quarta-feira, 16 de setembro de 2020

DO CYBERBULLYING. DE NOVO

 No Público está divulgado um trabalho “Cyberbullying em Portugal durante a pandemia da covid-19” realizado por investigadores do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa que encontrou indicadores que merecem séria reflexão.

O trabalho for realizado durante os três meses de confinamento com 485 jovens dos 16 aos 34 anos.

Um primeiro dado, 61,4% disseram-se vítimas de cyberbullying mais do que uma vez e envolvendo comportamentos como insultos, partilha de fotos íntimas ou incitação ao suicídio.

Acresce que dos 41% que se assumiram como agressores, 29,4% mostraram-se indiferentes ao sofrimento sendo que 9,1% declararam mesmo ter sentido alegria e apenas 16% admitiram sentirem culpa.

Quanto às razões que levaram ao comportamento agressor, 41.1% responderam que o fizeram por brincadeira. Dos restantes, 23.9% referiram “vingança” e 10.2% por “afirmação perante colegas”.

Em termos de contexto importa ainda referir que durante este tempo 44,7% dos inquiridos afirmou ter passado cerca de seis horas por dia a navegar na Net, sobretudo nas redes sociais, 94,8% ou em blogues e na plataforma YouTube, 72,6%.

Os dados são de facto preocupantes e ainda é de considerar que pela idade dos inquiridos, muitos serão adultos teremos certamente alunos do ensino superior.

Algumas notas direccionadas sobretudo para os alunos que ainda frequentam a escolaridade obrigatória.

Desde logo parece-me de chamar a atenção que também por questões desta natureza se percebe a necessidade de uma área disciplinar trabalhada na escola, que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das relações interpessoais, a empatia e inteligência emocional, etc.

O cyberbullying parece ser actualmente a variante de bullying mais preocupante, não só num tempo de confinamento, por razões óbvias, mas mesmo em situação de ensino presencial como desejamos que seja no ano que agora começa.

Contrariamente ao bullying presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a um menor nível de empatia pelo outro o que transparece no estudo agora divulgado.

Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.

Em termos globais, sabe-se também que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores, técnicos ou funcionários.

Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.

Recordo um estudo com uma escala significativa divulgado na Lancet Psychiatry há já algum tempo que sugeria que o bullying pode assumir impactos negativos mais significativos no bem-estar psicológico dos adolescentes aos 18 anos que maus-tratos de adultos sofridos na infância. Mostra ainda que crianças maltratadas na infância são vítimas potenciais de bullying em adolescentes.

Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

Neste universo e mais uma vez importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.

Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Entretanto estão criados vários portais e disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.

Lamentavelmente, parte importante das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.

A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.

Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.

Estes sinais não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

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