Não é possível ler sem um sobressalto
a notícia relativa ao lançamento de um videojogo, o “Active Shooter”, disponível
nos próximos dias. Tem como “actividade” a simulação de um tiroteio numa
escola. O jogador pode assumir o papel de atirador e tentar causar o maior
número possível de vítimas, integrar a equipa de SWAT (Special Weapons And
Tactics) tentando impedir o ataque ou ser um sujeito a tentar sobreviver na
situação. As novas qualidades que o mundo nos vai mostrando continuam a surpreender.
Acresce que o jogo é de origem americana onde até esta altura do
ano ocorreram 18 tiroteios em escolas com um número elevado de vítimas.
Umas notas retomadas de textos anteriores
sobre esta matéria.
Antes de mais gostava de
sublinhar que reflexão deve ser cautelosa e sem “pre” ou
“pré” conceitos. Na verdade, a utilização dos videojogos não é uma matéria
de abordagem simples e num só sentido.
Uns opinam que os estudos sugerem
riscos no uso excessivo destes materiais, recordo uma conferência há algum
tempo realizada no ISCTE por Bruce D. Bartholow. Por outro lado, alguns
socorrem-se de estudos que não encontram nenhuma relação de causa efeito entre
o consumo de videojogos violentos e o desencadear de comportamentos de extrema
violência, sendo ainda que existe quem defenda, em abstracto, o potencial
educativo dos videojogos.
Sobre este último ponto recordo
um Relatório de 2009 do Parlamento Europeu coordenado por Toine Manders em que
se afirmava, curiosamente, que os resultados “contradizem muitos estudos que
sublinham a dependência e a violência que os videojogos podem provocar nos mais
pequenos, deixando alguns pais mais tranquilos” e, citando o próprio relatório,
os videojogos estimulam “a aprendizagem de factos e habilidades como a reflexão
estratégica, a criatividade, a cooperação e o sentido de inovação”. O relatório
também referia, no entanto, que alguns videojogos podem não ser apropriados
como o tempo excessivo neste tipo de actividade pode não ser positivo. O acesso
extraordinariamente facilitado a videojogos com conteúdos obviamente
desajustados algumas idades constitui justamente a base das opiniões mais
cautelosas.
Julgo que se trata de uma matéria
em que, por estranho que pareça, todos podem ter razão, ou seja, em muitas
crianças, adolescentes ou adultos, comportamentos de enorme violência aparecem
associados ao consumo de videojogos violentos mas nem todos os miúdos
adolescentes ou jovens que os consomem desenvolvem comportamentos de violência,
daí a inexistência de uma relação de causa-efeito.
A questão central, do meu ponto
de vista, não é "apenas" sobre se os videojogos fazem mal ou se fazem bem, é sobre o
tempo que ocupam na vida dos miúdos e sobre a qualidade e os conteúdos
disponíveis considerando a idade das crianças. Muitos de nós, especialistas ou
não, inquietamo-nos com o tempo excessivo que muitas crianças e adolescentes
passam sós, ou com outros "sós" do outro lado, agarradas a um ecrã,
numa espécie de teledependência e já configurando um comportamento aditivo com
consequências importantes no bem-estar dos mais novos.
Esta preocupação não tem nada a
ver com um entendimento definitivo de que os videojogos são perigosos embora
alguns o possam ser. No entanto, existem excelentes videojogos que, naturalmente, serão
úteis e positivos na vida dos miúdos incluindo os processos de aprendizagem
escolar.
Acontece que durante o período de
sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de
um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar
de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e
distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar
num quadro geral de pior qualidade de vida.
Uma outra questão e pretexto para
estas notas é a situação de adolescentes, jovens ou adultos para quem os
videojogos de entretenimento ou de apostas criam dependência, induzem mal-estar
e sofrimento bem como às famílias. São cada vez mais frequentes por
corresponderem a necessidades e problemas reais a referência a respostas
existentes ou necessárias para estas situações. Não adianta pensar que só
acontece aos outros. Pode, sem nos darmos conta, estar a instalar-se de
mansinho numa criança ou adolescente perto de si.
Comer faz bem às crianças, mas
comer excessivamente e produtos de má qualidade, provoca sérios problemas de
saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.
Estas matérias, a presença das
novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais,
alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as
implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são
muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos
pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da
qualidade de vida das crianças e adolescentes.
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