quarta-feira, 4 de junho de 2025

SEMENTES DE MAL-ESTAR

 É impossível não ficar impressionado com o grave episódio agora conhecido envolvendo um jovem de Santa Maria da Feira, com 17 anos, que através de uma rede social conseguiu convencer vários menores no Brasil a realizar atrocidades incluindo um massacre escolar que motivou a morte de uma aluna e a tortura de animais de companhia. Estão também em causa a partilha de vídeos de abuso sexual de menores, incluindo bebés, divulgando cenários de violência e brutalidade impressionantes.

É ainda causa de grande perplexidade a ocorrência de uma situação desta natureza desencadeada por alguém com 17 anos.

Dito isto, também sabemos que nos tempos que correm o clima social, relacional e emocional nas comunidades de que fazemos parte nem sempre é muito amigável e cria caldos de cultura relacional em que o clima nas comunidades é ele próprio menos favorável ao bem-estar. Acresce o mundo que se esconde nos alçapões da net, designadamente nas redes sociais

Apesar de em Portugal estes casos de violência extrema serem menos frequentes e de menor gravidade que noutros países, levam-nos a questionar os nossos valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.

Esta perplexidade exige a necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas, mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade e, cada vez mais, a net está ali à mão, discreta e potente ferramenta para acções em múltiplos sentidos, neste caso o pior.  

A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e agressividade. Uma outra via em que aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um ataque numa escola ou noutro espaço público ou uma investida contra alguém arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente.

Um caminho mais difícil de rastrear, percorre-se à frente de um ecrã, com acesso a um sem fim de oportunidades para alimentar, criar e desencadear comportamentos incontroláveis de profunda e múltipla violência.

É evidente que a detenção constitui um importante sinal de combate à sensação de impunidade perigosamente presente na nossa comunidade, mas é minha forte convicção de que só punir e prender não basta para minimizar o risco de episódios desta dimensão trágica.

Sabendo que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da violência, de delinquência continuada ou de insegurança.

Importa ainda estratégias mais proactivas e eficientes de minimizar, a exclusão, o abandono e insucesso educativos, o “mal-estar” psicológico e problemáticas de saúde mental, a guetização e "quase total" e, muitas vezes, a desocupação de quem não estuda, nem trabalha. Para esta gente, o futuro passa por onde, por quem e porquê?

Finalmente, a importância de uma precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.

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