domingo, 15 de junho de 2025

DOS CONTINGENTES ESPECIAIS NO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR

 No âmbito do Programa do Governo está contemplada a possibilidade de alargamento do contingente especial previsto no acesso ao ensino superior para alunos de famílias com carências económicas.

Actualmente, o contingente, definido no ano de 23/24, é de 2% das vagas e destina-se a alunos beneficiários do escalão A dos Apoios Sociais.

Um trabalho, “Avaliação de Impacto do Contingente Prioritário para Beneficiários de Acção Social Escolar (ASE-A)", do Edulog, Fundação Belmiro de Azevedo, refere que em 2023 41% dos alunos do escalão A não teriam conseguido o acesso pois a sua nota de candidatura era inferior à nota mínima de entrada através do regime geral de acesso.

No entanto, considerando os 3367 candidatos elegíveis, apenas 43% optaram por se candidatar através do contingente especial.

Como já aqui tenho escrito, é habitual considerar-se recorrer a quotas ou contingentes especiais para minimizar exclusão ou desigualdade, não sendo o ideal, pode ajudar a minimizar os problemas. A título de exemplo e atentando num outro grupo com contingente definido e considerando dados de 2017/2018, frequentaram o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior, sendo que apenas 14% das vagas do contingente especial para estes estudantes foram ocupadas.

Neste contexto, levanta-se uma questão crítica, o caminho só por aqui é demasiado estreito.

Importa sublinhar que o combate à desigualdade e a promoção de igualdade de oportunidades se exige desde a educação pré-escolar e em todo o trajecto escolar com a existência de dispositivos de apoio suficientes e competentes.

A decisão de continuar para o ensino superior é construída durante todo o trajecto do básico e secundário. Percursos com mais sucesso promovem expectativas mais elevadas de alunos e famílias, valorizam o conhecimento e a qualificação e, portanto, são mais potenciadores da intenção de continuar a estudar. Donde, é imprescindível um forte investimento em recursos e dispositivos de apoio que sustentem mais sucesso para todos os alunos de todas as escolas.

Com maior frequência que noutros grupos demográficos, as famílias mais vulneráveis expressam também expectativas mais baixas ou nulas sobre o sucesso escolar dos seus filhos e sobre a importância de estudar.

Neste contexto seria desejável trabalho de mediação com recursos competentes e adequados no trabalho com as famílias no sentido de reajustar expectativas e reconstruir a atribuição importância ao estudo e à qualificação. As pessoas com baixas expectativas acomodam mais facilmente o insucesso, é o “destino”, aprendem a viver com essa “fatalidade” o que lhes tranquiliza a forma como olham para si e para os seus filhos.

As famílias portuguesas enfrentam um dos mais caros sistemas de ensino superior da UE e da OCDE apesar do abaixamento das propinas. Donde, é crítica a questão dos apoios à frequência, tipologia, número de bolsas e critérios de acesso a essas bolsas, para lá da existência ou não de contingentes ou quotas.

Embora já seja feito em muitas escolas, sobretudo no final e durante o pós-básico, seria desejável que os dispositivos de orientação vocacional tivessem os recursos necessários para de forma alargada providenciarem informação clara sobre a natureza da oferta formativa, das suas características e solicitações, a que áreas de desempenho permitem aceder no mundo profissional, etc. Por outro lado, esse apoio também envolve o trabalho com os alunos no sentido de ajudar a um processo de tomada de decisão que seja base para procurar qualificação, de natureza diversa, no ensino superior.

Já no ensino superior e para todos os alunos é importante que existam dispositivos de apoio institucionais e também formas de mentoria desenvolvidas já por alunos a frequentar os estabelecimentos que contribuam para melhores e mais rápidos processos de adaptação a novas rotinas, métodos de trabalho, dificuldades de adaptação, etc. O nível de desistência da frequência é alto e mais alto nas populações mais vulneráveis.

Uma nota final para o óbvio, as mudanças mais estruturais requerem investimentos e os recursos são finitos, nenhuma dúvida. No entanto, as políticas públicas exigem opções e, também por isso, são avaliadas.

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