escola e os riscos que nela poderão correr, alunos, professores, funcionários e técnico e, numa perspectiva mais alargada, as comunidades.

Há pouco comentava em família que não imaginava viver tempos em que que nesta altura, início do ano lectivo, a questão dominante, a grande preocupação e receio fosse … o regresso à escola.

Tanto foi e está a ser dito sobre esta questão, já por aqui falei dela várias vezes e de vários ângulos, que não sou capaz de acrescentar algo a não ser reforçar um apelo à serenidade nos discursos sobretudo dirigidos aos mais novos ou mais vulneráveis.

Assim e pensando sobretudo nos que vão começar a sua estrada na escolaridade obrigatória, deixem que fale um pouco do que se espera e deseja que aconteça nos próximos tempos, o trabalho de professores e alunos em sala de aula, as aulas, o que menos me parece ser objecto de reflexão.

Para a maioria das crianças e apesar da sua experiência na educação pré-escolar, a "entrada" na escola, ou melhor, o processo de início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso educativo e formativo com sucesso.

Em muitíssimas circunstâncias da nossa vida, quando alguma coisa não correu bem, é possível recomeçar e tentar de novo esperando ser mais bem-sucedido. Todos experimentámos episódios deste tipo.

Pois bem, o processo de início da escolaridade envolve na verdade um conjunto de circunstâncias irreversíveis, ou seja, quando corre mal já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo. Para isso, importa que seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento bem-sucedidos.

Os tempos actuais tornam bastante mais difícil que assim seja mas esse é o nosso grande desafio.

É fundamental não esquecer que os miúdos à "entrada" na escola não estão todos nas mesmas condições, pelas mais variadas razões, ambiente e experiências familiares, percurso anterior, características individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção diferenciada que combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma maneira, normalizando o diferente, que alguma opinião publicada e ignorante defende. Muitas vezes os lugares da escola não conseguem acomodar a diversidade dos alunos, a escola ainda não é para todos com a mesma qualidade.

Antes de, com voluntarismo e empenho, se tentar ensinar aos miúdos as coisas da escola é preciso, como sempre afirmo, dar tempo, oportunidade e espaço para que os miúdos aprendam a escola. Depois de aprenderem a escola estarão mais disponíveis para aprender então as coisas da escola.

Vai começar o tempo do trabalho "a sério" e muitas crianças irão rapidamente sentir-se pressionados para a excelência, o mundo não é para gente sem sucesso. Vão ter que adquirir competências, muitas competências, em variadíssimas áreas, porque é preciso ser bom em tudo e é preciso preparar para o futuro, curiosamente, descuidando, por vezes, o presente.

E vão também começar a perceber como anda confusa a cabeça dos adultos, como estamos sem perceber o nosso próprio presente e com dificuldade em antecipar o futuro, que será o presente deles.

Vão, parte deles, desaprender de rir, de se sentir bem e de brincar, a coisa mais séria que sempre fizeram.

Vão ouvir cada vez mais frequentemente qualquer coisa como "não podes fazer isso, já és uma mulherzinha, ou um homenzinho", como se as mulherzinhas e os homenzinhos já crescidos não fizessem asneiras.

Vão conhecer tempos em que se sentem sós e perdidos com um mundo demasiado grande pela frente.

Mais cedo ou mais tarde, alguns deles, vão sentir uma dor branda que faz parte do crescer, mas que, às vezes, não passa com o crescer.

Também sei, felizmente que a grande maioria vai continuar a sentir-se bem, por dentro e para fora.

Pode parecer-vos um pouco estranho, mas gostava que a estes miúdos que agora vão começar "a escola", tal como aos outros que já a cumprem, lhes apetecesse "fugir para a escola" e que nós possamos ser capazes de lhes dizer "Cresçam devagarinho, não tenham pressa".

É que depressa e bem, não há quem, como se costuma dizer.

Boa sorte e bom trabalho para alunos, professores, técnicos, funcionários e pais.

sábado, 12 de setembro de 2020

DO BEM-ESTAR EM TEMPOS DE REGRESSO

 

A experiência abrupta de confinamento total por que passaram milhões de crianças e adolescentes com o encerramento de escolas e, praticamente, de todos os serviços da comunidade de que são utentes, não podia deixar de ter implicações no seu bem-estar.

Desde logo e naturalmente pelo impacto no seu trajecto educativo e de aprendizagem, mas também na saúde mental. Aliás, também nos adultos é considerável este impacto.

O confinamento a que foram sujeitos em contextos familiares em que nem sempre os factores de protecção equilibravam os factores de risco, sustentou mudanças no seu bem-estar e comportamentos e a emergência de quadros de risco que agora viajam na "mochila" que os alunos carregam para a escola.

Começam a ser conhecidos trabalhos que, apesar de alguma precaução na sua análise, iluminam esta situação o que, naturalmente, aumenta a importância do retorno às escolas, mas, simultaneamente, a necessidade de que as comunidades educativas tenham os recursos ou dispositivos de acesso a esses recursos que acomodem as situações de vulnerabilidade psicológica em que muitos alunos retornarão às escolas. As crianças e adolescentes com necessidades específicas estarão muito provavelmente em situação de risco acrescido.

Crianças e adolescentes são resilientes e, como ontem escrevi, importa um ambiente tranquilizador que tranquilize e apoie alunos e pais no regresso.

Não temos, longe disso, uma etapa fácil pela frente mas temos de investir no empenho e nos recursos de diferente natureza para que não tenhamos um futuro de risco que defina a geração Covide-19.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O AMBIENTE DO REGRESSO

 

Torna-se difícil acompanhar o discurso esclarecido e tranquilizador de, pelo menos, seis milhões de especialistas em saúde pública produzido sobre a situação que atravessamos, designadamente, sobre o início do ano lectivo em modo presencial e numa situação verdadeiramente excepcional.

Compreendo todas dúvidas e todos os receios, também os sinto, também os conheço. Não tenho a menor sombra de dúvida sobre a necessidade de acautelar riscos, para toda a comunidade sabendo que não existe risco zero.

Não tenho a menor sombra de dúvida da necessidade de recursos docentes, técnicos e funcionários bem como equipamentos e dispositivos que permitam a utilização de dispositivos digitais para todos e com eficiência.

Mas também compreendo que voltando os alunos à escola e sendo lá que a escola acontece importa que o não façam mergulhados num clima de medo e receio, geradora de mais medo e de receios.

Os alunos, sobretudo os mais novos e vulneráveis não ainda possuem ferramentas emocionais e cognitivas que lhes permitam lidar com alguma tranquilidade com esses medos e ansiedade. É desejável que o ambiente que percebem à sua volta pudesse ser sentido como um factor de protecção e não de risco.

É verdade que devemos ser realistas, cautelosos, exigentes, é óbvio. No entanto, tal não obsta a que esqueçamos como os mais novos nos ouvem.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A LER "QUE ESCOLA, E EM QUE DEMOCRACIA, NA SOCIEDADE QUE AÍ VEM"

 

Parece-me estimulante a leitura do texto de Paulo Prudêncio no Público, “Que escola, e em que democracia, na sociedade que aí vem”.

(…)

Portanto, quando se pensa no futuro da democracia, e do bem público e comum numa sociedade mais justa e igualitária, defende-se o espaço gregário onde é imperativa a escola como instituição nuclear e estruturante dos princípios fundadores que consolidam a razão e a ciência. Digamos que é um espaço de segurança democrática dependente da nossa vontade. E como a escola portuguesa está consensualmente asfixiada num doentio emaranhado depois de quase duas décadas de políticas comuns de contracção, e radicalmente antagónicas nos conceitos, urge um reinício assente, desde logo, na simplificação organizacional.

(…)

Esta ideia de simplificação parece-me estimulante e inovadora e creio dever assentar numa verdadeira autonomia de escolas e professores. Por coincidência, já tenho abordado esta ideia aqui no Atenta Inquietude e retomo umas notas.

De uma forma geral, o trabalho a desenvolver nas escolas, em toda a escolaridade obrigatória, mas sobretudo nos primeiros anos e incluindo a educação pre-éscolar, deveria ter como orientação de base a simplificação.   

Seria desejável que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” “projectista” a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos.

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, "facilitismo", menos qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm que realizar e estão a realizar.

Sempre que falo desta questão recordo-me do Mestre João dos Santos, a quem tarda uma homenagem com significado nacional,  quando dizia, cito de memória pelo privilégio de ainda o ter conhecido e ouvido, que em educação o difícil é trabalhar de forma simples, é mais fácil complicar, mas, obviamente, menos eficaz, menos produtivo e muito mais desgastante.

Talvez valesse a pena tentarmos esta via de mais simplificação. As circunstâncias deste tempo já são suficientemente complicadas.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

A LER, "EDUCAÇÃO INCLUSIVA: NO REINO DOS ESQUECIDOS"

 Merece leitura atenta e reflexão o texto de Carmen Garcia no Público, “Educação inclusiva: no reino dos esquecidos

É reconhecido que em situações de maior dificuldade global os grupos mais vulneráveis são mais fortemente afectados por essas dificuldades.

Assim aconteceu com os alunos com necessidades especiais relativamente à resposta de emergência de E@D estruturada após o encerramento das escolas em Março.

Alunos e famílias atravessaram desde aí um período extraordinariamente difícil com comprometimento significativo dos apoios específicos e dos apoios educativos com implicações importantes no progresso educativo e de desenvolvimento dos alunos.

Carmen Garcia, a partir da sua própria experiência enquanto mãe e do contacto com outros pais de alunos necessidades especiais, expressa de forma impressiva as dúvidas e receios que estes pais sentem a poucos dias do início do ano lectivo.

Sabemos que preparação que está a ser realizada pelas escolas implica um esforço gigantesco e apesar das variáveis não controladas como a evolução da pandemia, sem recursos humanos, docentes técnicos e funcionários, sem recursos digitais, equipamento e acessibilidades, dificilmente as escolas terão a resposta adequada para a generalidade dos alunos e em particular para os que estão em condições de maior vulnerabilidade.

Retomo algumas notas. Nas “Orientações para a organização do ano letivo 2020/2021” produzidas pela DGEstE reafirma-se a intenção de que dentro das condições em matéria de saúde pública os alunos do 1º e 2º ciclo e os alunos com necessidades especiais devem ter actividades em regime presencial.

Parece adequada a orientação pois os níveis de autonomia e necessidades dos alunos mais novos e a importância dos apoios específicos dos alunos com necessidades especiais são mais exigentes na necessidade de trabalho presencial como se verificou no terceiro período.

Por outro e como há pouco tempo aqui escrevi, não fica claro o que significará em termos reais o anunciado aumento de 25% no crédito horário das escolas quando nas Orientações da DGEstE se afirma que o reforço do crédito horário é “exclusivamente utilizado para a recuperação e consolidação das aprendizagens, nomeadamente através do apoio educativo e coadjuvação de aulas” e que “as primeiras cinco semanas destinam-se à recuperação e consolidação das aprendizagens, identificadas em função do trabalho realizado com cada aluno no ano letivo 2019/2020”.

Continuo com dúvidas sobre a definição das cinco semanas como tempo de recuperação e consolidação de aprendizagens. Considerando a diversidade de situações no número e na tipologia aconselham a que sejam as escolas a avaliar as necessidades e com os recursos necessários definir planos e dispositivos de apoio que dificilmente creio que possam “caber” nas primeiras cinco semanas lectivas.

Também não compreendo o alcance de “Cada agrupamento de escolas ou escola não agrupada terá um crédito horário adicional de até duas horas letivas semanais, destinado exclusivamente à EMAEI.” Qual o impacto real desta medida face aos problemas e constrangimentos identificados nos últimos meses nas escolas e, em particular, envolvendo os alunos com necessidades específicas.

Professores e direcções têm expressado preocupações com os recursos disponíveis nas escolas no início do lectivo.

Do volume anunciado de investimento em equipamentos e de recrutamento de docentes, pessoal não docente e técnicos especializados como psicólogos e “assistentes sociais e mediadores quantos estarão nas escolas no início do ano quando nem o número anunciado parece suficiente.

Seria desejável que estivessem a tempo de se envolverem na preparação das actividades e no seu início até porque o ME definiu as cinco semanas iniciais como “prazo” para a recuperação.

Parece positiva a aposta no reforço do programa de apoio tutorial específico alargando-o ao secundário e aos alunos que chumbaram neste ano lectivo mesmo que seja a primeira retenção. Como será operacionalizado? Triplicará a resposta como foi anunciado?

O início é já para a semana e, para além das questões de saúde pública e da contenção de riscos nas comunidades escolares, as dúvidas e receios de professores e direcções e das famílias são ainda muitas, sobretudo no que respeita a recursos adequados e suficientes.

O texto de Carmen Garcia mostra as preocupações das famílias.

terça-feira, 8 de setembro de 2020

DEMOROU MAIS DO QUE DEVIA

 

Demorou mais do que devia. A Direcção-Geral de Saúde alterou as regras que obrigavam a isolamento as crianças e adolescentes em risco que entram num lar de acolhimento quando retiras à família ou quando regressam à instituição após visita familiar. Aliás, estas regras nunca deveriam ter existido, justamente, em nome da protecção de menores em risco. Teríamos de encontrar outras formas de protecção dos riscos em matéria de saúde.

É certo que como afirmou a Directora-Geral, isolado não é abandonado, mas estamos a falar de crianças e adolescentes que passaram por situações de profundo mal-estar em contexto familiar.

São retirados obrigatoriamente de uma família que não os acolhe e por isso estão em perigo e um lar de acolhimento recebe-os isolando-os. Não deve acontecer ainda que estejamos perante situações de natureza excepcional em matéria de saúde.

Estes miúdos já estão em risco, não deveriam passar por uma situação de isolamento por duas semanas.

Não é a melhor maneira de passar os primeiros dias do resto das suas vidas.

PARTIU VICENTE JORGE SILVA

 

Partiu Vicente Jorge Silva. Acompanhei o seu trajecto desde o Comércio do Funchal, o jornal cor de rosa que desafiava a censura e que por aqui circulava com alguma cautela. Era o tempo escuro que importa não esquecer.

Acompanhei-o desde o início no Expresso e no Público e fui mantendo o contacto com Vicente Jorge Silva.

Nem sempre de acordo com o que escrevia, lembro-me do famoso episódio da “geração rasca”, mas com ideia de que Vicente Jorge Silva era um Jornalista.

Hoje, mais do que nunca a imprensa precisa de Jornalistas. Mais Jornalistas e menos gente que ocupa os espaços daimprensa com designações diversas, umas mais criativas que outras, ao serviço de agendas mais ou menos implícitas que, demasiado frequentemente, produzem desinformação e não informação, que constroem “fakenews” e “pós-verdades” e não ferramentas de análise e conhecimento.

O Jornalismo fica mais pobre.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

O QUE É A MATEMÁTICA?

 

Conforme muitas vezes refiro tenho como muito importante que à entrada da escola, antes de começar a aprender as “coisas” da escola, os miúdos precisam de aprender a escola.

Apesar da maioria ter experiência de educação pré-escolar as diferenças são enormes mesmo quando nem mudam de edifício.

Uma das grandes diferenças prende-se com a progressiva compartimentação do trabalho que se desenrola confinado à área curricular que respeita e que tem manual e caderno de actividades próprio, carga horária e horário bem definidos.

A forma como os miúdos começam a lidar com esta organização nem sempre é fácil.

Há uns tempos, já aqui contei a história, a filha de uma colega estando no início do 1º ano, ainda a aprender a escola, falando com a mãe perguntava a olhar para a mochila, “Mãe, a matemática é aquilo dos números ou das letras?

Os miúdos fazem perguntas mesmo disparatadas, é claro que a matemática é coisa de números e não tem nada a ver com aquela coisa das letras que é um outro mundo, outra disciplina, um outro manual, um outro conjunto de actividades, uma outra avaliação, uma outra dificuldade, uma outra representação, enfim, outra disciplina.

Como é evidente, isto não tem rigorosamente a ver com flexibilização curricular, uma coisa inovadora que por aí anda, ou terá?

domingo, 6 de setembro de 2020

SERENIDADE, PRECISA-SE

 

Por estes dias e sem estranheza multiplicam-se na imprensa as abordagens ao início do ano lectivo que está quase aí.

É uma matéria sazonal, mas este ano as circunstâncias são verdadeiramente excepcionais. Assim, mais do que a própria reentrada ou entrada na escola, surgem as questões relativas à situação em matéria de saúde.

Apesar de algumas expressões de confiança e optimismo, as referências às inquietações, aos receios, ao “não é possível”, ao risco para alunos, professores, técnicos, pais, … todos, são imensas.

Percebe-se que assim seja e sublinho a importância do escrutínio da comunidade sobre as condições em que os seus filhos frequentarão a escola.

Também percebo a importância de que esse escrutínio, dúvidas e receios, sejam divulgados. É assim que deve ser em sociedades abertas.

Também me inquieto, aliás, tenho um neto a regressar ao jardim-de-infância e outro ao 2º ano e sei que não há risco zero. Vejo, por exemplo, poucas referências à existência de docentes, técnicos e funcionários, suficientes e competentes, colocados nas escolas a horas e aos recursos, sobretudo, de natureza digital e de acessibilidade, condição essencial para assegurar, primeiro, a recuperação e consolidação e, naturalmente o progresso nas aprendizagens de todos os alunos, sublinho, de todos os alunos.

Não tenho dúvidas que a maioria das questões abordadas decorre da preocupação com o bem-estar educativo e não só das crianças e adolescentes.

E justamente em nome do bem-estar dos mais novos creio que seria necessário um discurso à sua volta que fosse tranquilizador, realista, informado e informador, mas sereno e confiante. É óbvio que seis meses fora da escola pelas circunstâncias conhecidas ou a entrada pela primeira vez e neste clima podem ser geradores de alguma ansiedade e receio em todos, mas sobretudo nos mais pequenos ou mais vulneráveis.

A motivação do retorno ou da entrada, a saudade da escola, colegas e professores são factores de protecção para esta eventual ansiedade e receio, mas os discursos que ouvem também deveriam contribuir para a sua serenidade.

Como há dias afirmava numa conversa no DN, se forem acolhidos, tranquilizados, ajudados a acomodar-se, as coisas poderão correr melhor.

Costumo dizer que os primeiros dias são para aprender a escola e não para aprender as coisas da escola e eles mesmo os que regressam precisam de reaprender a escola, a escola que vão encontrar não é a que deixaram. Para isso temos que conversar com eles, criar um tom e um clima acolhedor. Este ano esta ideia parece-me ainda mais importante.

Os alunos vão precisar de falar das “suas” coisas, do que fizeram, do que não fizeram, do que gostaram, do que não gostaram, e os professores têm as ferramentas, a empatia, para fazer isso, assim se crie a ideia de que este é um trabalho importante antes ou paralelamente às actividades curriculares.

Se a prioridade for dada à burocracia e se entrarem naquela "azáfama grelhadora", tão presente nas nossas escolas, de construir grelhas basicamente por dois motivos, por tudo e por nada, e não se simplificarem os processos, a coisa poderá correr menos bem.

Creio que devemos começar por acolher os alunos com serenidade, sobretudo os mais novos, e ajudá-los a sentar outra vez, tão tranquilos e confiantes quanto possível. Depois aprendem, antes não.

sábado, 5 de setembro de 2020

GOSTEI DE LER, "A MINHA PROFESSORA"

 

Numa altura em que nos aproximamos do início das aulas e num contexto excepcional deixo umas notas que intencionalmente estão fora da reflexão incontornável que envolve os receios relativos à COVID-19. No Expresso encontrei um texto muito bonito, como quase sempre, de José Tolentino de Mendonça, “A minha professora”, no qual emerge algo que muitas vezes aqui tenho referido, a importância dos professores  que nos marcam, aqueles que carregamos connosco ao longo da vida.

A verdade é que, sejam quais forem as circunstâncias que enfrentaremos em cada escola, em cada sala de aula, será sempre o professor o regulador da relação das crianças e adolesentes com essas circunstâncias. Centremo-nos, pois, no seu papel.

A esmagadora maioria dos professores é competente e empenhada nesse trabalho, procurando desenvolvê-lo com qualidade, rigor e eficácia, sem facilitismos, contrariamente ao que tantas vezes se afirma de forma ignorante. Todos os dias, em todas as escolas muitos professores fazem trabalhos de notável qualidade que mais frequentemente apenas são valorizados e conhecidos … pelos seus alunos.

Quando qualquer de nós faz um esforço para recuperar lembranças positivas sobre os professores, poucos ou muitos, com que nos cruzámos durante o nosso trajecto escolar, creio que quase todos nos lembramos de professores que continuam na nossa lembrança não só pelos saberes escolares que nos ajudaram a adquirir mas, sobretudo, por aquilo que representaram e foram para nós, ou seja, pela forma como nos marcaram. Cada um desses professores é, certamente, o melhor professor que conhecemos. É do que fala Tolentino de Mendonça.

Por isso, cada vez mais estou convicto de que os professores, tanto quanto ensinar o que sabem, ensinam o que são, ou seja, existem muitos que nos transmitem saberes e competências, o que é bom e indispensável, mas nem todos permanecem com a gente, não nos marcaram.

Parece-me sempre oportuno, nestes tempos mais que nunca, acentuar a importância destas dimensões de natureza mais ética, afectiva e de proximidade essenciais nos processos de ensino e educação. Devem ser valorizadas e promovidas para que os miúdos possam, posteriormente, falar dos professores que os marcaram e que, por essa razão, continuaram com eles.