Segundo dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência no último relatório “Perfil do Aluno” relativo a 2018/2019, a taxa real de escolarização no 1º ciclo é de 95.8%. Dito de outra forma, um número significativo de alunos está fora do intervalo etário considerado como “frequência normal”, entre os seis e os nove anos.
As explicações para esta situação que carece de análise mais
profunda e de acordo com alguns investigadores citados no Público podem remeter
para um nível ainda elevado de retenção no 2º ano de escolaridade e/ou o facto
aparente de alguns pais entenderem que os filhos não têm “maturidade” para
entrar no 1º ano pelo que continuam a frequentar a educação pré-escolar mesmo
com seis anos.
Sobre a questão da retenção já aqui muitas vezes tenho reflectido
e considero que um “chumbo” no 2º ano de escolaridade, aos seis ou sete anos de
idade, não é, por princípio uma solução, é um problema, a retenção não é uma
ferramenta de progresso e aprendizagem.
Por agora umas notas mais centradas na questão da entrada na
escola e a questão da “prontidão” ou “maturidade” que muitos pais e também alguns
educadores ou professores equacionam na decisão sobre a entrada na escola.
De acordo com a lei em Portugal a entrada na escola é
obrigatória para as crianças completem seis anos de idade até 15 de Setembro.
As crianças que completam os seis anos entre 16 de Setembro e 31 de Dezembro,
já depois do início do ano lectivo, podem matricular-se de forma condicional,
ou seja, frequentam se existir vaga na escola. Existe ainda a possibilidade
legal, com autorização específica, de que uma criança possa ver antecipada ou
adiada em um ano a sua entrada na escola. Nestas circunstâncias colocam-se
desde logo dúvidas relativas à idade adequada, sobretudo relativamente às
crianças que entram com 5 anos, seja através da situação de condicional ou
através de um pedido de antecipação.
De uma forma geral parece ser entendimento e prática em
muitos países que os seis anos parecem ser uma idade ajustada para o início da
escolaridade. Considerando a diversidade entre as crianças pode aceitar-se em
alguns casos bem analisados que entrem mais cedo ou mais tarde. No entanto,
creio que o melhor para a criança é que não se “acelere” este processo,
tentação de muitos pais que assim antecipam vantagens futuras, mas que na
verdade podem implicar alguns riscos para a criança que, naturalmente, devem
ser acautelados. Também me parece ser necessário uma enorme precaução na
avaliação da falta de “prontidão ou “imaturidade” que os levará a mantê-los em
educação pré-escolar.
Em primeiro lugar importa sublinhar a importância de uma boa experiência de educação pré-escolar que é bastante mais que a “preparação” para a escola e não deve enredar-se no entendimento de que é uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no trajecto escolar.
Na verdade, as crianças estão a preparar-se para a vida,
para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças
estão menos com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento
global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e
promoção de capacidades que têm um valor por si e deve ser entendida como uma
etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escolar.
Este período, a educação pré-escolar, cumprido com qualidade
e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da
formação institucional de cidadãos. Esta formação é global e essencial para
tudo que virão a ser e a fazer no resto da sua vida pelo que deve resistir-se à
tentação de a acelerar ou prolongar sem que exista justificação robusta.
Por outro lado, a "entrada" na escola, ou melhor,
o processo de início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma
experiência fundamental para o lançamento de um percurso educativo com sucesso.
O início da escolaridade envolve na verdade um conjunto de
circunstâncias irreversíveis na vida dos miúdos, ou seja, quando corre mal já
não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá
correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo e em
tempo oportuno. Para tal, importa que seja pensado e orientado, que crie as
rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à
aprendizagem e ao desenvolvimento bem-sucedidos geridas de forma diferenciada justamente pela diversidade dos alunos, a característica mais evidente em qualquer grupo.
Por outro lado, de há algum tempo a esta parte e como tenho
constatado em muitas conversas com pais, mas também em contextos escolares, tem
emergido com progressiva regularidade discursos e comportamentos que sugerem a
instalação nem sempre muito consciente de uma enorme pressão sobre os miúdos
para a excelência do seu desempenho e em múltiplos aspectos.
Na verdade, fruto dos estilos de vida, de alterações nos
valores e cultura e das dificuldades genéricas que enfrentamos, tem vindo a
instalar-se de mansinho em muitos pais, e também dentro das instituições
educativas, uma atitude e um discurso de exigência e de pressão para a
excelência no desempenho dos miúdos, a começar pelos resultados escolares.
A questão não tem, evidentemente, a ver com a natural
atitude de exigência, mas um sim com a pressão muito forte para a produção e
alto nível de rendimento e cada vez mais cedo pois, supõe-se, ganharão
vantagens. E recoloca-se a questão da idade adequada com o eventual
entendimento de alguns pais de que os seus filhos ainda não estão “prontos”
para o sucesso e portanto, continuam na educação pré-escolar.
Por outro lado, o clima instalado relativamente à pressão
para resultados e para excelência e à forma como o sistema educativo tem
sobrevalorizado a medida contribui para alimentar de um ambiente educativo
competitivo e selectivo que cria em muitas crianças uma pressão fortíssima para
a excelência dos resultados e também contribuirão para explicar o nível
bastante elevado da retenção no 2º ano. Não é raro, antes pelo contrário e de
acordo com as disponibilidades das famílias, que a seguir à escola muitas
crianças caminhem para os centros de explicações que acabam por funcionar como
AAE, Ateliers de Actividades Escolares respondendo como um 2 em 1, tomam conta
das crianças e melhoram, espera-se, o seu rendimento escolar.
Acresce que esta excelência que é exigida é extensiva a
todas as áreas em que os miúdos se envolvem, devem ser excelentes a tudo tendo
muitas crianças a sua vida transformada numa espécie de agenda, saltando de
actividade em actividade numa agitação sem fim.
Acontece que algumas crianças, por questões de maturidade ou
funcionamento pessoal, suportam de forma menos positiva esta pressão o que
poderá gerar o risco de disfuncionamento, rejeição escolar e, finalmente,
insucesso.
Também sei que em muitas destas actividades estará presente uma genuína preocupação dos seus responsáveis pela qualidade e adequação do trabalho que realizam com os miúdos. A questão é que esse trabalho é apenas um dos mil trabalhos com que se vai enchendo a vida dos miúdos.
A melhor forma de preparar os miúdos para o futuro é cuidar bem deles no presente, desejavelmente sem faltas, mas também sem excessos.
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