Um trabalho do think tank da
Fundação Belmiro de Azevedo, Edulog, “A equidade no acesso ao ensino superior”,
mostra que existe uma fortíssima associação entre o estatuto económico e o nível
de escolarização familiar na frequência do ensino superior. Os alunos com
famílias mais favorecidas acedem aos cursos com mais prestígio,
preferencialmente universitário e também com maiores dificuldades no acesso
que, como é sabido e julgo merecer reflexão, assenta quase que exclusivamente
nas notas obtidas no secundário. Por outro lado, os estudantes de meios
familiares menos favorecidos e menos escolarizados acedem mais a cursos de
menor procura e ao ensino politécnico. O coordenador do conselho científico do
Edulog, Alberto Amaral, também presidente da Agência de Avaliação e Acreditação
do Ensino Superior (A3ES), o organismo público que regula os cursos superiores
afirma ainda, “Quem não tem possibilidade de ir
para um colégio privado ou ter explicações, não consegue bater essa dificuldade
[e atingir a médias exigidas]. É a isso que estamos a assistir neste momento” e
recorda o também conhecido fenómeno das escolas simpáticas, a inflação de notas
internas no ensino secundário que acontecem particularmente em escolas
privadas.
Sendo este o retrato do que se
verifica quando se acede ao ensino superior mais se justifica o repensar da
forma de acesso. No entanto, creio que a questão mais central está no percurso
anterior dos alunos que já é marcado pelas variáveis sociodemográficas, estatuto
económico e nível de escolarização familiar, sendo que a escola nem sempre
consegue fazer a diferença e promover mais equidade e mobilidade social, seja
em Lisboa ou em Portalegre.
Recordo um estudo divulgado em
2017, “Mobilidade Social em Portugal”, realizado por Teresa Bago D'Uva e Marli
Fernandes e divulgado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que evidenciava
claramente a dificuldade de promovermos mobilidade social, ou seja, em Portugal
a escolaridade e profissão dos pais têm um impacto fortíssimo no trajecto de
qualificação dos filhos, superior ao que se verifica no espaço europeu.
Também considerando um trabalho
conhecido em 2016 realizado pela Direcção-Geral de Estatísticas de Educação,
“Desigualdades Socioeconómicas e Resultados Escolares – 2.º ciclo do ensino
público geral”, mostrava com clareza esta realidade. Sublinhava mais uma vez a
forte relação entre variáveis de natureza social e económica, nível de
escolaridade das mães por exemplo, e os resultados escolares dos filhos.
A percentagem de sucesso no 2º
ciclo de alunos com mães com licenciatura ou bacharelato é de 80%, entre os
alunos com mães com o equivalente ao 4ºano é de 26%. Se extremarmos as
habilitações, sem habilitações face a mestrado a doutoramento, temos um
intervalo de 85 para 83%.
Estes resultados não são
propriamente surpreendentes tal como no estudo anterior que considerava o
3ºciclo. A capacidade preditora da variável escolaridade dos pais, em
particular a das mães no nosso caso, relativamente ao percurso escolar dos
filhos é ainda muito significativa e comprovada em múltiplos estudos em
diferentes paragens. A análise dos resultados escolares em exames nacionais
cruzando com a habilitação escolar dos pais mostra isso mesmo.
Recordo ainda uma análise da OCDE
cruzando os resultados escolares dos alunos de diferentes países no Estudo
comparativo PISA relativos a 2012 com as profissões dos pais, mostra que em
Portugal, mais do que noutros países, os filhos de pais mais qualificados têm
melhores resultados.
Na verdade, desde sempre que os
estudos, designadamente no âmbito da sociologia da educação, associam a
carreira escolar e o estatuto profissional dos filhos ao nível de escolaridade
e estatuto económico dos pais.
Também sabemos que isto é tanto
mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade. Em Portugal
verifica-se ainda um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia
pelo que a relação entre os níveis escolar e salarial dos pais e os dos filhos
é ainda mais forte. O trabalho agora apresentado vem, mais uma vez, confirmar a
realidade que conhecemos, a enorme dificuldade da escola de promover mobilidade
social, ou seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o
nível atingido pelos filhos. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de
quando era pequeno, haver quem se admirasse do meu pai, um serralheiro, ter
decidido que eu continuaria a estudar.
Acresce que as circunstâncias
conjunturais e estruturais das políticas educativas, apesar de alguma
recuperação não garantem equidade nas oportunidades, dificilmente sustentam que
a educação e a qualificação também com equidade.
Deste quadro, resulta uma
complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a
escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o
papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, ou seja, a escola
que deveria ser parte da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser
parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá
ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante equidade e
igualdade de oportunidades. No entanto, não teremos alternativa, é a escola pode
e deve, de facto, fazer a diferença.
Assim, mais uma vez, a questão central será a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá
assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados,
processos, autonomia e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade
para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade
de entrada e, terceiro eixo, diferenciação de metodologias, diferenciação
progressiva e não prematura dos percursos de educação e formação.
No actual cenário, quando se
entende e espera que a educação e qualificação possam ter um papel decisivo na
minimização de assimetrias, as políticas, os custos e a dificuldade de acesso podem,
pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa, "tal
pai, tal filho", pai (mãe) letrado, filho letrado e pai (mãe) pouco
letrado, filho pouco letrado.
Assim sendo, são necessárias
políticas públicas para o médio prazo, estabelecidas com base no interesse de
todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação. A
continuar na deriva a que nas última décadas nos entregamos, daqui a algum
tempo um novo estudo de dentro ou de fora virá dizer ... provavelmente o mesmo.
Sem comentários:
Enviar um comentário