domingo, 29 de setembro de 2024

A QUALIFICAÇÃO É UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

 Lê-se no Público que, de acordo com dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, o número de estudantes inscritos no ensino superior, público e privado, no último ano lectivo voltou a ser o mais alto embora com uma subida menor que no ano anterior.

Não pode deixar de ser uma boa notícia, a qualificação é um bem de primeira necessidade para sustentar projectos de vida bem-sucedidos.

No entanto, nas actuais circunstâncias sociais e económicas, designadamente na situação de deslocados, muitos estudantes têm dificuldade em continuar.

Como aqui escrevi há algum tempo, de acordo com o Infocursos de 2024, que está a subir a taxa desistência dos alunos do superior no final do primeiro ano. Em 2022/2023, a taxa de desistência dos estudantes de licenciatura nestas circunstâncias era de 11,10% considerando a oferta de mais de 6 mil cursos de 282 instituições de ensino superior. É o número mais elevado dos últimos 8 anos e está a subir há quatro anos consecutivos.

A mesma situaçãoverifica-se com os alunos de cursos técnicos superiores profissionais revelando uma taxa de desistência de 26,9% em 2022/2023.

A estes indicadores não serão certamente alheios os custos da frequência do ensino superior ou o “desencanto” com a escolha.

Como referi acima, a qualificação é um bem de primeira necessidade e um forte contributo para projectos de vida bem-sucedidos o abandono é sempre preocupante.

Temos assistido um aumento do número de candidatos a bolsa, tal como em aumentado o número de estudantes que entra no ensino superior. Também é reconhecido que se tem verificado perda de rendimento de muitas famílias em consequência do impacto económico e social da pandemia e dos tempso qua também agora se vivem.

No entanto, apesar destas dimensões poderem constituir alguma justificação creio que importa não esquecer uma questão de natureza estrutural, estudar no ensino superior é muito caro em Portugal. Também a recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas não minimizou esta situação.

Algumas notas começando por alguns dados que já aqui tenho citado.

De acordo com Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo do superior está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%. Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza, também maior nível de qualificação.

Em 2018 foi divulgado um estudo já aqui citado, “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português” da responsabilidade do Instituto de Educação da U. de Lisboa, relativo ao ano lectivo de 2015/2016 mostrando que cada estudante universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas, material escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições universitárias privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos privados o custo será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem de primeira necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro, demasiado caro para muitas famílias e indivíduos.

Estudos comparativos internacionais, “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe”, por exemplo, também mostram que as famílias portuguesas são das que suportam uma fatia maior dos custos de frequência do superior sendo que ainda se verifica uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.

Apesar de um abaixamento do valor as propinas no ensino público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com valores bem mais altos de propinas, são, do meu ponto de vista, consideradas frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.

A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade pelo que apesar de ser um bem caro é imprescindível.

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