terça-feira, 5 de dezembro de 2017

ESTAMOS A LER PIOR OU A LER POUCO

Foram conhecidos os resultados de 2016 do estudo Progress in International Reading Literacy Study (PIRLS),promovido pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement.
O estudo analisa as competências de literacia em leitura e interpretação no 4º ano e é realizado de 5 em 5 anos envolvendo 50 países.
Parece relevante e exige reflexão que apesar de se situar acima da média o resultado dos alunos portugueses baixou 13 pontos passando da 19ª posição em 2011 para a 30ª em 2016.
No entanto, os alunos portugueses apresentam indicadores muito elevados, por exemplo, em “gosto pela leitura”, “empenho nas aulas” e forte “sentimento de pertença à escola” o que indicia uma relação globalmente positiva com a escola e com a aprendizagem.
O ME apressa-se a relacionar este desempenho com as medidas educativas do período em análise de que relevam a definição das metas curriculares e dos exames final do 1º ciclo.
Tal como acontece com a luta pela paternidade dos bons resultados é necessária alguma prudência na análise de resultados menos positivos e no remeter para a formação de professores a solução das dificuldades. Aliás, os próprios dados evidenciam o peso de variáveis como "recursos disponíveis" nos contextos familiares".
Os que por aqui passam com regularidade lembrar-se-ão de intervenções recorrentes relativas à forma e conteúdo das metas (não da sua existência) e da falta de convicção que o exame final, só por existir fosse condição para melhoria. No entanto, também tenho dito que alterar currículo e acabar com o exame só por si nada garante.
Estou perfeitamente à vontade porque desde o início afirmei que as metas curriculares, tal como estão definidas, são parte do problema e não parte da solução. Trabalhos como o da Professora Dulce Gonçalves da Universidade de Lisboa sobre o 1º ciclo, a posição da esmagadora maioria das associações profissionais de professores e o contacto com muitos professores e escolas mostram a tremenda dificuldade criada a professores e alunos pela forma como estão definidas as metas curriculares.
No caso do 1º ciclo em Matemática foram definidos 3 domínios que se desdobravam como segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13 objectivos e 62 descritores, no 2º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82 descritores, no 3º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no 4º ano em 6 sub-domínios, 15 objectivos e 81 descritores o que em síntese corresponde a 72 objectivos e 323 descritores para Matemática do 1º ciclo.
Se juntarmos Português teremos um total de 177 objectivos e 703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano, 33 objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51 objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. É obra, uff.
O Programa de Português para o ensino Básico estabelece perto de 1 000 metas curriculares,
Este entendimento, sempre o referi, poderia conduzir a que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem e com efeitos eventualmente negativos.
As metas curriculares, com esta ou outra designação podem e devem funcionar como uma ferramenta orientadora e útil para o trabalho de alunos e professores. Para que isso aconteça deverão ser de simples utilização e operacionalização e decorrentes de modelos curriculares diferentes dos actuais, demasiado extensos, prescritivos e espartilhados.
No âmbito da aprendizagem da leitura e também da escrita algumas das  dificuldades experimentadas pelos alunos nesse processo radica em muitas situações no facto de, independentemente de questões relacionadas com as metodologias que foram sendo utilizadas pelos professores, das suas opções e competências na didáctica da Língua portuguesa, muitos os alunos, de uma forma geral, lêem e escrevem pouco.
Podemos aduzir uma série de razões para que isto aconteça, questões que decorrem da concorrência da actividade de leitura e escrita com outras actividades ou meios percebidas aos olhos dos alunos como mais apelativas, poucos hábitos de leitura no ambiente familiar, alguns equívocos nas concepções sobre práticas pedagógicas que levaram a que durante algum tempo, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade, se descurasse, mesmo quando tal era possível, a actividade de leitura individual e à escrita na sala de aula por parecer “conservador” ou “pouco activo”, etc.
Por outro lado, actualmente, estamos num tempo em que desde o 1º ciclo, a pressão sobre a escola, a natureza e extensão dos conteúdos curriculares e a visão que os informa, o estabelecimento de metas curriculares de forma excessiva e burocratizada, além de outra variáveis como o tempo passado na escola ou a pressão da avaliação externa, criam algumas dificuldades a professores e alunos no sentido de se estruturarem espaços e tempo de leitura e escrita que não sejam no cumprimento estrito das metas e dos manuais ou, naturalmente, fora das actividades lectivas.
Com o pouco tempo disponível e com a concorrência fortíssima de outras actividades a tarefa não é fácil.
Muitos professores, designadamente no 1º ciclo e os de Português nos anos seguintes, referem justamente que seria desejável que os alunos tivessem mais tempo para ler e escrever em contextos e actividades "livres" dos manuais ou das obras prescritas pelo programa. Os mais novos, e não só, lêem e escrevem pouco e esses hábitos são persistentes. Apesar de alguns ganhos observados no âmbito do Plano Nacional de Leitura.
Mas mais do que as razões, e todas contribuirão para a situação que temos, é importante, diria imprescindível, que nos convencêssemos todos, professores, pais e outros actores, que só se aprende a ler, lendo, só se aprende a escrever, escrevendo, só se aprende a andar, andando, só se aprende a falar, falando, etc., etc.


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