É merecedor de leitura e reflexão o texto de Aimee Grant, “Não, nem toda a gente é “um bocadinho autista” — e esta ideia é nociva”, que aborda na primeira pessoa a forma ligeira e irreflectida como que se usa alguma terminologia, as palavras que ofendem como as designo em muitas intervenções e notas que por aqui têm passado e em que insisto.
É muito claro que de há algum
tempo para cá entrou no léxico comum da cena política, mas não só, uma terminologia vinda da
área da saúde mental com efeitos que ainda não foram avaliados. Alguns
exemplos. É muito frequente a referência a estados de depressão, o país está
deprimido, os mercados estão deprimidos, algumas regiões portuguesas são
consideradas deprimidas, etc. Diz-se tranquilamente que certos comportamentos
políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos. Inventaram um
quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não há opinador,
amador ou profissional, que não se refira a autismo, autista ou esquizofrénico
para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás, deve recordar-se
que a Assembleia da República aprovou há já algum tempo e sem grande resultado
uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos debates
parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem
compulsivamente estratégias de vitimização, a comportamentos obsessivos ou
alucinados, etc. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima
dos portugueses.
Toda esta linguagem é usada como
o maior à vontade.
Recordo que, creio que em 2016, a
Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo do
Douro entendeu por bem apresentar queixa pela utilização em duas novelas de
referências ao autismo de forma depreciativa. No entanto, a Entidade Reguladora
da Comunicação Social entendeu que o uso da palavra “autista” não é ofensivo. É
elucidativo.
No final de 2015 a associação
BIPP (Banco de Informação de Pais para Pais) – Inclusão para a Deficiência
desencadeou uma campanha de sensibilização que visava inibir o uso de
expressões como “deficiente mental” ou “atrasado mental” como insulto ou para censurar
determinados comportamentos humanos. A campanha intitulava-se “Ser deficiente
não é um insulto” e tinha como objectivo que o recurso a esta terminologia
alimenta ou promove comportamentos de exclusão social dos cidadãos com
deficiência.
Na verdade, para além das
expressões citadas remetendo para o universo da deficiência, são também usados
com demasiada regularidade termos próprios da área da saúde mental,
esquizofrenia ou autismo, por exemplo, para adjectivar comportamentos e
discursos em particular na vida política, mas também noutros contextos.
Dito de outra forma, a condição
de deficiência, de doença mental ou de qualquer outra dimensão de
vulnerabilidade é utilizada como insulto sendo que este comportamento é
recorrente mesmo em pessoas com responsabilidade de natureza pública e social
de relevo o que agrava o seu já inaceitável uso.
Sem querer assumir uma posição
"politicamente correcta" este uso e abuso incomoda-me. Creio que
ignora e ofende o sofrimento das pessoas e das famílias que lidam com quadros
clínicos, de desenvolvimento ou de funcionalidade desta natureza. O texto de
Aimee Grant é mais um exemplo.
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