quarta-feira, 21 de maio de 2025

MIÚDOS SÁBIOS

Foi com curiosidade que encontrei a referência a uma investigação em desenvolvimento no âmbito do Departamento de Desporto e Saúde da Universidade de Évora relativa às brincadeiras de luta, “aquelas que as crianças fingem disputar fisicamente entre si”, são “animadas e barulhentas [mas são], muitas vezes, vistas com desconfiança por pais e educadores [e] frequentemente rotuladas como perigosas ou inapropriadas” conforme refere Guida Veiga, docente nesse Departamento.

O estudo identifica benefícios nesse tipo de actividades, as crianças desenvolvem competências no conhecimento do corpo, na regulação das emoções e nos comportamentos de interacção entre pares dado que “Estas interacções envolvem contacto físico, controlo emocional e motor e uma sincronização social que são fundamentais para a saúde e o bem-estar das crianças”, afirma ainda a Professora Guida Veiga acentuando a natureza pioneira deste trabalho que envolve cerca de 150 crianças entre os 3 e os 6 anos nos concelhos Évora e Redondo.

Parece-me interessante este trabalho e lembrei-me de um texto que coloquei no Atenta Inquietude em 2008, já lá vão 17 anos anos. Dizia assim:

 Era uma vez, estavam dois miúdos num parque, um desses sítios que algumas terras têm para os mais pequenos brincarem. Não havia muita gente. Os miúdos, às tantas, rebolavam no chão engalfinhados.

Passou um médico e pensou que eles talvez se magoassem porque aquelas brincadeiras podem ser perigosas.

Passou um antropólogo e pensou como ainda provavelmente se realizam lutas simbólicas por territórios, apesar das mudanças culturais.

Passou um pai e pensou como era possível que as crianças estivessem ali sozinhas nos dias que correm.

Passou um professor e pensou como seria mais útil que estivessem a ler algo de interessante.

Passou um sociólogo e pensou como desde cedo se procura hierarquizar as relações sociais.

Passou um psicólogo e pensou como começa a ser tão frequente o bullying.

Passou um padre e pensou como os padrões morais que regem os comportamentos se alteram e a violência se instala.

Passou outro miúdo e perguntou “Estão a brincar a quê?”. Responderam os outros, “Às lutas, também queres brincar?”, “Quero”.

E ficaram três miúdos a rebolarem-se no chão um bocado engalfinhados. E felizes.


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