No Record tropecei com uma
notícia que não pode deixar de provocar um sobressalto de inquietação e
perplexidade. Num jogo de futebol do escalão “traquinas”, crianças de 8 e 9
anos, realizado em Alverca, o pai de um dos miúdos agrediu violentamente um árbitro. Talvez seja de
recordar que nestes escalões os principais objectivos estabelecidos são (de acordo com a FPF):
Cultivar e estimular a alegria de jogar futebol, Criar marcas para a vida, Incentivar
as crianças a pensar e a decidir (não formatar), Conquistar a riqueza motora
(diversidade de bolas, balizas, regras de jogo,...) e Recriar
contexto de futebol de rua.
No entanto, lamentavelmente, trata-se
“apenas” de mais um episódio de uma série regular e inaceitável.
É claro que a esta atitude não
será alheio o clima explosivo que se tem vindo a instalar com a prestimosa e
esforçada colaboração de dirigentes e “comentadores” promovendo o risco cada
vez maior de violência e agressão e acabando definitivamente com a velha
fórmula do desporto como escola de virtudes. Torna-se cada vez mais difícil
alimentar isto.
Por outro lado, é apenas uma
questão de escala, trata-se de mais um retrato de como feias são frequentemente as relações
entre as pessoas, comunidades ou países.
Parece-me de retomar algumas
notas sobre a forma negativa como alguns pais se comportam quando assistem à
prática desportiva dos filhos seja em treino, seja em competição.
O fenómeno não é novo,
evidentemente. Já aqui contei este episódio, há mais de duas décadas o meu
filho era praticante juvenil de uma modalidade colectiva num clube pequeno,
hóquei em patins. Por curiosidade era guarda-redes, uma posição ingrata e que
me deixava sempre inquieto com os riscos mas de que ele gostava, na qual se
empenhava em conjunto com um grupo de que ainda hoje conserva amigos.
Nos treinos, mas sobretudo em
jogos o comportamento a que assistia por parte de alguns adultos (pais) era,
por assim dizer, muito “envolvido”. Nem sequer falo das “orientações”
constantes substituindo o treinador ou dos incentivos, da exigência e da pressão
sempre ruidosas. Falo de em muitos recintos ver miúdos a ser insultados e
ameaçados. Numa circunstância um dos miúdos foi mesmo agredido por uma senhora
quando patinava junto à lateral do campo. Quando assistia a jogos em alguns
locais o ambiente era preocupante e intimidatório. Estamos a falar de jogos
entre crianças. Lamentável e um espelho de um quadro de valores instalado.
No entanto e sendo isto verdade,
é importante também dizer que provavelmente mais do que hoje, as condições
mudaram, eram o empenho e o voluntarismo de alguns pais que permitiam que
muitas crianças praticassem algum desporto em clubes e estruturas muito
pequenas e com meios e recursos insuficientes.
Ainda sobre a forma como alguns
pais se relacionam com os filhos a propósito da prática desportiva deixo uma
cena a que também assisti e que também aqui divulguei que parece elucidativa de
uma atitude muito generalizada, lamentavelmente.
Actores principais - Pai e filho
com uns 6 ou 7 anos
Actores secundários - A mãe que
entre chamadas no telemóvel grita incentivos para o filho
Cenário - uma zona relvada com
dois pinos colocados de forma a simular uma baliza.
Assistentes discretos - o escriba
Guião - O pai ensina o filho a
dar pontapés numa bola de futebol em direcção à baliza dos pinos
Cena e diálogo (reconstruído a
partir de excertos ouvidos pelo escriba)
O pai apontando para uma zona do
pé do miúdo que tem botas de futebol calçadas - Já te disse que é com esta
parte do pé que tens de acertar na bola, vê se tomas atenção.
O miúdo em silêncio faz mais uma
tentativa que não sai muito bem, não acerta na baliza.
O pai - Assim não vale a pena,
não fazes como te digo, tens que estar concentrado, (aqui lembrei-me do Futre,
um homem concentradíssimo e, certamente por isso, um grande jogador).
O filho - Mas eu dei com esta
parte.
O pai - És parvo, se tivesses
dado com essa parte a bola tinha ido para a baliza. Faz outra vez.
O miúdo com um ar completamente
sofredor executa o que em futebolês se chama o gesto técnico e a bola
teimosamente voltou a não sair na direcção desejada.
O pai - Pareces burro, se queres
ser jogador de futebol, tens que te aplicar, (será que o miúdo quer mesmo ou
será o pai que quer viver um sonho que foi dele e que agora cobra no filho?).
O miúdo, desesperado, sentou-se
no chão com ar de quem espera o fim do jogo.
O pai, irritado, mandou a bola
para longe com um forte pontapé.
O escriba pensou que se o árbitro
tivesse visto, o pai merecia um cartão por comportamento incorrecto.
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