Desculpem a insistência mas uma
família é um bem de primeira necessidade na vida de qualquer criança em
particular das mais novas.
Na semana passada realizou-se em
Genebra a 82.ª sessão do Comité dos Direitos das Crianças. Relativamente a
Portugal e entre outras questões o Comité alertou para o facto de que apenas 3%
das crianças retiradas das famílias estão colocadas em famílias de acolhimento.
O que está estabelecido determina que até aos seis anos as crianças que por
qualquer razão são retiradas da família devam ser colocadas em famílias de
acolhimento o que se inscreve na Convenção sobre os Direitos das Crianças. que
decorreu na passada quinta e sexta-feira em Genebra.
A realidade é que segundo dados
do último Relatório CASA, divulgado em Novembro passado e relativo a 2017,
apenas 3% (246) das 7553 das crianças sob tutela do estado vivem em famílias de
acolhimento enquanto 97% estão em instituições. A disparidade face à situação
noutros países da Europa é significativa, em Espanha e Itália são mais de
metade e Irlanda e Noruega têm 90% das crianças em famílias de acolhimento.
Ainda segundo o Relatório CASA
existiam 652 crianças até aos cinco anos em instituições generalistas e apenas
18 a viver em famílias.
Importa salientar que foi em 2015
que foi publicada legislação que estabelece o quadro das famílias de
acolhimento para crianças em risco mas, três anos depois a lei continuava por
cumprir.
A lei pretendia contrariar que a
institucionalização seja a resposta mais frequente, sobretudo no caso das
crianças mais novas, até aos seis anos, pelo que os números são elucidativos.
Aliás, o número de crianças nesta situação em famílias de acolhimento tem vindo
a decrescer, em 2008 viviam com famílias 918 face às 246 em 2017.
Esta situação inibe o
desenvolvimento de projectos que passem por colocar em contextos familiares crianças que
por situações de risco foram retiradas às famílias biológicas e ainda não estão
em processo de adopção e leva a que se mantenham em instituições.
Parece assim importante que sejam
criadas melhores condições que favoreçam a criação da pretendida bolsa de
famílias de acolhimento e que estas tenham um conjunto de apoios adequados e
justos. É óbvio que importa também definir dispositivos de regulação que
assegurem a qualidade educativa e cuidadora destes contextos.
Em nome do bem-estar das crianças e por múltiplas e bem diversificadas razões seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a
desinstitucionalização das crianças e a sua colocação numa família de acolhimento.
Um estudo de Paulo Delgado da
ESSE do Porto, creio que divulgado 2018,
refere que as crianças evidenciam uma percepção de bem-estar
significativamente diferente consoante estejam em família tradicional, 9.05
numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69 e em instituições,
7.61.
Recordo um estudo de há alguns
anos da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas
revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos
com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns
riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona,
evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as
próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou
outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os
importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve
acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram
desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que
por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, fazem-lhes mal,
pelo que a retirada pode ser uma necessidade justificada pelo superior
interesse da criança, um princípio estruturante das decisões neste universo.
Uma família é, de facto, um bem
de primeira necessidade.
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