quinta-feira, 26 de setembro de 2019

A VOZ DOS ALUNOS


Ontem foi apresentado com a presença do Secretário de Estado, João Costa, um trabalho resultante do Projecto ComParte & Educação iniciado em 2015 visando conhecer a opinião dos alunos sobre eventuais mudanças nas escolas que melhorassem o ensino. Desde 2015 terão sido recolhidas recomendações com a participação de mais de 3800 alunos.
Não conheço o trabalho mas referências da imprensa sublinham aspectos como a duração das aulas com a eventual existência de pausas e a necessidade maior comunicação entre docentes, mas também funcionários, e os alunos com dimensões a considerar em termos de melhoria.
Se bem estarão recordados em Novembro de 2016 o ME organizou em Leiria um encontro que reuniu alunos do ensino básico e secundário sobre temáticas como “O que aprendemos? Como aprendemos melhor? O que distingue os professores que constituem referências para nós? O que retemos do que aprendemos? Como utilizamos o que aprendemos? O que (não) mudaríamos na escola?”.
Na altura, escrevi sobre isso aqui, os alunos apresentaram questões como aulas mais práticas, mais debates, mais trabalho colaborativo, mas saídas da escola, diversificação das opções de escolha das disciplinas no secundário, mais actividades ligadas às expressões, mais conteúdos ligados à cidadania, maior ligação com a prática, promoção do espírito crítico, turmas mais pequenas, professores motivados e que não desistam dos alunos.
Não tenho um entendimento idealizado ou romântico do “diálogo” e do “ouvir os alunos” mas creio que importará, de facto, ouvir os alunos, todos os alunos, com real interesse no seu olhar e ideias sobre a sua vida escolar. Também sei que a voz de muitos alunos nas salas de aula são vozes perturbadoras e, também, frequentemente sinais de outros "mal-estares" e problemáticas, familiares, por exemplo.
Parece-me, portanto, uma iniciativa positiva esperando que seja mais uma iniciativa avulsa que possibilita uns títulos na imprensa e umas referências elogiosas da OCDE mas com pouco impacto no que se pretende, melhorar o trabalho de alunos e professores.
A propósito de ouvir os alunos, recordo que há algum tempo participei num conjunto de conversas com alunos do 2º e 3º ciclo em que se discutia o que era essa coisa de ser um bom professor.
A maioria dos alunos envolvia-se activamente e a continuidade das referências levou à identificação de uma resposta que se poderia sintetizar na ideia de que "bom professor é o que fala com a gente e explica bem".
Este entendimento lembrou-me, cito-o aqui frequentemente, o Mestre João dos Santos quando afirmava que alguém tinha sido seu professor "porque foi seu amigo".
De facto, o sucesso dos processos de ensinar e aprender assenta em dois eixos fundamentais, a qualidade do ensinar e a relação entre quem ensina e quem aprende. Do meu ponto de vista, a grande maioria dos professores estará equipada sobre o ensinar. A grande questão é que a nossa escola, de uma forma geral, não facilita a relação. Esta dificuldade decorre, fundamentalmente, da organização dos tempos lectivos, da natureza e extensão dos conteúdos curriculares das diferentes e muitas disciplinas, da crescente pressão para resultados tangíveis, o número de alunos por turmas em algumas escolas e agrupamentos, e do número de turmas leccionado por muitos professores, de um ensino demasiado assente no manual, da burocracia esmagadora, etc. para além, naturalmente, das concepções de alguns professores.
Os professores, muitos professores, sentem-se "escravos" do programa que deverá ser dado, sobretudo nos anos de exame e no ensino secundário e do pouco tempo disponível para construção da relação que na verdade se torna muito difícil.
Muitas vezes digo que os professores "falam" para o programa, para o explicar, e os alunos "falam" para o programa para o aprender. Não falam entre si sendo que, além disso, existe um grupo significativo de alunos que, por diversas razões como dificuldades ou desmotivação ou associadas a variáveis de contexto, não conseguem "falar" com o programa. Para estes, os professores vêem-se obrigados a falar, sobretudo para controlar os seus (maus) comportamentos.
Também por estas razões, continuo a entender como necessária uma mudança mais significativa na organização dos tempos da escola e dos conteúdos curriculares que tornassem mais fácil podermos ouvir os alunos dizer, "a gente tem bons professores porque explicam bem e falam com a gente".
Esta ideia não tem nada de romântico nem de utópico, assenta em algo de muito simples, a educação constrói-se com a relação que se alimenta com a comunicação.

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