terça-feira, 24 de setembro de 2024

AS PALAVRAS MAL DITAS

 Numa intervenção pública ontem na visita a uma escola em Braga o Ministro da Educação afirmou, cito do PúblicoAs comunidades escolares estão mobilizadas, os directores, os professores estão mobilizados, penso que conseguimos trazer tranquilidade, normalidade àquilo que deve ser o início de um ano lectivo. O balanço é positivo porque há uma mudança grande em relação ao ano anterior, isso é evidente. Temos uma mudança no estado de espírito e é isso que é essencial: que a escola dê aquilo que as famílias esperam que dê".

Na mesma intervenção afirmou "Há demasiados alunos sem aulas, estes dados estão sempre a mudar, mas, provavelmente, temos mais de 200 mil alunos sem aulas ainda. Mas é um problema que estamos a tentar resolver com medidas de emergência. Temos um concurso a decorrer para as zonas que são mais afectadas para esta falta".

Aos 70 anos e ligado à educação desde que entrei na escola aos seis anos já não é fácil sentir-me surpreendido, mas a verdade é que ainda me espanto.

Então temos tranquilidade, normalidade, mudança de estado de espírito e … mais de 200 mil alunos anda não têm aulas uma semana depois do seu início!!

Devo dizer que registo, aliás referi isso por aqui, algumas mudanças e orientações no sentido que me parece positivo por parte do MECI, mas não é aceitável falar em “tranquilidade” e “normalidade”.

Umas notas breves de um não especialista sobre a questão da comunicação, sobretudo das lideranças políticas.

A primeira questão é exactamente essa, o peso social do mensageiro condiciona o conteúdo da mensagem, ou seja, a mesma frase não tem o mesmo valor afirmada por um cidadão comum ou proferida por uma figura com responsabilidades de decisão, neste caso em matéria de cultura e políticas públicas nesta área. Aliás, trata-se do ministro da Educação.

Pode sempre afirmar-se que haverá alguma razão nas afirmações ou que a intenção não traduz o valor facial das afirmações.

No que respeita à eventual razão, mesmo que em algumas situações pudesse ser entendida, toda a gente as ouve pelo que não podem deixar de as analisar e levar em consideração.

Quanto à intenção, a sua não existência, e até posso esforçar-me por acreditar que não exista, não colhe.

É verdade que numa certa altura do desenvolvimento dos miúdos, o seu desenvolvimento moral e intelectual leva-os a considerar que a sua não intenção de realizar algo, desculpa o que aconteceu, tal entendimento traduz-se no frequente "foi sem querer" e como "foi sem querer", não tem problema.

Neste patamar, não funciona o "foi sem querer" e não podemos dizer a primeira "coisa que nos passa pela cabeça".

A questão é que as lideranças, as que verdadeiramente lideram, apesar de não possuírem, felizmente, o dom da infalibilidade e da perfeição, não podem, não devem proferir determinadas palavras e persistirem teimosamente na sua afirmação.

Existem, neste caso e não só de agora, muitas crianças e adolescentes que não estão a ver efectivamente cumprido um dos inalienáveis direitos, o direito à educação.

Trata-se de mais um exemplo de palavras (mal)ditas que ao longo dos anos têm sido proferidas por muita gente dos vários quadrantes políticos e áreas de intervenção.

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