Continuam a surgir múltiplas leituras e comentários na imprensa e nas redes sociais sobre os resultados nas legislativas. São também diversas as análises e hipóteses explicativas da distribuição dos votos.
Considerando a inquietação e tristeza
com o que leio e oiço e não tendo qualquer veleidade de assumir o papel de
politólogo, atrevo-me a partilhar umas notas reflectindo sobre algo que me
parece fazer parte dos tempos que vivemos e, provavelmente, pode ajudar a pensar
sobre eles, pedindo desculpa pelo atrevimento.
Uma das características que me
inquietam é a dificuldade ou incapacidade de escuta que aparentemente se instalou
nos nossos modelos de funcionamento social. Não é ouvir, é escutar, algo bem mais
robusto e elemento crítico na compreensão do mundo e na relação com o outro, com
os outros.
Na área em que sempre me movi, a
psicologia e mais em particular no universo da educação, a “escuta” é percebida
como um elemento central na intervenção em diferentes contextos e com os
diferentes intervenientes nos processos educativos, familiares e escolares.
Nesta perspectiva, continuo a
entender que por diversas razões se escuta de menos. Diria mesmo que enquanto
sociedade e considerando sobretudo os tempos actuais, apresentamos um sério
problema de "surdez", não escutamos. Aliás, poderemos até considerar
que, frequentemente, revelamos o que se chama uma surdez selectiva, só escutamos
o que queremos. Vejamos alguns, só alguns, dos nossos problemas de escuta sendo ainda certo que muita gente nem tem voz.
Escuta-se pouco os velhos sós, que vivem isolados e que sobrevivem com pensões de miséria.
Continuo a achar que existem
demasiados miúdos, adolescentes ou jovens que, por mais alto que gritem,
ninguém os escuta.
Sabemos dos milhares de crianças
maltratadas e de mulheres vítimas de violência a que damos pouca escuta.
É preciso escutar milhares de pessoas
vulneráveis em termos de condições de emprego e apoios sociais.
E escutar milhares de jovens com
dificuldades enormes para entrar no mercado de trabalho e que vêem comprometida
a possibilidade de um projecto de vida, com acesso a habitação, parentalidade e salário condigno.
A insensível e delinquente
incapacidade de escuta dos responsáveis por múltiplas áreas das políticas
públicas, saúde, justiça, educação, trabalho, etc. Boa parte destes
responsáveis falam, falam muito, mas não escutam.
Provavelmente, muitos dos votos
nas legislativas serão, por assim dizer, um “grito” dos que não se sentem
escutados.
Talvez estejamos a tempo de ouvir
e reconhecer a voz de quem sente que não a tem.
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