terça-feira, 29 de setembro de 2020

MAYDAY, MAYDAY

 

Para um texto sobre a mesma questão de hoje, o envelhecimento da classe docente, em 2018 fui buscar este título a um artigo histórico de um dos meus Mestres, o Professor Joaquim Bairrão Ruivo, que também o usou com o sentido que tem na aviação. A situação continua mesmo grave e hoje retomo a questão recorrendo ao mesmo título.

O Público divulga os dados do relatório “Perfil do Docente 2018/2019” Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e os dados continuam a ser inquietantes e  com o passar do tempo e sem solução robusta , mais inquietantes.

Dos professores do quadro em 2018/2019, cerca de 63% têm idade igual ou superior a 50 anos, 60876 em 96203. No grupo dos professores contratados, 20567, nesta faixa etária existem 11%

Considerando os docentes do quadro, o grupo com maior efectivo, 22841, está faixa dos 55 aos 59 anos e nos contratados o grupo com maior número, 6888, é o da faixa dos 35 aos 39 anos.

Se considerarmos o início e o fim da carreira, grupo de docentes com menos de 30 anos existem 6 docentes no quadro 616 contratados. No grupo com 65 anos ou mais 34 docentes na 1896 estão no quadro e 34 estão contratados.

A situação é verdadeiramente assustadora justificando, deste ponto de vista, colocar o sistema educativo em alerta vermelho. Deixem-me recuperar algumas notas.

Acresce a esta situação que a pandemia implica um risco acrescido nas pessoas com mais idade o que, obviamente, amplia a já grave situação de receio e carência de docentes.

No Plano de Recuperação Económica e Social para Portugal 2010-2030 consta “investir num programa de reformas antecipadas negociadas com os professores mais idosos e alargar o recrutamento de novos professores jovens”. Não dá para esperar.

Há anos que sucessivos relatórios nacionais e internacionais têm alertado para gravidade do envelhecimento da classe docente, dos efeitos associados, e da certeza da falta de docentes a curto prazo que, aliás, já se faz sentir em alguns grupos.

O envelhecimento da classe docente não é um problema exclusivo do nosso sistema, mas é particularmente grave sendo que alguns países também afectados têm iniciativas já em desenvolvimento no sentido de o minimizar.

Acresce que recordando um trabalho do CNE por solicitação da Parlamento, até 2030 mais de metade do corpo docente, 57,8%, sairá para a aposentação. Para além da elevada idade média, considerando os modelos de selecção e recrutamento, é ainda significativo que, como também já era conhecido, em cinco anos a inscrição de alunos em cursos de formação para a docência baixou para metade.

Ao perfil dos docentes em termos de idade acresce que como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, associado a níveis pouco positivos de satisfação profissional a que se soma os riscos acrescidos da situação que atravessamos

Na verdade, este cenário só pode surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam na comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores.

Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens.

Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm desenvolvido políticas que contribuem para a desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais. Os últimos tempos têm sido particularmente elucidativos.

Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação por diferentes razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.

Com a previsível aposentação de milhares de professores num prazo relativamente curto teremos uma significativa falta de docentes. O problema é que muito pelo contributo de opinadores e por efeitos de algumas das políticas públicas em matéria de educação a profissão de professor perdeu capacidade de atracção como o trabalho do CNE também sublinha.

Parece clara a necessidade urgente de definir uma resposta oportuna e consistente a este trajecto. Pode passar por um programa de acesso voluntário a reformas antecipadas, mas obrigatoriamente terá de considerar a valorização da função docente.

Sabemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

Não parece difícil perceber porquê.

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