Há alguns dias coloquei aqui umas
notas sobre o Regime Jurídico para a Educação Inclusiva aprovado em Conselho de
Ministros onde expressei a necessidade imperiosa de alteração do quadro legislativo
anterior, a mudança positiva em vários aspectos agora contemplados mas também
algumas dúvidas ou inquietações sobre algumas opções, incluindo teóricas e,
sobretudo sobre o seu impacto real na resposta à diversidade dos alunos com
qualidade e sustentada em princípios de educação inclusiva.
Como também disse, quero muito
que do processo de alteração resulte mais qualidade nos processos educativos de
todos os alunos, menos exclusão, tantas vezes em nome da … inclusão, mais
participação de todos os alunos nas actividades comuns, mais apoios e de
qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos
educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de
recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação
do trabalho desenvolvido que minimizem os efeitos em que, perdoem-me o excesso
e a repetição, da dimensão o sistema é verdadeiramente inclusivo, coexistem sem
um sobressalto práticas excelentes com práticas e discursos que atentam contra
os direitos de alunos, famílias e docentes.
O grande risco é que apesar de
uma “nova lei” se mantenha o “velho” quadro que referi acima, escolas,
professores e técnicos a desenvolver trabalhos de qualidade e assentes numa
perspectiva de educação inclusiva e que assim continuarão a tentar fazer, seja
qual for o quadro legal e escolas, professores e técnicos envolvidos em
práticas que, seja qual for o quadro legal, guetizam, excluem, não promovem
direitos, participação, pertença e aprendizagem, os verdadeiros critérios de
educação inclusiva que transformam a “integração” em “entregação”, os alunos
estão “entregados”, não integrados.
Por estas razões parece-me ainda
indispensável a existência de dispositivos de avaliação e regulação que não se
confundam com as competências da Inspecção-Geral da Educação e Ciência.
A propósito do que escrevi uma
colega de longos anos nestas lides comentou o meu texto no sentido em que a
perfeição não existe e … o caminho faz-se caminhando.
Não me quero sentir o Waldorf ou o
Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica mas a verdade é que
julgo que só mudar mesmo que num caminho ajustado não significa … mudar.
Um pequeno exemplo. O regime de
matrícula e de frequência no âmbito da escolaridade, Despacho Normativo 6/2018
de 12 de Abril deste ano, no Artigo 11.º “Prioridades
na matrícula ou renovação de matrícula no ensino básico” refere com segunda
prioridade os alunos “Com necessidades educativas especiais de caráter
permanente não abrangidos pelas condições referidas na prioridade anterior e
com currículo específico individual, conforme definido no artigo 21.º do Decreto
-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, na sua redação atual ou do diploma sobre educação inclusiva que lhe venha a suceder”.
Desde 2008 que entendo que o
Currículo Específico Individual é uma das maiores ferramentas de exclusão do
DL3/2008, foi muitas vezes utilizado de uma forma desregulada empurrando
crianças e adolescentes para trajectos que de inclusão têm nada. A sua própria
designação sempre me surpreendeu, um “currículo individual” só pode, acho eu, ser “específico.
Como é que um novo “paradigma”, a
eliminação da categorização, o fim das “necessidades educativas especiais”,
educação inclusiva x.0 vai acomodar, para usar um termo em moda, o CEI, esta
aberração perigosa.
O exemplo é um mau prenúncio e
leva-me a manter alguma reserva apesar de preferir o optimismo e a confiança.
A propósito, o Ministro da Educação deu uma entrevista ao DN de natureza pessoal que achei interessante e
em cujo final se lê:
Falou das diferenças entre
alunos. A escola está preparada para isso: respeitar a diferença?
Também aqui temos um caminho a fazer. Estamos a trabalhar muito na
inclusão. Tínhamos um processo de absoluta segregação, depois começámos a
trabalhar num processo de integração. E agora estamos a trabalhar na verdadeira
inclusão. Obviamente, com todos os instrumentos para que essa inclusão possa
ser total. Mas o caminho da segregação para a integração e até à inclusão é um
passo civilizacional.
Estarei de novo a parecer-me com Waldorf
ou o Statle mas a coisa não é bem assim. É verdade que a inclusão é um passo
civilizacional … se existir inclusão.
Por outro lado, nos últimos anos,
na generalidade dos nossos territórios educativos, mesmo em cada comunidade, tivemos,
temos e é o meu receio, teremos, crianças excluídas da escola, excluídas na
escola, crianças integradas na escola e também, felizmente, crianças incluídas
na escola e na comunidade. Aqui sim, como digo, o sistema é verdadeiramente inclusivo.
Por isso as minhas inquietações.
Repito o que acima escrevi. Um melhor quadro normativo é necessário e uma boa base de trabalho mas mais recursos e apoios de qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais
nos processos educativos de todos os alunos para além dos pais, a
disponibilização de recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e
dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido são aspectos críticos.
Sem comentários:
Enviar um comentário