Apesar de entender a pertinência da iniciativa não deixo de achar alguma estranheza na ideia de ser a escola a ensinar a andar de bicicleta.
Como sempre, alguma competência que é
julgada útil vai engordar o trabalho da escola restando saber até quando a
escola aguentará o contínuo aumento de solicitações.
Na imprensa é referido que o
Governo investirá três milhões de euros em bicicletas para que alunos do 2
ciclo, sim, do 2º ciclo, possam aprender a andar de bicicleta fomentando a
actividade lúdica ou desportiva e a mobilidade sustentável.
É verdade que os estilos de vida
e rotinas diárias se alteraram, as crianças tendem a desenvolver outro tipo de
actividades pelo que várias escolas e agrupamentos ou autarquias têm desenvolvido
iniciativas no mesmo sentido.
Recordo que a Câmara de Torres
Vedras desenvolveu uma iniciativa, “Mini-Agostinhas”, que envolvendo numa 1ª
fase alunos do 1º e 2º ano de três escolas fomentou a aprendizagem do andar de
bicicleta. Como afirmava um professor envolvido, muitas crianças acedem
primeiro ao “tablet” que à bicicleta.
Recupero ainda o que escrevi há
algum tempo a propósito de uma iniciativa semelhante numa escola básica de
Lisboa na qual, também de acordo um dos responsáveis, numa turma de 4º com 25 a
alunos, 80% não sabia andar de “bina”.
A experiência de andar de
bicicleta está de facto ausente da vida de muitas crianças. Por questões da
segurança, a alteração da percepção de valores, equipamentos, brinquedos e
actividades dos miúdos e, sobretudo, a mudança nos estilos de vida, o brincar
e, sobretudo, o brincar na rua começa a ser raro.
Embora consciente de variáveis
como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível
“devolver” os miúdos ao circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de
velhos que estão sozinhos as comunidades. Seria muito bom que as famílias
conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças fora das paredes de uma
casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.
Quantas histórias e experiências
muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de
formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.
Como muitas vezes tenho escrito e
afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a
autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala
Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente,
os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de
desenvolvimento e promoção dessa autonomia.
Curiosamente, se olharmos às
nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos
no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos
positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e
crescidos.
Talvez, devagarinho e com os
riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por
pouco tempo e não todos os dias.
A notícia e as notas, que alinhei
fizeram-me também recordar com imensa ternura e nostalgia a minha bicicleta de
adolescente, lá muito para trás no tempo numa estória que já por aqui passou.
Tive a sorte de ter uma bicicleta
desde gaiato pequeno, oferta de tios generosos, por isso sempre me habituei a
bicicletas até porque foi o veículo de transporte familiar até à adolescência,
altura em que o orçamento lá de casa possibilitou a aquisição de uma motorizada
para a família e na qual todos nos revíamos embevecidos.É certo que continuávamos em duas
rodas, mas sempre tinha motor.
Já mais crescido, a economia
familiar tinha limites apertados e não chegava para uma bicicleta nova de roda
28 pelo que desenvolvi um empreendedor plano. Recolhia cobre de fios velhos de
instalações eléctricas e latão, sobretudo dos casquilhos das lâmpadas, que trocava
no ferro-velho do Gato Bravo por peças para a minha bicicleta. O quadro, as
rodas, selim, o guiador, os travões, o dispositivo de iluminação com o dínamo
na roda e a minha bicicleta foi crescendo, linda, através do que se poderia
designar por um modelo pioneiro de “assembling”, com a ajuda sabedora e
companheira do meu pai, um conhecedor de bicicletas e, sobretudo, um
especialista em gente miúda. Não vos posso dizer a cor da minha bicicleta
porque teve várias, era uma bicicleta personalizada.
De vez em quando, conseguia outro
guiador, outro selim e a minha amada e invejada bicicleta sofria um
“restyling”, até mudanças ganhou. Grandes voltas percorremos nós, quase sempre
com o Zé Padiola, tantas idas à Costa da Caparica e à Fonte da Telha, sempre
por estradas que há quarenta anos ainda nos permitiam andar de bicicleta sem os
riscos actuais.
É verdade que eu e ela também
testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela
acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta.
Era uma diversão a sério. Que
saudades da minha bicicleta.
Ainda agora, ainda que não tanto
quanto queria, ando de bicicleta sempre com gozo, tal como o fazem os meus
netos.
2 comentários:
Boa tarde Professor José Morgado!
Um bem haja desde o meio do atlântico para o Alentejo.
Gostei bastante deste "post".
Na verdade, esta ideia das bicicletas na escola, e ser novamente a escola a substituir-se à família, aos amigos para ensinar a anadar de bicicleta... penso que não é de todo feliz!!! Aprender a anadr de bicicleta era gerador de diversas interações tão construtivas! Ou mesmo as conquistas tão meritórias dos que aprendiam sem ajuda.... mas cresciam em autoconfiança e coagem... mesmo que por vezes isso fosse conseguido com algumas quedas! Mas é curioso que é com orgulho e ternura que nos lembramos de como aprendemos a andar de bicicleta: "- Foi com o meu pai.." "aprendi sem ajudas"... Enfim... mesmo que não tenha um caráter obrigatória, não deixa de ser um acto institucionalizado e novamente para os lados escola.
Enfim... vamos a uns banhos de mar ou a umas voltas de bicicleta...
Um abraço
Alexandre
Olá Alexandre, um grande abraço e boas férias.
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