sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

PAI COMPRA LÁ. NÃO

No Observador encontra-se uma peça que suscita alguma reflexão. Um trabalho “European Consumer Payment Report 2017, realizado pela Intrum Justitia em 24 países europeus mostra que os pais portugueses inquiridos são altamente permeáveis à pressão exercida pelos filhos para a realização de compras lavando a gastos superiores ao ajustado.
Os pais com 18-34 anos são os que mais assumem, 88%, gastar prendas que não deveriam e fazem-no por pressão, designadamente, a que associam às redes sociais.
A questão não é nova e todos os que lidamos com os mais novos conhecemos os seus efeitos. Recordo que já em 2015 a Direcção-Geral do Consumidor referia receber queixas sobre a utilização de crianças em publicidade mesmo em produtos que lhes não são destinados. Está utilização não é recente embora muitos pais não estejam suficientemente atentos. Como é evidente a estratégia é eficiente e, portanto, tentadora para os especialistas em marketing e publicidade.
Na verdade, alguns estudos nesta matéria, sugerem, surpreendentemente, que as crianças até aos 7 anos podem influenciar até 70% das decisões de compra da família, mesmo quando se trata de produtos que não lhes são directamente dirigidos. Esta influência mantém-se ao longo da infância e juventude.
Esta questão, a publicidade que tem por actores e suporte os miúdos e forma como nós adultos lidamos com isso, é complexa, envolvendo aspectos legais, considerando leis e direitos, educativos, culturais, sociais, etc. pelo que não é fácil a sua abordagem e gestão.
Será ingénuo pensar que quem produz bens destinados aos miúdos ou que cuja aquisição possa ser pressionada pelos miúdos, não tenha a tentação de que a mensagem publicitária seja o mais eficaz possível, ou seja, venda, não importa o quê, desde um alimento hipercalórico à última versão do videojogo ou as férias dos pais em locais atractivos para os miúdos.
Apesar das dificuldades que atravessamos, estamos num tempo de “és o que tens e se não tens … não és”, o que afectando os adultos, veja-se as situações de crédito malparado familiar por compras compulsivas e sem base económica sustentada, não pode deixar de influenciar os mais novos.
No entanto, acredito que podemos fazer alguma coisa junto dos pais e dos miúdos para tentar atenuar os efeitos deste cenário. As escolas poderiam ter um trabalho interessante debatendo com os miúdos, de todas as idades e de forma adequada, o papel da publicidade nas escolhas e nos gostos deles promovendo uma atitude mais consciente e crítica destes processos. Poderia também ser interessante conversar com os pais sobre o papel dos “presentes” e das “compras” nas dinâmicas e relações familiares, isto é, mais prendas e mais compras não é necessariamente melhor ou ainda sobre o papel da publicidade e a forma de lidar com a pressão desencadeada pelos filhos depois de verem “os ecrãs” ou as mensagens publicitárias.
Muitos pais acreditam ser imunes a esta “pressão” e não assumem essa influência que, no entanto, é comprovada. Em períodos como o que atravessamos, submersos em espírito natalício, este efeito é potenciado no âmbito das compras de Natal. Já tenho promovido de forma informal e com gente mais pequena o exercício de registar durante um período de tempo quanta publicidade lhes é dirigida ou procura envolvê-los na decisão dos pais. Quase sempre ficam admirados com a quantidade registada.
No quadro de valores que de mansinho se instalou, “és o que tens” os miúdos, através de eficazes estratégias de marketing, são bombardeados com ofertas sobre o que “todos têm” pelo que todos querem ter para poder ser, porque, como disse, “não tens não és”. Por outro lado, os pais, muitos pais, devido aos estilos de vida sentem-se desconfortáveis na relação com os filhos e são vulneráveis a esta “pressão” dos miúdos assumindo com dificuldade o Não, aspecto que também aqui tenho referido.
Neste quadro, se por um lado a educação escolar, no âmbito da formação alargada, pode incorporar reflexão sobre consumo e comportamentos, é fundamental que os pais se sintam à vontade e com firmeza para contrariar o que muitas vezes não passa de uma estratégia de consumo habilmente promovida por campanhas de marketing cuja regulação ética é ligeira, para ser simpático. Neste sentido os pais devem sentir que um Não que pode desencadear uma birra poupará no futuro várias outras birras e alguns outros dissabores. Aliás, os miúdos embora não gostem, como provavelmente qualquer de nós, PRECISAM DO NÃO.
Na verdade, apesar da sua complexidade é uma matéria a que por muitas razões vale a pena dedicar atenção.

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