Por estes dias aqui no Alentejo e
para descansar um pouco da lida no Monte, é sempre pesada, fomos dar uma volta
por uma zona de que gostamos muito nas várias épocas do ano, os bosques de
castanheiros na zona de Aracena e Aroche na estrada para Sevilha.
Entre Vila Verde Ficalho e Rosal
de la Frontera ao passar pelo local da antiga fronteira a memória acendeu-se.
As minhas viagens ao estrangeiro
começaram por volta dos meus 12 ou 13 anos com idas a Badajoz ou, bastante mais
longe, a Sevilha, possibilitadas horas de costura da minha mãe e de um dinheiro
extra vindo do trabalho a prémio do meu pai, serralheiro no Arsenal do Alfeite.
Nessas viagens a passagem das
fronteiras do Caia ou de Ficalho eram sempre momentos tensos que se viviam em
silêncio e com algum temor. Recordo que batíamos palmas quando passávamos a
fronteira na vinda, a Guarda não descobriu ou não quis descobrir as garrafas de
Coca-Cola que vinham escondidas na roupa. Sim, a Coca-Cola era proibida em
Portugal.
Ainda durante vários anos e já
mais velho passei por várias experiências pouco positivas em fronteiras,
lembro-me, por exemplo, de revistas, demoras e dúvidas que me tocavam com
frequência e de episódios complicados para entrar na Holanda, na Alemanha ou na
antiga República Checa.
Entretanto e aos poucos a Europa
foi ficando sem fronteiras e em 2019 fará 30 anos que caiu uma das linhas de
separação mais simbólicas na Europa, o Muro de Berlim.
No entanto e é esse o meu ponto,
como diria Bob Dylan, The Times They Are A-Changin'.
Desde 2015 a quase totalidade da
Europa assiste sem grandes sobressaltos das suas lideranças à decisão de outras
e variadas lideranças de promover a construção de fronteiras, muros e barreiras
de arame farpado ou invisíveis mas eficazes alimentando a vida de terror e drama de muitos milhares de
pessoas a viver num inferno que, também, foi ateado pela incompetência de
decisões políticas dessas mesmas lideranças.
Talvez a relativa tranquilidade
com que se assiste à construção de muros e barreiras em diversos pontos acabe
por não ser estranha. Creio que ainda não há muito tempo não anteciparíamos que um
referendo no Reino Unido ditasse o Brexit cujos efeitos ainda não são
conhecidos. Aliás, o próximo ano não se afigura que possa trazer mudanças positivas na Europa, as nuvens são negras.
Os muros vão sendo construídos
nas nossas vidas conduzindo no limite à construção de "condomínios de um
homem só" rodeado de barreiras para que ninguém entre.
Alguns muros são menos visíveis
mas também não são facilmente transponíveis..
Na verdade, existem muros que
transformam a vida de muitas crianças, jovens e adultos, sobretudo e como
sempre dos mais vulneráveis, numa permanente corrida de obstáculos em que são
atropelados alguns dos seus direitos.
Estes muros são constituídos, por
um lado, por constituído por dimensões mais tangíveis, falta de recursos
humanos e técnicos, barreiras físicas e acessibilidade, insuficiência de apoios
de natureza social, etc.
Por outro lado, boa parte deste
muro é constituído por dimensões de outra natureza, desvalorização dos
problemas das minorias, intolerância, o entendimento de que os direitos humanos
são de geometria variável e dependentes da conjuntura, ou seja, se existir mais
dinheiro, teremos mais direitos.
Muitas crianças, jovens e adultos
estão ou sentem-se excluídos ou “tolerados” num canto das suas comunidades e
são também eles refugiados de um quotidiano que os maltrata e é tantas vezes
insuportável.
As comunidades, mais do que a
mediocridade das suas lideranças, não podem deixar que estes muros se mantenham
e, mais grave, que se construam novos muros e barreiras.
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