Ontem, a propósito de entrevista
de Daniel Oliveira à secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra
Leitão, em que esta manifestou fortes reservas relativamente ao recurso aos TPC, o DN
solicitou-me uma pequena colaboração numa peça sobre esta questão que, volta e meia,
entra na agenda.
Mais uma vez e para contribuir para
uma reflexão que me parece necessária retomo algumas notas.
Talvez fruto do clima de
fortíssima crispação que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as
ideias também tendem a ser crispadas, com opiniões definitivas e, aparentemente, sem margem de
entendimento. Também assim tende a acontecer quando se discute a questão dos
TPC, ser contra ou ser a favor. Sem qualquer visão fundamentalista ficam algumas ideias para uma discussão e mudanças que me parecem necessárias, aliás, umas não vão
sem a outra.
Num trabalho da OCDE, "Does homework perpetuate inequities in
education?" (que citei na
conversa com o jornalista e está referenciado na peça) e entre outros dados
interessantes mostrava-se que os alunos
com famílias de meios sociais e económicos mais favorecidos gastarem mais 2
horas em trabalhos de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais
baixo o que, sublinhava a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.
Neste contexto, parece-me
pertinente recordar que o nível de escolaridade dos pais, em Portugal conforme
todos os estudos conhecidos é um fortíssimo preditor do sucesso escolar dos
filhos.
Estes dados sustentam o
entendimento de que os trabalhos de casa correm o sério risco de alimentar
desigualdade de oportunidades e obriga-nos a reflectir sobre a sua utilização.
Parece-me também importante o
facto de que no nosso sistema educativo os alunos do 1º, 2º e 3º ciclo podem
passar 8 ou 10 horas diárias na escola considerando o tempo lectivo, as
Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à família, (no
limite algumas crianças poderão bem mais de 40 horas semanais na escola, uma
enormidade). Este tempo de permanência na escola é um dos mais longos dos
países da OCDE. Acresce que em muitas circunstâncias, muitos alunos têm ainda
Trabalhos Para Casa que, nas mais das vezes, são a continuação ou a réplica de
trabalhos escolares, ou seja mais do mesmo.
Não tenho nenhuma posição fundamentalista,
insisto, mas creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho Para Casa e o
Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa
será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar,
pode ser um bom contributo para as aprendizagens dos miúdos. O que acontece
mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa.
Os TPC clássicos têm ainda o
problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem
ajudar os filhos mas não possuem habilitações para tal.
A propósito, sempre me lembro de numa
reunião de pais em que participava já há muitos anos e se discutia esta
questão, dizia uma mãe, “o senhor, da maneira que fala, se calhar é capaz de
ajudar o seu filho, mas na minha casa, chora a minha filha e choro eu, ela
porque quer ajuda, eu porque não sou capaz de lha dar.” Colocar os pais nesta
posição parece-me discutível, no mínimo.
Sim, eu sei, que é apenas uma
situação, não é a floresta mas dá que pensar.
Torna-se, pois, necessário que
professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de
casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai
pode, deve, envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola.
Tudo isto considerado, o recurso
ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência
para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências
adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem dificuldade
em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de
professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Naturalmente
tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de
"explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem
aceder.
No entanto, do meu ponto de
vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria
dispensar o TPC. É uma questão de saúde e qualidade de vida.
Parece ainda de sublinhar que os
estudos sugerem que "é sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o
tempo global de aprendizagem que está associado ao sucesso na aprendizagem.
Aliás, no citado relatório da OCDE também se conclui que não há uma relação
significativa entre o número médio de horas gastas nos TPC e os resultados
escolares.
Andaríamos melhor se
reflectíssemos sem preconceitos e juízos fechados sobre questões desta
natureza. Não é uma questão de ser a favor ou contra os TPC, é reflectir sobre
o que são? Como se utilizam? Que efeitos na generalidade dos alunos? Como se
adaptam às circunstâncias e diferenças de contexto dos alunos como idade/ciclo
de escolaridade, nível de escolarização familiar, etc.
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