O Expresso apresenta uma peça da jornalista
Isabel Leiria em que se procura relacionar as metas curriculares com os resultados
dos alunos portugueses do 4º ano em dois estudos internacionais, o Progress in
International Reading Literacy Study (PIRLS) que em 2016 avaliou literacia na
leitura e o Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS) que
em 2015 avaliou o desempenho em educação matemática. Acrsce que no PIRLs se
verificou uma descida significativa nos resultados face à avaliação anterior
contrariamente aos resultados do TIMSS de 2015 que subiram.
Parece claro que esta relação
deve ser vista com prudência pois, como escrevi na altura, por um lado são
múltiplas as variáveis associadas ao desempenho dos alunos e, por outro, matemática e leitura também envolvem algumas especificidades.
Nesta perspectiva, a questão de
ser “contra” ou a “favor” das metas curriculares tal como na discussão sobre exames deve ser
vista com prudência e sem “facilitismos” de natureza simbólica ou real.
De facto, se a sua existência, só
por si, nunca me pareceu um contributo sólido para a qualidade da educação o
que é suportado por estudos, comparações e relatórios internacionais, a sua
inexistência, só por si, também não trará qualidade.
As metas curriculares, com esta
ou outra designação podem e devem funcionar como uma ferramenta orientadora e
útil para o trabalho de alunos e professores. Para que isso aconteça deverão
ser de simples utilização e operacionalização, clara para pais e comunidade e decorrentes de modelos
curriculares diferentes dos actuais, demasiado extensos, prescritivos e
espartilhados. Julgo que o modelo seguido para a definição da Orientações
Curriculares para a Educação Pré-escolar podiam ser inspirador de alguma
mudança. Também sabemos que diferentes países com níveis de desempenho mais elevado
ou mais baixo também apresentam concepções curriculares diferenciadas embora
saibamos que modelos curriculares mais abertos se tornam mais “amigáveis” para professores
e alunos sustentando maior capacidade de acomodação da diversidade dos alunos e
maior probabilidade de práticas pedagógicas mais diferenciadas.
Importa ainda considerar a
importância da existência de dispositivos de avaliação externa.
Na mesma linha deverá ser
cauteloso o processo relativo às metas curriculares embora tenhamos sempre de
considerar a tentação do “ímpeto reformista” que as sucessivas equipas do ME
sentem levando o sistema a uma deriva inconsequente e com efeitos negativos.
Estou perfeitamente à vontade
porque desde o início afirmei que as metas curriculares, tal como estão
definidas, podem ser parte do problema e não parte da solução. Trabalhos como o
da Professora Dulce Gonçalves da Universidade de Lisboa sobre o 1º ciclo e
centrado na língua portuguesa, a posição da esmagadora maioria das associações
profissionais de professores e o contacto com muitos professores e escolas
mostram a tremenda dificuldade criada a professores e alunos pela forma como
estão definidas as metas curriculares.
No entanto, insisto, a mudança
que me parece necessária deve ser muito cautelosamente e solidamente preparada.
Vejamos apenas o 1º ciclo em
Matemática e Português. Em Matemática são definidos 3 domínios que se desdobram
como segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13 objectivos e 62 descritores, no 2º
ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82 descritores, no 3º ano em 11
sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no 4º ano em 6 sub-domínios, 15
objectivos e 81 descritores o que em síntese corresponde a 72 objectivos e 323
descritores para Matemática do 1º ciclo.
Se juntarmos Português teremos um
total de 177 objectivos e 703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano, 33
objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51
objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. É obra,
uff.
O Programa de Português para o
ensino Básico estabelece perto de 1 000 metas curriculares,
Este entendimento pode levar a
que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list"
das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças,
óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem. Esse o grande risco
das metas tal como estão definidas.
Aliás, neste contexto recordo a
afirmação dos autores das metas curriculares, de que estas estabelecem o que os
alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o
ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”.
Este cenário, aplicado em todas
as áreas ou disciplinas, em turmas que apesar da reversão em curso podem ainda
ter 26 alunos no 1º ciclo e de 30 a partir do 5º ano, constituídas por alunos
com ritmos diferentes e assimetrias nos seus percursos e competências e características socio-demográficas, deixa-me
uma imensidade de dúvidas sobre a aplicação das metas curriculares, tal como
estão definidas actualmente.
Em síntese, sim esta situação
necessita ajustamentos mas “depressa e bem não há quem” e as “reformas” devem
ser preparadas com competência, com participação, com recursos e com tempo.
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