Talvez porque estejamos à porta
de nova época de exames a que, evidentemente se seguirá a divulgação de um
produto sazonal que dá pelo nome de “rankings escolares”, o DN retoma uma
notícia de Outubro de 2018 que também na altura tive oportunidade de aqui
referir e me parece merecer discussão alargada mas, certamente, inconclusiva
dada a sua natureza.
Em Singapura terá sido decidido abolir a partir do próximo ano lectivo a construção e divulgação de rankings escolares com base nos resultados em exames bem como não divulgar outras
informações de natureza comparativa sobre o desempenho escolar dos alunos.
A decisão, de acordo como o
Ministro da Educação, Ong Ye Kung, assenta no princípio a promover junto dos
alunos e famílias que “aprender não é uma competição”. Aliás, será interessante
considerar toda a argumentação e sustentação da medida. A decisão é ainda mais
surpreendente considerando a posição cimeira habitualmente ocupada por Singapura
nos estudos comparativos internacionais e na sua habitual defesa destes
dispositivos.
Como escrevi na altura, esta
decisão merece umas notas.
Apesar de continuar com
dificuldade em defender a sua bondade não tenho uma atitude fundamentalista
face à sua construção, sobretudo considerando a evolução que se tem verificado
nos últimos anos, quer na disponibilização de informação por parte do ME para
além dos “meros” resultados da avaliação externa, quer na forma como essa
informação é tratada e divulgada por diferentes entidades.
No entanto, apesar da muita
informação revelada, os rankings não revelam, e não revelam, sobretudo, que se
fará a seguir com a informação que os rankings mostram (e não mostram). Na
verdade, também não mostram o que não se pode medir mas se pode avaliar e que é
tão essencial como o que se mede. Dito de outra maneira, mantenho a dúvida
expressa por Gil Nata e Tiago Neve do Centro de Investigação e Intervenção
Educativas da U. do Porto que num texto no Público no início deste ano
questionavam, “Assim, passados 20 anos, a pergunta impõe-se, onde estão as
evidências de que a publicação dos rankings tenha contribuído para a melhoria
do sistema educativo? “
Sendo um defensor intransigente
de uma cultura e prática de exigência, avaliação e qualidade, parece-me bem
mais importante o aprofundamento dos mecanismos de autonomia e
responsabilização com a existência em todos os agrupamentos ou escolas de
Observatórios de Qualidade (muitas têm) que integrem também elementos
exteriores à escola. Existem capacidade técnica e recursos suficientes. O
trabalho realizado por esses Observatórios, este sim, deveria ser divulgado e
discutido em cada comunidade e passível de leituras cruzadas com dados
nacionais.
Ainda a propósito e como aqui já
tenho citado, Gert Biesta da Universidade Stirling numa obra notável,
"Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics,
Democracy", afirma que uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão
continuada de uma dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que
medimos?". No mesmo sentido e numa entrevista ao Público em 2011, o
Professor Biesta afirmava sugestivamente, “Os rankings são muito antiquados e
não devem ter lugar numa sociedade civilizada". Aliás, nesta altura
assisti a uma sua notável conferência sobre a questão da medida e da avaliação
em educação.
Uma pequena curiosidade ainda relativa
a Singapura. Em 2014 o Expresso dedicou um trabalho a alguns países asiáticos
que habitualmente ocupam lugares cimeiros nos estudos comparativos
internacionais. Foram referidas as experiências de famílias portuguesas com
filhos nesses sistemas educativos. Uma mãe referiu que em Singapura uma das
primeiras coisas que mais a impressionou foi a dimensão das filas de crianças à
porta dos centros de explicações ao fim de semana, "parecem
formigas", "No 6º ano os alunos são submetidos a um exame nacional,
Só os mais bem classificados acedem às escolas secundárias de elite, a que
todos aspiram". Uma outra mãe portuguesa também em Singapura afirmou
"Há a assumpção de que todos têm de ser bem-sucedidos. Quem tem mais
dificuldade é posto de parte. Estão a surgir cada vez mais casos de depressão
entre as crianças".
Como escrevi na altura, não quero
esta escola e esta educação para os meus netos e para todos os outros miúdos.
Pode ser que a decisão agora
tomada mostre ser possível que a imprescindibilidade de avaliar e medir em
educação não tem que a transformar numa competição exacerbada e promotora de
mal-estar.
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