quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

PALAVRAS (MAL)DITAS

 Aos 71 anos e ligado à educação desde que entrei na escola aos seis anos já não é fácil sentir-me surpreendido, mas a verdade é que, recordando Sá de Miranda, "M'espanto às vezes, outras m'avergonho".

Ontem, no final da apresentação do novo modelo de acção social para o ensino superior, o Ministro da Educação, da Ciência e da Inovação afirmou o seguinte: “Quando nós metemos pessoas quesão basicamente todas de rendimentos mais baixos a beneficiar de um serviço público, nós sabemos que o serviço público se deteriora, é assim nos hospitais, é assim nas escolas...”. Assim mesmo!

Posteriormente tentou compor como é habitual, mas foi que disse, palavras mal ditas o que faz parecer que o Senhor Ministro está a perder a aura. Na verdade, lembrando Ettore Scola no imperdível “Feios, porcos e maus” o Senhor Ministro associa com clareza a baixa condição social e económica dos estudantes ao estado degradado das residências universitárias. Não pode!

Umas notas breves de um não especialista sobre a questão da comunicação, sobretudo das lideranças políticas.

A primeira questão é exactamente essa, o peso social do mensageiro condiciona o conteúdo da mensagem, ou seja, a mesma frase não tem o mesmo valor afirmada por um cidadão comum ou proferida por uma figura com responsabilidades de decisão, neste caso em matéria de cultura e políticas públicas nesta área. Aliás, trata-se do ministro da Educação.

Pode sempre afirmar-se que haverá alguma razão nas afirmações ou que a intenção não traduz o valor facial das afirmações que toda a gente ouve não podem deixar de ser analisadas e levadas em consideração.

Quanto à intenção, a sua não existência, e até posso esforçar-me por acreditar que não exista, não colhe, é mesmo uma afirmação inaceitável.

É verdade que numa certa altura do desenvolvimento dos miúdos, o seu desenvolvimento moral e intelectual leva-os a considerar que a sua não intenção de realizar algo, desculpa o que aconteceu, tal entendimento traduz-se no frequente "foi sem querer" e como "foi sem querer", não tem problema.

Neste patamar, não funciona o "foi sem querer" e não podemos dizer a primeira "coisa que nos passa pela cabeça".

A questão é que as lideranças, as que verdadeiramente lideram, apesar de não possuírem, felizmente, o dom da infalibilidade e da perfeição, não podem, não devem proferir determinadas palavras e persistirem teimosamente na sua afirmação.

Trata-se de mais um exemplo de palavras (mal)ditas que ao longo dos anos têm sido proferidas por muita gente dos vários quadrantes políticos e áreas de intervenção.

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